ROSIMEIRE DAS DORES LOPES
(coautora)
JÉSSICA MARIA GONÇALVES DA SILVA
(orientadora)
Resumo: O decreto de Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940 tratava no Título VI da parte especial os “Crimes contra os Costumes”, porém houve alterações importantes com a Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, sendo agora tais delitos denominados como “Crimes Contra a Dignidade sexual”. Com esta Lei foi incluído o artigo 217-A, que trata da descrição e penalidade da ação que configura o Estupro de Vulnerável. O presente artigo foi desenvolvido com ânimo em demonstrar a tipificação desta conduta pautada no que dispõe o Código Penal Brasileiro. Ainda, demanda concluir quais os requisitos para que se evidencie a posição de vítima e autor da ação. Para que se atenda os fins aos quais se propõe a presente pesquisa, serão realizadas revisões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, bem como uma análise crítica acerca da vulnerabilidade, do estupro bilateral, da autoria consensual sem emprego de violência e sem constrangimento e, por fim, da tipicidade da conduta e da circunspecção de idade prevista neste dispositivo legal.
Palavras-Chave: Vulnerabilidade. Tipicidade. Estupro. Artigo 217-A do Código Penal. Bilateral.
Abstract: The decree of Law 2,848 of December 7, 1940 dealt with Title VI of the special part “Crimes against Customs”, however, there were important changes with Law 12,015, of August 7, 2009, and now these crimes are called “Crimes Against Sexual Dignity”. This Law included article 217-A, which deals with the description and penalty of the action that constitutes the Rape of Vulnerable. This article was developed with the intention of demonstrating the typification of this conduct based on the provisions of the Brazilian Penal Code. Still, it demands to conclude which are the requirements so that the position of victim and author of the action is evidenced. In order to meet the purposes for which this research proposes, doctrinal and jurisprudential arguments on the topic will be carried out, as well as a critical analysis of vulnerability, bilateral rape, consensual authorship without the use of violence and without embarrassment and, finally, the typical nature of the conduct and the circumspection of age provided for in this legal provision.
Keywords: Vulnerability. Typicality. Rape. Article 217-A of the Penal Code. Bilateral.
Sumário: 1. Introdução - 2 Evolução histórica do crime de estupro; 3 Do estupro de vulnerável no Brasil; 3.1 Da tipicidade e elementos específicos do crime; 3.2 Da legislação aplicável.; 3.3 Da possibilidade de exclusão da tipicidade: erro de tipo; 4. Da relativização da vulnerabilidade da vítima; 5. Relação consensual entre adolescentes menores de 14 anos; 5.1. Da punibilidade no estupro de vulnerável bilateral; 6. Considerações Finais; 7. Referência(s) Bibliográfica(s).
1 INTRODUÇÃO
Com a entrada da nova lei 12.015/2009, em vigor, caso um agente pratique contra uma mesma vítima os crimes dos artigos 213 e 214 do Código Penal, o mesmo responderá apenas e tão somente por um crime de estupro, ficando entendido então como uma ação múltipla que, será determinada pelo artigo 213 CP.
O estupro de vulnerável se tornou um dos crimes contra a dignidade sexual mais praticado na sociedade atual, embora ainda que os dados estatísticos sejam bastante imprecisos, ganhando ênfase por atingir não somente a esfera física do indivíduo, mas também afetar seu bem-estar psicológico.
O tema em questão, ora escolhido, foi em razão ao crescimento alarmante de denúncias ocasionadas pelo abuso sexual no que tange aos menores de 14 anos, denominamos assim, Estupro de Vulnerável, tipificado no artigo 217-A do Código Penal, aplicada à prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com um menor de 14 anos de idade.
Esse grande crescimento de casos, segundo estudos mostrados, destaca o estupro de vulnerável podendo este estar associado à adultização e erotização precoce no Brasil. Isso porque muitas pessoas ao serem denunciadas por praticar tal ato, justificam que, atualmente grande parte das crianças se vestem como se “mulheres” fossem, frequentam baladas, usam drogas, bebidas alcoólicas, dentre outras atividades reprimidas a crianças, o que justificaria o erro de tipo, pois acaba que os acusados se confundem acerca de tais circunstâncias.
Saliente-se ainda que, a maioria dos pais ou responsáveis por essas crianças ou adolescentes, estão ausentes na maioria do tempo, pois necessitam de uma renda para sustentar suas famílias. Isso, devido à grande desigualdade social gerada pela falta de políticas públicas justas, salários baixos e falta de acesso à educação de qualidade.
Isto posto, verifica-se o quão vulnerável fica uma criança ou adolescente que não tem a presença de seus pais ou responsáveis para lhes ditar o que é ou não correto, ficando eles vulneráveis a todo tipo de assédio e ainda, podendo acarretar graves desvios psicopatológicos sexuais. E, como o Estado não consegue acolher todos em creches e escolas, resulta em mais crianças expostas a diversos crimes.
Outrossim, também há casos em que crianças são abusadas em suas próprias casas, pelos familiares ou alguém mais próximo e por medo ou falta de conhecimento no assunto, acaba por não denunciar o ato.
O objetivo deste artigo é discorrer acerca das mudanças que a Lei n. 12.015/2009 trouxe de “Crimes contra os costumes” para “Crimes contra a dignidade sexual” e, analisou as sanções aplicadas a esse tipo penal que podem beneficiar ou prejudicar o réu diante dos diversos discursos doutrinários e jurisprudenciais.
Assim sendo, neste artigo serão abordadas estas questões, que são de extrema magnitude no âmbito do direito e para sociedade, uma vez que trata da garantia infraconstitucional da dignidade sexual da pessoa vulnerável e Constitucional no rol dispositivo dos direitos fundamentais, sendo estes: o direito à vida privada; à honra; à intimidade, à liberdade, à segurança, e principalmente, à dignidade da pessoa humana.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CRIME DE ESTUPRO
Nos tempos coloniais a codificação penal utilizada era o Livro V das Ordenações Filipinas 1603, era a Lei portuguesa e que permaneceu em vigor mesmo após a Independência 1822, atendendo determinação da Assembléia Nacional Constituinte de 1823, até que em 1830 no dia 16 de dezembro fora sancionado por lei o Código Criminal do Império do Brasil, sob determinação da Constituição do Império do Brasil 1824, que dispunha em seu artigo 179, inciso XVIII que, “Organizar-se-há quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça, e Equidade”.
Sabe-se que a conduta delituosa não estava nominalmente descrita como ‘’estupro’’ no Livro V das Ordenações Filipinas, contudo já existia dispositivo legal punitivo que tratava da conduta típica de praticar conjunção carnal a força com uma mulher. O Livro estabelecia que àquele que praticasse a conjunção carnal com uma mulher a força deveria ser punido duramente com a pena de morte, mesmo casando-se com a vítima posteriormente, deste ainda incorreria tal penalidade. Extraído do próprio Código Filipino:
Do que dorme per força (1) com qualquer mulher, ou trava dela (2), ou a leva per sua vontade. Todo homem, de qualquer estado e condição que seja, que forçosamente dormir com qualquer mulher posto que ganhe dinheiro per seu corpo (3), ou seja escrava (4), morra por elo (5). (...) 1. E posto que o forçador depois do malefício feito case com a mulher forçada, e ainda que o casamento seja feito per vontade dela, não será relevado da dita pena, mas morrerá, assim como se com ela não houvesse casado (PIERANGELI, 2007, p. 29).
Mesmo não sendo denominado como ‘’estupro’’, a ação delitiva de obter conjunção carnal com uma mulher de forma violenta, sempre foi dura e severamente punida, desde os tempos primevos, está sempre foi uma ação reprimida e considerada um grande malefício para as mulheres vítimas desta conduta.
A dura punição era comum à época, este era um método punitivo usado praticamente em todos os chamados delicta carnis (delitos da carne), o que ainda poderia alcançar outros crimes, inclusive decorre Fragoso em sua doutrina Lições de direito penal, (2003, p.70), “a legislação penal do Livro V era realmente terrível, o que não constitui privilégio seu, pois era assim toda a legislação penal de sua época. A morte era a pena comum e se aplicava o grande número de delitos, sendo executada muitas vezes com requintes de crueldade”.
Após, a Independência e a partir da Constituição de 1824, o Código Criminal do Império do Brasil foi promulgado e entrou em vigência em 1830, este foi o precursor a apresentar a denominação ‘’estupro’’, para se referir esta conduta delituosa, todavia não significava tão e somente o crime de conjunção carnal forçada, mas também vários outros delitos no sentido sexual. As hipóteses em que se encaixava o denominado estupro, restava previstas no capítulo II, do código supracitado, nomeado por “ DOS CRIMES CONTRA A SEGURANÇA DA HONRA’’, secção I - Estupro, entre os artigos 219 e 224, Martins discorre em sua doutrina o rol taxativo de verbos em que a figura se enquadrava:
I) defloramento de mulher virgem e menor de 16 anos; II) defloramento de mulher virgem e menor de 16 anos por quem a tem sob seu poder ou guarda; III) defloramento de mulher virgem e menor de 16 anos por pessoa a ela relacionada por grau de parentesco que não admita dispensa para casamento; IV) cópula carnal por meio de violência ou ameaça com mulher honesta; V) ofensa pessoa a mulher para fim libidinoso, causando-lhe dor ou mal corpóreo, sem que se verifique a cópula carnal; e VI) sedução de mulher honesta e menor de 17 anos, praticando com ela conjunção carnal (MARTINS, 1967, p. 22-23).
Já o artigo 225, no mesmo código, determinava que (ortografia original), “não haverá as penas dos três artigos antecedentes os réus, que casarem com as ofendidas”. Desta forma, àquele que contraísse matrimônio com a vítima não incorreria penalidade alguma.
O referido código, artigo 222, ainda estabelecia que, se vítima fosse prostituta haveria atenuantes em favor do autor, reduzindo-se para de um mês a dois anos, “ter cópula carnal por meio de violência ou ameaças, com qualquer mulher honesta. Penas – de prisão por três a doze anos, e de dotar a ofendida. Se a violentada fosse prostituta. Penas – de prisão por um mês a dois anos”.
Apenas quando foi promulgado o Decreto n. 87 em 11 de outubro de 1890, sendo àquele a codificação penal vigente na república, é que ocorreu a denominação do crime de estupro, como sendo única e somente o delito de conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça. O Código tratava do delito em seu Título VIII o qual abordava ‘’Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor’’, em seu Capítulo I estavam exarados artigos que expunham o que segue:
Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta: Pena - de prisão celular por um a seis anos.§ 1º Si a estuprada for mulher pública ou prostituta: Pena - de prisão celular por seis meses a dois anos. § 2º Se o crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas, a pena será aumentada da quarta parte, (BRASIL, 1890).
Art. 269. Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa com violencia de uma mulher, seja virgem ou não. Por violência entende-se não só o emprego da força physica, como o de meios que privarem a mulher de suas faculdades psychicas, e assim da possibilidade de resistir e defender-se, como sejam o hypnotismo, o chloroformio, o ether, e em geral os anesthesicos e narcóticos, (BRASIL, 1890).
Registra-se que anterior à promulgação do código de 1890, não havia denominação expressa que versava sobre a natureza da ação penal aplicável ao desentranhamento deste delito, somente com o referido código houve tal disposição, estabelecendo que nos casos de estupro, cabível seria a ação penal privada. Preconiza este entendimento o artigo 407, do referido diploma, ressalta-se, que haverá lugar a ação penal:
§ 1º Por queixa da parte ofendida, ou de quem tiver qualidade para representá-la. (negrito nosso)§ 2º Por denúncia do ministério público, em todos os crimes e contravenções. excetuam-se:1º, os crimes de furto e dano, não tendo havido prisão em flagrante; 2º, os crimes de violência carnal, rapto, adultério, parto suposto, calúnia e injúria, em que somente caberá proceder por queixa da parte, salvos os casos do art. 274. § 3º Mediante procedimento ex-officio nos crimes inafiançáveis, quando não for apresentada a denúncia nos prazos da lei.
Considerando o artigo acima, detém-se que os crimes de violência carnal, incluindo o estupro, eram de ação privada, salvo os dispostos no artigo 274, o qual preconizava que se a ofendida fosse miserável, ou asilada de algum estabelecimento de caridade; se da violência carnal resultasse morte, perigo de vida ou alteração grave da saúde da ofendida; ou se o crime fosse perpetrado com abuso do pátrio poder ou da autoridade do tutor, curador ou preceptor; neste caso a natureza da ação impetrada seria pública.
Em 07 de dezembro de 1940, fora sancionado o código penal brasileiro, projeto este definitivo, o qual dispunha em seu artigo 213, que apenas a mulher poderia ser sujeito passivo no crime de estupro, e o homem que praticasse esta conduta delituosa deveria ser penalizado de três a oito anos de reclusão.
Esta demanda apenas seria dirimível se proposta por ação penal pública condicionada à representação, assim como restava disposto no artigo 225 deste mesmo código, todavia o parágrafo único deste artigo estabelecia que, deveria ser mediante ação penal pública incondicionada sendo a vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.
Após vigente, a primeira alteração no delito de estupro foi em 1990, 13 de julho, onde fora promovida por Lei Federal n. 8069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), este por sua vez impetrou o artigo 213, em seu parágrafo único, o qual dispôs o seguinte texto: “ se a ofendida é menor de catorze anos: Pena – reclusão, de quatro a dez anos”, trazendo em seu âmbito o crime de estupro de vulnerável.
No código de 1940, os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, eram considerados crimes contra os costumes, e de maneira particular, crimes contra a liberdade sexual, dispostos, respectivamente, nos arts. 213 e 214 do dispositivo normativo. Além disso, havia previsão legal de duas qualificadoras: violência com resultado lesão corporal de natureza grave e violência com resultado morte (art. 223, caput e parágrafo único) e da chamada presunção de violência nesses delitos sexuais, contida no art. 224 do Código Penal.
Com a nova redação dada pela Lei nº 12.015 de 2009, concretiza-se pelo capítulo VI em seus capítulos I e II que o bem jurídico tutelado na tipificação dos delitos aqui cometidos é a dignidade sexual do indivíduo, estes crimes passaram por grandes alterações ao longo dos anos, a tutela da dignidade sexual está diretamente ligada a liberdade de escolha sobre seu próprio corpo, bem como, sua liberdade sexual, isto decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana artigo 5°, CF. O capítulo supracitado por sua vez, visa a proteção desse princípio na medida que protege o indivíduo de qualquer ato sexual de maneira violenta, especificamente contra o vulnerável menor de 14 anos.
Quanto a natureza da ação agora vigente para esse tipo penal, frisa-se a mais recente modificação fecundada pela Lei nº 13.718 de 2018, que definiu que todos os crimes contidos nos capítulos I e II do Título VI do código penal, deverão ser discutidos através da ação penal pública incondicionada, excluindo-se assim qualquer possibilidade de ação privada ou pública condicionada para o crime de estupro.
3 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL NO BRASIL
A Lei 12.015/2009 inseriu no Título VI do Código Penal Brasileiro, os crimes contra a dignidade sexual, que lhe são próprios e essenciais para uma vida em sociedade, este por sua vez substituiu a expressão “ Dos crimes contra os costumes’’, ocorrendo assim a mudança da proteção jurídica, para com o tutelado.
O Capítulo II, do código Penal sofreu importantes alterações com a entrada da Lei 12.015/2009, a qual nomeou agora os crimes tratados neste título por “Dos crimes contra a dignidade sexual”, discriminando agora o capítulo II, como o que versa sobre os crimes sexuais contra vulnerável, passando a descrever e atribuir pena a vários delitos como, estupro de vulnerável (art. 217-A); a mediação de menor de 14 anos para satisfação de lascívia de outrem (art. 218); satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A) e favorecimento da prostituição ou forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B).
No tocante à vulnerabilidade, destacam-se pessoas em situação de fragilidade ou perigo que não possui aptidão psicológica para compreender o ato sexual ou até mesmo para manifestar sua vontade em ter ou não uma relação sexual. Para alguns legisladores essas pessoas ficam tão constrangidas, indefesas, que ficam impossibilitadas de alegar os fatos de maneira precisa. Sendo, portanto, a melhor solução para suprimir a possibilidade de contato entre as partes (vítima e ofensor).
Este crime deixou o artigo 213 onde era citado de forma geral e passou a ter autonomia com a inclusão da nova Lei, sendo denominado como estupro de vulnerável.
De acordo com Capez (2012, p.81) “vulnerável é qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo. A lei não se refere aqui à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, mas ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica etc.”.
No caso do estupro de vulnerável, observa-se a extrema necessidade da proteção ao direito de liberdade sexual da vítima deste delito, já que o vulnerável não pode ser visto na mesma ótica dos que não são abarcados por este artigo, considerando que o que os distingue dos demais é justamente sua condição de vulnerabilidade, não gozando de total discernimento mental, ou por ter alguma deficiência que o impeça de entender o que lhe acontece, ou por qualquer outra circunstância que lhe impeça de se opor contra ato contra si praticado.
Adem Florentino (2015, p.141) acrescenta que:
As potenciais manifestações em curto prazo são: medo do agressor ou de pessoas do mesmo sexo do agressor; queixas sintomáticas; sintomas psicóticos; isolamento social e sentimento de estigmatização; quadros fóbicos-ansiosos, obsessivo-compulsivo, ais, importante também ressaltar o quão afetada a vítima fica após o ato ser cometido, nesse sentido, depressão; distúrbio do sono, aprendizagem e alimentação; sentimento de rejeição, confusão e humilhação, vergonha e medo; secularização excessiva, como atividades masturbatórias compulsivas. Já os danos tardios podem se manifestar através de ocorrência e incidência de transtornos psiquiátricos como dissociação afetiva, pensamentos invasivos, ideação suicida e fobias mais agudas; níveis mais intensos de medo, ansiedade, depressão, raiva, culpa 34 isolamento, hostilidade; sensação crônica de perigo e confusão, cognição distorcida, imagens distorcidas do mundo e dificuldade de perceber a realidade; pensamento ilógico; redução na compreensão de papeis mais complexos e dificuldades para resolver problemas interpessoais; abuso de álcool e outras drogas; disfunções sexuais; disfunções menstruais e homossexualismo/lesbianismo.
Ainda, de acordo com entendimento consolidado pelo STJ, em súmula 593 ‘’O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.’’ Restando assim fixado que, não importará se a vítima consentiu ou não, se mantinha relacionamento amoroso com o autor do delito ou não, estando acometida por condição de vulnerabilidade, estará concretizado o crime.
3.1 Da tipicidade e elementos específicos do crime
No que tange à tipicidade, o Estupro de Vulnerável pode ocorrer na forma simples ou qualificada e, em ambas as formas será considerado crime hediondo, conforme o disposto no artigo 1º, VI, da Lei nº 8.072/90, considerando a especial condição da vítima – menor de 14 anos ou pessoa vulnerável –, a ação penal é pública incondicionada, conforme disposto no parágrafo único do artigo 225 do Código Penal (PRADO; CARVALHO; CARVALHO, 2014)
Esse procedimento de ação incondicionada à representação da vítima foi adotado a fim de evitar que crimes desse tipo sejam desconsiderados, visto que, diante de tantas circunstâncias que afetam a vítima, ela não teria coragem de denunciar o abusador caso dependesse dele ou até mesmo sofram uma relação de hierarquia no âmbito familiar. Tendo o Estado a autoria de executar tal ação.
No que tange ao prazo para o Estado de punir o autor de um crime pelo seu ato, o artigo 111, inciso V, do CP, determina que antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr a partir do momento em que a vítima completar 18 anos e caso não tenha sido proposta nenhuma ação penal anteriormente.
Nesse passo, a vítima terá um tempo maior para processar o ocorrido, e até mesmo criar coragem para denunciar o fato. Visto que uma criança, vulnerável, nem sempre possui discernimento para identificar o abuso sofrido e principalmente nos casos de abuso familiar, como já citado anteriormente. A criança presume que aquela pessoa é de confiança e não faria mal a ela. Inclusive, quando da violência sexual não se deixa indícios físicos, dificulta ainda mais no procedimento investigativo. Em síntese, podemos observar que o legislador age no intuito de realmente proteger esses vulneráveis e condenar os estupradores em questão.
3.2 Da legislação aplicável
Como já citado anteriormente, o crime de estupro de vulnerável, está previsto no artigo 217-A do Código Penal:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, independente do sexo, admitindo-se coautoria e participação. Logo, a pessoa vulnerável é o sujeito passivo. Já o elemento subjetivo é o dolo específico, sendo o ato praticado com finalidade libidinosa com a finalidade de satisfazer.
Em caso de crianças, cujos abusadores são seus responsáveis, além do desequilíbrio físico e psicológico, constantemente os mesmos se culpam pela violência praticada por aqueles em quem acreditam e estimam. Os transtornos causados são calamitosos e geralmente intermináveis. (CORSARO, 2011)
A vista do que até aqui exposto, verifica-se duas possibilidades de estupro de vulnerável na forma qualificada. De acordo com o artigo 217-A, § 3º, CP, há qualificação se a conduta resultar em lesão corporal de natureza grave. E, o § 4, CP, dispõe qualificadora caso a conduta venha a obter resultado morte.
Há também a possibilidade de aumento de pena nos casos previstos no artigo 226 e 234-A, incisos III e IV do Código Penal.
Diante disso, devemos destacar o quão afetado a vítima e todos a sua volta ficam diante do ocorrido. As consequências do abuso sexual são inúmeras e raramente são apagadas da memória dessas pessoas.
3.3 Da possibilidade de exclusão da tipicidade: erro de tipo
O erro é uma das únicas formas de se afastar o crime de estupro de vulnerável por se tratar de uma falsa percepção da realidade, ou seja, se o agente alegar que desconhecia o fato de a criança ser menor de 14 anos por tratar-se de desenvolvimento precoce em que realmente aparenta ser uma pessoa maior de idade, o juiz poderá acolher a tese e absolver o réu.
Coerente com esse entendimento, Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 29) discorre que: “o autor do crime precisa ter ciência de que a relação sexual se dá com pessoa em qualquer das situações descritas no art. 217 – A. Se tal não se der ocorre erro de tipo, afastando-se o dolo e não mais sendo possível a punição, visto inexistir a forma culposa”.
Em alguns casos o agente mantém relação sexual com um menor de 14 anos, mas acredita que a vítima seja maior de idade pelos seus aspectos físicos. Um exemplo é quando o agente conhece a vítima em uma boate, local que supostamente a entrada é permitida apenas para maiores de idade. Entende-se, portanto, que a vítima tenha falsificado algum documento para adentrar naquele local e que já tenha uma aparência de mulher, não seria possível o agente suspeitar daquela vítima. Caso o agente mantenha relação sexual com essa menor por engano, nesse caso ocorrerá o erro de tipo, não houve dolo.
Esta situação jurídica de erro sobre elemento de tipo está prevista no artigo 20 do Código Penal, que subscreve: O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) .
Embora seja considerada absoluta a presunção da violência para proteger essas vítimas vulneráveis, em razão de idade, deficiência ou que não conseguem consentir, o juiz deve analisar ainda o posicionamento do agente, e caso esse alegue erro de tipo, excluirá o dolo, e, portanto, o crime de estupro de vulnerável. Uma vez que não se admite modalidade culposa no estupro de vulnerável.
4 DA RELATIVIZAÇÃO DA VULNERABILIDADE DA VÍTIMA
A vulnerabilidade para a legislação brasileira ocorre em três situações: Quando a vítima for menor de 14 anos; quem por enfermidade ou deficiência mental não têm necessário discernimento para praticar o ato; e, quando a vítima não puder oferecer resistência.
Nucci (2015) entende que, tornando absoluta essa presunção de vulnerabilidade, pode ocorrer grandes injustiças. Pois, existem vários adolescentes que precocemente já namoram e mantêm relação sexual. Caso estes tenham menos de 14 anos, podem levar seus parceiros a cometer crime pelo simples fato de se relacionarem com esse menor. Outros adolescentes nessa idade já são pais ou mães. Se for levar em consideração essa vulnerabilidade absoluta, esse menor deveria denunciar seus companheiros para que eles fossem presos pelo menos oito anos de reclusão, o que desmoronaria essa família. Pois, qualquer pessoa, em qualquer circunstância, caso tenha relação com o menor de 14 anos será considerada presumidamente culpada, ferindo assim o art. 5º, incisos LV e LVII da CF, que, defende o direito do contraditório e ampla defesa.
Diante disso, é digno de consideração, citar o julgado de Nucci (2015), tratando exclusivamente deste caso ao trecho exposto:
TJSP: Apelação. Estupro de vulnerável. Vítima, com 13 anos de idade, mantinha relação sexual com o recorrente, à época com 20 anos, mantendo, também, relação amorosa, consistente em namoro com o mesmo, possuindo um filho juntos. Vítimas maiores de 12 anos e menores de 14: imprescindível a análise de discernimento, não devendo o magistrado, de início, enquadrar a situação como vulnerabilidade absoluta. Realidade social reveladora de contexto diverso. Consentimento pleno da ofendida devidamente demonstrado. Conduta atípica. Absolvição. Provimento. (...) In casu, apesar de a vítima ter iniciado sua vida sexual com 13 anos de idade com um rapaz, à época contando com 20 anos, restou demonstrada nos autos a relação de namoro entre ambos, sendo que a vítima frequentava a residência do 7 recorrente e boa parte da vizinhança tinha ciência de tal relacionamento. Tanto perante a autoridade policial quanto em juízo a vítima afirmou, por diversas vezes, ter consentido com a relação, demonstrando capacidade de entender o significado de uma relação sexual, mesmo porque suas amizades variavam entre meninas de 13 a 16 anos. Destarte, a sociedade não pode vendar-se à realidade social, pois meninas iniciam a vida sexual cada vez mais cedo, seja por serem estimuladas pelos programas televisivos, cuja qualidade educacional decai periodicamente, seja por amizades de variadas idades, ou por outros motivos igualmente relevantes. Assim, restando demonstrado o consentimento pleno e não viciado da vítima, forçosa a absolvição do recorrente, com escopo na atipicidade da conduta. Ela nada fez que não tivesse vontade a tanto; não se demonstrou ser menina ingênua, sem qualquer preparo para conhecer os meandros da vida sexual; engravidou e é mãe do filho do réu, descortinando novas responsabilidades, incompatíveis com o grau de vulnerabilidade suposto pelo tipo incriminador (Ap. 990.10.274966-5, 16.ª C.C., rel. Guilherme de Souza Nucci, v.u.).
Com o entendimento da maioria dos doutrinadores, os Tribunais decidiam pela relatividade da presunção de violência, revogado art. 224, alínea “a” do CP. O STF se posicionou, no julgamento, tendo o Ministro Marco Aurélio como relator, Habeas Corpus n.º 73.662 - MG, D.J.U. 20.09.96, segue:
EMENTA: ESTUPRO - CONFIGURAÇÃO- VIOLÊNCIA PRESUMIDA - IDADE DA VÍTIMA - NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça - artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea "a", do Código Penal.
Com o propósito de sanar essa discussão, foi criado o novo tipo penal, estupro de vulnerável, majorando a pena de reclusão de 08(oito) para 15(quinze) anos, daqueles agentes que venha a ter conjunção carnal ou que pratique outro ato libidinoso com menores de 14 anos, que por enfermidade ou deficiência mental, não tem necessário discernimento para a prática do ato sexual, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, tornando autônomo e absoluto a presunção de vulnerabilidade da vítima.
Nesse sentido, verifica-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em relação a presunção absoluta de violência:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGATIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 217-A DO CP. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. CONSENTIMENTO. IRRELEVÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 2. Pacificou-se a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, segundo o sistema normativo em vigor após a edição da Lei n.º 12.015/09, a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos configura o crime do artigo 217-A do Código Penal independentemente de grave ameaça ou violência (real ou presumida), razão pela qual se tornou irrelevante eventual consentimento ou autodeterminação da vítima para a configuração do delito.3. Agravo regimental a que se nega provimento.(STJ, Sexta Turma, AgRg no REsp 1435416/SC, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, j. 14/10/2014, p. DJe 03/11/2014
Sendo assim, a relativização da vulnerabilidade da vítima atualmente é inaceitável no ordenamento jurídico brasileiro. Visto que, o vulnerável não tem condições de manifestar livremente sua vontade e consentir com a prática do ato sexual, sendo que a mesma não possui maturidade para tal decisão. Resta claro, portanto, que a vulnerabilidade da vítima é absoluta e, ocorre crime, mesmo com o consentimento da vítima no ato sexual, pois a própria não consegue manifestar sua vontade por falta de discernimento ou qualquer outra causa.
5 RELAÇÃO CONSENSUAL ENTRE ADOLESCENTES MENORES DE 14 ANOS
A relação sexual consensual entre adolescentes menores de 14 anos tem sua tipicidade substancializada na Lei. O legislador de forma evidente entabulou no artigo 217- A do código penal que, “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”.
Como se pode notar, a norma penal não exige demasiada interpretação, posto que a regra é clara “ ter conjunção carnal ou a praticar qualquer outro ato libidinoso com o menor de 14 anos’’ tipifica a ação.
Diferentemente do estupro indicado no artigo 213 do referido diploma legal, neste, o legislador condicionou a tipificação da ação de conjunção carnal ao constrangimento mediante violência ou grave ameaça, já no estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A, a configuração do delito independe de violência ou ameaça, apenas a prática do ato é um crime, ainda que consensualmente.
Logo, ao interpretar a norma no sentido literal, verifica-se que o legislador ao editá-la estava inclinado em proteger a liberdade sexual do menor de 14 anos, tendo em vista que ao entranhar a natureza absoluta da presunção da vulnerabilidade, onde a figura típica é única e exclusivamente a idade da vítima, levando em consideração que o menor de 14 anos ainda não atingiu necessariamente maturidade para suportar as consequências de seus atos. Neste sentido, traz-se à baila fundamento basilar do Código Civil, o qual considera os menores de 14 anos absolutamente incapazes, por não terem ainda formação completa física, nem mental.
Neste sentido, ressalta-se a seguinte jurisprudência:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. NAMORO E COABITAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA 593 DO STJ. RECURSO PROVIDO. 1. A Terceira Seção, no julgamento do REsp 1.480.881/PI, submetido ao rito dos recursos repetitivos, reafirmou a orientação jurisprudencial, então dominante, de que absoluta a presunção de violência em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos. 2. Em que pese a sensível situação retratada nos autos, que ensejou a absolvição do réu em ambas as instâncias, porque, sendo colega de escola da vítima menor de 14 anos, com ela namorou e coabitou, mediante o consentimento da mãe, entende esta Corte que "O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente"(Súmula 593/STJ). 3. Demonstrada a autoria e materialidade delitiva, deve ser afastada a presunção relativa de violência para julgar procedente a pretensão acusatória pela prática do delito de estupro de vulnerável. 4. Recurso especial provido para condenar o recorrido L M P como incurso no art. 217-A do CP, determinando ao Tribunal de origem que proceda à dosimetria da pena, como entender de direito. (negrito nosso)
(STJ - REsp: 1852598 RO 2019/0366164-7, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 02/02/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/02/2021).
5.1 Da punibilidade no estupro de vulnerável bilateral
A partir de discussões acerca de infrações cometidas pelo menor, bem como, medidas a serem tomadas a fim de punir o menor da forma por seus atos ilícitos, foi promulgada a Lei 8069 em 1990, a qual dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao tratarmos da punibilidade dos menores de 14 que praticam a relação sexual, ainda que de forma consensual, pertine atentarmos ao que preconiza o artigo 103 do ECA, art. 103, “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.
De acordo com a concepção tripartite, presente na teoria do crime em sua análise analítica, funda-se o delito em três pressupostos, sendo estes: a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade. Portanto, patente afirmar que a criança e o adolescente não podem cometer crime, pois são inimputáveis, mas poderão ser responsabilizados nos termos do ECA.
Assim sendo, os menores de 14 anos não podem ser responsabilizados penalmente como se adultos fossem considerando que os menores de 18 anos são inimputáveis, assim como fundamenta o texto normativo do artigo 104 do ECA, ora vejamos, “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”.
Assim, sobreleva notar que ao adolescente menor de 14 anos, quando comete um ato infracional deverá ser aplicada medida socioeducativa, levando em consideração que a imputabilidade penal se inicia aos 18 anos, e ainda, ao que pertine ao ato delituoso cometido, que mesmo sendo considerado crime ou contravenção penal, quando executado por menor de 18 anos, restará configurado apenas um ato infracional.
Como bem abordado no tópico 03 do presente artigo, inadmissível é a relativização da vulnerabilidade da vítima menor de 14 anos, neste sentido, a corrente majoritária se posiciona no seguinte contexto:
APELAÇÃO - PENAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA - AUTORIA E MATERIALIDADE INAFASTÁVEIS - CONDENAÇÃO MANTIDA - NÃO PROVIMENTO. Não é possível relativizar o conceito de violência de ato sexual praticado com uma criança menor de 14 (quatorze) anos de idade, ao argumento de que a mesma já tinha uma vida sexual ativa. Comprovada a autoria e materialidade do crime de estupro resta configurado o respectivo tipo penal. Apelação defensiva a que se nega provimento, ante a correta apreciação da prova e aplicação da lei penal. (TJ-MS - APL: 00000052720118120034 MS 0000005-27.2011.8.12.0034, Relator: Des. Romero Osme Dias Lopes, Data de Julgamento: 10/02/2014, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 16/07/2014).
E ainda, entendimento consolidado pelo STF:
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE MENOR DE 14 ANOS (CP, ART. 213, C/C ART. 224, “A”). PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. ERRO DE TIPO. TEMA INSUSCETÍVEL DE EXAME EM HABEAS CORPUS, POR DEMANDAR APROFUNDADA ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINAR. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS ALEGADOS. PLEITO PREJUDICADO. 1. O bem jurídico tutelado no crime de estupro contra menor de 14 (quatorze) anos é imaturidade psicológica, por isso que sendo a presunção de violência absoluta não pode ser elidida pela compleição física da vítima nem por sua anterior experiência em sexo. (negrito nosso) Precedentes: HC 93.263, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 1ª Turma, DJe de 14/04/08, RHC 79.788, Rel. Min. NELSON JOBIM, 2ª Turma, DJ de 17/08/01 e HC 101.456, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 30/04/10).
Ainda em evidência, entendimento consolidado pelo STJ:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA E PRÉVIA EXPERIÊNCIA SEXUAL.IRRELEVÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a anterior experiência sexual ou o consentimento da vítima menor de 14 (quatorze) anos são irrelevantes para a configuração do delito de estupro, devendo a presunção de violência,antes disciplinada no art. 224, 'a', do Código Penal, ser considerada de natureza absoluta. 2. Ressalva do posicionamento deste Relator, no sentido de que a aludida presunção é de caráter relativo. 3. A alegada inocência do paciente, a ensejar a pretendida absolvição, é questão que demanda aprofundada análise de provas, o que é vedado na via estreita do remédio constitucional, que possui rito célere e desprovido de dilação probatória. (STJ - HC: 200916 MG 2011/0060209-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 08/11/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2011).
Por fim, importa salientar que, mesmo com entendimento da corrente majoritária, bem positivado em precedentes, no sentido de ser inafastável a presunção da violência, nas relações sexuais com menores de 14 anos e, considerando que a Lei é clara e taxativa, ainda existe a corrente minoritária que acredita na relativização da vulnerabilidade, assim, como bem afirmado anteriormente, trata-se de discussão que não está de longe, próxima do fim.
Enfim, após aprofundado estudo, foi possível concluir que, quando dois ou mais, menores de 14 anos se relacionam de forma sexual, estão cometendo o delito tipificado no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro, devendo assim, todos que participarem do ato, sofrer ação coercitiva do Estado. Todavia, por ser inimputável, entendeu o legislador que, o menor não responderá por crime, mas sim, por ato infracional, devendo ser aplicado a esta medida socioeducativa.
Assim, em detido exame legal, doutrinário e jurisprudencial, foi possível compreender então que, a característica de bilateralidade neste tipo de infração, acometerá todos os participantes do ato, tanto como vítimas, quanto como autores.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalmente, após detido exame jurisprudencial e doutrinário, foi possível destrinchar e aprofundar-se no tema proposto, que teve como objetivo a análise da tutela do direito à dignidade e liberdade sexual do indivíduo menor de 14 anos, a partir de um estudo da evolução da abordagem legal do crime de estupro ao longo do tempo, até se obter a tutela do direito supracitado, estando positivado de forma específica no Código Penal Brasileiro em seu artigo 217-A.
Neste contexto, foi possível discorrer acerca dos elementos que compõe o crime, trazendo a este sua natureza típica, necessitando aquela ação de repressão do Estado a fim de assegurar a proteção do bem tutelado, através da Lei gerada, a partir da prática de um ato que fere preceitos fundamentais envelopados pela Lei maior, a Constituição Federal, ato este caracterizado pelo mau comportamento em sociedade, gerando a desordem.
Neste artigo científico, concluímos que a relativização da vulnerabilidade é inadmissível hoje no nosso ordenamento, isto porque a Lei é clara e taxativa, não fazendo ressalvas no dispositivo colocado em evidência.
Ademais, foi possível certificar-se pela corrente majoritária de precedentes que, a presunção de violência no crime aqui estudado é absoluta, posto que, o menor de 14 anos não tem maturidade psicológica suficiente para responsabilizar-se por seus atos, e mesmo que o ato ocorra entre adolescentes menores de 14 anos, e ainda que, seja consensual, existirá a tipificação, ainda que encontre-se o autor em posição de inimputabilidade por sua idade, a este também incorrerá medida punitiva, de acordo com a Lei especial.
Ainda, importa ressaltar, que a única exceção de absolvição possível do autor do delito, se dá quando ocorre o erro do tipo, tendo em vista colocar em xeque o dolo do ato ilícito.
Por todo o exposto, conclui-se que o tema estudado é extremamente controvertido, porém devemos nos pautar na limitação da lei, sabemos que o Direito é uma ciência sem exatidão e que cada vez mais se habitua ao comportamento e cultura da sociedade, não obstante, se ignorarmos o preceito legal penal da forma que se delimita, trataremos com subjetividade cada ato praticado de forma separada (de forma pessoal).
Além disso, importa frisar que a vítima menor de 14 anos que sofre o crime de estupro, passa por dilemas psicológicos extensos, como dúvidas sobre seu corpo, e em relação à vida sexual, que podem lhe marcar de forma expressiva, interferindo em sua vida íntima adulta, tanto quanto em suas relações sociais, pois se entende que o ato ocorre de maneira precoce, saltando fases irrecuperáveis na vida do adolescente vulnerável menor de 14 anos, sendo de extrema relevância a tutela deste direito.
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Bacharelanda em Direito no Centro Universitário UNA em Belo Horizonte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Larissa Mariá Rodrigues. Estupro de vulnerável: uma análise acerca da vulnerabilidade das vítimas menores de 14 anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56941/estupro-de-vulnervel-uma-anlise-acerca-da-vulnerabilidade-das-vtimas-menores-de-14-anos. Acesso em: 22 nov 2024.
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