RESUMO: A pesquisa se propõe analisar as condições de trabalho no sistema prisional brasileiro na busca por uma possível ressocialização do apenado. Para tanto, será feita uma análise da evolução histórica do conceito de trabalho e seus desdobramentos nas prisões. Assim como analisar a construção jurídico- normativa de proteção do preso e as características do sistema prisional brasileiro. Para, por fim, criar um panorama de discussão da viabilidade de ressocialização do indivíduo preso por meio do trabalho. Trata-se de tema de relevância multidisciplinar, além de outras áreas do direito, como direitos humanos, direito constitucional, tendo como vértice, o direito penal. Para isso, considerando os objetivos da pesquisa, utilizou-se o método de abordagem dedutivo e a pesquisa de natureza bibliográfica documental, por meio da consulta de obras e documentos.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho. Sistema Prisional. Ressocialização.
ABSTRACT: The research aims to analyze the working conditions in the Brazilian prison system in the search for a possible resocialization of the incarinated. To this end, an analy- sis of the historical evolution of the concept of work and its consequences in pri- sons will be made. As well as analyzing the legal-normative construction of protec- tion of the prisoner and the characteristics of the Brazilian prison system. Finally, to create an overview of the viability of resocialization of the individual imprisoned through work. It is a subject of multidisciplinary relevance, in addition to other areas of law, such as human rights, constitutional law, having as its apex, criminal law. For this, considering the objectives of the research, we used the method of deductive approach and the research of documentary bibliographic nature, through the consultation of works and documents.
KEYWORDS: Work. Prison system. Resocialization.
A presente pesquisa surge da necessidade de se analisar de forma crítica as condições existentes dentro do sistema prisional brasileiro para que o apenado possa exercer o seu direito de trabalho em uma tentativa de possível ressocialização. Tem como finalidade fortalecer a responsabilidade do Estado no que se refere a grave situação do sistema penitenciário brasileiro.
O estudo defende a ideia que, ao privar a liberdade de um indivíduo, o Estado passa a ter a obrigação de prover as condições necessárias para que esta pessoa tenha a possibilidade de concretizar o seu direito social ao trabalho, uma vez que o apenado passa a ter uma relação especial de subordinação ao Estado. A pesquisa sustenta que o trabalho disponibilizado pelo Estado deve, também, ca- pacitar o condenado a ingressar no mercado de trabalho.
O objetivo geral do estudo é analisar as condições do trabalho prisional na na tentativa de reintegração do preso à sociedade. Como objetivos específicos têm-se: examinar a evolução histórica do conceito de trabalho e seus desdobramentos nas prisões; analisar a construção jurídico-normativa de proteção do preso e as características do sistema prisional brasileiro; e por último, discutir a viabilidade do trabalho prisional como instrumento de ressocialização.
Para a compreensão do fenômeno estudado, optou-se pela documentação indireta, ou seja, através da pesquisa bibliográfica, através da leitura de livros, artigos científicos, e buscas em sites jurídicos confiáveis, que versem sobre os seguintes temas: sistema prisional, trabalho, ressocialização, direitos humanos, dentre outros temas semelhantes. Como método de abordagem utilizar-se-á o método dedutivo que parte da observação de uma situação geral para explicar as características de um objeto individual.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE TRABALHO E SEUS DESDOBRAMENTOS NAS PRISÕES.
O trabalho é o que fundamenta uma sociedade, é o que determina as rela- ções entre indivíduos e entre as classes sociais, é através do trabalho que o ho- mem se desenvolve e mantém sua sobrevivência e de sua família. Com o tempo o trabalho sofreu transformações, trazendo consequências físicas e psíquicas para toda humanidade, determinando as relações de força e poder para os que com- pram e os que detêm a força de trabalho (ALBORNOZ, 1994). Como bem acres- centa Ivan de Carvalho Junqueira (2005, p. 73):
É o labor inerente à vida humana, essencial mesmo à desenvoltura do Homem com um mínimo de dignidade. Inobstante hoje estar ele reduzido à mera garantia da subsistência, pela não possibilidade do efetivo gozo frente a outras necessidades das mais prazerosas, reveste-se, sem dúvi- da, de imperiosa importância prática. E bastante acirrada tem-se mostra- do a disputa por postos de trabalho à vigência da ordem capitalista, sen- do exigida, então, mão-de-obra cada vez mais qualificada, o que, por ou- tro lado, exclui milhares de outros trabalhadores.
A primeira forma de trabalho a ser lembrada é a escravidão, em que o es cravo era considerado apenas uma coisa, não tendo qualquer direito, muito me- nos trabalhista. O escravo, portanto, não era considerado sujeito de direito. Nesse período, constatamos que o trabalho do escravo continuava no tempo, até de mo- do indefinido, ou mais precisamente até o momento e m que o escravo vivesse ou deixasse de ter essa condição. Entretanto, não tinha nenhum direito, apenas o de trabalhar.
A segunda forma de trabalho é a servidão, uma época de prestação de ser- viço aos senhores feudais.
(...) Era a época do feudalismo, em que os senhores feudais davam pro- teção militar e política aos servos, que não eram livres, mas, ao contrá- rio, tinham de prestar serviços na terra do senhor feudais. Os servos ti- nham de entregar parte da produção rural aos senhores feudais em troca da proteção que recebiam e do uso da terra. Nessa época, o trabalho era considerado um castigo. Os nobres não trabalhavam. (SIVIERO, 2012, p. 1)
A transição do feudalismo para o capitalismo pleno, tendo como etapa fun- damental a Revolução Industrial, foi um processo longo que durou vários séculos.
Com a mudança dos métodos de produção, a agricultura passou a entrar em colapso. Inicia-se, assim, a troca do trabalho manual pelo trabalho com o uso de máquinas. Surge aí o terceira forma de trabalho, o trabalho assalariado.
O liberalismo do século XVIII pregava u m Estado alheio à área econômi- ca, que, quando muito, seria árbitro nas disputas sociais, consubstancia- do na frase clássica laissez faire, laisse passer, laissez aller. A Revolu- ção Industrial acabou transformando o trabalho em emprego. Os traba- lhadores, de maneira geral, passaram a trabalhar por salários. Com a mudança, houve um a nova cultura a ser apreendida e uma antiga a ser desconsiderada. (MARTINS, 2000, p. 171)
Inicia-se um problema jurídico, pois os trabalhadores começaram a reunir- se, a associar-se, para reivindicar melhores condições de trabalho e de salários.
O Estado, por sua vez, deixa de ser abstencionista, para se tornar interven- cionista, interferindo nas relações de trabalho.
A primeira Constituição que veio a incluir o Direito do Trabalho em seu bojo foi a do México, de 1917 O art. 123 da referida norma estabelecia jornada de oito horas de trabalho, proibição do trabalho de menores de 12 anos, limitação da jor- nada dos menores de 16 anos a seis horas, indenização de dispensa, seguro so- cial, etc.
A segunda Constituição a versar sobre o assunto foi a de Weimar, de 1919, disciplinava a participação dos trabalhadores nas empresas, autorizando a liber- dade de coalização dos trabalhadores. Criou não-só um sistema de seguros soci- ais, como também a possibilidade de os trabalhadores colaborarem com os em- pregadores na fixação de salários e demais condições de trabalho.
Eis de forma suscinta a evolução histórica do conceito de trabalho, neces- sária para abordarmos como se deu os seus desdobramentos nas prisões.
A palavra pena provém do latim poena e do grego poiné, e tem o significa- do de inflição de dor física ou moral que se impõe ao transgressor de uma lei. Conforme as lições de Enrique Pessina (1919), a pena expressa “um sofrimento que recai, por obra da sociedade humana, sobre aquele que foi declarado autor de delito”.
Na antiguidade, o encarceramento de marginais não tinha caráter de pena, mas o de preservar os réus até seu julgamento ou execução. Para Hipócrates, to- do o crime, assim como o vício, era fruto da loucura. Nas civilizações mais anti- gas, a prisão servia de contenção com a finalidade de custódia e tortura.
Nesta época, o direito era exercido através do Código de Hamurabi ou a Lei do Talião, tendo como um de seus princípios o “olho por olho, dente por dente”, cuja base era religiosa e moral vingativa. Penas em que se promovia o espetáculo e a dor, como por exemplo, a que o condenado era arrastado, seu ventre aberto, as entranhas arrancadas às pressas para que tivesse tempo de vê-las sendo lançadas ao fogo, passaram a uma execução capital, a um novo tipo de mecanismo punitivo. (OLIVEI- RA, 2010)
A pena privativa de liberdade surgiu a partir do século XVIII, época em que se proliferaram as prisões, fazendo surgir políticas e práticas penais para reedu- car aqueles que infringiam as leis e eram aprisionados.
De acordo com Beccaria (2002, p. 162-163), “para que toda a pena não se- ja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão particular, deve ser es- sencialmente pública, pronta, necessária, a menor possível nas circunstâncias da- das, proporcional aos delitos, fixadas pelas leis”.
Entre as práticas penais mais aplicadas na tentativa de reeducar os deten- tos inicialmente estava o trabalho prisional. Observa-se que no início do século XIX foram construídas as penitenciárias industriais agrícolas, isso na Europa e América do Norte (ASSIS, 2007).
Nessas penitenciárias industriais e colônias agrícolas a disciplina por meio do trabalho era uma inovação no âmbito penal. O trabalho tinha como fim a reabi- litação, sendo este desenvolvido de forma benéfica, permitindo ao preso um me- lhor preparo para a volta à sociedade.
Mesmo ante a instituição do trabalho nas unidades prisionais, não foi possí- vel observar a efetiva reintegração do apenado na prática ao longo da história, porque a prisão exclui o indivíduo no momento que é estipulada a pena e, após seu cumprimento, mais uma vez o ex-detento cumpre uma pena, esta última a da dificuldade na reinserção socioeconômica.
Todos os seres humanos jurisdicionados pela Constituição brasileira, inde- pendente de seu status político, jurídico, social, religioso e econômico, devem ter seus direitos fundamentais respeitados pelo Estado. É por isso que a ideia de constituição surge para delimitar, primeiramente, os poderes políticos do Estado diante dos cidadãos (VORLÄNDER, 2009, p. 12), mas também para lhes fornecer, num segundo momento histórico garantias essenciais para o desenvolvimento de uma vida digna (Art. 1o, III, da CF).
A luta pelos direitos dos presos alcança, por sua vez, o século XX, com o nascimento de instrumentos normativos internacionais de garantia e proteção dos direitos humanos. O marco normativo internacional foi importante para impor aos Estados o respeito aos direitos fundamentais dos reclusos, obrigando, como tam- bém sugerindo e recomendando, o cumprimento de normas mínimas de tratamen- to das pessoas privadas de liberdade (CESANO; PICÓN, 2010, p. 4).
Os indivíduos presos pertecem a um grupo humano especialmente vulnerá- vel ao abuso do poder e às violações de direitos fundamentais. Por conseguinte, uma série de instrumentos normativos foi consagrada rumo a um tratamento car- cerário mais humanizado.
A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), de 1948, informa, em seus artigos 1º e 6º, a liberdade e igualdade de tratamento: todas as pessoas- nascem livres e iguais em dignidade e direitos, bem como toda pessoa tem o direi- to de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Ainda, o art. 5º, da Declaração, afasta a tortura, o tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, eluci- da, em seu art. 10.1, que toda pessoa privada de sua liberdade deveráser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana. O art. 7º pre- ceitua que ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. Ainda, o Conjunto de Princípios para a Prote- ção de todas as Pessoas submetidas a qualquer forma de Detenção ou Prisão, de 1988, aponta como primeiro princípio a humanidade e o respeito à dignidade hu- mana da pessoa sujeita a qualquer forma de detenção ou prisão.
Dentro do sistema americano, a Convenção Americana de Direitos Huma- nos, de 1969, garante o direito à integridade pessoal da pessoa privada de liber- dade. No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição de 1988, garante a prote- ção do cidadão ante o arbítrio do Estado, protegendo sua liberdade através da égide da ampla defesa, contraditório (Art 5º, LV, CF), devido processo legal (Art 5º, LIV, CF), sistema acusatório, juiz natural (Art. 5º, XXXVII CF), publicidade (Art. 5º, LX, CF), dentre tantos outros previstos no artigo 5º da Constituição Federal. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 11):
A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideá- rio, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e ci- dadãos. […] Como se sabe, as normas jurídicas não são conselhos, opi- namentos, sugestões. São determinações. O traço característico do Di- reito é precisamente o de ser disciplina obrigatória de condutas.
A Lei n. 7.210/1984, conhecida também como Lei de Execução Penal, trou- xe como principais objetivos, além da efetivação dos mandamentos contidos na sentença penal ou outra decisão criminal, destinadas a reprimir e prevenir os deli- tos, também, os de propiciar ao condenado, condições para se reintegrar social- mente, oferecendo meios para este participar construtivamente da comunhão so- cial, conforme dispõe em seu Artigo 1°.
A referida Lei aponta que é dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, com o objetivo de prevenir o crime e proporcionar o retorno destes à con- vivência na sociedade.
Estabelece a lei, que a assistência social deve colaborar com o egresso na obtenção de trabalho, tanto o interno quanto o externo, classificando este trabalho como dever social e condição de dignidade humana, cuja finalidade é educativa e produtiva.
Há, portanto, uma ampla normatização, em âmbito internacional e nacional, de direitos e garantias protetores dos direitos fundamentais dos reclusos. Porém, tudo isso parece ser insuficiente perto das características do sistema prisional bra- sileiro que será tratado no próximo subitem.
A prisão, para David Garland (2008, p. 380), é concebida, hoje, de modo explícito, “como mecanismo de exclusão e controle. Modalidades de tratamento ainda operam dentro dos seus muros e ainda se presta certa deferência ao ideal de reabilitação. Mas, agora, os próprios muros são vistos como o elemento mais importante e valioso da instituição”. De acordo com Boaventura de Sousa Santos e Marilena Chauí, (2013, p. 42):
A grande maioria da população mundial não é sujeito de direitos huma- nos. É objeto de discurso de direitos humanos. Deve pois começar por perguntar-se se os direitos humanos servem eficazmente a luta dos ex- cluídos, dos explorados e dos discriminados ou se, pelo contrário, a tor- nam mais difícil.
No Brasil, o significado ideológico do sistema prisional muitas vezes é utili- zado como instrumento de exclusão ao definir condutas que objetivam conter as classes sociais inferiores, ou seja, resolvemos o problema da insegurança pública encarcerando indivíduos das classes subalternas, os mais pobres, os desprovidos das políticas públicas e injustiçados pelo sistema econômico e social.
Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFO- PEN 2017 (Brasil, 2019) são 726.354 pessoas presas. Quanto ao nível de escola- ridade, 51% da população prisional brasileira possui o ensino fundamental incom- pleto, seguido de ensino médio incompleto (14%) e ensino fundamental completo (13%). Não há números significativos de apenados com o ensino superior comple- to. Em síntese, a população carcerária brasileira são a sua maioria homens negros, jovens e com baixa escolaridade.
O elevado déficit de vagas no sistema carcerário é um registro que apre- senta a deficiência do Estado perante o sistema penitenciário. São inúmeros fato- res que contribuíram para essa crise penitenciária em que nosso país vive, geran- do um movimento no sentido de repensar o modelo estatal. Pode se destacar, dentre eles, a ausência de compromisso por parte do Estado no que diz respeito ao problema carcerário.
Os modos de segregação e estigmatização penal presentes em nossa sistemática punitiva impõem à prisão não somente um significado de imobilização, senão também de exclusão. A prisão tem sua popularidade aumentada em razão disso, pois ela visa arrancar o mal pela raiz. Ela diz respeito a uma duradoura e talvez inalterável exclusão. A prisão tem co- mo lema “tornar as ruas de novo seguras”, e, para isso, o que prometeria ser melhor do que a remoção dos perigosos para espaços de onde não possam escapar? (BAUMAN, 1999, p. 130)
O encarceramento em massa da população vulnerável é uma tentativa de mover uma higienização social, uma segregação entre os “merecedores e não merecedores de direitos”. Não são mera coincidência os dados apresentados pelo INFOPEN sobre a população carcerária.
O resultado do clamor por políticas mais rígidas é hiperinflação carcerária. De acordo com Wacquant (2001, p. 117), essa hiperinflação se dá pela efetivação de medidas mais punitivas, que fazem com que uma série de delitos que não leva- riam ao aprisionamento passassem a levar; além do mais, deve-se destacar o au- mento da duração das penas para delitos sem gravidade.
Pode-se observar que há dois pesos e duas medidas quando se trata da espécie de crimes, dos sujeitos que o cometeram e das penas estipuladas pelo le- gislador, fortalecendo a ideia de seletividade no direito penal.
Em teoria, a norma penal não discrimina etnia, renda, sexo e ou- tras características sociais; ela preza pela igualdade, se diz infligir puni- ção pelo descumprimento de leis e não por características pessoais do indivíduo transgressor. Entretanto, a representação política é claramente voltada aos anseios de grupos socialmente dominantes e as leis são cumpridas de acordo com os interesses da mesma. O sistema peniten- ciário vem apenas efetivar a desigualdade de tratamento que a própria legislação penal prega. Com isso, pode-se notar a clara distinção e sele- tividade que há desde a implantação de penas para descumprimento de leis (THOMPSON, 1998)
A criminalização da pobreza, a seletividade penal e o encarceramento em massa são características marcantes dentro da política prisional no Brasil e isso gera dúvidas quanto a uma real intenção do Estado em proporcionar uma possível ressocialização do apenado.
A nossa legislação ordinária e especial é rica em demonstrações de sele- tividade da norma penal. À guisa de exemplo, tem-se a disparidade entre as penas previstas para os crimes contra o patrimônio público e o priva- do. O crime de roubo é punido muito mais severamente do que o de so- negação fiscal, levando à conclusão de que, para o conjunto da socieda- de brasileira, subtrair uma carteira mediante grave ameaça é mais gravo- so do que sonegar milhões de impostos, ainda que o roubo da carteira apresente à vítima somente prejuízos materiais, enquanto a sonegação pode ceifar inúmeras vidas, por subtrair recursos que seriam aplicados em políticas públicas (MARTINI, 2007, p. 45-46).
Ivan de Carvalho Junqueira é claro ao discordar da possibilidade de resso- cialização por meio da pena privativa de liberdade no Brasil, ao menos da condi- ção em que ela se apresenta ao preso.
A prisão, da maneira em que foi concebida, apenas dessocializa e dege- nera o indivíduo que nela ingressa. Longe de promover a reinserção do condenado, retira-lhe, ainda, a pouca dignidade, dentro e fora do cárce- re, vez que o ex-presidiário será sempre um ex-presidiário (JUNQUEIRA, 2005, p. 14).
De acordo com Wacquant (2001, p. 28), para o público em geral, os delin- quentes mais comuns são oriundos dos guetos/favelas urbanos, sendo considera- dos como áreas produtoras de crime e criminosos. Sendo assim, os crimes e os criminosos são determinados e apontados pela sociedade e por meio da própria gestão de segurança pública, que invade morros e favelas à procura de pequenos e infelizes perdedores do jogo (agora traficantes), lotando ainda mais as decaden- tes prisões brasileiras.
A desigualdade e a vulnerabilidade social são elementos alicerçados na ba- se da complexidade do sistema carcerário brasileiro. Os dados relativos à popula- ção prisional demonstram que a prisão é concebida, hoje, de modo explícito, co- mo um mecanismo de exclusão e controle, servindo de reservatório de pessoas indesejáveis, (WACQUANT, 2001, p. 115) onde são segregadas e isoladas em no- me da segurança pública. (GARLAND, 2008, p. 380)
Por fim, estas são estas as estruturas que estão escondidos na estética do sistema penitenciário brasileiro. Os modos de segregação e estigmatização penal presentes na nossa sistemática punitiva fazem com que a prisão signifique não somente uma imobilização, senão, também, uma exclusão.
O trabalho é um direito subjetivo do preso em face do Poder Público, mas os estabelecimentos penais são normalmente desprovidos de recursos materiais e humanos suficientes para ofertar trabalho digno a todos os encarcerados.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) refe- rentes ao ano de 2012, somente 22% (vinte e dois por cento) da popula- ção carcerária exercia atividade laboral (CASTRO, 2013). As fontes das referidas atividades são subclassificadas da seguinte forma: a) apoio ao estabelecimento penal (42%), b) parceria com a iniciativa privada (32%),
c) artesanato (16%), d) atividade industrial (4%), e) parceria com órgãos do Estado (4%), f) parceria com paraestatais (ONGs e Sistema S) (1%), eg) e atividade rural (0,9%) (GOMES, 2013).
De acordo com os dados do DEPEN, menos de 1/4 (um quarto) da popula- ção carceária exerce atividade laboral, o que representa um universo muito pe- queno assistido pelo Poder Público.
No Brasil, o trabalho na prisão é considerado um dever social do preso, sendo obrigatório o seu exercício, sob pena da cometimento de falta disciplinar de natureza grave.
No entendimento de Ivan de Carvalho Junqueira (2005, p. 86), o trabalho é um direito do preso, constituindo dever do Estado disponibilizá-lo ao encarcerado, ou seja, o trabalho seria uma faculdade do preso, e não, necessariamente, um de- ver social.
O fato do trabalho prisional ser uma obrigatoriedade é motivo de críticas não só por Ivan de Carvalho Junqueira, mas por muitos autores, pois não se trata de uma faculdade do detento e pode ser entendido também como um método pu- nitivo pelas condições que se apresentam no Brasil.
A obrigatoriedade do trabalho prisional deve ser questionada quando na re- alidade se presencia a violação às diretrizes estabelecidas pela Lei de Execução Penal. As condições dos presídios são desacolhedoras de tal forma que é impos- sível sustentar uma dinâmica laboral que assegure um caráter, no mínimo, huma- nizado. Quem dirá, então, ressocializador.
Para Foucault (1996), o trabalho prisional não tem o intuito de profissionali- zar o apenado, muito menos de reabilitar ou servir economicamente. Serve para estabelecer uma relação de submissão.
Para obter alguns benefícios na prisão, o indivíduo encarcerado precisa adaptar seu comportamento aos padrões institucionais. Porém, isso significa um assujeitamento que os mortifica subjetivamente, transformando seu eu em algo mecanizado e obediente. Aos que resistem, são negados privilégios que deveriam ser garantidos como direitos (Goffman, 2015).
Estudos realizados por KLERING, LEMOS e MAZZILLI, demonstram que a motivação do detento para trabalhar no sistema penitenciário ordinário é quase que exclusivamente decorrente da possibilidade de remição da pena (KLERING, LEMOS, MAZZILLI, 1998).
“Em raros casos, percebe-se um envolvimento maior dos apenados com o processo produtivo. Entende-se, no entanto, que, se o trabalho prisio- nal fosse organizado de outra maneira, com enriquecimento das tarefas que pudessem proporcionar crescimento individual e, principalmente, se fosse organizado de maneira que gerasse condições de desafio e de sa- tisfação com as tarefas, se possibilitasse aos indivíduos encontrar for- mas de perseguir seus questionamentos interiores e traçar a sua história, seria elemento mais eficiente, para promover as condições necessárias à ressocialização” (KLERING, LEMOS, MAZZILLI, 1998).
O fracasso da prisão na tentativa de ressocializar demonstra que, desde seu surgimento, se trata de uma instituição insuficiente e inadequada (Foucault, 1996). Na tentativa utópica de torná-la adequada a essa finalidade, novos meios vão surgindo, inclusive o uso do trabalho.
A inoperância do atual modelo ressocializador advém da forma como é es- truturado o trabalho no cárcere, que não permite ao apenado obter meios de se profissionalizar nem de se preparar para o mercado de trabalho.
O trabalho carcerário interno é, em sua maioria, direcionado à conservação do espaço físico da prisão e de veículos oficiais (RIBEIRO, 2011). Não há um pré- vio estudo científico para classificar e designar atividades de acordo com as ca- racterísticas pessoais de cada preso (RIBEIRO, 2011). Neste contexto, nota-se que não há preocupação com a individualização do cumprimento da pena no sis- tema prisional.
Nesse entendimento, não há formação de um vínculo entre o detento e a tarefa que realiza, impedindo o processo de ressocialização do apenado e o de- senvolvimento de suas capacidade profissionais. Um grande exemplo é o trabalho de costura de bolas esportivas, que é uma atividade que não agrega nada ao detento e não o qualifica para o desempenho das atividades típicas da sociedade contemporânea. Situação esta que revela de forma clara o atraso no tempo do sistema penitenciário.
Não há dúvidas que o grande obstáculo após o cumprimento da pena é a inserção no mercado de trabalho formal. Em consequência do estigma de ex-pre- sidiários e a imortalização da sua condição social, sobre a esses sujeitos o cami- nho da ilegalidade novamente ou da informalidade, normalmente em trabalhos sem garantia de direitos e em condições de precariedade.
Quando se fala em retorno da prática da ilegalidade por esses sujeitos, as taxas de reincidência apresentam um dado importante no tocante aos resultados do aprisionamento. Segundo o Relatório de Pesquisa sobre Reincidência Criminal no Brasil (IPEA, 2015), é difícil precisar o número de reincidentes, pois as taxas dos estudos feitos no país variam devido à conceituação sobre reincidência com a qual é trabalhada; porém em todos são sempre altas, chegando a 70%.
Nessa sentido, observa-se que o Estado é falho no cumprimento da sua fi- nalidade declarada de ressocializar o indivíduo preso, seja pelo trabalho ou por outro meio, e força o entendimento que a finalidade real da privação da liberdade é de fato punir o apenado pelo crime que cometeu contra a sociedade.
No Brasil, a crise no sistema prisional não é uma questão jurídica e sim po- lítica, pois verifica-se nitidamente a ausência de compromisso do Estado e seus agentes em cumprir sua tarefa ressocializadora para com o apenado.
Desta forma, o cárcere fracassa na sua finalidade de reinserção social e se perpetua como um mecanismo de exclusão que objetiva conter as classes sociais desfavorecidas socioeconomicamente.
O espaço entre o que está elencado na legislação e o que os presos se de- param é vergonhosa. Além de que, no cenário político, oportunizar melhores con- dições de trabalho ao apenado, por exemplo, passa longe de ser uma boa ideia pra quem deseja concorrer ao pleito eleitoral.
Em suma, o cárcere no Brasil, não se situa como uma instituição de recu- peração do apenado por meio do trabalho. Pelo contrário, ela é vista, normalmente, como “escola do crime”, em virtude da falta de interesse político em cumprir o que está previsto no ordenamento jurídico. A prisão no Brasil, executa um papel contrário à ressocialização, ou seja, ao invés de o indivíduo retornar ao seio da sociedade mais humanizado e qualificado para o mercado de trabalho, o cárcere, por sua vez, o torna pior, pois além de o Estado não oferecer meios suficientes e realistas para a reinserção social, a prisão facilita a troca de informações entre cri- minosos dos mais alto grau de periculosidade.
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Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Gabriel Oliveira. As condições de trabalho do preso no sistema penitenciário brasileiro para ressocialização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2021, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57524/as-condies-de-trabalho-do-preso-no-sistema-penitencirio-brasileiro-para-ressocializao. Acesso em: 22 nov 2024.
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