RESUMO: Com a evolução comportamental da sociedade motivada pelo progresso da tecnologia, democratização da informação e o acesso facilitado às mídias sociais, o sistema judiciário brasileiro viu a necessidade atualização normativa no sentido de tipificar condutas vista como criminosas cometidos no ambiente virtual. No Brasil tem sido crescente o número de vítimas das práticas criminosas nesse ambiente virtual, cabendo, portanto, apenas o Marco Civil e a Lei nº 12.737/12, disciplinarem litígios virtuais, o que praticamente está sendo ineficaz quando visa dirimir demandas relacionados ao mau uso da internet em particular os cibercrimes. A presente pesquisa, com observação sistemática abrangendo bibliografia de fontes primárias e secundárias, tem por finalidade analisar de uma forma aprofundada o tema verificando a hipótese de que em caso de crime de difamação é cabível a ação penal privada, materializada pela queixa crime por difamação com fundamentação jurídica nos artigos 100, § 2º e 139, ambos do Código Penal combinados com a lei nº 12.737/2012 que dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos. Desta forma, a revisão tem como o objetivo verificar a partir da abordagem jurídica e doutrinaria a caracterização dos crimes informáticos contra a honra praticados nas mídias sociais, bem como o apontamento da ação cabível e a fundamentação jurídicas em casos de difamação.
PALAVRAS-CHAVE: Crime informático. Crime contra honra. Mídias sociais.
ABSTRACT: With the behavioral evolution of society motivated by the progress of technology, democratization of information and easier access to social media, the Brazilian judiciary system saw the need for a normative update in order to typify conduct seen as criminal committed in the virtual environment. In Brazil, the number of victims of criminal practices in this virtual environment has been increasing, and only the Marco Civil and Law No. 12.737/12 are responsible for disciplining virtual litigation, which is practically ineffective when it seeks to settle claims related to misuse of the internet in particular cybercrime. The present research, with systematic observation covering bibliography of primary and secondary sources, aims to analyze in depth the theme verifying the hypothesis that in case of defamation crime, private criminal action is appropriate, materialized by criminal defamation complaint with legal basis in Articles 100, § 2 and 139, both of the Penal Code combined with Law No. 12,737/2012, which provides for the criminal classification of computer offenses. Thus, the review aims to verify, from the legal and doctrinal approach, the characterization of computer crimes against honor committed in social media, as well as the appropriate action and legal basis in defamation cases.
KEYWORDS: Computer crime. Crime against honor. Social media.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 Crime Informático; 2.1.1 Conceito jurídico; 2.2 Crime Contra A Honra; 2.3 Difamação Nas Mídias Sociais; 2.4 Ação Cabível e Base Jurídica Fundamental; 2.4.1 Do Cabimento; 2.4.2 Da Legitimidade; 2.4.3 Da Competência; 2.4.4 Do Prazo; 2.4.5 Da Tese e do pedido; 3 Conclusão; 4 Referências.
1 INTRODUÇÃO
É notório que o advento da Internet promoveu uma revolução no comportamento da sociedade. Um novo modo de interação, com uso de novas tecnologias, tem beneficiado diversos setores econômicos, sociais e culturais, além de possibilitar uma conexão mais estreita entre usuários de diferentes regiões e compartilhar informações e interação com absoluta rapidez e eficiência. É inegável que a citada "revolução" trouxe avanços e ganhos à sociedade em geral para que países como o Brasil possam se integrar ao mundo globalizado de diferentes maneiras.
Desde então, a internet vem progressivamente se incorporando a tudo e transformando uma série de relações que são construídas a partir das plataformas de comunicação. Contudo o acesso irrestrito as mídias socias tem cada vez mais recorrente práticas de condutas criminosas envolvidos neste espaço virtual. Entre os crimes mais comuns cometidos neste ambiente cibernético é a difamação.
Diante do cenário apresentado, é imprescindível uma reflexão sobre a regulamentação penal no que diz respeito ao desenvolvimento das tecnologias de informação, uma vez que é razoável reconhecer que o crime virtual, como o crime tradicional, pode ocorrer e ocorrer de diferentes formas a qualquer hora e em qualquer lugar, da mesma forma que surgiram novos modos de interação entre os usuários e assim novos métodos criminosos nasceram em proporção semelhante.
A análise do contexto que envolve o processo de criação de leis penais que disciplinam temas que envolvem tecnologia da informação, deve ser realizada com extrema cautela, principalmente no que se refere à finalidade e eficácia do arcabouço jurídico. Com a evolução comportamental da sociedade motivada pelo progresso da tecnologia, democratização da informação e o acesso facilitado às mídias sociais, o sistema judiciário brasileiro viu a necessidade atualização normativa no sentido de tipificar condutas vista como criminosas cometidos no ambiente virtual.
No Brasil, apenas o Marco Civil e a Lei nº 12.737 / 12 são responsáveis pela resolução de demandas virtuais, o que é praticamente insuficiente no que se refere à resolução de conflitos relacionados ao abuso da Internet, especialmente o cibercrime, mas o impacto tem a lei criminal conforme acrescentam os artigos 154-A e 154-B ao Código Penal Brasileiro além de ter alterado a redação dos artigos 266 e 298.
Assim surge o problema jurídico, qual seja identificar no ordenamento jurídico pátrio ação cabível e o fundamento jurídico aplicado em casos de crime de difamação nas mídias sociais, a partir dos pressupostos teóricos que sustentam a pesquisa, o estudo persegue a hipótese de que em caso de crime de difamação é cabível a ação penal priva e se formaliza pela a queixa crime por difamação com fundamentação jurídica nos artigos 100, § 2º e 139, ambos do Código Penal combinado com a lei nº 12.737/2012 que dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos.
O arcabouço jurídico que atende as adequações do direito nas demandas que tratam da segurança no ambiente virtual tem demonstrado lacunas. Nesse sentido, o estudo visa investigar a questão, de forma a indicar qual a ação cabível e os fundamentos jurídicos que se aplicam nos casos de crime de difamação nas redes sociais, bem como dar lugar ao pleno conhecimento e esclarecimento de dúvidas a respeito do assunto.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CRIME INFORMÁTICO
Com o crescimento e a expansão da transformação digital, a expressão invadiu todos os cantos da internet como nunca antes, mas esse comportamento nem sempre é saudável. A ideia de que a liberdade de expressão como direito constitucional é absoluta é errada justamente quando a conduta vai além do tolerável e se torna crime contra a honra.
Espalhar ódio no ambiente virtual também se enquadra, como abuso do exercício do direito de expressão visto que seu alcance é ilimitado, no mesmo sentido, nessa mesma direção, Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli interpretam:
Os Estados têm o dever de proibir toda propaganda pró-guerra, bem como qualquer defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua um incentivo à descriminalização, hostilidade, crime ou violência.
[...] a convenção procurou suprimir qualquer propaganda (de guerra) ou pedido de desculpas (por ódio nacional, racial ou religioso) que incitasse a descriminalização, hostilidade, crime ou violência. (GOMES, 2010, pg. 159)
O direito cibernético é defendido como ramo autônomo no sistema jurídico, para Pinheiro (2010): “A adaptabilidade do direito determina a própria segurança do ordenamento, no sentido de proporcionar a ordem do sistema jurídico por meio da ação legítima do poder, capaz de produzir normas válidas e eficazes. Logo, segundo as leis brasileiras, são muitos os atos lesivos que atacam a ordem jurídica e ameaçam a reputação do sistema gerando graves danos emocionais à vítima e desordem social, vejamos.
2.1.1 Conceito jurídico
A definição cunhada pela Organização a Cooperação e Desenvolvimento Econômico das Nações Unidas “que crime informático é toda conduta ilegal não ética, ou reprovada pela sociedade, que envolva processamento automático de conteúdo e/ou transmissão de dados” está alinhada com o entendimento doutrina penal predominante e as decisões exarada nos tribunais criminais brasileiros, ou seja, que crime informático é um ato típico, antijurídico e culposo cometido contra ou pela utilização de processamento automático de conteúdo ou sua transmissão.
Para FELICIANO (2000, p. 42), a criminalidade cibernética possui a seguinte definição:
“Criminalidade cibernética é o fenômeno histórico-sócio-cultural configurado pela elevada incidência de condutas penais (delitos, crimes e contravenções) que têm por objeto material ou meio de execução os instrumentos informáticos (hardware, software, redes, etc.)”
Restritivamente, a penalista Ivete Senise Ferreira (2000, p. 211) explica que “o conceito de ação abrange qualquer comportamento humano, positivo ou omissivo, desde que seja típico, ou seja, corresponda ao modelo previsto na lei como crime, com a respectiva penalidade”.
Considerado a definição acima proposta, pode-se afirmar que as condutas não previstas em lei, bem como as formuladas sem observar o devido processo legislativo, não podem ser consideradas crime.
É a primazia dos princípios da reserva legal e da legalidade consagrados na Carta Magna de 1988, art. 5º, XXXIX: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Com precisão, Marco Antônio Marques da Silva (2001, p. 5) ensina que: “O princípio da legalidade ou reserva legal representa uma limitação efetiva do poder penal do Estado e, se impede o surgimento de tipos criminosos, a falta de procedimento legislativo adequado é também uma limitação do poder regulatório do Estado”.
No estado constitucional democrático, o princípio da legalidade é uma consequência direta do estabelecimento da dignidade da pessoa humana, uma vez que remonta o anseio social de ter-se assegurado o direito de proteção e de desenvolvimento daqueles que o tem como referência”.
O princípio supra mencionado está ratificado na legislação infraconstitucional. Este princípio insere-se numa concepção minimalista do Direito Penal do Equilíbrio – da ordem social – que indica que o direito deve ser equilibrado e não sujeito a extremos para não prejudicar a seriedade e eficácia da aplicação do direito penal.
Com o mesmo entendimento Rogério Greco diz expressa sua visão da seguinte maneira: “Numa abordagem comparativa, é razoável afirmar que o princípio da legalidade ocupa lugar de destaque em uma formatação minimalista, voltada para o Direito Penal do Equilíbrio”. (GRECO, 2005, pg. 141).
Para apurar as irregularidades no ciberespaço é preciso antes formular normas que possam coibir tais condutas ilícitas, sobretudo impondo sanções para aqueles que as praticam, pois de acordo com a expressão do artigo 1º do Código Penal Brasileiro, não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”
2.2 CRIME CONTRA A HONRA
Honra é o conjunto de qualidades de uma pessoa que faz com que a sociedade o aceite e lhe dê autoestima. Como nos traz o artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:
Artigo 11º - A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, embora deva responder pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei.
É notório que o mundo virtual é um lugar para o debate dos mais diversos tipos de pontos de vistas a respeito de determinado assunto, porém, cabe a cada cidadão se responsabilizar pelas suas opiniões.
O ser humano tem Direito a liberdade de expressão e opinião também consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seu artigo XIX, diz que:
“Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”
A liberdade de expressão, entretanto, não é um direito absoluto, as pessoas têm o direito de expressar seus pensamentos, mas se falam hostilmente ou lutam contra a lei, devem aceitar o resultado de seu ato.
A fama da pessoa é sua imagem perante a sociedade, sua autoestima, e cujo insulto causa dor psicológica, um choque moral, acompanhado de ações que repelem o agressor. É dividido em honra objetiva e honra subjetiva.
No entanto, tal diferenciação é infundada, seja porque a lei não faz distinção detalhada, seja porque a honra engloba sentimentos de dignidade objetivos e subjetivos. O que também deve ser protegido no direito penal é o pretexto de uma deferência inerente à própria personalidade, razão pela qual a separação é artificial e desnecessária.
Como bem observa Heleno Cláudio Fragoso (p. 129-130), “essa distinção esquemática não existe, porque em quaisquer dos crimes contra a honra o que se atinge, em suma, é pretensão ao respeito, interpenetrando-se os aspectos sentimentais e ético-sociais da honra”.
No mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 281) afirma a seguinte interpretação: “não nos parece adequado nem dogmaticamente acertado distinguir honra objetiva e subjetiva, o que não passa de adjetivação limitada, imprecisa e superficial, na medida em que não atinge a essência do bem juridicamente protegido”.
Na Constituição Federal no título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais capitulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e coletivos, traz a honra como direito fundamental.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
A honra objetiva é a imagem que o indivíduo possui perante a sociedade; é sua reputação social, ou seja, honra em sentido estrito. Mostra como somos vistos moral e profissionalmente.
A honra subjetiva, por outro lado, refere-se a sentimentos pessoais sobre qualidades físicas, intelectuais e sociais que são essenciais para a vida em sociedade, como boa moral, decência e honestidade.
Os crimes contra a honra são subdivididos no código penal em calúnia, difamação e injuria e estão elencados nos artigos 138, 139 e 140. É importante que seja feita a distinção entre as subdivisões desses crimes para então prosseguir o objeto do estudo – o tipo difamação.
A calúnia e a difamação são crimes contra a honra objetiva, ou seja, que atingem a reputação do indivíduo perante a sociedade. Já a injúria afeta a honra subjetiva – em outras palavras, o sentimento de respeito pessoal.
Nesta seção, você vai entender como ocorre cada um destes três crimes.
O crime de calúnia está previsto no artigo 138 do Código Penal, e consiste em atribuir falsamente a alguém a autoria de um crime. Para que se configure o crime de calúnia, é preciso que seja narrado publicamente um fato criminoso.
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Prevista no artigo 139 do Código Penal, a difamação consiste em imputar a alguém um fato ofensivo a sua reputação, embora o fato não constitua crime, como ocorre com a calúnia – ou seja, tirar a boa fama ou o crédito, desacreditar publicamente atribuindo a alguém um fato específico negativo, para ocorrer o crime de difamação o fato atribuído não pode ser considerado crime.
Destarte, a injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal, é um atentado à autoestima da vítima, é uma ofensa à dignidade, é uma sentença depreciativa capaz de ofender a vítima e o que ela pensa dela.
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de extorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003).
Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.
É importante observar que a difamação ou difamação exige que o fato chegue aos ouvidos de um terceiro. Porque se apenas a vítima sabe disso, então é um ferimento.
2.3 DIFAMAÇÃO NAS MÍDIAS SOCIAIS
A palavra mídia refere-se a qualquer instrumento ou meio de comunicação social. São instrumentos que permitem a criação e o intercâmbio de conteúdo, muitos dos quais gerados pelos próprios usuários. Mídias Sociais são definidas como tecnologias e práticas on-line usadas por pessoas ou empresas para disseminar conteúdo, provocando o compartilhamento de opiniões, ideias, experiências e perspectivas. Seus diversos formatos, atualmente podem englobar textos, imagens, áudio e vídeo, conceito de FONTURA (2021).
Publicações com conteúdo ofensivo nas mídias sociais são cada vez mais frequentes. O aumento das pessoas que utilizam a internet seja para entretenimento ou para trabalho está cada vez maior, acabando por se tornar uma forma indispensável de comunicação, pela facilidade e agilidade em que as informações são trocadas.
As situações de ofensa a uma pessoa, como a difamação em redes sociais, estão inclusas no que conhecemos como crimes contra a honra. Em caso muito similar, proveniente da Corte Suprema, os Ministros concluíram no sentido de que “(...) A Constituição da República não protege nem ampara opiniões, escritos ou palavras cuja exteriorização ou divulgação configure hipótese de ilicitude penal, tal como sucede nas situações que caracterizem crimes contra a honra (calúnia, difamação e/ou injúria), pois a liberdade de expressão não traduz franquia constitucional que autorize o exercício abusivo desse direito fundamental (...)”.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – QUEIXA-CRIME – CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA A JORNALISTA – DELITO DE INJÚRIA (CP, ART. 140) – RECONHECIMENTO, NO CASO, PELO COLÉGIO RECURSAL, DA OCORRÊNCIA DE ABUSO NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE OPINIÃO – DECISÃO DO COLÉGIO RECURAL QUE SE APOIOU, PARA TANTO, EM ELEMENTOS DE PROVA (INCLUSIVE NO QUE CONCERNE À AUTORIA DO FATO DEITUOSO) PRODUZIDOS NO PROCESSO PENAL DE CONHECIMENTO – PRETENDIDA REVISÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO DEPENDENTE DE EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA, INSUSCETÍVEL DE ANÁLISE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO (SÚMULA 279/STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – O direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo-se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando-se, entre essas, aquela que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal. – A Constituição da República não protege nem ampara opiniões, escritos ou palavras cuja exteriorização ou divulgação configure hipótese de ilicitude penal, tal como sucede nas situações que caracterizem crimes contra a honra (calúnia, difamação e/ou injúria), pois a liberdade de expressão não traduz franquia constitucional que autorize o exercício abusivo desse direito fundamental. Doutrina. Precedentes. – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o apelo extremo, deve fazê-lo com estrita observância do conjunto probatório e da situação fática, tais como reconhecidos, soberanamente (RTJ 152/612 – RTJ 153/1019 – RTJ 158/693, v.g.), inclusive quanto à autoria do fato delituoso, pelo órgão judiciário “a quo”, a significar que o quadro fático probatório pautará, delimitando-a, a atividade jurisdicional da Corte Suprema em sede recursal extraordinária. Precedentes. Súmula 279/STF. (STF – ARE 891647 - Órgão julgador: Segunda Turma - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 15/09/2015 - Publicação: 21/09/2015) (grifo nosso).
Destaca-se, ainda, a título de paradigma, trecho da sentença exarada nos autos de uma queixa-crime semelhante à demanda em tela (Processo n°. 0002138- 86.2014.8.15.0411, proveniente da Comarca de Alhandra):
(...) Conforme os autos, em relevância à mídia de fls. 63, o querelado disse que o Prefeito era “idiota”, “ladrão”, “ditador”, “frouxo”, “covarde”, prefeito desmoralizado”, “despreparado, “inoperante”, “incompetente”, “perseguidor” e “covarde” (...) A liberdade de expressão é direito fundamental, mas passível de ser restringida por outros direitos de mesma importância igualmente consagrados na Constituição Federal. A privacidade, a qual engloba a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, é também protegida pelo art. 5°, inciso X, da CF. No presente caso, entendo que houve evidente excesso na manifestação do querelado, em programa de rádio que não só abrange esta cidade, mas regiões na circunscrição. Conforme a mídia às fls. 19, nítido que as palavras proferidas pelo querelado excederam o seu direito de livre liberdade de opinião, vindo a desrespeitar e denegrir a imagem do autor (...).
Com isso, as demandas da vida cotidiana são levadas ao mundo virtual. Tal aumento se deve ao fato de as pessoas acharem que o uso da internet é anônimo e tais condutas não são crimes, pela falsa sensação de segurança e confiança que o ambiente virtual traz.
Nesse sentido ensina CASSANTI (2014, p. 23):
O maior incentivo aos crimes virtuais é dado pela falsa sensação de que o meio digital é um ambiente sem leis, mas é importante saber que quando o computador é uma ferramenta para a pratica dos delitos, suscita a possibilidade de se amoldar aos tipos penais já existentes.
Uma conduta crescente nas mídias sociais é conhecida como “perfil fake”, que o agente faz uso não autorizado de imagem de terceiros, com a finalidade de atacar a honra e a imagem destes. Sobre essa pratica, leciona CASSANTI (2014, p. 37), grifo do autor: essa prática pode levar ao crime de falsa identidade para obter vantagens, para si ou para outrem, ou para fazer mal a outrem. Além disso, podem ser aplicadas as consequências do direito civil, em que o lesado pode reclamar a indemnização pelos danos imateriais causados.
Todos os dias pessoas são ofendidas nas plataformas de interação social e é cada vez mais frequente o ingresso de ações judiciais envolvendo crimes contra a honra praticados em mídias digitais. As redes sociais e aplicativos de mensagens tornam-se terreno fértil para as pessoas extrapolarem os limites de urbanidade e respeito. O imediatismo das redes sociais suprime a presença física das pessoas e os comentários tornam-se imediatamente visíveis a todos os integrantes dessas redes sociais.
De acordo com INELLAS (2009, p. 73) “a difamação e quando alguém imputa a outro uma má fama, algo mentiroso prejudicando a reputação, é quando se xinga uma pessoa a ofendendo usando palavras ardis, prejudicando a pessoa de tal forma que a impugne maus relacionamentos com o próximo e de acordo com o Código”.
Contudo que o crime de difamação se configure na internet é exigido o dolo. Ou seja, a livre e consciente vontade de imputar, de qualquer forma que seja, escrita, gestual ou oral, fato desonroso a alguém, sendo esse fato verdadeiro ou não.
APELAÇÃO. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. QUEIXA- CRIME NARRA QUE O QUERELADO TERIA PRATICADO OS CRIMES DE INJÚRIA E DIFAMAÇÃO QUANDO DA PUBLICAÇÃO DE TEXTO DEPRECIATIVO NA INTERNET. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA RECURSAL DO QUERELANTE. CRIMES QUE TERIAM SIDO PRATICADOS NO MESMO CONTEXTO FÁTICO. ABSORÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA. AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO DO QUERELANTE. TEXTO RELACIONADO A QUESTÕES POLÍTICAS DE CLUBE DE FUTEBOL. DIREITO A CRÍTICA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. APLICABILIDADE DO ART. 82, § 5º DA LEI Nº 9099/95. Recurso desprovido. decidem os Juízes integrantes da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, conhecer e negar provimento ao recurso, nos exatos termos deste vot (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0003902-88.2014.8.16.0182/0 - Curitiba - Rel.: Leo Henrique Furtado Araújo - - J. 21.09.2016)
O caso supra citado, trata-se de Apelação Criminal interposta em face de sentença que julgou improcedente a queixa-crime apresentada pelo ora Apelante, sob fundamento de inexistirem provas do dolo do querelado.
2.4 AÇÃO CABÍVEL E BASE JURÍDICA FUNDAMENTAL
Como regra geral, os crimes contra a honra dependem da denúncia, nome dado à petição inicial proposta pelo indivíduo, nos casos de ação penal privada, a ser praticada pela vítima, ainda que seja praticada em ambiente virtual.
2.4.1 Do cabimento
Na esfera penal, aplica-se a regra de que o julgamento é público, iniciado por denúncia do Ministério Público. No entanto, há casos em que o legislador entende que a instauração do procedimento pode prejudicar ainda mais o autor da infração, conferindo-lhe o direito de propor ou não a ação à vontade. Eles devem ser denunciados em uma delegacia de polícia próxima à residência da vítima ou em uma delegacia especializada em crimes de informática.
2.4.2 Da legitimidade
Ao autor da ação compete exercer o direito de queixa, buscando a condenação do réu, e juntamente, ou pós a condenação, pleitear a recomposição do dano. A ação penal privada será promovida pela vítima ou por quem tenha qualidade legal para representar a vítima, conforme Art. 100, § 4º do Código Penal:
Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.
(...)
§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. (BRASIL, 2015)
Porém, se o ofendido for legalmente incapaz e não tiver representante legal ou se seus interesses forem conflitantes com os do primeiro, o direito de recurso é exercido por curador especial designado pelo juiz (art. 33 CPP). Sendo o legitimado ativo pessoa pobre (que não possa prover as despesas do processo sem privar-se dos recursos indispensáveis ao sustento próprio ou de sua família) poderá requerer ao juiz a nomeação de advogado para a propositura da ação (artigo 32, CPP).
Se a vítima for pessoa jurídica, deve ser representada por quem o respectivo contrato ou estatuto designar ou, no silêncio destes, por seus diretores ou sócios-gerentes (artigo 37, CPP).
2.4.3 Da competência
Como petição inicial que é a queixa-crime só pode ser oferecida ao Juiz competente para o processo e julgamento da causa. No caso de infração de menor potencial ofensivo, a queixa-crime deverá ser feita oralmente ou por escrito, perante o Juiz do juizado especial criminal, cumprindo assim as condições do artigo 61 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), que ora transcrevemos: Art. 61 – Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
2.4.4 Do prazo
Em regra, o direito de queixa decairá se não for exercido no prazo de seis meses, contados, no caso da ação privada propriamente dita, da data em que o legitimado ativo veio a conhecer a autoria do fato e, no caso de ação privada subsidiária da pública, do fim do prazo concedido ao Ministério Público para oferecer a ação (artigos 103 do CP e 38 do CPP).
Quanto ao crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento para o casamento (artigo 236 do CP), o prazo de seis meses só se inicia quando transitar em julgado a sentença que anulou o casamento na esfera civil.
2.4.5 Da tese e do pedido
O conteúdo da queixa-crime vem determinado no artigo 41 do CPP, e é o seguinte: exposição do fato criminoso, classificação do crime, qualificação do acusado e, se necessário, rol de testemunhas.
De fato, incumbe ao querelante, na petição inicial, demonstrar a materialidade e autoria do delito que pretende imputar ao querelado, requerendo, ao final, após regular citação e processo, a condenação do mesmo. É este também o momento oportuno para a acusação arrolar testemunhas que deseja serem ouvidas.
3 CONCLUSÃO
No curso deste trabalho, inicialmente demonstramos o avanço da tecnologia e o acesso facilitado às mídias sociais, apontando no sistema judiciário brasileiro a necessidade de tipificar crimes cometidos no ambiente virtual.
Para isso, foram realizadas diversas pesquisas bibliográficas, com o objetivo de verificar a partir de abordagem jurídica e doutrinaria a caracterização dos crimes informáticos contra a honra praticados nas mídias sociais, bem como o apontamento da ação cabível e a fundamentação jurídicas em casos de difamação.
Em seguida, foi introduzido o conceito de cibercrime no campo jurídico e, com o objetivo de contextualizá-lo adequadamente, procedeu-se à análise à luz do desenvolvimento das tecnologias de informação, destacando-se as evidências da problemática jurídica, abordagem adequada no âmbito Nacional alcance. sistema jurídico e as bases legais aplicadas nos casos de crimes de difamação nas redes sociais.
A partir dos pressupostos teóricos que sustentaram a pesquisa, a resposta hipotética se confirmou – em caso de crime de difamação ação cabível é a penal privada e se formaliza pela a queixa crime por difamação com fundamentação jurídica nos artigos 100, § 2º e 139, ambos do Código Penal combinado com a lei nº 12.737/2012 que dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos.
Apesar das críticas quanto a demora da aprovação das leis brasileiras que definiram os critérios e as novas tipificações dos crimes cibernéticos, sabemos que a tarefa não é fácil e que estas entraram em vigor com alguns defeitos, contudo, não podemos deixar de melhorá-las, pois estamos desamparados e dependemos de analogia e arremedos por parte do judiciário.
O universo virtual é uma realidade que necessitamos interpretar e ajustarmos as legislações para adaptarmos a essa realidade. Os conflitos neste novo cenário já se fazem presentes e possuem características inimaginada em nossa realidade pretérita.
Alguns dos paradigmas do nosso mundo “concreto” não são aplicáveis, ou o são de maneira ineficaz no caso concreto. De todo modo a lei está posta, e cabe aos operadores jurídicos sua interpretação e aplicação, nesse passo, esperamos que as linhas aqui traçadas possam lançar alguma luz sobre o tema.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, v.2. São Paulo: Saraiva, 2008.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil,1988. Brasília: Senado Federal. In: Vade Mecum. 27ª ed. Editora Rideel, 2018.
________. Lei n. 2.848, de 07 de dezembro 1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 28 mai. 2021.
________. Lei n. 12.737, de 30 de novembro de 2012. Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em: 28 de mai. 2021.
______. Lei n. 9.099 de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em Acesso em 28 abr. 2021.
______.LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Código de Processo Civil. Disponível em Acesso em 28 mai. 2021.
COSTA, Álvaro Mayrink, CRIME INFORMÁTICO: REVISTA DA EMERJ, V.7, N.28, 2004.
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Informática e Criminalidade: parte I: Lineamentos e Definições. Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, São Paulo, v. 13, n. 2, 2000.
FERREIRA, Ivete Senise. A criminalidade informática. Direito & Internet, Aspectos Jurídicos Relevantes, obra coordenada por Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho. Bauru, ed. Edipro, 2000.
FONTURA, Wagner. http://www.boombust.com.br/a-hora-e-a-vez-das-midias-sociais/conceitoMS. Acessado em 28 de maio em 2021.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal - Parte Geral. Forense. ed 16, 2003.
GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Convenção Americana sobre Diretos Humanos: pacto de San José da Costa Rica / Luíz Flávio Gomes, Valério de Oliveira Mazzuoli. – 3. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio – Uma Visão minimalista do direito penal / Rogério Greco. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.
INELLAS, Gabriel Cesar Zaccaria. Crimes na internet. São Paulo: ed. Juarez de Oliveira, 2009.
PINHEIRO, Patrícia Peck, Direito digital, São Paulo: Saraiva 2010.
ROSSINI, Augusto Eduardo de Souza. Brevíssimas considerações sobre Delitos Informáticos, in Caderno jurídico da Escola superior do ministério Público de São Paulo, ano II, nº IV, - julho de 2002.SOUZA, Carlos Magno Alves, CNJ Cria Regras para Reconhecimento Extrajudicial de Filiação Socioafetiva. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2017-dez-03/carlos-souza-cnj-cria-regras-reconhecer-filiacao-socioafetiva, Acesso em: 30 abr. 2021.
Artigo publicado em 16/11/2021 e republicado em 07/05/2024.
Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Walesca Clotilde de Oliveira. Crime informático contra a honra: difamação nas mídias sociais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57453/crime-informtico-contra-a-honra-difamao-nas-mdias-sociais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Precisa estar logado para fazer comentários.