RESUMO: O presente artigo tem como objetivo enfatizar, as causas que levam o indígena à prática do infanticídio contra um membro de seu povo, e analisar a problemática da aplicabilidade das leis para tal ato. Será também abordado casos em tribos que praticam tal ato e, que os mesmos não tiveram um final fatídico. Será abordado na seara antropóloga o conceito de Cultura, que é de suma importância para termos um entendimento acerca da prática do infanticídio indígena que é visto como parte cultural dos povos indígenas. E como parte final deste, abordaremos a questão de como do Projeto de Lei 1057/2007 (Lei Muwaji), atualmente em pauta, ainda vem causando divergências de opiniões entre estudiosos do Direito e entre o Judiciário. O método utilizado para a abordagem do assunto foi o bibliográfico, com pesquisas feitas em doutrinas dos mais renomados autores, trabalhos acadêmicos e sites confiáveis com informações acerca do assunto abordado.
PALAVRAS-CHAVE: Infanticídio Indígena. Tribos Brasileiras. Difícil Aplicabilidade das Leis
ABSTRATC: This article aims to emphasize the causes that lead the indigenous to the practice of infanticide against a member of their people, and to analyze the issue of the applicability of laws for such an act. It will also be discussed cases in tribes that practice such an act and that they did not have a fateful ending. The concept of Culture, which is of paramount importance for us to have an understanding of the practice of indigenous infanticide, which is seen as a cultural part of indigenous peoples, will be addressed in the anthropological Fields. And as a final part of this, we will address the question of how Bill 1057/2007 (Law Muwaji), currently on the agenda, is still causing divergences of opinion among scholars of Law and among the Judiciary. The method used to approach the subject was bibliographic, with research carried out on the doctrines of the most renowned authors, academic works and reliable websites with information about the subject discussed.
KEIWORDS: Indigenous Infanticide. Brazilian Tribes. Difficult Applicability of Laws
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Infanticídio. 2.1 Evolução histórica. 3. Conceito e natureza jurídica. 4. Natureza jurídica do estado puerperal. 5. Ação nuclear e meios de execução. 6. Infanticídio indígenas em tribos brasileiras e suas causas. 7. Conceito de cultura na visão antropóloga. 8. Relatos de infanticídio indígenas. 8.1. Caso Muwaji Suruwahá. 8.2. Caso Sancleir Torawa. 8.3. Caso Kanhu Raka Kamayurá. 9. A difícil aplicabilidade da lei à prática do infanticídio indígena. 9.1. O conceito de princípio como mandamento nuclear. 9.2. Princípios fundamentais e direitos constitucionais dos indígenas. 9.3. Os direitos indígenas segundo a constituição e o estatuto do índio. 9.4. Direitos humanos, um enfoque no direito indígena a luz da convenção nº 169 da OIT e Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas. 10. Projeto de lei 1.057 de 2007 e suas divergências entre estudiosos do direito e políticos. 11. Conclusão. 12. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Infanticídio indígena em tribos brasileiras, é uma prática por muitos brasileiros desconhecida, consiste em homicídios de crianças indígenas, as quais são crianças deixadas em meio as matas, abandonadas por sua mãe ou enterradas vivas, pelo simples fato de ter nascido com alguma deformidade física, ter nascido gêmeos, apresentar alguma doença com o passar do tempo ou até mesmo filhos de mães solteiras. Como objeto deste estudo, Infanticídio Indígena, é considerado um crime para o Direito Brasileiro, razão pela qual se faz necessário um estudo mais aprofundado de seus motivos e costumes.
Com previsão penal, sendo que, esse mesmo crime, que o direito penal específico como tal, em outra vertente, o protege. Observa-se que os povos indígenas têm sua própria cultura, cultura essa que faz parte de seu cotidiano. Mesmo antes de ser conhecida a sua existência, a cultura dos povos indígena já era praticada em meio às tribos por seus habitantes. Considerado um ser independente, o indígena precisa de suas habilidades naturais para manter sua subsistência em meio ao seu povo.
As habilidades naturais dos indígenas consistem na caça, na pescar e o plantio. Para o desenvolvimento de suas atividades diárias, o indígena precisa ser perfeito, sem qualquer limitação que o faça depender de outros habitantes de sua tribo, visto isso, as limitações apresentadas por crianças indígenas são consideradas pelos povos indígenas como maldição dos seus deuses, este não merecendo viver. Tal ato levou muitos estudiosos do direito a debaterem sobre tal assunto, e criaram leis específicas para uma possível punição.
2. INFANTICÍDIO
Este delito é praticado em vários continentes. “Na atualidade, a Índia é um país onde há elevado índice de Infanticídio feminino. Neste país é prática comum cometer aborto quando o bebê é uma menina, o que gerou um desequilíbrio entre os sexos na população do país” (SOUSA. 2015).
"Na antiguidade, matavam-se os bebés recém-nascidos quando escasseassem alimentos, ou quando eram oferecidos em cerimónias religiosas. Tampouco era delas matá-los quando eram disformes ou tivessem um defeito físico grave que evidenciava sua futura inaptidão para a guerra.
Na Grécia antiga, o pai decidia se o filho viveria ou não, particularmente em Esparta, onde as crianças deformadas ou fracas eram assassinadas e jogadas ao mar”. (NUCCI. 2019 p. 91).
No primitivo direito romano somente a mãe era incriminada. O pai, em virtude do jus vitae AC necis sobre os filhos, não cometia qualquer crime se matasse o filho que acabasse de nascer, a mãe não tinha o direito de decidir quanto a vida ou morte da criança e a ela eram impostas penas severas, enquanto ao pai, nenhum delito era atribuído, tendo em vista que era ele quem determinava qual seria seu destino da criança.
As Lei das XII Tábuas, na Roma antiga, quando uma criança nascia com deficiência, era considerada um peso para a sociedade era então sacrificada.
Este poder, afirma Mommsen, estava compreendido no direito de propriedade, pelo que já na república se punia com homicídio a morte do filho realizada secreta ou aleivosamente, foi ao templo de Constantino que o infanticídio praticado pelo pai começou a ser punido, porque foi reafirmada no império de Justiniano, culminando-se então pesadas penas para este crime, tradição que se manteve por influência da Igreja.
Até o início do século XIX, punia-se severamente em toda a Europa este crime. Quando o infanticídio passou a receber o tratamento privilegiado, levava-se em conta, primordialmente, a intenção da mãe de ocultar a própria desonra, tanto assim que o Código Penal de Portugal, no tipo penal de infanticídio, até 1995 incluía a finalidade especifica para ocultar a desonra, que foi abolido na atual descrição típica. (SILVA, 2016).
E no que diz respeito ao Infanticídio indígena no Brasil, podemos considerar que tal ato, já era praticado entre esses povos, antes mesmo da chegadas dos europeus em terras brasileiras.
3. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
No Brasil, o crime de infanticídio foi introduzido no Código Criminal de 1830 e existe até os dias atuais. De acordo com o Código Penal, artigo 123, o infanticídio é caracterizado como o ato de matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho durante o parto ou logo após.
Assim, para que o crime de infanticídio ocorra, é necessário o preenchimento de alguns elementos do tipo penal, como bem lecionado por Rogério Greco (2016, p. 112): Seus traços marcantes e inafastáveis são, portanto, os seguintes: a) que o delito seja cometido sob a influência do estado puerperal; b) que tenha como objeto o próprio filho da parturiente; c) que seja cometida durante o parto ou, pelo menos, logo após.
Na visão de CARPEZ (2018, p.119) “Podemos definir o infanticídio como uma ocisão da vida do ser nascente ou do neonato, ato praticado pela própria mãe sob a influência do estado puerperal” segundo o art. 123 do Código Penal.
Trata-se do crime de homicídio doloso privilegiado, afirma CARPEZ (2018, p. 120) que;” o privilegium é concedido em virtude da influência do estado puerperal” sob o qual encontra-se a parturiente.
O estado puerperal, muitas vezes, pode acarretar distúrbios psíquicos na genitora, onde diminuem sua capacidade de entendimento e auto inibição, que podem levar a mãe a eliminar a vida do recém-nascido.
O privilégio é um componente essencial, pois sem ele o delito será mais um homicídio, o infanticídio é composto pelos seguintes elementos: matar o filho durante ou após o parto; sob influência do estado puerperal.
4. NATUREZA JURÍDICA DO ESTADO PUERPERAL.
O estado puerperal caracteriza-se pela alteração psíquica da mulher em decorrência do parto, diminuindo-lhe a capacidade de completo entendimento ou de determinação perante a realidade.
O puerpério é o período que se estende do início do parto até a volta da mulher às condições pré-gravidez. Trata-se o estado puerperal de perturbações que acometem as mulheres, de ordem física e psicológica decorrentes do parto. O critério adotado é o psicofisiológico, isto é, a atenuação da pena leva em consideração o desequilíbrio fisiopsíquico da mulher parturiente.
O Estado Puerperal é enfrentado por todas as mulheres ao entrarem em trabalho de parto trazendo efeitos (de intensidades que variam de mulher para mulher) pelo corpo e na cabeça da parturiente. Estes podem provocar-lhe o desejo e a concretização do ato de matar o próprio filho caracterizando o crime insculpido no artigo 123 do Código Penal Brasileiro como Infanticídio.
5. AÇÃO NUCLEAR E MEIOS DE EXECUÇÃO
No infanticídio o verbo matar é a ação nuclear, assim como no homicídio que significa tirar a vida alheia, neste caso, a eliminação da vida do próprio filho praticado pela mãe, todavia, ato ocorrido durante ou logo após o parto, ocorrendo posteriormente, a morte do filho.
Segundo CARPEZ (2018, p. 121) “trata-se de um crime de forma livre, que pode ser praticado por qualquer meio comissivo.
A exemplo disso podemos citar os meios que são usados, tais como o estrangulamento; enforcamento; afogamento e fraturas cranianas.
O infanticídio pode ocorrer também por meio omissivo como: abandonar o recém-nascido em lugar ermo, deixar de amamentá-lo, todos atos com a finalidade de causar a morte do recém-nascido.
6. INFANTICÍDIO INDÍGENAS EM TRIBOS BRASILEIRAS E SUAS CAUSAS.
Uma prática comum em tribos indígenas, que atravessa séculos mesmo antes da descoberta do índio pelo homem. As tribos indígenas praticam tal ato como parte de sua cultura, que aos olhos de muitos é visto como crime de infanticídio, mas para eles é uma tradição.
Gêmeos, deficientes, esses são alguns dos casos que repercutem em manchetes que por tradição, pais tiram vidas de seus filhos e, que os mesmos são vistos como maldição. Este último também é visto como uma espécie de feitiço.
De acordo com dados da FUNAI, cerca de 305 etnias indígenas habitam o território brasileiro, divididas nas cinco regiões do país. Deste total, em ao menos 18 etnias pode ser identificada a prática do infanticídio indígena, a saber: Yanomami, Kamayurá, Uaiuai, Bororo, Tapirapé, Ticuna, Amondaua, Eru-eu-uau-uau, Suruwaha, Arawá, Mehinaco, Jarawara, Jeminawa, Waurá, Kuikuro, Parintintim, Paracanã e Kajabi (SUZUKI, 2007).
E cada uma destas comunidades indígenas são autônomas, apresentando características políticas, sociais e culturais próprias e diversificadas, as quais ajudam a formar a diversidade cultural do Brasil.
Como citado antes, o infanticídio consiste em uma prática cultural de alguns povos indígenas e, é visto como crime aos olhos do Direito brasileiro. Más para entendermos melhor essa prática cultural própria dos povos indígenas, temos que entendermos o real significado de cultura, que estudiosos de antropologia conceituam.
7. CONCEITO DE CULTURA NA VISÃO ANTROPÓLOGA
Maria de Andrade Marconi, doutora em Ciências, cita G.M. FOSTER (1962) que descreve a cultura como “a forma comum e aprendida da vida, compartilhada pelos membros de uma sociedade, constante da totalidade dos instrumentos, técnicas, instituições, atitudes, crenças, motivações e sistemas de valores conhecidos pelo grupo" (1964:21).
Também podemos dizer que “De acordo com a Antropologia, o conceito de cultura diz respeito a um conjunto de significados que dão sentido a uma sociedade. A partir daí, temos os valores, as crenças, os costumes e os outros aspectos que contribuem para a construção da identidade cultural de um grupo.”1
Devemos observar que nos dois momentos distintos que é conceituado o termo “Cultura”, a palavra “Crenças” é citada nos dois momentos.
8. RELATOS DE INFANTÍCIDIO INDÍGENAS
Muwaji Suruwahá, da tribo Suruwahá que teve uma criança com paralisia cerebral que, para não ter que matar sua filha teve que abandonar sua tribo quebrando todas as regras e tradições, passando a viver fora da tribo.
Sancleir Torawa é da tribo Xavante, gêmeo com seu irmão que tinha uma mão atrofiada, que o mesmo relata seu caso.
"Eu nasci gêmeo, só que pegaram um irmão meu que tinha nascido com problema no pezinho e também com uma mão deficiente, enterraram vivo. Minha mãe não quis continuar na reserva, mas falaram: você pode ir embora, mas a criança não. Aí ela conseguiu fugir comigo."2
Índia nascida no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, teve uma infância normal. Brincava com as demais crianças na aldeia correndo pelo mato e imitando os caciques e mitos do povo kamayurá. Os pais percebiam que ela por vezes ficava para trás nas correrias, mas não consideravam isso um problema grave. Então algo mudou. os sintomas da distrofia muscular progressiva, doença que enfraquece os movimentos até impossibilitar que a pessoa caminhe, começaram a aparecer. Os mais velhos da aldeia pressionaram o avô e o pai de Kanhu para que dessem uma solução para o problema, que neste caso, de acordo com a cultura tradicional dos kamayurá, seria a morte da garota, no meio da floresta, sem conseguir caminhar, a jovem jamais teria como sobreviver por conta própria e se tornaria um fardo para os demais.3
Segundo o Professor Volnei Garrafa, “existem a grosso modo quatro situações nas quais ele ocorre. “A primeira é quando a mãe tem filhos em um intervalo pequeno, inferior a dois anos. Isso porque na floresta não existe creche: ela sabe que não conseguirá prover para os dois”, afirma. Bebês com deficiências motoras ou físicas que não conseguem mamar também são sacrificados pelos pais, “tendo em vista que o modo de vida de uma comunidade caçadora e coletora exige mobilidade”4
Garrafa explica que em alguns casos raros o infanticídio ocorre pela determinação do sexo, “uma vez que valorizam mais o menino”, e por motivos de crenças arraigadas. “Existe o sacrifício de gêmeos, albinos, ou quando a mãe morre no parto”, diz. No caso de gêmeos, “também existe um aspecto racional envolvido, uma vez que poucas mães conseguem amamentar duas crianças e o acesso ao leite de vaca é escasso nas aldeias”5
9. A DIFÍCIL APLICABILIDADE DA LEI À PRÁTICA DO INFANTICÍDIO INDÍGENA
9.1 O conceito de princípio como mandamento nuclear.
Para que tenhamos um bom entendimento de “princípios”, temos que entender o seu significado.
A palavra princípio vem do Latim principiu a qual tem muitos significados, mas iremos associar neste momento com o significado de “ação de iniciar ou começar algo, primórdio, começo, início”6.
Princípios dão o sentido de que são considerados norteadores das interpretações das leis, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais. Nesse sentido o conceito de princípio para Celso Antônio Bandeira de Mello (1981.p. 230. apud) é: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”7
9.2 Princípios fundamentais e direitos constitucionais dos indígenas
Na Suprema Legislação, em seus cincos primeiros capítulos, estão dispostos os direitos fundamentais, os quais dele, que é o mais importante “O Direito a Vida”, que é a base central deste trabalho, mas temos também direitos fundamentais esparsos pelo corpo da Carta Mãe.
A Constituição Federal em seu art. 1º, elege 5 (cinco) princípios fundamentais que alicerçam todo o seu texto. O inciso III do mesmo artigo define a dignidade da pessoa humana como um desses princípios.
O aspecto abrangente do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é integrado às diferentes de legislações conforme aspectos próprios de cada área do Direito.
Desse modo, embora partam de uma mesma ideia, a integração do princípio às normas – ou a adequação das normas ao princípio – variará conforme as particularidades. A exemplo disso nota-se que: “Embora o Código de Processo Penal não tenha expresso o princípio da dignidade da pessoa humana em sua letra, traz em seu art. 3º: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.8
9.3 Os direitos indígenas segundo a constituição e o estatuto do índio
A Constituição de 1988 traz consigo um novo paradigma em relação aos povos indígenas, ou seja, a antiga política integracionista cedeu lugar a uma política de reconhecimento, garantindo aos indígenas, mesmo que timidamente, o direito de continuarem sendo indígenas, bem como mantendo seus usos, costumes, línguas, organização social e território.
“A Constituição de 1988 destinou à questão indígena um capítulo próprio, além de garantir a aplicação dos demais direitos e garantias fundamentais aos indígenas, prevendo também o reconhecimento a suas culturas e tradições:10
O capítulo VIII da Constituição é destinado aos direitos do índio, no artigo 231, está elencado os direitos dos indígenas, onde é reconhecido nos mesmos seus costumes, crenças e tradições:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.11
Outrossim, podemos destacar também que, os direitos inerentes ao povo indígena, está elencado na Lei 6.001, promulgada em 1973, ou seja, como é mais conhecido O Estatuto do Índio. “Estatuto seguiu um princípio estabelecido pelo velho Código Civil brasileiro (de 1916): de que os índios, sendo "relativamente incapazes", deveriam ser tutelados por um órgão indigenista estatal”12
Mas em contrapartida, “A Constituição de 1988 rompe esta tradição secular ao reconhecer aos índios o direito de manter a sua própria cultura”13.
9.4 Direitos humanos, um enfoque no direito indígena a luz da convenção nº 169 da OIT e Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.
A Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais foi adotada pela OIT, em 27 de junho de 1989, entrando em vigor internacional em 1991. O Brasil ratificou-a em 2002 e incorporou-a internamente pelo Decreto n. 5.051, de 2004.
A base da Convenção é a universalidade dos direitos humanos: os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação (ANDRE RAMOS,284).
Afirma André Ramos de Carvalho, acerca da Convenção 169 da OIT que, “Seu espírito é de respeito às aspirações dos povos indígenas a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram”.
Segundo André de Carvalho Ramos (2017, p. 284) “Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”.
Acrescenta ainda que,” Estados devem proteger os valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais próprios dos povos indígenas, sempre com a participação e consulta aos povos interessados”.
E por fim, conclui que” Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos”.
E no que tange ao Direito Penal “Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais e culturais, dando-se preferência a penas outras que a de privação da liberdade”. (ANDRÉ RAMOS, 2017, p. 285).
No mesmo entendimento, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU, tendo sido redigida no Conselho de Direitos Humanos, possui 46 artigos, abrangendo tanto os direitos civis e políticos quanto os direitos sociais, econômicos e culturais.
A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, prega a autodeterminação dos povos indígenas que significa, segundo André de Carvalho Ramos (2017, p. 288) a autodeterminação consiste em: “reconhecer que eles têm o direito de determinar livremente sua condição política e buscar livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural, tendo direito à autonomia ou ao autogoverno nas questões relacionadas a seus assuntos internos e locais, assim como a disporem dos meios para financiar suas funções autônomas (arts. 3º e 4º).
Diante de tudo que visualizamos até agora no que diz respeito aos direitos fundamentais e direitos indígenas, há uma simetria em todos dispositivos que relatam os direitos indígenas, ou seja, todos defendem e resguardam seus costumes, crenças e cultura.
10. PROJETO DE LEI 1.057 DE 2007 E SUAS DIVERGÊNCIAS ENTRE ESTUDIOSOS DO DIREITO E POLÍTICOS
Projeto de Lei conhecido como "Lei Muwaji", em homenagem a uma mãe da tribo dos Suruwahás, que salvou sua filha, pois a mesma seria morta segunda a tradição indígena porque nascera com deficiente, rebelando-se assim contra a tradição de sua tribo.
O texto em questão, em sua ementa “Dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais”14
Mas há quem se oponha a esse projeto, dentre os que são contrários a aprovação está o Deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA) que declara que é inconstitucional, pois segundo sua opinião “acaba negando o que está previsto na Constituição, a garantia dos povos indígenas à sua identidade cultural”15.
O mesmo entendimento tem a Deputada Jandira Feghali (RJ), a qual diz que deve ser respeitado as crenças e costume. Segundo seu entendimento, aduz que: “Não estamos aqui defendendo assassinato, estamos defendendo a vida dessas crianças por meio de uma mediação cultural. Do jeito que está aqui, vamos colocar a tribo inteira na cadeia, obrigando todos a denunciar o risco de algo acontecer”.16
João Pedro, Presidente da Funai, afirma que: “projeto de Lei carece de reparos, mudanças profundas e uma reflexão mais detida sobre uma lei que pune e afeta tradicionalidades milenares de povos legítimos que compõem a sociedade brasileira”.17
Mas há pensamentos divergentes entre os parlamentares, que vão em defesa da Vida do que à Cultura, o Deputado Moroni Torgan que em suas palavras afirma: “Não acredito que uma cultura que tire a vida seja mais importante que a vida. Se é para matar uma vida em nome de uma cultura, mata a cultura em nome da vida, que é muito melhor”18
No mesmo passo o Deputado Takayama defende a proposta, e afirma que: “Não se trata de religião, trata-se da vida. Não está certo que, se uma criança nasceu com pequena deficiência na perna, por exemplo, o chefe da tribo possa mandar matar de uma maneira horrível na frente dos pais”19
Mas há também um discursão em torno da inimputabilidade indígena, ou seja, desenvolvimento mental incompleto, que alguns acreditam para ser considerados inimputáveis, há de se considerar alguns critérios, um desses critérios seria o a relação continua com a cultura dos homens brancos, a qual, devido ao convívio, seria introduzida aos poucos na cultura indígenas.
O autor (REZENDE, 2009, p. 73) apud, cita o posicionamento de alguns doutrinadores como Magalhães Noronha, que para ele, os silvícolas, não ajustados à vida civilizada, estão compreendidos na cláusula de desenvolvimento mental incompleto.
O autor (REZENDE, 2009, p. 73) apud, vai mais além do discursão e, salienta que: “...à medida que o índio vai se integrando à sociedade não-índia, vai completando seu desenvolvimento mental”20.
“Primeiro deve-se analisar o caso concreto, já que tal medida pode afetar tanto a sociedade quanto à população em questão (indígena). Uma tradição milenar que pode estar com os dias contados? Direito à vida “digna”? (Desrespeito à Constituição? Uma série de questionamentos sem resposta?! Qual seria a resposta certa?! Isso existe?”21
Segundo o pensamento de (Fagundes 2015) “O diálogo deve prevalecer! Há tribos que começaram a mudar seus costumes por vontade própria, debates sobre tal questionamento aberto pelos próprios conviventes”22
E afirma que “Há tribos que não irão mudar seus costumes e nesses casos não pode o Estado agir de forma arbitrária, punir os “responsáveis” pela prática de crime sendo que, isso faz parte da cultura deles, uma violência que poderia causar danos irreparáveis pelo Poder Público” (Fagundes 2015)23.
11. CONCLUSÃO
A proteção aos povos indígenas, estão contempladas em vários dispositivos, como foi visto no decorrer deste. Neste pôde ser demonstrado, ainda que de forma sucinta, como a discursão acerca do assunto trazido neste artigo, ainda causa muita discursão.
A aplicabilidade das leis nos casos de infanticídio indígena, ainda causa muitas divergências e discursão, inerentes à sua cultura, pois torna-se um paradigma.
É necessário que reconheçamos que todas as culturas estão ligadas e, nenhuma deve estar isolada. É dever do Estado lutar pelas vidas das crianças indígenas e dar a elas o direito de crescerem e se tornarem cidadãs.
Tem que haver um diálogo com outros povos, para achar soluções para os problemas pertinentes, concernentes ao que foi relatado neste, e dentro de seu direito, repensem seus valores e passem a aceitar argumentos que deem privilégios a sobrevivência da tribo com práticas mais humanizadas.
É dever de todos respeitá-los, mas nunca nos manter omissos quanto à solução de seus conflitos. Devemos manter o diálogo respeitando as diversas maneiras para solucionar esse problema que infelizmente ainda faz parte da realidade do nosso país.
Não se deve apenas querer mudar hábitos de um povo que já o trás, muito antes de sabermos de sua existência, más sim salvaguardar vidas inocente.
No mais, os povos indígenas, tem o direito de conservar seus costumes sua cultura de uma forma original e completa.
12. REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial – 18 ed. — São Paulo: Saraiva, 2018.
SOUSA, Kennedys Fernandes de. Infanticídio: homicídio privilegia no Código Penal Brasileiro. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/36229/infanticidio-homicidio-privilegiado-no-codigo-penal-brasileiro. Acessado em 05/06/2021>.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017.
SILVA, Athaliba Bezerra da, Do delito de infanticídio no Direito Penal Brasileiro. Disponível em: https://athilabezerra.jusbrasil.com.br/artigos/391648520/do-delito-de-infanticidio-no-direito-penal-brasileiro
MARCONI, Marina de Andrade, PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia: uma introdução / 7. ed.-2. reimpres. - São Paulo: Atlas, 2009.
1 Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/conceito-de-cultura/. Acessado em: 06 de novembro de 2021
2 Disponível em: https://www.dm.jor.br/politica/2017/01/o-dilema-do-infanticidio-indigena/. Acessado em 15 de junho 2021.
3 Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Not%C3%ADcias?id=
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4 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/13/politica/1544706288_924658.html. Acessado em 15 de junho de 2021
5 Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/13/politica/1544706288_924658.html.
Acessado em 15 de junho de 2021.
6 Disponível em: https://www.lexico.pt/principio/. Acessado em 16 de junho de 2021
7 Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/principios-constitucionais-e-gerais-que-regem-o-direito-processual-civil/
8 Disponível em: https://blog.sajadv.com.br/principio-da-dignidade-da-pessoa-humana/. Acessado em 17 de junho de 2021.
9 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em: 16 de junho de 2021.
10 Disponível em: https://masterjuris.com.br/o-minimo-que-voce-precisa-saber-sobre-direito-indigenista/. Acessado em 17 de junho de 2021.
11 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em 16 de junho de2021.
12 Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Estatuto_do_%C3%8Dndio. Acessado em: 16 de junho de 2021.
13 Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Estatuto_do_%C3%8Dndio. Acessado em 17 de junho de 2021.
14 Ramos, André de Carvalho, Curso de direitos humanos - 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. E-BOOK.
15 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=351362. Acessado em 18 de junho de 2021. Fonte: Agência Câmara de Notícias
16 Disponível em: https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51027/o-infanticidio-indigena-no-caso-muwaji-entre-a-tradicao-e-a-lei. Acessado em 17 de junho de 2021.
17 Disponível em: https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51027/o-infanticidio-indigena-no-caso-muwaji-entre-a-tradicao-e-a-lei. Acessado em 17 de junho de 2021.
18 Disponível em: https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51027/o-infanticidio-indigena-no-caso-muwaji-entre-a-tradicao-e-a-lei. Acessado em 17 de junho de 2021.19 Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/468406-CAMARA-APROVA-PROJETO-QUE-PREVE-COMBATE-AO-INFANTICIDIO-EM-AREAS-INDIGENAS. Acessado em 18de junho de 2021. Fonte: Agência Câmara de Notícias
20 Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/468406-CAMARA-APROVA-PROJETO-QUE-PREVE-COMBATE-AO-INFANTICIDIO-EM-AREAS-INDIGENAS. Acessado em 18 de junho de2021. Fonte: Agência Câmara de Notícias.
21 Disponível em: https://servicos.unitoledo.br/repositorio/handle/7574/1516. Acessado em: 18 de junho de 2021.
22 Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-BR&as_sdt=0%2C5&q=inimputabilidade+ind%C3%ADgena+&btnG=. Acessado em: 18 de junho de 2021.
23 Disponível em: https://servicos.unitoledo.br/repositorio/handle/7574/1516. Acessado em: 18 de junho de 2021.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALDEMAR ALVES DA COSTA JúNIOR, . Infanticídio indígena em tribos brasileiras e a difícil aplicabilidade das leis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57526/infanticdio-indgena-em-tribos-brasileiras-e-a-difcil-aplicabilidade-das-leis. Acesso em: 22 nov 2024.
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