Resumo: O presente trabalho volta-se para uma análise crítica acerca análise acerca de como se dará a dispensa de licitação em função dos valores da contratação no período de transição estabelecido na Nova Lei de Licitações. Diante dessa vigência simultânea de legislações, disciplinado as mesmas situações, cumpre investigar como deve se comportar a Administração Pública nos casos de dispensa de licitação em razão do valor da contratação no período de transição.
Palavras-chave: Dispensa de Licitação. Valor da Contratação. Período de Transição.
Na ordem jurídica vigente no Brasil as contratações públicas devem ser precedidas, em regra, de procedimento licitatório que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com objetivo de preservar a isonomia entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública. Todavia, em situações excepcionais e bem definidas na legislação, é lícita a contratação direta, nas hipóteses legais de inexigibilidade e de dispensa de licitação.
Então, a Administração Pública, para contratação de obras, serviços, compras e alienações de bens e ativos, deve, a priori, realizar licitação pública com a finalidade de selecionar a proposta mais vantajosa para o Poder Público.
Não obstante, há situações em que a competição não se mostra viável ou até é materialmente viável, mas não se justifica em razão de determinadas situações: são os casos de dispensa e inexigibilidade da licitação, respectivamente.
As hipóteses legais de inexigibilidade de licitação não são taxativas e refletem, em síntese, as situações em que não é possível a competição, como, por exemplo, na contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos.
Já as hipóteses de dispensa de licitação são tratadas de forma taxativa na legislação, considerando que o afastamento da disputa não se dá por impossibilidade de competição, mas por permissão do legislador, sendo possível dividir as hipóteses de dispensa de licitação em dois grandes grupos: o primeiro que dispensa a licitação em razão do valor da contratação e outro grande grupo onde a licitação pode ser afastada em razão de circunstâncias enumeradas na Lei Geral de Licitações, como nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.
Na abordagem que se pretende neste trabalho será feita uma análise acerca de como se dará a dispensa de licitação em função dos valores da contratação no período de transição estabelecido na Nova Lei de Licitações.
Como se sabe, a Lei 14.133/2021, Nova Lei de Licitações, estabeleceu um período de transição, mantendo a Lei 8.666/93 vigente pelo período de 2 anos, contados da sua publicação, ou seja, até primeiro de abril de 2023, devem viger simultaneamente ambas as legislações. Assim, pelo período de dois anos, contados da publicação da Lei 14.133/2021, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com qualquer uma das duas legislações, conforme facultado no artigo 191, da Nova Lei de Licitações, que assim prescreve:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Então, diante dessa vigência simultânea de legislações, disciplinado as mesmas situações, cumpre investigar como deve se comportar a Administração Pública nos casos de dispensa de licitação em razão do valor da contratação.
No âmbito da Lei 8.666/93, as licitações são dispensadas para contratação de obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto para a modalidade convite, o que equivale R$ 15.000,00 (quinze mil reais), sendo esse valor reduzido para até R$ 8.000,00 (oito mil reais), quando se tratar de serviços e compras de natureza diversa.
Por força do dispositivo inserto no artigo 120 da Lei 8.666/93, que estabelece que valores fixados em referida lei poderiam ser revistos pelo Poder Executivo Federal, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período, foi editado o Decreto 9.412/2018, atualizando os limites de dispensa para R$33.000,00 (trinta e três mil Reais), para contratação de obras e serviços de engenharia, e para R$17.600,00 (dezessete mil e seiscentos Reais), para contratação de serviços e compras de outra natureza.
Todavia, com o advento da Lei 14.133/2021, esses limites foram alterados para R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores, e para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras, conforme se vê de sua transcrição:
Art. 75. É dispensável a licitação:
I - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;
II - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;
Então, considerando que a Lei 8.666/93 encontra-se vigente juntamente com a Nova Lei de Licitações até primeiro de abril de 2023, passa-se a perquirir quais os limites que a Administração Pública pode se valer para realizar contratação direta nesse período.
A solução deste aparente conflito normativo é simples, de modo que ele pode ser sanado por aplicação da regra fundamental da hermenêutica jurídica, contemplada expressamente da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo a qual a norma posterior revoga a anterior quando expressamente a declare revogada, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
No caso dos limites de valores para dispensa de licitação, embora a Nova Lei de Licitações tenha mantido a Lei 8.666/93 vigente pelo período de 2 anos, contados da sua publicação, é evidente que os limites estabelecidos com base na lei 8.666/93 foram tacitamente derrogadas pela elementar circunstância de serem inferiores aos novos limites criados. Assim, perde sentido aplicar os limites estabelecidos com base na Lei 8.666/93 quando os valores definidos no artigo 75 da Lei 14.133/2021 são superiores.
Então, ao que se viu, não obstante a Lei 8.666/93 encontre-se vigente juntamente com a Nova Lei de Licitações até primeiro de abril de 2023, não faz sentido valer-se das velhas normas para definição dos valores limites para fins de dispensa de licitação quando a nova lei traz valores superiores e que, portanto, englobam dentro de si os valores da legislação antiga.
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