RESUMO: O objetivo desse artigo é realizar é descrever uma conjuntura sobre o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual no Amazonas. Ordenada em uma pesquisa bibliográfica, desenvolvendo sobre o do tráfico humano na história do Brasil e a questão social das vítimas de tráfico. O tráfico de seres humanos é um fato criminal de alta complexidade e violação aos direitos humanos, onde grupos criminosos exploram o ser humano de variadas formas em troca de capital, tornando-o objeto de um grande negócio comercial de alta rentabilidade. Esses delitos criminosos tornaram-se instrumentos de escravidão e violência, tanto é assim, acabar com a comercialização sexual é muito mais delicado do que se imagina, porque hoje este ato ilícito penal só perde em quantificação financeira para o narcotráfico e o tráfico de armas, segundo pesquisas”, afirma o advogado Antônio Everton, membro efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo.
Palavras-chave: Tráfico de mulheres. Exploração sexual. Estado do Amazonas
ABSTRACT: The purpose of this article is to describe a situation regarding the trafficking of women for sexual exploitation in Amazonas. Ordered in bibliographical research, developing about human trafficking in the history of Brazil and the social issue of trafficking victims. Trafficking in human beings is a highly complex criminal fact and a violation of human rights, where criminal groups exploit human beings in various ways in exchange for capital, making them the object of a large commercial business with high profitability. These criminal offenses have become instruments of slavery and violence, so much so, ending sexual commercialization is much more delicate than one imagines, because today this criminal illicit act only loses in financial quantification for drug trafficking and arms trafficking, according to surveys”, says the lawyer Antônio Everton, member of the Human Rights Commission of the OAB of São Paulo.
Key-Word: Traffic of women. Sexual exploitation. state of Amazonas
O crime de tráfico de seres humanos retrata hoje um problema mundial e de natureza multidisciplinar, exigindo, portanto, análise e tratamento com a mesma amplitude. Para abordá-lo, faz-se necessária a realização de um estudo extenso, que perpassa por variados campos teóricos e práticos que o circundam. Difícil discorrer sobre o mesmo sem trazer a lume aspectos que com ele se relacionam, tais como a pobreza, a exclusão social, as questões de gênero, a desigualdade entre Estados, o crime organizado, a globalização, a migração, dentre outros.
O crime de tráfico de seres humanos vem causando grande repercussão no mundo, merecendo destaque tanto no contexto nacional como no internacional. A razão pela qual, nos dias de hoje, esse crime converge para si as atenções mundiais repousa na sua gravidade e na celeridade de seu alastramento por todo o globo.
O Brasil, juntamente com os demais países em desenvolvimento, e um dos principais fornecedores de pessoas as redes internacionais de tráfico humano, sendo também um dos países em que há uma grande pratica desse crime dentro de seu próprio território.
Nações como o Brasil são marcadas e prejudicadas pelo alto índice de pobreza e por uma profunda desigualdade social, fatores que restam traduzidos na busca desesperada de seus cidadãos, em especial as mulheres, por sobrevivência, e na falta de perspectivas de vida futura, ambas circunstâncias fomentadoras do tráfico de seres humanos.
Vários são os fatos que contribuem para que os países subdesenvolvidos assumam a condição de provedores do mercado ilegal de mulheres. O Estado brasileiro e os outros Estados da América Latina se dizem democráticos e, por esta razão, recebem o rótulo de “democracias”, mesmo diante das constantes violações aos direitos básicos de seus cidadãos.
A figura do Brasil como um dos maiores responsáveis pelo comercio internacional de mulheres para fins de exploração sexual e um elemento que ameaça, por demais, a condição democrática desse Estado de Direito, pois retrata o descaso do país com a população feminina e com os direitos dos pobres e dos socialmente marginalizados.
O tráfico de seres humanos no Brasil e uma modalidade criminosa comum e de fácil consecução em razão das práticas e das crenças discriminatórias históricas em relação a mulher brasileira. Em todo o mundo, grande parte das mulheres continua sendo privada de seus direitos fundamentais, não gozando de oportunidades iguais de educação, de moradia, de alimentação, de emprego e de saúde em relação aos homens.
Na presente pesquisa, pretende-se fazer uma abordagem acerca do tráfico interno de mulheres para fins de exploração sexual no Amazonas, devendo ser dada ênfase a realidade que desponta na capital do estado, Manaus. Para dar subsídios a construção do artigo foi utilizada uma pesquisa bibliográfica a partir de livros que tratam sobre o conceito de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual no Estado do Amazonas o, sobre a questão social, e o processo de medidas que deveriam ser adotadas pelo governo para coibir tal delito. O uso da internet se fez relevante, posto que o tema possui uma base bibliográfica bem numerosa.
Assim o trabalho foi sequenciado da seguinte maneira: no primeiro momento foi descrito o Tráfico Humano na história do Brasil, na segunda parte a questão social das pessoas traficadas, na terceira parte o Tráfico de mulheres e as formas de Exploração no Amazonas e por último quais as medidas preventivas e repressivas que poderiam ser adotas pelo governo e segue para as considerações finais.
O tráfico humano, também chamado de tráfico de pessoas, é uma das atividades ilegais que mais se expandiu no século XXI. A prática chama atenção mundial por desrespeitar diretamente os direitos humanos, mas também por ser extremamente rentável para os criminosos. Sobre o atrativo do Brasil, Emanuela Cardoso Onofre de Alencar afirma:
O Brasil tornou-se o terceiro polo de atração de migrantes na América, atras dos estados Unidos e da Argentina. Os desejos de acesso a Terra, de melhores oportunidades e condições de vida embalaram os sonhos de todos aqueles que aportaram nos portos brasileiros. Vários foram os que conseguiram fazer do sonho realidade, tendo acesso a terra, montando negócios nas grandes cidades e vendo a vida prosperar. Outros, contudo, e esses eram a maioria, foram os que fracassaram e continuaram com a vida difícil no Brasil. Esse fato ocorreu porque muitos dos europeus que migraram para o Brasil eram pessoas simples com pouca ou nenhuma qualificação, analfabetos, que não encontravam oportunidades em seus países de origem e migraram para tentar mudar de vida.
A Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo (2003), define tráfico de pessoas como o “recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração “.
Quando voltamos os olhos para a história percebemos que o tráfico de seres humanos, para distintas finalidades, está presente em diversas fases do desenvolvimento da humanidade. Existem relatos da comercialização de pessoas para trabalho escravo na Idade Média (de 476 a 1453), durante a república romana. Com as lutas entre diferentes povos para conquistar novas terras, os vencedores passavam a possuir formas de dominar os perdedores, que eram transformados em escravos para atuar na construção de cidades, na realização de serviços domésticos, dentre outras atividades.
Durante os séculos das grandes navegações e das colonizações (XV a XVII), o trabalho escravo se tornou fundamental pois novas terras precisavam ser conquistadas e visando lucro rápido ao menor custo, a utilização do trabalho escravo era a saída ideal. O tráfico negreiro representa, portanto, o mais notório tráfico de pessoas com fins lucrativos. Por aproximadamente 400 anos (1501 a 1875), foi uma das principais atividades comerciais administradas pelos impérios inglês, português, francês, espanhol, holandês e dinamarquês. Durante essa fase, os negros africanos foram trazidos da África para serem suprimento da mão-de-obra não remunerada em diversas colônias, como ocorrido no Brasil, onde a escravidão foi base da economia durante os quatro séculos.
Calcula-se que entraram no Brasil aproximadamente quatro milhões de negros africanos: Sobre a exploração sofrida pelos escravos africanos, Boris Fausto discorre que:
Admitidas as várias formas de resistência, não podemos deixar de reconhecer que, pelo menos até as últimas décadas do sec. XIX, os escravos africanos ou afro-brasileiros não tiveram condições de desorganizar o trabalho compulsório. Bem ou mal, viram-se obrigados a se adaptar a ele. Dentre os vários fatores que limitaram as possibilidades de rebeldia coletiva, lembremos que, ao contrário dos índios, os negros eram desenraizados de seu meio, separados arbitrariamente, lançados em levas sucessivas em território estranho.
A partir do século XIX, a legislação internacional passou a voltar seus esforços na proibição desse tráfico já que, com o tráfico negreiro, mulheres europeias eram trazidas por redes internacionais de traficantes para a Europa e Estados Unidos da América e para as colônias para trabalhar como prostitutas. O “tráfico de escravas brancas” se tornou preocupante devido a um pânico moral nesses locais, que passaram a reivindicar mecanismos de erradicação da prática. Surgem a partir de 1904 os primeiros instrumentos legais para combater o tráfico nacional e internacional de mulheres, que mais tarde foi chamado de tráfico de pessoas. As convenções compreendiam o tráfico como todo ato de captura ou aquisição de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo.
No século XX, a Organização das Nações Unidas (ONU) manteve a construção de diversas convenções e discussões sobre as ramificações do tráfico de pessoas. Em 1956, a Convenção de Genebra repetiu os conceitos que já tinham sido construídos no passado e ampliou o foco para outros pontos importantes, como o casamento forçado de mulheres em troca de vantagem econômica; a entrega, lucrativa ou não, de menores de 18 anos a terceiros para exploração. A Convenção de Genebra também confirmou a importância de os países membros estabelecerem medidas administrativas para modificar as práticas ligadas à escravidão, assim como definir como crime essa e outras condutas ligadas ao transporte de pessoas de um país a outro e a privação de suas liberdades.
Em 1998 o Estatuto do Tribunal Penal Internacional passou a definir a escravidão sexual e a prostituição forçada como crimes internacionais de guerra, contra a humanidade. Assim, a Assembleia Geral da ONU criou um comitê intergovernamental para elaborar uma convenção internacional global contra esses crimes e examinar a possibilidade de elaborar um instrumento para tratar de todos os aspectos relativos ao tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças. O comitê apresentou uma proposta intensamente discutida durante o ano de 1999, que foi aprovada como Protocolo de Palermo (2000) por meio do qual o tráfico de pessoas se tornou um crime organizado transnacional, ou seja, comum a várias nações.
A partir de 2000, vários protocolos e convenções foram adicionados a mecanismos da ONU para que os Estados-membros mantenham esforços de combater o tráfico de seres humanos. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), criado em 1999, passou a ressaltar também o envolvimento do crime organizado na atividade e promover medidas eficazes para reprimir ações criminosas relacionadas. Todos esses esforços internacionais para enfrentar o tráfico de pessoas foram importantes para considerá-lo uma forma moderna de escravidão.
De acordo com a PESTRAF, as maiores vítimas do tráfico internacional de seres humanos são as adolescentes e mulheres adultas solteiras ou separadas judicialmente, entre 15 e 25 anos, assim, com disponibilidade para deixar o país. De forma majoritária estas são traficadas para outros países e aquelas são vítimas do tráfico interestadual ou intermunicipal. Espanha, Holanda, Venezuela, Itália, Portugal, Paraguai, Suíça, Estados Unidos, Alemanha e Suriname são os principais destinos internacionais das pessoas aliciadas. Segundo Marcel Hazeu, articulador e pesquisador da ONG os direitos:
Olhando para o tráfico de pessoas a partir de uma lógica econômica e de amenização de problemas sociais, ele se apresenta até como “solução”. Mulheres, mães jovens e solteiras, pobres e sem perspectivas (que deveriam ser prioridade das políticas públicas) deixam o país e “desaparecem” como problema social e ainda enviam dinheiro, ganho a duras custas, ao Brasil para ajudar sua família, garantindo a entrada de dinheiro no país e melhoria de vida da sua família.
A Fundação francesa Scelles, que luta contra a exploração sexual, divulgou que há cerca de 42 milhões de pessoas em situação de prostituição no mundo; 75% dessas são mulheres com idade entre 13 e 25 anos.
O relatório da OIT sobre o assunto acrescenta que são de classes populares, apresentam baixa escolaridade, habitam em espaços urbanos periféricos com carência de saneamento, transporte (dentre outros bens sociais comunitários), moram com familiares, têm filhos e exercem atividades laborais com baixa remuneração. Muitas delas já foram submetidas a alguma forma de prostituição.
O mesmo relatório avalia que entre as causas do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual estão: instabilidade política, econômica e civil em regiões de conflito, emigração não legalizada, violência doméstica, ausência de oportunidades de trabalho. Esta última é maior motivação por conta da vulnerabilidade social e econômica em que essa situação insere as mulheres.
Toda essa relação de exploração reflete claramente que o tráfico de mulheres é uma das maiores expressões da ação da sociedade capitalista na vida das mulheres trabalhadoras, as quais, precisando sobreviver, submetem-se a condições de vida degradantes. Nos períodos de crise, como o que vivemos atualmente, isto tende a se agravar, como mostram os dados, já que a exploração da classe trabalhadora como um todo, aumenta. O capitalismo, todos sabemos, se fundamenta na realização de lucro para poucos à custa do trabalho de muitos e a qualquer preço.
A sociedade capitalista expõe o corpo das mulheres, utilizando para vender os mais variados produtos e leva esta mercantilização até as últimas consequências, tornando as próprias mulheres mercadorias, as quais se vendem, se compram, se usam e se exploram da maneira mais cruel.
Esta dura realidade coloca a toda classe trabalhadora e em específico às mulheres a necessidade de lutar para colocar fim a esta exploração e opressão. Coloca a necessidade de organização para que tenha fim de uma vez por todas este sistema, que se utiliza do corpo, do sangue, do trabalho de uma enorme parcela da população para enriquecer uma minoria. Segundo Iamamoto (2001) a expressão “questão social”:
diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos (p.10).
Dessa forma, a questão social está ligada a desigualdade que, por sua vez, gera várias expressões como o desemprego, violência, fome, pobreza, dentre outros, e na conjuntura atual evidencia-se a problemática do tráfico humano, bem como considera Barbosa (2010):
Se na escravidão o domínio se dava por um direito de propriedade reconhecido, no tráfico de pessoas é a vulnerabilidade em que se encontra a vítima que favorece sua submissão aos traficantes, transformando-as em mercadorias a sua disposição, exploradas física e sexualmente (p. 21).
Na Amazônia, a mulher sempre foi percebida em segundo plano. Os programas de desenvolvimento, os investimentos, as políticas socioeconômicas sempre foram direcionadas para o agronegócio e mineração, que procuram trabalhadores masculinos.
A presença da mulher e as questões da sua sobrevivência foram consideradas uma consequência do trabalho masculino. Nesta lógica, as mulheres migraram para dentro da Amazônia atrás dos homens pioneiros, seringueiros, garimpeiros, trabalhadores de construção, marinheiros e caminhoneiros para ocupar os serviços por eles desejados: trabalhadoras domésticas, prostitutas e/ou para um eventual casamento, muitas vezes através de aliciadores e traficantes.
Este dinamismo fragilizou a posição da mulher na Amazônia e produziu uma cultura permissiva à exploração da mão de obra feminina no mercado de sexo e no âmbito doméstico.
É este contexto que contribui para a configuração do crime do tráfico de mulheres, do qual este artigo pretende expor uma de suas múltiplas facetas, apresentando alguns desses sujeitos do tráfico , mulheres amazônidas, cuja história pessoal e familiar revela uma realidade de violência, exploração, migração e trabalho precoce, todas características relacionadas tanto a problemas econômicos quanto a marcadores simbólicos de gênero, contextualmente situadas que determinam as trajetórias dessas mulheres.
Na pesquisa sobre tráfico de mulheres do Brasil e da República Dominicana para Suriname, conhecemos 18 mulheres brasileiras, amazônidas (entrevistadas ou através do contato com familiares). A intenção foi conhecer os sujeitos, em especial as mulheres vítimas ou envolvidas em situações de tráfico, percebendo-as não apenas como números frios, estimativas, prováveis testemunhas em algum processo.
Nossa pretensão, desde o início, foi mostrar os sujeitos, suas vidas concretas e o drama humano que os números, na maioria das vezes, escondem. A preocupação é também fugir da tendência à espetacularização da pobreza ou das experiências vivenciadas por estas mulheres, e buscar compreender pontos de vista e diferentes formas de como estas experiências são significadas. Todas jovens, entre 17 e 34 anos de idade. Oriundas de famílias pobres, com baixa escolaridade, solteiras ou que mantêm união com homens que vivem no exterior e lhes ajudam esporadicamente. Outras ainda mantêm uma relação instável, de idas e vindas, com homens brasileiros, sendo que nenhuma se diz casada.
A maioria delas é mãe e, também, são responsáveis pelo sustento da família confirmando a tendência de aumento da participação das mulheres como chefes de domicílios, cujo percentual no estado do Pará é de 31,28%. (IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios / PNAD. 2006). Estas mulheres vivem em diversos arranjos familiares: algumas vivem com seus filhos, outras vivem com diversos tipos de parentes (mãe, avó, tia, irmã, cunhados, conhecidos). Há também as que vivem sozinhas. Os filhos delas, em geral estão com outras pessoas: pais, avós, tios ou conhecidos.
Essa separação das famílias também é comum num contexto de escassez de recursos em que as pessoas buscam alternativas de sustento através de sucessivas separações, reagrupamentos, negociações diversas. Essa é um pouco a cara nova das novas famílias pobres na Amazônia. No mais, essas mulheres repetem as mesmas características da população pobre: baixa escolaridade, experiência de trabalho informal ou subemprego (bicos ou trabalho doméstico predominantemente), baixíssimos rendimentos. É muito comum elas sobreviverem da pouca e irregular ajuda dos pais de seus filhos, ajuda esta que não é obtida sem certo esforço ou sacrifício (elas precisam pedir várias vezes, ir atrás, etc. ).
Elas moram em bairros da periferia, bem afastados do centro, ou em pequenos municípios do interior do Estado. Suas casas estão em condições bastante precárias. Poucos cômodos em que se distribuem várias pessoas com relações de parentesco bem diversificadas. A vontade de mudar de vida, ter uma vida melhor é a marca comum.
Nessa outra Amazônia, tão real quanto sua exuberante floresta, as tramas que se tecem e tecem a vida dos seus sujeitos também são reais. Evidentemente, que estas mulheres não podem ser tomadas como representantes do povo da Amazônia em sua totalidade, mas certamente, são alguns deles e porque não, resultantes também do processo de “desenvolvimento” aqui empreendido. Não dizemos que são heroínas, nem vítimas ou vilãs, tampouco pretendemos tomá-las como representativas de todo um conjunto de mulheres, de forma que pensemos ser possível generalizar as situações relatadas. São sujeitos concretos, que se constroem nas redes de relações que vivenciam.
Desta forma, são sujeitos envoltos em uma multiplicidade de questões, com todas as limitações e contradições que a vida humana é capaz de revelar. Ao falar da vida dessas mulheres, impossível não falar das suas relações com outras mulheres e com os homens e daí a alusão ao gênero e da forma como essa categoria é atravessada por outras definidoras de poder, tais como classe, raça, nacionalidade e idade.
É impossível não pensar na sociedade moderna como marcada pela moral sexual cristã, com a dominação masculina e a submissão da mulher. No caso do tráfico de mulheres esta situação é levada às últimas consequências.
A literatura feminista ou sobre a condição da mulher é fértil em demonstrar o esforço da sociedade na produção da feminilidade submissa e obediente (ao homem, essencialmente). Logo, as primeiras características definidoras de uma identidade feminina fazem-se em relação, ou em contraposição, à identidade masculina. É como se a mulher aprendesse a se pensar a partir do homem ou por ele.
Como a água dos rios da Amazônia que sempre estão em movimento, correndo e penetrando na floresta e buscando seu caminho ao mar, os homens e mulheres da Amazônia, índios, quilombolas, garimpeiros, homens e mulheres urbanos parecem em constante migração. Expulsos das suas terras, fugindo da miséria e violência, em busca dos eldorados que a Amazônia promete conter.
A melhoria de vida está na promessa de um outro lugar, pois não há investimentos púbicos ou privados para encontrá-las no lugar onde mora. Neste vai e vem na Amazônia as fronteiras nacionais são principalmente políticas e pouco concretas, físicas, reais. Muitos povos e pessoas se movimentam entre os países da Amazônia como se fosse parte da mesma realidade de floresta, garimpos, violência, contradições e principalmente a afirmação da “não-cidadania”. É no vácuo deixado pela ausência de políticas sociais e econômicas que chegam até os amazônidas desconsiderados, as redes criminosas que organizam a exploração como se fosse uma resposta, propostas de “ajudar” as mulheres e suas famílias, aquelas às quais o investimento do Estado não chegou.
Para essas famílias e para sociedades inteiras, é sobre as vulnerabilidades e sobre seus sonhos de vida digna que as redes de exploração atuam. O ponto de partida é uma abordagem às mulheres “coincidentemente” num momento em que essa vulnerabilidade é mais evidente: perderam o emprego, sofreram ou estão sofrendo violência doméstica, tem filhos pequenos, foram abandonadas pelos companheiros.
Os aliciadores são pessoas da comunidade que estão próximas às mulheres, às vezes parentes, que oferecem a oportunidade de emprego no exterior, geralmente na prostituição, acenando com altos ganhos num curto prazo. Para outras a proposta é mais enganosa: trabalho de babá, garçonete, vendedora de lojas. São as propostas que elas não recebem em Belém, ou que não podem assumir pois precisam estar com seus filhos. O sonho de comprar uma casa, reformar a casa dos pais, dar as coisas para os filhos, ter roupas, comidas parece descortinar-se
O segundo sujeito que a rede de tráfico apresenta como parceiro das mulheres é justamente o dono dos clubes onde elas são mantidas em cárcere privado e exploradas ou alguns de seus amigos. De início, ele assume a postura de amigos, que trata bem, algumas são até recebidas com flores, se apresenta como a pessoa que quer que ela ganhe rapidamente seu dinheiro e que resolve os conflitos entre as mulheres no clube. Até o fato de não pagar em dinheiro para as mulheres, mas somente anotar num caderno seus ganhos e despesas (explicitamente manipuladas com multas arbitrárias) é apresentada como se fosse um cuidado e investimento para o futuro.
A rotina nos clubes é nociva: horário rígido para fazer salão e atender aos homens, com obrigatoriedade de cumpri-lo mesmo quando doentes ou menstruadas, neste caso são obrigadas a usar esponjas na vagina para conter o fluxo, não controle dos seus ganhos que é feito pelo dono do clube pelo qual são sucessivamente lesadas, cobranças extorsivas pelo valor das passagens aéreas, habitação, transporte e roupas que é tudo controlado pelo clube. Há ainda controle médico obrigatório e quinzenal, por um serviço público ou privado, porém ambos pagos pelas próprias mulheres.
Este controle é justificado como cuidado e preocupação com o bem estar delas, ainda que, em caso de doença as mesmas precisam pagar para receber tratamento, são multadas por não poder trabalhar e podem ser expulsas do clube e do país sem direito a nada. Os resultados de exames que atestam doenças graves como AIDS, por exemplo, são repassados para os donos dos clubes e não para as mulheres.
As tentativas de denúncias resultaram desestimuladas pela morosidade, falta de sensibilidade com a situação das mulheres, tratamento moralista e preconceituoso com que foram tratadas. Os processos que chegam a ser instaurados não se concluem, os acusados permanecem impunes e as mulheres descrentes de que vale a pena denunciar. Algumas não acham que foram vítimas de um crime, logo não têm o que denunciar.
Muitas outras temem por suas vidas e de suas famílias, já que parte da rede está bem próxima, é vizinha. A rede de assistência à mulher não chega a incluí-las. A única mulher que foi “atendida” ficou num albergue por três meses para garantir que ela denunciasse os traficantes. Há aquelas que voltam grávidas e, segundo elas mesmas referem, com uma situação bem pior do que a anterior. Os elementos de reprodução da situação de violência se configuram: nenhuma condição de emprego, estudo, inserção social, mais um filho pra criar, novas vulnerabilidades.
5. MEDIDAS PREVENTIVAS E REPRESSIVAS
O governo deve trata as vítimas do tráfico de mulheres a partir de uma perspectiva de direitos humanos e trabalhistas, não como criminosas ou imigrantes ilegais. As medidas antitráfico não devem discriminar, criminalizar, estigmatizar ou isolar as mulheres, pois isso as torna mais vulneráveis a outras violações.
“As mulheres, como vítimas do tráfico, devem receber garantias de viver livres de perseguição ou do assédio de pessoas que ocupam posição de autoridade. O governo deve promover a adequação de sua legislação nacional aos instrumentos internacionais relativos ao tráfico de pessoas e implementar programas de ação para o enfrentamento do mesmo, que incluem medidas preventiva, repressivas e assistências. Devendo ainda, reforçar e capacitar as estruturas locais existentes no sentido de dar-lhes condições para reduzir a exploração sexual e o tráfico de pessoas”. (Jesus Damásio Saraiva, 2003).
O governo deve aprofundar o estudo e a compreensão sobre a prostituição e o trabalho escravo de mulheres e meninas existentes nas diferentes regiões do país, para permitir o planejamento de estratégias adequadas para a proteção das vítimas, a investigação dos crimes e a punição dos responsáveis.
“O governo deve assegurar que o processo não ocorra em detrimento ou prejudique os direitos da pessoa traficada e que seja consistente com a segurança psíquica e física da pessoa traficada e das testemunhas. No mínimo, o governo assegurar: que o ônus da prova recaia sobre a Promotoria e não sobra a vítima: que a Promotoria chame a depor ou consulte ao menos um especialista sobre os efeitos do tráfico na vítima; que os métodos de investigação, detecção, coleta e interpretação de provas minimizem a intrusão, não degradem a vítima nem reflitam uma visão tendenciosa do gênero. O Governo deve informar à pessoa traficada seu papel, o escopo, duração e progresso do julgamento e a disposição de seu caso”.
O Governo deve assegurar que, quando uma pessoa dor acusada de algum crime, durante o processo em que figure como vítima do tráfico, tenha oportunidade de alegar dificuldade ou coerção e na mesma prova deve ser considerada como fator de mitigação da pena, caso seja condenada. Em casos envolvendo acusação de ter cometido crime contra traficante, inclusive homicídio, a vítima deve ter a oportunidade de alegar autodefesa e apresentar prova de ter sido traficada, e essa prova deve ser considerada como fator de mitigação da pena, caso seja condenada.
Para obter condenações de traficantes, o Governo deve implementar políticas e leis que permitam às vítimas a confiança necessária no sistema legal para que procurem ajuda, denunciem e, caso queria, prestem testemunho em juízo. Deve ainda, tomar as medidas necessárias para que as pessoas traficadas tenham o direito de mover ação criminal contra os traficantes e outras pessoas que tenham abusado delas. No caso do traficante que tem imunidade diplomática, os Estados devem suspendê-las ou expulsar o diplomata.
“O Governo deve realizar parcerias com OSCs para a criação de abrigos ou para a ampliação dos existentes, de forma a aprimorar o atendimento às vítimas da exploração sexual e do tráfico de pessoas. O Governo deve providenciar assistência para a reintegração e programas de suporte para as vítimas, de maneira a minimizar os problemas enfrentados na reintegração na comunidade”.
O desrespeito ao ser humano aparece como causa e consequência do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual. A negação, logo nos primeiros anos de vida, de direitos básicos como alimentação, saúde e educação impossibilita a efetivação da dignidade da pessoa humana positivada como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
A possibilidade de um casamento com um estrangeiro dotado de um perfil físico e financeiro de príncipe encantado das histórias infantis, a falta de boas oportunidades de trabalho em suas comunidades de origem, a necessidade de criar os filhos sem o auxílio dos pais, ou a esperança juntar algum dinheiro para a compra de uma moradia para a mãe, por exemplo, impulsiona milhões de pessoas a atravessar fronteiras com destino à “coisificação”, pagando o preço da liberdade e, muitas vezes, da vida em troca das promessas de realização de sonhos feitas pelos aliciadores.
O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas apesar de reconhecer a possibilidade de homens figurarem como vítimas desse crime refere-se, especialmente, à mulheres e crianças. Isso acontece devido ao paradoxo antigo e ainda atual de inferiorização de gênero e geração, obstáculo que dificulta a consolidação cotidiana destas pessoas como verdadeiros sujeitos de direitos e as torna vulneráveis aos diversos tipos de exploração dentro e fora do país.
Embora remonte aos anos da colonização brasileira, a mercancia de pessoas no país também é latente na contemporaneidade, agora, com contornos mais sofisticados e que desafiam a política de desenvolvimento interno e a cooperação internacional entre os diversos Estados do globo. Além da complexibilidade do crime organizado mostra-se necessário também desmembrar os motivos que impedem a gradativa erradicação do tráfico de pessoas, apesar do reconhecimento da gravidade do problema.
O tráfico de mulheres para fins de exploração sexual na contemporaneidade tornou-se um assunto extremamente complexo, pois se mostra como um crime de prática sigilosa e que afeta diretamente aos direitos humanos. Embora o assunto seja muito sério e grave, ainda é bastante restrito no que se refere ao debate acerca desta problemática. Constitui-se, assim, um grande desafio não só para os governos estaduais e municipais como para a sociedade em geral. Esse desafio assume proporções ainda maiores quando se trata de tornar concreto o direito e atendimento às vítimas da exploração sexual comercial e do tráfico para esses fins, especialmente aquelas ameaçadas pelas redes criminosas que atuam nesta área.
Dentro dessa perspectiva optou-se por trabalhar um tema tão complexo, para saber as reais causas desse comércio do tráfico de pessoas, podendo assim contribuir para o estudo e aprimoramento dos meios de prevenção do tráfico, que teve suas dificuldades ao decorrer da elaboração do projeto, mas foi de grande relevância na construção de novos conhecimentos.
Portanto, há a necessidade de elaboração de um Plano Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas que contenha prioridades, ações, metas e atividades para combater o crime de acordo com as características do delito no Amazonas, levando em consideração que as mulheres vítimas de exploração sexual comercial, diferentemente de outras regiões do Brasil, já trabalham no mercado do sexo dentro das fronteiras do país e são captadas, principalmente, através de pessoas que utilizam a aparelhagem turística.
Essa descentralização legislativa deverá significar não apenas o aumento no número de documentos normativos, mas um maior comprometimento orçamentário estadual, fortalecimento das articulações locais e ampliação nos debates e ações efetivadores de direitos num espaço territorial ainda dotado de discursos que vitimizam e criminalizam, majoritariamente, mulheres brasileiras que procuram o tão sonhado “lugar ao sol”.
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PESTRAF- Pesquisa Sobre Tráfico De Mulheres, Crianças E Adolescentes Para Fins De Exploração Sexual Comercial; Primeira Edição - Dezembro/2002.
Graduanda do curso de Direito pelo Centro Universitário de Manaus- FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANJOS, MICHELE CRUZ DOS. Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual no Estado do Amazonas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57579/trfico-de-mulheres-para-fins-de-explorao-sexual-no-estado-do-amazonas. Acesso em: 22 nov 2024.
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