RENATA MIRANDA DA LIMA[1]
(orientadora)
RESUMO: Esta pesquisa trata-se de uma análise teórica acerca da violência psicológica contra a mulher em relações conjugais, à luz do art. 7°, inciso II, da Lei n° 11.340/2006, de modo a compreender a tipificação e a criminalização da violência psicológica no ordenamento penal brasileiro e a aplicabilidade da Lei n° 11.340/2006 em relação ao crime, analisar de forma ampla as principais problemáticas que permeiam a agressão emocional, como os entraves probatórios que dificultam a comprovação do crime, compreender quais os aspectos sociais e culturais que contribuem para a ocorrência da violência, bem como analisar quais as evoluções legislativas relacionadas a violência psicológica. Para a realização da pesquisa foram utilizados materiais bibliográficos, tendo como base o texto legal, e publicações diversas referentes ao tema, até então, pouco explorado da forma que necessita. A violência psicológica é tão perversa quanto as demais formas de violência contra a mulher previstas, pelo modo sutil com que ocorre, e os trágicos danos que causam a vítima, tanto emocional, como físico, e podem perdurar por anos. Apesar de toda a evolução legislativa, ainda há lacunas a serem preenchidas quanto eficácia da proteção a mulher, além de mudanças cruciais em contexto social, de modo a dar fim ao ciclo da violência.
Palavras-chave: Violência psicológica, Criminalização, Danos emocionais, Mulher, Proteção.
ABSTRACT: This research is a theoretical analysis of psychological violence against women in marital relationships, in the light of article. 7, item II, of Law no. 11.340/2006, to understand the typification and criminalization of psychological violence in the Brazilian criminal system and the applicability of Law no. 11.340/2006 to crime, to broadly analyze the main issues that permeate emotional aggression, such as the evidential barriers that make it difficult to prove the crime, understanding which social and cultural aspects contribute to the occurrence of violence, as well as analyzing the legislative development related to psychological violence. To carry out the research, bibliographic materials were used, based on the legal text, and various publications related to the topic, until then, little was explored in the way it needs. Psychological violence is as perverse as other forms of violence against women foreseen, due to the subtle way in which it occurs, and the tragic damage it causes to the victim, both emotional and physical, and can last for years. Despite all the legislative evolution, there are still gaps to be filled regarding the effectiveness of the protection of women, in addition to crucial changes in the social context, to end the cycle of violence.
Keywords: Psychological violence, Criminalization, Emotional damage, Woman, Protection.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se trata de uma análise teórica do crime de violência psicológica contra a mulher, em relações conjugais à luz do art. 7°, inciso II da Lei n° 11.340/2006.
O objetivo principal da pesquisa é compreender a tipificação e a criminalização da violência psicológica no ordenamento jurídico brasileiro, bem como analisar as principais problemáticas que permeiam essa agressão sutil, muitas vezes imperceptível, mas que pode deixar consequências graves as vítimas. Nesse sentido, compreender quais os entraves probatórios relacionados a agressão psicológica, analisar os aspectos sociais e culturais que contribuem para a ocorrência da violência, e compreender quais as evoluções legislativas pertinentes a violência psicológica, com a entrada em vigor da Lei n.° 14.188/2021.
A necessidade de se analisar a violência psicológica praticada contra a mulher no âmbito conjugal, se faz de extrema importância, para trazer uma conscientização da sociedade em relação a este crime que acontece com muita frequência nas particularidades de uma relação, e apesar dessa violência ser prevista em Lei, e passível de pena, continua sendo invisibilizada em muitos casos, e com isso, se torna necessária uma análise aprofundada desta problemática, pois, apesar da violência psicológica não deixar marcas aparentes no corpo da vítima, como a violência física, por exemplo, não a torna menos violenta, pois causa danos graves as vítimas, sejam danos psíquicos e até físicos, e podem perdurar por anos.
Umas das possíveis hipóteses para a auxiliar na resolução das problemáticas que permeiam a violência psicológica, seria a difusão para a sociedade de forma ampla, da existência da Lei n.º 11.340/2006, mais especificamente do art. 7.º, inciso II, e da recente Lei n° 14.188/2021, que finalmente, configura a agressão psíquica como crime, além dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres, de modo a dar acesso à informação sobre essas Leis tão importantes, para que a sociedade em geral saiba dos instrumentos de proteção a integridade física e emocional as mulheres.
Além disso, podem ser realizadas campanhas educativas de prevenção a violência psicológica conjugal, para conscientizar que essa violência é muito frequente. Uma das possíveis medidas a serem utilizadas seria a psicologia integrada às mulheres que se consideram vítimas de violência psicológica, de modo a incentiva-las a sair de uma relação que lhe cause esse dano mental, e lhe devolva a autoestima. Uma maior capacitação aos profissionais envolvidos, para que a vítima tenha um atendimento mais humanizado. E uma fiscalização mais acentuada quanto aplicação da Lei, através dos órgãos de proteção as mulheres, para assegurar seu efetivo cumprimento.
Dessa forma, pretende-se analisar a tipificação desta violência no ordenamento penal brasileiro, de modo a esclarecer possíveis dúvidas quanto a sua criminalização, e se a aplicabilidade da lei é eficaz no que diz respeito a proteção e assistência a mulher vítima dessa violência, o que poderá proporcionar a sociedade de forma ampla e, principalmente, as mulheres, uma melhor compreensão desse crime, e os meios de proteção e assistência contra ele.
Será uma pesquisa com abordagem analítica, e terá como base doutrinas e trabalhos já realizados em relação a esta temática. Além de fontes doutrinárias, serão utilizados, o texto legal como base, publicações diversas relacionadas ao tema. Assim, os resultados serão apontados na forma de artigo cientifico.
1. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
1.1 DO CONTEXTO HISTORICO DE ENFRETAMENTO A CRIMES CONTRA A MULHER NO BRASIL
Primeiramente, quando se fala em violência praticada contra a mulher, é importante abordar a evolução histórica das normativas voltadas ao enfrentamento as violências praticadas ao gênero feminino no sistema jurídico brasileiro, de forma ampla, para definir um melhor entendimento acerca da evolução da legislação pertinente ao tema, e dessa forma chegar ao enfoque da violência psicológica, e as problematizações que a permeia.
Dessa forma, convém ressaltar que, apesar do Brasil ter sido signatário de documentos internacionais importantes na luta a favor da proteção a mulher, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, promulgada pelo Decreto n° 1.973/1996; e a Recomendação n° 19 do Comitê CEDAW — Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada pelo Decreto n° 4.377/2002, o país demorou muito para criar normativas relacionadas unicamente a proteção legal das mulheres. Até poucas décadas atrás, o Brasil era um país marcado pela intensa cultura patriarcal, e papéis sociais de submissão e obediência das mulheres em relação aos homens, sem nenhuma proteção ou garantia aos direitos humanos do gênero feminino.
Assim, questões como a falta de legislação pertinente a proteção a mulher começou a se alterar de forma acentuada apenas com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, e dessa forma, foram ocorrendo gradativas mudanças no que se refere as criações de leis a favor da proteção feminina, mudanças essas que, foram impulsionadas também por movimentos de grupos feministas, essenciais nessa evolução a favor das mulheres, e na positivação de políticas públicas sociais em combate as agressões contra o gênero feminino.
A temática da violência contra mulheres é uma das prioridades dos movimentos feministas e de mulheres no Brasil desde o final da década de 1970. No contexto de abertura política e transição para a democracia, os grupos feministas abordavam diferentes formas de violência, incluindo a violência política e sexual contra prisioneiras políticas; a violência doméstica; a violência policial contra prostitutas; a violência racial contra mulheres, entre outras. (SANTOS, 2005). No início dos anos 1980, porém, a violência doméstica (e conjugal) passou a ser o centro dos discursos e mobilizações feministas sobre violência (BAZZO; BIANCHINI; CHAKIAN, 2021, p. 47).
Dessa forma, a partir da Constituição Federal de 1988, foram criados mecanismos para proteção a dignidade da pessoa humana, como também coibir a violência praticada em âmbito familiar, conforme estabelece em seu artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, e promete no art. 226 § 8° que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”
Portanto, foi a partir daí que surgiram leis específicas infraconstitucionais de proteção à mulher no Brasil, como a Lei Maria da Penha. Sendo que,
O Brasil foi o 18° pais da América Latina a ter uma lei de proteção integral à Mulher. E deve ser lembrado que, já no ano de 2002 o Brasil foi condenado, perante a Comissão Interamericana — OEA, dentre outras coisas, e elaborar uma lei de proteção às mulheres (BAZZO; BIANCHINI; CHAKIAN, 2021, p. 29).
Dessa forma, em 7 de agosto de 2006, entra em vigor a Lei n° 11.340 (Lei Maria da Penha), sendo a primeira lei brasileira a tratar de violências praticadas contra as mulheres, portanto, foi o ponto de partida para a criação de direitos de mulheres enquanto vítimas de violência, e vários meios de proteção e assistência a mulher.
A lei Maria da Penha traz modificações da legislação no âmbito do Direito Penal, Cível, Trabalhista, Previdenciário e Administrativo no que se refere ao tratamento dado à violência doméstica e familiar e, pela primeira vez em uma lei federal, seu artigo 5° define a violência de gênero contra a mulher (BAZZO; BIANCHINI; CHAKIAN, 2021, p. 34).
Nota-se, que o Brasil por muito tempo foi inerte em relação a proteção feminina, e o processo de criação das legislações pertinentes a proteção das mulheres foi vagarosa, e até se tornou obrigatória a criação de uma lei especifica como foi o caso da Lei Maria da Penha, pois se tornou injustificável não existir uma proteção eficaz ao gênero feminino, que sempre foi o mais vulnerável a sofrer violências. Hoje o País tem uma política pública mais desenvolvida, e uma preocupação maior com a proteção as mulheres, mas ainda há a necessidade de uma observação quanto a efetividade das legislações.
1.2 APLICABILIDADE DA LEI N° 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA)
Feita uma breve análise sobre a evolução histórica da legislação de enfrentamento a violência praticada contra a mulher no Brasil, se faz necessário apontar conceitos referentes a Lei Maria da Penha, acerca da sua aplicabilidade, no que diz respeito as formas de violência previstas na lei, seu contexto, a quem se destina, suas medidas de proteção, de modo a contribuir para uma melhor compreensão, e então adentrar na temática que se pretende analisar neste estudo, sendo especificamente, a violência psicológica praticada contra a mulher em âmbito conjugal à luz da referida lei.
A Lei Maria da Penha, foi promulgada com o intuito de assegurar instrumentos necessários ao enfrentamento as violências praticadas ao gênero feminino, que afeta milhares de mulheres a décadas, não só no Brasil, mas no mundo todo. Dessa forma, através de medidas de proteção, políticas públicas e demais mecanismos, busca-se cessar com a violência praticada as mulheres em âmbito doméstico, familiar e íntimo-afetivas, como também traz formas de tratamentos mais rigorosas contra os agressores. Conforme consta no preâmbulo da lei, ela entrou em vigor com o amparo da Constituição Federal e as convenções já citadas,
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8° do art. 226 da Constituição Federal, da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas de Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; alterar o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências (BRASIL, 2006).
Cumpre ressaltar que, a lei prevê em quais situações pode ser utilizada a favor das vítimas, e estabelece em seu art. 5° que,
Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (BRASIL, 2006).
Dessa forma, conforme se verifica em análise ao artigo citado, a lei é clara no que diz respeito a sua proteção, e será aplicável em casos de violências onde sujeito passivo deve ser do gênero feminino, independente da sua idade, em situações de relações domésticas, familiares ou íntimo-afetivas, onde se existe uma certa vulnerabilidade da mulher em razão de seu gênero, e o sujeito ativo do crime pode ser tanto pessoa do sexo masculino, como feminino.
Vale ressaltar que, a violência pode ocorrer também desde que seja baseada em relações intimas de afeto, independentemente de coabitação. Conforme preceitua a Súmula n° 600 do STJ: “Para a configuração de violência doméstica e familiar prevista no art. 5° da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima.”
Em relação às formas de violência prevista na Lei Maria da Penha, o Artigo 7° da lei, elenca cinco violências possíveis que podem ser praticadas contra as mulheres, conforme se extrai do artigo,
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).
Salienta-se que, o rol de violências elencadas no referido artigo é meramente exemplificativo, conforme cita em seu caput o termo genérico “entre outras”, estando também relacionados a várias condicionantes. Portanto, “trata-se de grandes grupos de espécies de violência, os quais justamente se traduzem em inúmeros ilícitos civis e penais” (BAZZO; BIANCHINI; CHAKIAN, 2021, p. 79).
Uma pesquisa Data Senado realizada no ano de 2019, ao perguntar para a vítima qual tipo de violência que ela sofreu, obteve-se o seguinte resultado: Violência Física 66%, a violência psicológica com 52%, a moral com 36%, a sexual com 16% e a patrimonial com 11% (BRASIL, 2019).
Conforme mostra a porcentagem citada, chama-se atenção ao percentual da violência física e psicológica, em relação as demais. Com enfoque a violência psicológica em segundo lugar, sendo ela o tema do presente trabalho em questão. Independentemente, da modalidade de violência praticada contra a mulher, todas elas, sem exceção, geram danos e consequências graves as mulheres, seja ela física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
As medidas protetivas trazidas pela lei n° 11.340/2006, possuem a intenção de acautelar e amparar de forma eficiente a vida da mulher vítima de violência doméstica, através de providências judiciais, sem a necessidade de abertura de um inquérito policial ou processo-crime, e estão previstas nos arts. 22 e 23 da referida lei.
As medidas protetivas são providências judiciais cautelares com o fim de garantir a integridade física, psíquica, patrimonial, sexual ou moral da vítima em situação de violência doméstica, familiar ou em relação intima de afeto, ou seja, não estão atreladas a um processo-crime, nem a um inquérito policial. Atualmente, com as alterações estabelecidas pela Lei n° 13. 827/2019, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência também pode ocorrer diretamente pela autoridade policial à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, cabendo ao Poder Judiciário a análise posterior, em 24 horas, estabelecidas no art. 12-C da Lei Maria da Penha. (BAZZO; BIANCHINI; CHAKIAN, 2021, p. 82).
Assim, nota-se que a Lei Maria da Penha trouxe um avanço significativo no que se refere a proteção ao gênero feminino, contra qualquer tipo de violência e a preservação a sua dignidade como pessoa humana. As medidas de proteção criadas, e as políticas públicas voltas ao enfrentamento a crimes praticados contra as mulheres são essenciais, e possui grande valia. Porém, mesmo com todos os avanços positivos trazidos pela lei, ainda não está sendo o suficiente para cessar de vez com os crimes contra o gênero feminino, e como prova disso, são os altos índices de ocorrência das violências, de todos as formas já previstas, que aumentam a cada ano, tornando-se preocupante e necessário a criação mais acentuada de políticas judiciais e sociais eficientes, de modo a eliminar de vez a ocorrência de crimes nesse sentido.
2. A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER EM RELAÇÕES CONJUGAIS
A princípio, vale ressaltar que a presente pesquisa tem por fim uma análise teórica acerca da violência psicológica contra a mulher em relações conjugais. Dessa forma, realizada uma breve explanação acerca da Lei Maria da Penha e a sua aplicabilidade, de modo a construir um substrato teórico suficiente para então adentrar nas principais discussões acerca do tema, sendo abordadas as especificidades relacionadas a essa modalidade de violência, de forma ampla, como também os aspectos sociais, e as demais problematizações que a permeia.
Segundo levantamento feito pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que aponta 246. 240 registros de violência psicológica no Brasil no ano passado — em 2019, quando a métrica era menos precisa, foram 3.887 violações. Entram nesse rol impressionantemente as denúncias de ameaça, assédio moral, constrangimento, exposição e tortura psíquica feita nos canais oficiais da pasta que indicam o algoz, seja namorado, marido ou companheiro. O total deve ser bem maior, levando-se em conta a vasta subnotificação e os relatos registrados no ministério que não revelam o autor da agressão (GESTEIRA; SAMPAIO, 2021, p. 1).
Sendo a violência psicológica, uma das formas de violência mais traiçoeiras que existem, pois ocorre de forma silenciosa, na intimidade de uma relação, onde a vítima e o agressor, são as únicas testemunhas. Se torna de suma importância uma análise a respeito dessa agressão, que traz consequências trágicas as vítimas, seja a sua integridade emocional, como a saúde física.
Em 2019, a PNS estimou que 17,4% da população - um total de 27,6 milhões de pessoas de 18 anos ou mais - sofreram agressão psicológica nos 12 meses anteriores à entrevista. Considerando que 27,6 milhões de pessoas sofreram violência psicológica e 29,1 milhões sofreram algum tipo de violência, das pessoas que sofreram alguma violência, 95,0% sofreram violência psicológica. O percentual de mulheres vitimadas foi maior do que o dos homens, 18,6% contra 16,0%. A população mais jovem (18 a 29 anos) sofreu mais violência psicológica do que a população com idade mais elevada (60 anos ou mais), 25,3% contra 9,6% respectivamente. Mais pessoas pretas (19,3%) e pardas (18,3%) sofreram com este tipo de violência do que pessoas brancas (15,9%). Entre os tipos de agressão psicológica a PNS revela que ser ofendido, humilhado ou ridicularizado na frente de outras pessoas foi respondido por 59,1% das vítimas de ambos os sexos (56,2% dos homens e 61,3% das mulheres). Alguém ter gritado com ou xingado o entrevistado foi indicado por 76,4% das vítimas (72,8% dos homens e 79,2% das mulheres). A pesquisa revela, ainda, que o tipo de violência psicológica relatada por 31,5% das pessoas foi que alguém as ameaçou verbalmente de lhes ferir ou ferir alguém importante para elas (NERY, 2021, p. 1).
Vale ressaltar que, existem dificuldades probatórias em demonstrar essa forma de violência que na maioria das vezes, acontece na intimidade do lar, e se caracteriza como um ataque invisível por não deixar marcas visíveis a saúde da vítima, mas que, pode gerar danos e consequências tão graves quanto a violência física, e perdurar por anos, conforme será exposto mais adiante.
2.1 ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS RELACIONADOS A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Conforme elucida Belmiro Pedro Welter em seu artigo “A norma da Lei Maria da Penha”, desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetivada, monetizada. (apud DIAS, p. 29). A cultura patriarcal sempre foi presente no Brasil, onde a mulher na maioria das vezes era colocada em posição de inferioridade e obediência em relação ao homem, onde sua única função era cuidar de seu lar, procriar e servir a seu marido, em contrapartida, a função do marido era a de sair para trabalhar e sustentar financeiramente a casa, dessa forma, a mulher não tinha a sua independência econômica, consequentemente, surgia o medo, o sentimento de menos valia, e consequentemente, ficava dependente do homem de várias formas, tanto financeiramente, como emocionalmente.
É importante ressaltar que, o princípio da Igualdade previsto no art. 5°, I, da Constituição Federal, destaca a igualdade entre homens e mulheres, mas nem sempre esse princípio foi respeitado, e pode-se dizer que ainda há uma certa indiferença quanto a um equilíbrio nas relações de gêneros na cultura contemporânea, onde se observa a hierarquia de poderes do homem em relação à mulher, e a desproporção de valores sociais.
Durante boa parte da história, o patriarcado foi incontestavelmente aceito por ambos os sexos. Os papéis diferenciados de gênero eram legitimados nos valores associados à separação entre as esferas públicas e privada. Ao homem sempre coube o espaço público. A mulher foi confinada nos limites da família e do lar, o que ensejou a formação de dois mundos; um de dominação, externo e produtor. Outro de submissão, interno e reprodutor. Ambos os universos, ativo e passivo, criam polos de dominação e submissão (DIAS, 2019 p. 20).
Dessa forma, devido a esses valores enraizados na sociedade, os homens muitas vezes acreditam ser superiores e mais fortes, exigindo de seu cônjuge uma postura de submissão. Sendo esse pensamento feito de justificativa e a porta de entrada para a prática das violências praticadas contra as mulheres, em ênfase a violência psicológica.
Nesse contexto é que surge a violência, justificada como forma de compensar possíveis falhas no cumprimento ideia dos papéis de gênero. Quando um não está satisfeito com a atuação do outro, surge a guerra dos sexos. Cada um usa suas armas: ele, os músculos; ela, as lágrimas! A mulher, por evidente, leva a pior e se torna vítima da violência masculina (DIAS, 2019 p. 21).
Logo, é certo que a violência emocional contra a mulher é resultado de aspectos sociais que envolvem todas as situações relacionados a cultura patriarcal, as desigualdades das mulheres em relação aos homens, e persegue o gênero feminino a milênios.
2.2 A TIPIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Quando se fala em violência psicológica contra a mulher, é considerável compreender a tipificação e a criminalização da violência psicológica no ordenamento penal brasileiro. De modo a entender como o ordenamento jurídico brasileiro vinha lidando com os casos em concreto, até entrar em vigor da recente lei n° 14.188/2021, que finalmente tipifica a violência psicológica como crime no Código Penal brasileiro. Além disso, entender que a falta de uma tipificação autônoma acarretava entraves quanto a configuração da agressão emocional.
A violência Psicológica encontra-se prevista no Inciso II, do art. 7° da Lei n° 11.340/2006, e pode ser entendida como,
Qualquer conduta que lhe cause danos emocionais e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação (BRASIL, 2006).
Ademais, versa Dias (2019, p. 81),
Trata-se de proteção à autoestima, à saúde psicológica da vítima. Dita previsão não existia na legislação pátria. A violência Psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra na Convenção Interamericana para prevenir, punir, e erradicar a violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará.
A lei tem o intuito de preservar a integridade mental e a autoestima da mulher de forma saudável, como também manter a sua autonomia quanto a livre tomada de decisões, a seus comportamentos, a escolha de suas crenças, sua liberdade em geral, sem ser impedida por seu cônjuge, ou por qualquer outra pessoa que se sinta no direito de intervir nas suas escolhas, lhe causando danos psíquicos.
O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima. Demonstra prazer quando a vê sentir-se amedrontada, inferiorizada e diminuída. É o que se chama de a vis compulsiva. A violência Psicológica está relacionada a todas as demais modalidades de violência doméstica. Se não deixa feridas no corpo, deixa dores na alma. Sua justificativa encontra-se alicerçada na negativa ou impedimento à mulher de exercer sua liberdade e condição de alteridade em relação ao agressor. Por isso as suas consequências são mais gravosas. Muitos companheiros se utilizam de xingamentos, palavras depreciativas para reduzir sua companheira a uma condição inferior, enquanto ele se coloca em um patamar de superioridade (DIAS, 2019, p. 82).
Considerando toda a problematização em torno dos aspectos sociais relacionados a submissão do gênero feminino ao masculino e as consequências advindas dessas questões, mesmo com o advento da Lei 11.340/2006, a agressão psicológica continua sendo a menos denunciada. E na maioria das vezes, é a primeira agressão tomada por parte do agressor, seguida por outras modalidades de violências.
A violência psicológica contra a mulher, além de sutil, não ocorre por meio de manobras isoladas, mas sim de condutas sistemáticas que se prolongam no tempo. Assim, os seus efeitos não são percebidos de forma clara e a vítima enfrenta, conforme mencionado, dificuldades para entender e reconhecer suas emoções, bem como o porquê delas. Trata-se, aqui, do elemento confusão que permeia esse contexto da violência sutil, culminando numa violência silenciosa (RAMOS, 2017, p. 104).
Essa modalidade de violência pode perdurar por anos, e por vários motivos, dentre eles: a falta de conhecimento em relação à penalização da violência pelo ordenamento jurídico brasileiro, por medo, vergonha, insegurança, sentimento de culpa, bloqueio em expor a sua intimidade em juízo, dependência financeira e outros motivos, que na maioria das vezes só a vítima pode expor. E consequentemente, são suficientes para fazer com que a vítima desista de denunciar, não colabore na investigação, ou dê um fim ao relacionamento com o agressor.
As vítimas de violência doméstica e familiar, exatamente por encontrarem-se inseridas em um contexto de violência estrutural, normalizada, fulcrada em um sistema patriarcal, enfrentam dificuldades que permeiam especificamente esse tipo de violência de gênero, tais como: incompreensão por familiares, colegas de trabalho, amigos, pela sociedade em geral, que acaba cobrando o desempenho dos papéis de gênero impostos às mulheres em geral: resignação, colocar a família acime de seus objetivos pessoais; Situação vexatória para ela e para toda a família: principalmente pelo receio de que eventual processo possa gerar prejuízo para o pai de seus filhos; Autocupabilização: por crer que provoca nele o comportamento violento do qual é vítima; Medo das ameaças que lhe são dirigidas, caso opte pelo rompimento do relacionamento; Insegurança quanto a seu futuro, e de seus filhos (a maioria das vítimas é mãe); Dificuldades financeiras; Objeto de chantagem de suicídio por parte do agressor (BAZZO; BIANCHINI; CHAKIAN, 2021, p. 117 apud RAMOS, 2017, p. 120).
É evidente que a agressão psicológica impacta de forma prejudicial à saúde da vítima, lhe causando não só danos psíquicos, mas também danos físicos graves, que lamentavelmente podem perdurar por anos, mesmo com o tratamento necessário.
Os tipos de violência elencadas no artigo 7° da Lei Maria da Penha, em especial a violência psicológica, podem causar também danos à saúde psíquica e emocional das vítimas, dando causa ao desenvolvimento, por exemplo, de transtornos de ansiedade, depressão, ideação suicida, baixa autoestima, isolamento social, pânico, transtornos alimentares, de sexualidade ou do sono, dores crônicas, abusos de substâncias entorpecentes, dentre outros (BAZZO; BIANCHINI; CHAKIAN, 2021, p. 115).
Inquestionavelmente, fica claro que a violência psicológica causa danos imensuráveis a vítima, podendo resultar em danos tão graves quanto a violência física, pois não deixa marcas visíveis no corpo, mas causa feridas em seu emocional, que posteriormente, se desenvolvem em doenças que afetam a saúde física, e permanecem causando sofrimentos as vítimas por anos.
Não bastasse, ainda existem dificuldades probatórias em demonstrar essa forma de violência, pois, com frequência a vítima é tida como o elemento essencial de prova, sendo na maioria das vezes a única testemunha do crime que ocorre na intimidade do lar.
2.3 OS ENTRAVES PROBATÓRIOS DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA PRATICADA EM ÂMBITO CONJUGAL
A princípio, nota-se que uma das maiores problematizações acerca da violência psicológica são os entraves probatórios que a permeia, pois, na maioria das vezes, acontece na intimidade do lar, onde a única testemunha da violência é a vítima da agressão, e por esse motivo acaba se caracterizando como um ataque invisível por não deixar marcas aparentes no corpo da vítima, e consequentemente, a agressão se torna invisibilizada.
Assim, se torna invisibilizada, pois em regra a acusação se norteia com ênfase apenas na palavra da vítima, e há casos onde a própria vítima encontra dificuldades em constatar que as atitudes do agressor se enquadram como forma de violência prevista em lei.
Ademais, há casos onde a própria vítima se recusa a denunciar os crimes por diversos fatores intrínsecos a violência, e permanece no ciclo vicioso das agressões, que podem resultar em crimes mais gravosos, e até fatais, como o homicídio.
Além disso, a violência psicológica se enquadra em ações penais condicionadas a representação da vítima, e dessa forma, nos casos onde a denúncia é acolhida e a vítima desiste de dar prosseguimento a ação, se resulta em retração, gerando ainda mais dificuldades em relação à efetiva punição do agressor pelo ordenamento jurídico, e consequentemente, o contínuo aumento das trágicas ocorrências da agressão em questão.
A palavra da vítima tem significativa importância para o ordenamento jurídico, porém, nem sempre a mulher como vítima tem ciência de que a palavra dela tem validade, e pode ser amparada pela legislação. Talvez esse fato contribua para que a violência psicológica seja uma das formas de agressão menos denunciadas atualmente.
Segundo pesquisa realizada por RAMOS, “praticamente não se tem notícia de apurações criminais no Brasil por ofensa à saúde mental da mulher no âmbito doméstico e familiar” (BAZZO, BIANCHINI, CHAKIAN, 2021, p. 117 apud RAMOS, 2017, p. 17).
É sabido que, semelhante à violência física, a violência psicológica também gera danos prejudiciais à saúde da vítima, porém existe uma dificuldade maior em demonstrar o dano psíquico. Sendo necessária a utilização de várias fontes de informações que agreguem na materialização do crime, a análise, e comprovação do nexo de causalidade entre o dano emocional causado a vítima e a forma de violência que a mesma sofreu.
Apesar da ausência de vestígios aparentes no corpo da vítima, e a dificuldade em demonstrar os danos psíquicos, a violência e todo o trauma não se tornam inválidos, e podem ser evidenciados em laudo feito pela perícia psicológica.
Quando se trata de dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia para que a autoridade policial proceda ao registro de ocorrência e encaminhe o expediente à Justiça. Infelizmente não é o que ocorre diuturnamente. Quando não é imputada a prática de algum crime, as delegacias têm se negado a fazer alguma coisa. Limita-se a sugerir à vítima que procure um advogado ou a Defensoria Pública para que o pedido de medida protetiva seja formulado perante a Vara de Família. A prática é equivocada e abusiva (DIAS, 2019, p. 84).
Além de todas as problemáticas relacionadas a fragilidade em denunciar pela vítima, e a dificuldade quanto a comprovação da violência sofrida, é importante ressaltar as adversidades com que a vítima se depara ao denunciar as agressões emocionais. Em relação ao descaso com que a mesma encontra perante alguns órgãos próprios de proteção a mulher, como a desatenção de profissionais envolvidos no atendimento a vítima, e até ao desamparo por parte da própria família, pois quando se trata de violência que não deixa vestígios físicos, e pela falta de marcas e hematomas aparentes no corpo, a palavra da vítima muitas vezes é questionada quanto a validade da denúncia, como também desencorajada a prosseguir com a ação.
Questões como estas dificultam o conjunto probatório necessário a materialização do crime de violência psicológica, fazendo com que se torne uma das formas menos denunciadas em relação as demais elencadas na lei n° 11.340/2006, ensejando a continuidade da prática dessa forma de violência, e consequentemente, a ocorrência de outros crimes gravosos, e muitas vezes, fatais.
2.4 A VIOLÊNCIA PSICOLOGICA COMO PONTO DE PARTIDA PARA AS DEMAIS MODALIDADES DE VIOLÊNCIA ELENCADAS NA LEI 11.340/2006.
Devido aos entraves probatórios, e a consequente invisibilidade da violência psicológica perante todas as problemáticas em relação à comprovação e materialização do crime, como a desistência da vítima em denunciar, em muitos casos a agressão que antes resultava em danos emocionais não cessa, dando continuidade aos ataques, que posteriormente se resultam em agressões mais graves, como a violência física, a até mesmo o feminicídio.
Em razão da violência cada vez mais acentuada que ocorre quando um novo ciclo da violência se inicia, não é infrequente que as violências seguidas passem de leve para grave ou gravíssimas, com previsão de uma punição mais acentuada e qualificando crime. Embora a mulher possa ser vítima de todas as qualificadoras, percebe-se que uma das características da violência doméstica e familiar contra a mulher é a intensidade com que a violência é praticada pelo autor (BAZZO, BIANCHINI, CHAKIAN, 2021, p. 97).
Quando se fala em violência praticada em âmbito doméstico ou em relações íntimo-afetivas, tem que se ter em mente que a violência é composta por ciclos, onde se tem o dominante e o dominado, e muitas vezes, inicia-se com agressões sutis que nem mesmo a vítima se dá conta da agressão, como o controle de seu tempo, de suas atitudes, o isolamento, e posteriormente, começa os xingamentos, a depreciação, o ciúme excessivo e a culpabilização da vítima como justificativa as suas condutas. Assim, a mulher vítima busca justificação e esperança na melhora do agressor, acreditando ser apenas uma fase. Dessa forma anula a suas próprias vontades, e cede a vontade do parceiro para não o dar motivo para as agressões.
Esse ciclo vicioso continua, pois, após praticar a violência o agressor justifica a sua conduta, pede o perdão a vítima, e a trata bem, fazendo promessas de melhora, e a vítima fragilizada e dependente emocionalmente, acaba cedendo, até acontecer a próxima agressão. Com todas essas atitudes envoltas também por muitas manipulações, o agressor se sente na liberdade e justificativa de continuar com as agressões, e até mais graves. Chegando à violência física, e até ao feminicídio, o grau mais elevado de violência, e consequentemente, o mais trágico.
Cabe ressaltar, que normalmente o agressor não demonstra seu jeito agressivo em público, usando suas táticas de dissimulação, dando a entender ser um bom companheiro, e dessa forma, se a vítima chega a desabafar as suas infelicidades com alguém, muitas vezes a sua palavra é descredibilizada, e as suas condutas são questionadas, como o possível motivo de tais agressões.
Infelizmente, a sociedade ainda é resistente em entender que o único responsável pelas condutas depreciativas é o homem, e que a vítima não é de forma alguma a culpada pelos atos do mesmo.
Em 2019, a PNS estimou que 17,4% da população - um total de 27,6 milhões de pessoas de 18 anos ou mais - sofreram agressão psicológica nos 12 meses anteriores à entrevista. Considerando que 27,6 milhões de pessoas sofreram violência psicológica e 29,1 milhões sofreram algum tipo de violência, das pessoas que sofreram alguma violência, 95,0% sofreram violência psicológica (BRASIL, 2021, p. 1).
É evidente que a violência psicológica é o ponto de partida para muitas agressões graves e está relacionada as demais formas de violência contra a mulher elencadas na lei, e infelizmente, é uma das agressões mais difíceis de ser inicialmente cessadas. Dessa forma, se faz necessário uma maior atenção e sensibilidade por parte de todo o ordenamento jurídico brasileiro perante aos casos concretos.
3. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA: A criação da Lei 14.188/2021
Em 28 de julho de 2021, foi sancionada a lei que criminaliza de fato a violência psicológica contra a mulher, inserindo no Código Penal o artigo 147-B, e a pena para o crime de seis meses a dois anos de reclusão e multa, se a conduta não constituir crime mais grave. O artigo traz a seguinte redação:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave (BRASIL, 2021).
A lei alterou também, o artigo 12-C da lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que dispõe sobre as medidas protetivas para as vítimas, e passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida (BRASIL, 2021).
A lei trouxe um avanço significativo e muito benéfico para as mulheres, pois antes da inserção da lei a violência psicológica não era tipificada de forma autônoma pelo ordenamento jurídico brasileiro como um crime, passível de pena contra agressor. A lei 11.340/2006, previa a agressão psicológica como uma forma de violência elencada em seu art. 7°, inciso II, mas dependia de várias condicionantes para se tipificar como um ilícito penal, e dessa forma também, dificultava a concessão de medidas protetivas para as vítimas.
É imperioso reconhecer que o ordenamento jurídico brasileiro encontrava certas adversidades frente as ocorrências de violência psicológica, pela complexidade quanto a configuração do crime. A agressão psicológica estava condicionada a ser tipificada por crimes previstos no Código Penal, pois não era até então tipificada de forma autônoma pela lei.
Dessa forma, a Lei n° 11.340/2006 (Maria da Penha) era utilizada somente como forma de tentar coibir o crime contra as mulheres, através de qualificadoras, agravantes de pena, e pela utilização das medidas preventivas e assistenciais que a Lei oferece.
Durante a pesquisa, a maioria das jurisprudências relacionadas a violência psicológica estavam relacionadas a crimes como a ameaça, e crimes contra a honra como a injúria e a difamação.
Felizmente, a lei veio para preencher várias lacunas no que se refere a violência psicológica, e facilitar o deferimento das medidas de proteção para as vítimas, e consequentemente, diminuir a incidência do crime, pois irá desencorajar os agressores devido à penalização, e dará suporte e autonomia as vítimas, para não permanecer calada diante das agressões.
Apesar da criação da lei, ainda há a muito o que se observar sobre a sua devida efetividade daqui adiante, como também ainda se faz necessário criar outros mecanismos judiciais e sociais para contribuir com a eficácia da lei.
4. DAS MEDIDAS SOCIAIS E JUDICIAIS NECESSÁRIAS PARA CONTRIBUIR CONTRA A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA PRATICADA CONTRA A MULHER EM ÂMBITO CONJUGAL
Quando se fala em violência psicológica, há a necessidade de que sejam criadas medidas sociais e judicias de modo a contribuir contra esse crime e auxiliar com a eficácia da nova lei n° 14.188/2021, pois, apesar de toda a evolução em relação a algumas lacunas existentes no combate à violência, ainda existem muitas a serem preenchidas ao nível social, e também ao judicial.
Primeiramente, entender que apesar de a violência psicológica ser sutil, e não deixar marcas aparentes no corpo, ela traz para a vítima consequências graves a sua saúde emocional e física. E não é pelo fato de existirem muitos obstáculos probatório ao denunciar a violência, que ela se torna inexistente.
Dessa forma, se faz essencial a difusão para sociedade de forma ampla, através dos meios de comunicação existentes, e de notável número de visualização, da Lei n.º 11.340/2006, mais especificamente do art. 7.º, inciso II, e da nova lei n° 14.188/2021, que tornou crime a violência psicológica, de modo a oferecer acesso à informação as mulheres vítimas de violência, pois algumas das vítimas nem sabem que estão sofrendo a agressão emocional, e podem ser amparadas pela legislação.
É essencial a realização de campanhas educativas de prevenção a violência psicológica conjugal, voltadas a sociedade em geral, para conscientizar que essa violência é muito frequente, e pouco denunciada.
Ademais, uma das possíveis medidas a serem utilizadas seria a psicologia integrada às mulheres que se consideram vítimas de violência psicológica, oferecendo as vítimas acompanhamento psicológico semanal, de modo a incentiva-las a sair de uma relação que lhe cause esse dano mental, e lhe devolva a autoestima.
Uma maior capacitação aos profissionais envolvidos a atendimentos dessa modalidade de violência se faz importante, para que a vítima tenha um atendimento mais humanizado e empático, onde se sinta encorajada a prosseguir com a denúncia, e continuar com a ação até o fim, de modo a não permanecer no ciclo da violência. Pois, conforme já foi citado na pesquisa, além de todas as dificuldades que a vítima se depara ao denunciar, há casos onde a mesma precisa enfrentar o descaso perante alguns órgãos próprios de proteção, como a desatenção de profissionais envolvidos no atendimento a vítima, e com o chamado “machismo” vindo dos próprios assistentes que deveriam ajuda-las, o que não acontece, pois, ao não se depararem com falta de hematomas aparentes no corpo da vítima, a desencorajam a dar prosseguimento a denúncia.
Além disso, que seja feita uma fiscalização na aplicação da lei, especificamente a nova lei n° 14.188/2006 que entrou em vigor recentemente, para assegurar o seu devido cumprimento e eficácia.
É sabido que houve notável evolução no que diz respeito a meios que combatem a violência psicológica, mas não deixa de se necessário a ampliação de meios que auxiliem no combate a essa violência tão prejudicial às vítimas.
CONCLUSÃO
A necessidade de ser analisar o crime de violência psicológica contra a mulher em relações conjugais, se torna essencial pelo fato de ser uma forma de violência aparentemente sutil, invisibilizada na maioria das vezes, mas que é tão prejudicial à saúde das vítimas quanto as demais formas de violências praticadas contra as mulheres, e está interligada de forma direta as demais formas de agressões previstas em lei.
Assim, foi analisado de forma breve o contexto histórico de enfrentamento a crimes contra a mulher no Brasil, para definir um melhor entendimento acerca da evolução da legislação pertinente ao tema, e posteriormente, analisado a aplicabilidade da lei n° 11.340/2006 (Lei maria da Penha), as principais problemáticas em relação à violência psicológica, e a evolução legislativa promovida pela criação da Lei n° 14.188/2021, que finalmente, tornou crime a violência psicológica, passível de pena pelo Código Penal.
Evidentemente, ficou claro que a violência psicológica causa danos graves as vítimas, como danos emocionais, que posteriormente, podem desenvolver doenças que afetam a saúde física, e perdurar por anos, exigindo assim a mais completa proteção as vítimas.
Não bastasse, ainda existem dificuldades probatórias em demonstrar essa forma de violência, pois, com frequência a vítima é tida como o elemento essencial de prova, sendo na maioria das vezes a única testemunha do crime que ocorre na intimidade do lar. Questões como estas dificultam o conjunto probatório necessário a materialização do crime de violência psicológica, fazendo com que se torne uma das formas menos denunciadas em relação as demais elencadas na lei n° 11.340/2006.
Se torna efetivo a busca por medidas sociais e judiciais que contribuam contra a agressão emocional as mulheres, pois durante a pesquisa, ficou evidente que existe a invisibilidade, principal social, no que se trata da violência psicológica, pois devido a ser uma agressão que não deixa “hematomas” aparentes no corpo físico, mostra-se uma certa desconsideração em relação a ela. Se comparado a quantidade de pesquisas jurídicas, doutrinas e jurisprudências feitas em relação as demais modalidades de violência contra as mulheres previstas, a violência psicológica ainda não está sendo tratada com a devida atenção que necessita.
A vítima recebe o amparo penal necessário quando o procura, mesmo com todas as problemáticas em relação ao conjunto probatório obrigatório para configurar o crime, porém, se torna indispensável a procura por parte dos órgãos responsáveis pela proteção as mulheres, de medidas que possam auxiliar as leis a conceder a devida eficácia necessária, de modo a proteger de forma plena as mulheres, bem como, oferecerem um atendimento humanizado, treinando os funcionários que lidam de forma direta com as vítimas a lhe encorajarem a prosseguir com a denúncia, e credibilizar a palavra a vítima. Assim, ajudar de fato a dar fim ao ciclo da violência, e não ocorrer a revitimização.
Por fim, se faz essencial à contínua atenção e sensibilidade em relação à violência psicológica, de modo a deixar de invisibilizada, principalmente em âmbito social, a deixar claro que é um dos tipos mais perversos de violência, devido à forma silenciosa com que ocorre, e não deixa de ser fruto da cultura patriarcal que atormenta a sociedade a séculos. Assim, a importância da sensibilização da sociedade, com o Poder Público, para a devida proteção as mulheres, e prevenção dos crimes contra elas, a não permitir que o pior aconteça com a vida das vítimas.
REFERÊNCIAS
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RAMOS, Ana Luísa Schmidt. Dano psíquico como crime de lesão corporal na violência doméstica. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
[1] Bacharel em Sistemas de Informação (2010) pela Uneouro; Bacharel em Direito (2017) pela Ceulji-ULBRA; Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade Bom Alberto (2019); Mestre em Direitos Humanos pela UNIR (2020). E-mail: [email protected]
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário São Lucas de Ji-Paraná/RO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Thayna Lima. Violência Psicológica: Uma análise teórica do crime de violência psicológica contra a mulher em relações conjugais à luz do art. 7º, inciso II da Lei nº 11.340/2006 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2021, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57542/violncia-psicolgica-uma-anlise-terica-do-crime-de-violncia-psicolgica-contra-a-mulher-em-relaes-conjugais-luz-do-art-7-inciso-ii-da-lei-n-11-340-2006. Acesso em: 22 nov 2024.
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