RESUMO: Insculpido no artigo 5° da constituição da república federativa do Brasil, o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade estabelece que o acusado da prática de fato definido como crime deve ser presumido inocente até que ocorra o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nesse aspecto, necessário analisar a decisão da Suprema Corte sobre o citado princípio, para tanto será utilizado todo aparato normativo acerca do tema, tais como legislação, constitucional, infraconstitucional e doutrina, verificando a oscilação jurisprudencial da Suprema Corte, com o objetivo de analisar a responsabilidade do Estado em face da problemática levantada. Tal princípio representa muito mais que uma garantia de ordem processual, consubstancia antes de tudo, uma garantia constitucional de natureza fundamental, sendo, portanto, cláusula pétrea (artigo 60, § 4°, da CRFB/88).
PALAVRAS-CHAVE: Constituição, princípio, presunção de inocência
INTRODUÇÃO
O Princípio da presunção de inocência está previsto no artigo 5º, da constituição da república Federativa do Brasil, e prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADS 44 45 54, de relatoria do Ministro Marcos Aurélio, modificou o entendimento até então vigente naquela Corte, fixando o entendimento onde necessidade de trânsito em julgado com a sentença condenatória para o início da execução da pena onde impede que o tribunal de origem mantenha ou mesmo decrete a prisão cautelar, presentes os pressupostos legais, vetou somente o início imediato do cumprimento da pena após o declínio da jurisdição de 2ª instância, mantendo, a possibilidade da supressão reserva de liberdade ou mesmo de aplicação de medidas cautelares diversas, por decisão fundamentada.
A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, surgiu grande controvérsia jurídica acerca do alcance da presunção de inocência. Para alguns, a constituição não condicionou o cumprimento da sentença ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, bastando que sua culpa tenha sido confirmada em segunda instância em ordem escrita e fundamentada emanada de autoridade competente, nos termos do que proclama o artigo 5º, inciso LXI, da CRFB.
Para outros, no entanto, o direito fundamental previsto no artigo 5º, LVII, da CRFB, sendo uma garantia do indivíduo em face de eventual abuso do estado não pode ser interpretado restritivamente, o que evidencia na necessidade de buscar tornar efetivos os direitos previstos constitucionalmente, tanto em relação à sociedade quanto ao acusado.
Nesse prisma é a doutrina de Nestor Távora e Rosimar Rodrigues Alencar, (2016, pg. 44) anotam que:“[...] O processo penal enquanto tal deve ser sinônimo de garantia aos imputados contra as arbitrariedades estatais sem perder de vista a efetividade da prestação jurisdicional”. Vê-se, portanto, que estamos diante de uma situação problema, o qual deve ser cuidadosamente ponderado, uma vez que de um lado está o Estado, buscando a efetividade da persecução penal e do outro está o réu, detentor de direitos e garantias fundamentais que devem ser respeitados sob pena de violação à sua dignidade.
Afinal de contas, como assevera Aury Lopes Junior (2016, pg. 78) “O princípio da presunção de inocência está expressamente consagrado na constituição, art. 5º inciso LVII, sendo um princípio reitor do processo penal [...] podemos verificar a qualidade de um sistema processual através de seu nível de observância (eficácia). Nesse aspecto devemos questionar de quem é a responsabilidade pela efetividade dos direitos e garantias, sobretudo no que diz respeito à tutela jurisdicional dos bens jurídicos, sem olvidar, é claro, da presunção de inocência, é o que passaremos a fazer nas linhas posteriores.
Objetiva-se, a presente obra, analisar o posicionamento da Suprema Corte quanto a divergência jurisprudencial da Corte Constitucional de 1991, 2009, 2016 e 2020. Objetiva, ainda, analisar os argumentos apresentados pelo ministro relator Marcos Aurélio, nos autos do HC ADS 44,45,55 a luz da doutrina e do aparato normativo acerca do tema, constitucional e infraconstitucional acerca do tema. Desta forma, a presente pesquisa apresenta a seguinte estruturação além desta introdução, apresenta na seguinte seção a metodologia utilizada na pesquisa, bem como os objetivos desta, tanto o geral quanto os específicos.
1. DESENVOLVIMENTO
1.1 Base legal e doutrinária
No Brasil, o princípio da presunção de inocência, além de expressa previsão constitucional, artigo 5º, LVII, da CRFB/1988, inscrito no título II do texto maior, intitulado de direitos e garantias fundamentais, consistindo, portanto em núcleo intangível, ou seja, não pode ser alterado através de Emenda Constitucional, consoante dispões art. 60, § 4º, IV, da constituição, possui amparo na legislação infraconstitucional, artigo 283, do código de processo penal com redação determinada pela lei nº 12,403, de 2011:
Art. 283. Ninguém pode ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou preventiva
Observe o leitor que o citado diploma descreve três tipos de prisão:
a) Prisão em flagrante delito;
b) Prisão em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado;
c) Prisão preventiva ou temporária, no curso da investigação ou do processo;
Veja que o legislador ordinário não previu cumprimento da prisão provisória após condenação por colegiado. Como pode então a Suprema Corte olvidar a anos de um dispositivo legal vigente? É necessário observar à vontade do Poder Constituinte Originário que estabeleceu proteção mais ampla.
A despeito do princípio da presunção de inocência ensina a doutrina que derivam duas regras de grande relevância ao sistema acusatório. Discorrendo sobre o tema Nestor Távora aduz o seguinte:
Do princípio da presunção de inocência derivam duas regras fundamentais: A regra probatória, ou de juízo, segundo a qual a parte acusadora tem ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado – e não este de provar sua inocência – e a regra de tratamento, segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois de sentença com trânsito em julgado, o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório, ou de culpabilidade. (Távora e Alencar, 2016, pg. 45, grifo nosso).
Nesse mesmo prisma ensina a doutrina de Eugênio Pacelli:
Afirma-se frequentemente em doutrina que o princípio da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência, impõe ao Poder Público a observância de duas regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segunda a qual o réu, em nenhum momento do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de condenação, e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do fato e à sua autoria devem recair sobre a acusação. [...] (Eugênio Pacelli, 2017, pg. 39, grifo nosso).
Perceba o leitor que a doutrina pátria interpretando o dispositivo constitucional é clara em afirmar que a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, Na ADS 43 44 55 se coaduna com a sistemática vigente em nosso ordenamento jurídico. Destaca-se, que o princípio da presunção de inocência dever ser interpretado de forma a se dar efetividade aos direitos e garantias fundamentais, aplicando-se o princípio da máxima efetividade, como anota Canotilho, apud Pedro lenza:
[...] “é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”. (J. J. G Canotilho, direito constitucional e teoria da constituição, 6, Ed, pg 227, apud, Pedro Lenza, 20, Ed, 2016, pg. 189)
Conclui-se, portanto, que ao se buscar a máxima efetividade de uma garantia prevista constitucionalmente não estamos apregoando o absolutismo do princípio da presunção de inocência, até porque este já cede diante da prisão preventiva, nos termos dos artigos 311 e 312 do código de processo penal, nem tão pouco apregoamos ser menos importante que as condutas violadoras de direitos humanos, a despeito dos que cometem crimes contra a vida, por exemplo, devam ser investigadas e punidas. Se houver abalo da ordem jurídica através da prática de crime, que haja investigação, e que, provada a autoria e materialidade, o réu seja condenado, passando-se à execução da pena, todavia, que tais medidas respeitem o direito de liberdade e a presunção de inocência enquanto não houver trânsito em julgado da sentença condenatória, afinal, é dever do Estado resguardar a segurança da sociedade e a presunção de inocência, ambos com respaldo constitucional.
1.2 Oscilação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nos anos de 1991, 2010, 2016, 2016 e 2020.
O Supremo Tribunal Federal, já na vigência da constituição de 1988, tem jurisprudência oscilante no que diz respeito ao alcance do princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, inciso, LVII). Tendo enfrentado o tema pela primeira vez em 28/06/1991, nos autos do HC 68.726 (Rel. Min. Néri da Silveira), tendo aquela corte assentado entendimento de que o princípio da presunção de inocência não seria óbice ao início do cumprimento de pena após condenação em segunda instância, nos seguintes termos:
Habeas corpus. Sentença condenatória mantida em segundo grau. Mandado de prisão do paciente. Invocação do art. 5º, inciso LVII, da Constituição. Código de Processo Penal, art. 669. A ordem de prisão, em decorrência de decreto de custódia preventiva, de sentença de pronúncia ou de decisão e órgão julgador de segundo grau, é de natureza processual e concernente aos interesses de garantia da aplicação da lei penal ou de execução da pena imposta, após o devido processo legal. Não conflita com o art. 5º, inciso LVII, da Constituição. De acordo com o § 2º do art. 27 da Lei nº 8.038/1990, os recursos extraordinário e especial são recebidos no efeito devolutivo. Mantida, por unanimidade, a sentença condenatória, contra a qual o réu apelara em liberdade, exauridas estão as instâncias ordinárias criminais, não sendo, assim, ilegal o mandado de prisão que órgão julgador de segundo grau determina se expeça contra o réu. Habeas corpus indeferido. (HC 68.726, Rel.Min. Néri da Silveira, Plenário, 28/06/1991).
Esse entendimento permaneceu em vigor na Suprema Corte por quase 12 (doze) anos, até que no dia 05/02/2009, quando pleno voltou a debater o tema, no julgamento do Habeas corpos 84.078/MG (Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010), houve modificação no entendimento, passou o Supremo Tribunal Federal a dar interpretação no sentido de salvaguardar o princípio estabelecido no art. 5º, LVII, ou seja, firmando entendimento segundo o qual a prisão decorrente de condenação pressupõe o trânsito em julgado da sentença condenatória em acórdão assim ementado:
HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. Dignidade da pessoa humana. art. 1º, III, da constituição do brasil. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. [...] 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. [...]. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida. (HC, 84.078/MG, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, 05/02.2009).
Dia 17 de fevereiro de 2016, o plenário novamente voltou o debate, no julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, no entanto, mais uma vez houve modificação na jurisprudência, passando-se vigorar o entendimento assim ementado:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. (HC, 126.292/SP, Min. Relator, Teori Zavascki, Plenário, 17/02/2016)
Em 03.02.2020 o entendimento da suprema corte foi firmado no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, nas quais a Suprema Corte, em modificação de tese fixada em 2016, passou a considerar que deve prevalecer a presunção de inocência até o trânsito em julgado da ação penal, nos termos do artigo 283 do Código de Processo Penal e do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.
Nas ações submetidas ao STJ, os tribunais de origem determinavam que, após o encerramento do trâmite da ação em segunda instância, fossem expedidos os mandados de prisão para possibilitar a execução provisória da pena.
É possível perceber, fazendo análise cronológica desde o primeiro momento em que o tema foi enfrentado em 1991, até a última vez que o tema foi debatido, nas ADCs 43, 44 e 54, de Relatoria do Min. MARCO AURELIO, Plenário, em 03/04/20, no qual se modificou o entendimento firmado no HC 126.292/SP, que se passaram aproximadamente 30 anos, tendo a Suprema Corte tratado o direito previsto no art. 5º, da CRFB, como mera regra procedimental. Ementa:
HABEAS CORPUS. INÍCIO DA EXECUÇÃO DA PENA. NECESSIDADE DO TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO (AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE 43,44,45. A necessidade de trânsito em julgado da sentença condenatória para o início da execução da pena não impede que o tribunal de origem mantenha ou mesmo decrete a custódia cautelar, presentes os pressupostos legais; ou seja, vedou-se somente o início imediato e automático do cumprimento da pena após esgotamento da jurisdição de 2ª instância, mantendo-se, porém, a possibilidade da supressão cautelar de liberdade ou mesmo de aplicação de medidas cautelares diversas, por decisão fundamentada. 2. No presente caso, o Tribunal de origem não teve a oportunidade de analisar a necessidade da manutenção ou decretação de prisão preventiva ou medidas cautelares diversas após a alteração de posicionamento por esta CORTE. 3. Ordem concedida, tão somente para que o Tribunal local, observando a decisão tomada pela SUPREMA CORTE no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, analise eventual necessidade da prisão preventiva ou aplicação de medidas cautelares diversas.
Decisão
A Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem, pra que o Tribunal local, observando a decisão tomada pela Suprema Corte no julgamento das ADC's 43, 44 e 54, analise se estão presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal ou para a fixação de medidas cautelares diversas, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Relator, e Rosa Weber, Presidente, que a concediam em maior extensão. Primeira Turma, 14.04.2020.
1.3 Conflito de valores:
Existe conflito de valores entre o princípio da presunção de inocência e a efetividade da função jurisdicional penal:
O tema relacionado com a execução provisória de sentenças penais condenatórias envolve reflexão sobre (a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal.
Sobre o argumento ventilado pelo Ministro Relator, Martins e Américo, (2016, pg. 212), dispõem: “Em que pese ser verdadeira a existência do conflito entre o princípio da presunção de inocência e da efetividade jurisdicional, não há necessidade de mitigar aquele direito fundamental”. Com devido respeito, pensamos que dizer que há conflito entre o princípio da presunção de inocência e a efetividade da função jurisdição penal é confessar que o estado falhou em sua tarefa de efetivar os direitos previstos na constituição.
Em verdade, construiu-se pensamento segundo o qual há conflito entre o princípio da presunção de inocência e a efetividade da tutela jurisdicional penal, no entanto, deveríamos ter um Estado que ao invés de relativizar princípio constitucional a pretexto de resguardar a ordem social, fosse capaz de dar efetividade a ambos, resguardando-se a sociedade, punindo-se os criminosos, mas em respeito ao princípio da presunção de inocência, devendo o Estado possuir um aparato judicial apto a julgar recursos especial e extraordinário antes que ocorra a prescrição da pretensão punitiva.
O poder judiciário não pode, mesmo que amparado em justa convicção, que é garantir à segurança da sociedade em face da prática de crimes, mitigar um direito fundamental em detrimento de outro de igual importância. É possível a coexistência entre efetividade da jurisdição penal e o princípio da presunção de inocência, como bem anota Guilherme de Souza Nucci, em sua obra intitulada Direitos humanos vs segurança pública:
[...] o embate ideológico e político termina por evidenciar que a segurança pública parece ser inimiga dos direitos humanos e também estes não se coadunariam com o primeiro. Em primeira impressão, não se visualiza ponto de contato amoldável a tal conclusão. Somos pelo respeito aos direitos humanos, em primeiro plano, obstando abusos estatais de qualquer ordem. E cremos, enfaticamente, ser viável assegurar a ordem pública dentro desse cenário. (Guilherme de Souza Nucci, 2016, pg. 71).
Veja-se que a responsabilidade pela efetivação dos direitos é do Estado, não podemos estender o ônus da demora no processo penal ao réu, nem tão pouco à sociedade, sob pena de cometermos violações de direitos, como observa Nilo Batista, citado por Nucci: “Propensão para o crime tem é o Estado que permite a carência, a miséria, a subnutrição e a doença – em suma cria a favela e as condições sub-humanas de vida” (Punidos e mal pagos, pg. 158-159, apud Ricardo de Souza Nucci, Direitos Humanos vs Segurança Pública, 2016, pg. 71).
1.4 Possibilidade de coexistência entre efetividade da jurisdição penal, e o princípio da presunção de inocência.
O poder judiciário não pode, mesmo que amparado em justa convicção, que é garantir à segurança da sociedade em face da prática de crimes, mitigar um direito fundamental em detrimento de outro de igual importância. É possível a coexistência entre efetividade da jurisdição penal e o princípio da presunção de inocência, como bem anota Guilherme de Souza Nucci, em sua obra intitulada Direitos humanos vs segurança pública:
[...] o embate ideológico e político termina por evidenciar que a segurança pública parece ser inimiga dos direitos humanos e também estes não se coadunariam com o primeiro. Em primeira impressão, não se visualiza ponto de contato amoldável a tal conclusão. Somos pelo respeito aos direitos humanos, em primeiro plano, obstando abusos estatais de qualquer ordem. E cremos, enfaticamente, ser viável assegurar a ordem pública dentro desse cenário. (Guilherme de Souza Nucci, 2016, pg. 71).
Veja-se que a responsabilidade pela efetivação dos direitos é do Estado, não podemos estender o ônus da demora no processo penal ao réu, nem tão pouco à sociedade, sob pena de cometermos violações de direitos, como observa Nilo Batista, citado por Nucci: “Propensão para o crime tem é o Estado que permite a carência, a miséria, a subnutrição e a doença – em suma cria a favela e as condições sub-humanas de vida” (Punidos e mal pagos, pg. 158-159, apud Ricardo de Souza Nucci, Direitos Humanos vs Segurança Pública, 2016, pg. 71).
1.5 Aspecto terminológico da redação constitucional acerca do termo culpado
[...] a definição do que vem a se tratar como culpado depende de intermediação do legislador. Ou seja, a norma afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação, mas está longe de precisar o que vem a se considerar alguém culpado. O que se tem, é, por um lado, a importância de preservar o imputado contra juízos precipitados acerca de sua responsabilidade. Por outro, uma dificuldade de compatibilizar o respeito ao acusado com a progressiva demonstração de sua culpa. Disso se deflui que o espaço de conformação do legislador é lato. A cláusula não obsta que a lei regulamente os procedimentos, tratando o implicado de forma progressivamente mais gravosa, conforme a imputação evolui. Por exemplo, para impor a uma busca domiciliar, bastam ‘fundadas razões’ - art. 240, § 1º, do CPP. Para tornar implicado o réu, já são necessários a prova da materialidade e indícios da autoria (art. 395, III, do CPP). Para condená-lo é imperiosa a prova além de dúvida razoável. Como observado por Eduardo Espínola Filho, ‘a presunção de inocência é vária, segundo os indivíduos sujeitos passivos do processo, as contingências da prova e o estado da causa’. Ou seja, é natural à presunção de não culpabilidade evoluir de acordo com o estágio do procedimento. Desde que não se atinja o núcleo fundamental, o tratamento progressivamente mais gravoso é aceitável. (…) Esgotadas as instâncias ordinárias com a condenação à pena privativa de liberdade não substituída, tem-se uma declaração, com considerável força de que o réu é culpado e a sua prisão necessária. Nesse estágio, é compatível com a presunção de não culpabilidade determinar o cumprimento das penas, ainda que pendentes recursos” (in: Marco Aurélio Mello. Ciência e Consciência, vol. 2, 2015.
CONCLUSÃO
Podemos concluir em face de todo o exposto que execução provisória da pena fere o artigo 5º, inciso LVII, da constituição federal, direito fundamental do réu, seja por conta dos tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil é signatária, ainda que tenha disposição menos abrangente do que nossa constituição em relação ao estado de culpabilidade, uma vez que vedam a utilização de seus textos a fim de restringir direitos internamente positivados, seja porque o estado de inocência encontra amparo legal e doutrinário.
Vimos que o Supremo Tribunal Federal, desde a década de 1990 tem jurisprudência oscilante sobre o tema, mostrando que por vezes, as garantias fundamentais que limitam e legitimam o processo penal são consideradas como sendo simples regras procedimentais, considerando-se de fácil relativização, o que é inadmissível em um Estado democrático de direito.
Analisamos alguns argumentos apresentados pelo Ministro Relator Teori Zavasck, nos autos do HC 126,292/SP, oportunidade que podemos verificar que, não obstante haja aceitação da existência de conflitos de valores entre o princípio da presunção de inocência e efetividade da jurisdição penal, chegamos ao entendimento de que, em verdade, trata-se objetivo perfeitamente possível, bastando que haja vontade política dos administradores do Estado.
Não se trata apenas de ser contra ou a favor da execução provisória da pena, trata-se de buscar fundamentar tal decisão não apenas em face da grave crise econômica e política que enfrenta nosso país, mas na técnica jurídica, o que impõe a garantia dos direitos fundamentais, o respeito ao princípio da tripartição dos poderes, não podendo (ressalvadas as hipóteses de competência atípica), qualquer dos poderes adentrar na competência típica uns dos outros.
É necessário compreender que não é esse ou aquele o culpado pela inefetividade da jurisdição penal, se há uma responsabilidade, esta deve ser atribuída ao Estado, pois é este o detentor dos meio necessários à consecução de sua finalidade que é garantir aos “[...] brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e a propriedade [...]”, nos termos do artigo 5º, caput, da constituição, para que não sejam estas palavras apenas letras mortas num papel.
REFERÊNCIAS
Brasil, Constituição da República de 1998, Editora Saraiva, São Paulo: 2019
Brasil, Código de Processo Penal, Editora Saraiva. São Paulo: 2017
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21ª Edição. Editora Atlas. São Paulo: 2017.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20ª Edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2016.
TÁVORA, Nestor e ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 11ª Edição. Editora Juspodivum. Salvador: 2016.
lOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 13ª edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2016.
Brasil, Supremo tribunal Federal. Habeas Corpus 68.726. Relator Ministro Neri da Silveira. Tribunal Pleno. Brasília, 28/061991. Disponível em http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1521108.
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 84.078. Relator Originário Ministro Eros Grau. Tribunal Pleno. Brasília, 05/02/2009. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2208796.
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 126.292. Relator Ministro Teori Zavasck. Tribunal Pleno. Brasília, 17/02/2016. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4697570.
MARTINS, Grazielle Mendes e AMÉRCO, Lucas Carvalho. A (IN) Constitucionalidade da Decisão do STF sobre a Execução Provisória da Pena. Artigo Científico apresentado ao XXV Congresso do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Direito (COMPENDI), realizado em Curitiba.
LIMA, Gabriel Pantaroto e BEZERRO, Eduardo Buzetti Eustachio. A Execução Provisória da Pena Privativa de Liberdade e sua Compatibilização com o Princípio da Presunção de inocência. Artigo científico apresentado à Universidade do Oeste Paulista. São Paulo.
Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, iago conde. A execução provisória da pena e o princípio presunção de inocência (artigo 5°, LVII, DA CRFB/88) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2021, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57363/a-execuo-provisria-da-pena-e-o-princpio-presuno-de-inocncia-artigo-5-lvii-da-crfb-88. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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