RESUMO: O presente artigo propõe uma investigação acerca da prisão preventiva e seus reflexos no sistema carcerário brasileiro, que atualmente vivencia uma crise causada pela a superlotação dos estabelecimentos prisionais. Essa pesquisa foi feita levando em conta o cenário atual, ou seja, como a pandemia tornou necessário, mais do que nunca, a decretação ou manutenção de prisões preventivas somente em caso de extrema necessidade. Para este, foi utilizado pesquisa bibliográfica, onde foi analisado os fundamentos das medidas cautelares, bem como, o advento da Lei nº 12.403/11.
Palavras chaves: Banalização. Sistema Carcerário. Processo Penal. Medidas Cautelares. Prisão Preventiva.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. A LEI Nº 12.403/11. MEDIDAS CAUTELARES COMO ALTERNATIVAS MENOS GRAVOSAS - 3. A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - 4. A EFETIVA EXCECIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA - 5. CRISE NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO – 6. CONCLUSÃO – 7. REFERENCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo principal desse trabalho cientifico é proporcionar o entendimento sobre essa modalidade de prisão, seus fundamentos, requisitos e aplicações no poder judiciário. E paralelamente analisar a possibilidade de ser uma das causas da crise existente no sistema carcerário brasileiro.
A prisão preventiva possui natureza cautelar, que busca garantir o normal desenvolvimento do processo e a eficaz aplicação do poder de penar, deve ser usada somente quando preenchidos todos os fundamentos previstos em lei. A banalização dessa medida cautelar, ou seja, seu uso abusivo, tem como efeito, um grande número de encarcerados sob a ineficaz aplicação desse instituto. A prisão preventiva deveria funcionar como último instrumento a ser utilizado, ao invés disso, tem sido decretada de maneira genérica, sem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime.
Esse instituto é disciplinado pelo CPP (Código de Processo Penal), como exemplo pode ser citado o Art. 312, alterado pela lei nº 12.403/11, cuja prisão preventiva continua sendo vista como uma garantia da ordem pública. Mas não podemos deixar de lado a relação existente com o Direito Constitucional, uma vez que, a prisão preventiva é considerada uma violação ao princípio constitucional da presunção de inocência.
A adoção de outros regimes de medidas cautelares é de grande importância para o sistema jurídico brasileiro, são alternativas menos gravosas do que a prisão preventiva, permitindo uma melhor adaptação com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Sua maior utilização, também amenizaria o problema de superlotação carceraria já mencionado.
No contexto do cenário mundial atual, com a pandemia em relação ao novo COVID-19, conhecido como coronavírus¸ trouxe significativas mudanças ao judiciário na análise da situação dos presos, a busca pelo equilíbrio entre a prevenção da doença e o interesse social tutelado na decisão que levou ao encarceramento, impôs enormes desafios.
2. A LEI Nº 12.403/11. MEDIDAS CAUTELARES COMO ALTERNATIVAS MENOS GRAVOSAS
A vigência da lei nº 12.403/11, trouxe significativas mudanças para o processo penal, alterando dispositivos do Decreto de lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), especialmente em relação as medidas cautelares, incluindo a prisão preventiva.
A prisão preventiva, com a entrada da lei em vigor, é considerada como extrema ratio da ultima ratio. Que dizer que ela deverá ser adotada em último caso, de forma excepcional, sempre que as demais medidas cautelares se mostrarem insuficientes ou inadequadas.
A decretação pressupõe a existência de periculum in mora e de fumus boni iuris, ou seja, em hipóteses nas quais a permanência do indivíduo em liberdade possa efetivamente, dificultar a realização da prestação jurisdicional e, devendo estar de acordo com a garantia constitucional da presunção de inocência. O perigo de permanecer em liberdade, o periculum libertatis, está disposto no art. 312, cuja prisão preventiva só pode ser decretada com fundamento na garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Com as significativas mudanças, o legislador oferece medidas alternativas cautelares eficazes, chamadas de medidas diversas da prisão. A adoção dessas medidas deve ser priorizada em detrimento da prisão provisória. Essas alternativas por possuírem o mesmo fim assecuratório da prisão, se mostram suficientes em boa parte dos casos, mas possuem um grau muito menor de lesividade a liberdade do indivíduo.
Contudo, mesmo com a possibilidade de outras alternativas, a prisão preventiva continua sendo aplicada com mais frequência e, é visto que as outras medidas não são priorizadas e utilizadas como deveria. No país com a terceira maior população carcerária do mundo, não abstante ter sido adotado um novo regime de medidas cautelares, a banalização da prisão preventiva ainda continua.
3. A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA
Como já dito, segundo o art. 312 do CPP, a prisão preventiva pode ser decretada quando estiver presente todos os requisitos, sendo eles: Garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Não é de hoje que esse tema é visto como uma problemática, devido a controvérsia existente entre a prisão preventiva com os direitos fundamentais da Constituição Federal. A prisão preventiva como garantia da ordem pública é inconstitucional, porque viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o princípio de inocência.
A expressão “garantia da ordem pública” é uma fundamentação muito usada pelos magistrados, nesse sentido, pode ser entendida como a necessidade de impedir a repetição de novos crimes. Contudo não é justificável, considerando que é finalidade da prisão preventiva evitar que o sujeito cometa novos crimes, é uma decisão absolutamente contrária ao princípio da presunção da inocência.
A presunção de inocência é um princípio constitucional no Brasil, expresso no art., 5º. LVII da CF, toda pessoa humana tem o direito de ser presumido inocente, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal. A inocência ela é presumida e cabe ao Ministério Público ou a parte acusatória provar a culpa. Caso não o faça, a ação peal deverá ser julgada improcedente.
A prisão preventiva como garantia da ordem pública não é fundamento adequado para assegurar a proteção ou tutela do processo, essa medida traz a consequência da privação de liberdade do indiciado, antes do trânsito em julgado da sentença.
A preservação desse princípio é a base de um verdadeiro Estado Democrático de direito, que tem como função garantir o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através da Constituição Federal e seus princípios.
4. A EFETIVA EXCECIONALIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA
Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde – OMS, declarou situação de pandemia em relação ao novo COVID-19, conhecido como coronavírus. Com esse novo cenário no mundo, foi possível perceber as significativas mudanças que esse vírus trouxe para sociedade em diversos âmbitos.
Com a recomendação 62/2020 publicada pelo concelho nacional de justiça, foi estabelecido uma serie de regas para aplicação do direito penal no contexto da pandemia, sugerindo adoção de medias preventivas a propagação da infecção pelo Covid- 19 no âmbito dos estabelecimentos dos sistemas prisionais
No Brasil, a prisão preventiva já era considerada uma medida excepcional, somente usada em último caso, com a entrada em vigor da lei nº 12.403/2011. Com a pandemia, tornou-se necessário, mais do que nunca, a decretação ou manutenção de prisões preventivas somente em caso de extrema e comprovada necessidade.
Deve-se fortalecer, as medidas alternativas a prisão preventiva, com o propósito de não agravar ainda mais as condições das penitenciárias e evitar a contaminação da doença entre os prisioneiros. A prisão antes da condenação é o último recuso a ser utilizado neste momento, sua decretação deve ser sempre motivada, e essa natureza é reforçada com o art. 312, §1º, do Código de Processo Penal, o qual estabelece que “o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”.
Caso contrário, a banalização da decretação da prisão, considerando o atual estado de calamidade, constituiu violação a integridade física e a dignidade da pessoa humana, assegurados pela Constituição Federal. Além do uso abusivo da prisão preventiva ser um dos motivos da superlotação no sistema prisional brasileiro, o ambiente carcerário é insalubre, úmido, escuro, com pouca ventilação e higiene, tornou-se uma fonte de proliferação de doenças infectologiosas
5. CRISE NO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
O sistema carcerário brasileiro é conhecido por suas deficiências, celas imundas e insalubres, proliferações de doenças, comida imprestável, falta de produto higiênico, falta de acesso à educação, a saúde e outros. Quanto maior o número de carcerários, maior terá que ser os recursos utilizados para que possa preservar a integridade física e humana dos prisioneiros. Além dos direitos assegurados pela Constituição Federal, o artigo 41 da Lei de Execução Penal (LEP) tratou de Alencar outros direitos da população prisional, como por exemplo, o direito ao trabalho remunerado.
Infelizmente o que se vê no Brasil é uma situação oposta ao que estabelece a Lei de Execução Penal, a Constituição Federal e aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Ou seja, prisões superlotadas e em péssimas condições, não oferecem oportunidades aos detentos de ressocializar, ao contrário, tem reflexo no aumento de rebeliões entre os detentos e nas criações de facções criminosas.
O Brasil possui uma das terceiras maiores populações carcerarias do mundo, existem inúmeras penitenciárias superlotadas. Conforme o levantamento feito pelo DNP, área do Conselho Nacional de Justiça responsável por iniciativas relacionadas ao sistema carcerário, 48.4% dos estabelecimentos prisionais estão superlotados, e somente 13,1 % dos estabelecimentos estão em boas condições.
Nesse cenário, boa parte das pessoas encarceradas ainda não cumprem pena definitiva no brasil, ou seja, estão em prisão provisória. A pena é vista como necessária para a convivência em sociedade, devendo o Estado buscar aquela que seja mais adequada para a proteção dos bens jurídicos, mas por outro lado que não atinja a dignidade humanidade. Entretanto, é muito difícil, a cultura do encarceramento é muito presente no Brasil, é usado como um instrumento que visa conter e diminuir a criminalidade.
Todavia, existe também uma repulsa da sociedade ao se deparar com penas que não determina em prisão do criminoso. As penas alternativas trazidas pelo ordenamento jurídico buscam a condenação do infrator de um jeito proporcional ao delito praticado, evitando assim a violação ao direito à liberdade.
Desse modo, Cesare Beccaria, era defensor dessa proporcionalidade da pena, segundo ele: “É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.” (Beccaria, p. 130, 2001).
A aplicação da prisão preventiva de maneira indiscriminada é um dos fatores que contribui para a crise vivencia no sistema prisional brasileiro, nos últimos 11 anos a população carceraria aumentou alarmantemente. Colaborando com essa realidade, a prisão preventiva tem uma medida de duração acima 180 dias, essa forma abusiva que tem sido usada tem ido de encontro com princípio da presunção de inocência.
6. CONCLUSÃO
A prisão preventiva é um dos institutos processuais brasileiros mais utilizado, usado como uma medida que assegura o cumprimento da pesa, imposta antes do trânsito em julgado como um meio de assegurar uma possível fuga do preso e a execução da condenação. Essa cultua do encarceramento tem sua origem vinda de civilizações primitivas, no entanto, o encarceramento sem critério continua no Brasil.
Por meio dos argumentos apresentados, é possível perceber a relação da banalização da prisão preventiva com a crise vivenciada pelo sistema prisional brasileiro. Com o advento da lei nº 12.403/11, a prisão preventiva tornou-se uma medida de caráter excepcional, além dos pressupostos e requisitos exigidas, a sua decretação depende das outras medidas cautelares se mostrarem insuficientes.
O uso abusivo dessa modalidade de medida cautelar, mesmo com as alterações no CPP, vai de encontro com o principio da presunção da inocência e, viola as garantias fundamentais previstas na Constituição. Quando se analisa a superlotação carceraria no contexto de pandemia, é um fator de maior relevância devido as condições que se encontram as penitenciarias brasileiras, um ambiente propício para a propagação da doença entre os prisioneiros.
É necessário que o poder público traga medidas cabíveis para solucionar a banalização da prisão, como uma maior fiscalização, garantindo um maior cumprimento do que o Código de Processo Penal determina. É fundamental que se garanta o efetivo desenvolvimento do processo, mas buscando sempre o cumprimento fiel das obrigações constitucionais do Estado e também dos direitos humanos nas prisões do Brasil.
REFERENCIAS
AVENA, Norberto. Processo Penal. 11. ed. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2019.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
WENCEL, Elvis Luis. A Inconstitucionalidade da Prisão Preventiva como Garantia da Ordem pública e Ordem econômica. Faculdade Anchieta, Curitiba.
OLIVEIRA, Victoria Georgia Cheuiche de; VASCONCELOS, Priscila Elise Alves. A Cultura do Encarceramento no Brasil e Aplicação das Penas Alternativas. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça, Dourado/MG, v. 6, n. 1, Mar-Jun./2018.
BRASIL. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1977
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Painel de dados sobre as inspeções penais em especificações prisionais. Brasília: CNJ, junho, 2021. Disponível em: https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=e28debcd-15e7-4f17-ba93 9aa3ee4d3c5d&sheet=da3c5032-89ad-48d2-8d15-54eb35561278&lang=pt-BR&opt=ctxmenu,currsel
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação nº 62/2020, Ministro Dias Toffoli, Brasília, DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: Carol . A prisão preventiva e seus reflexos no sistema carcerário brasileiro. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57134/a-priso-preventiva-e-seus-reflexos-no-sistema-carcerrio-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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