RESUMO: O presente artigo científico, tem por objetivo abordar um tema de grande relevância jurídica e social, realizando uma análise com relação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito à Inviolabilidade sexual inerente a todo indivíduo, e parte integrante do princípio supracitado, assim como, conceituar e entender o que são as cifras negras na prática de crimes sexuais, e quais os motivos que levam a essa incidência, além de discorrer acerca dos principais crimes contra a dignidade sexual previstos em lei, que apresenta rol dos crimes com maior reprovabilidade pelo direito penal e pela sociedade em geral. E apesar disso, possui baixa comunicação às autoridades, o que gera a chamadas cifras negras da criminalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da Pessoa Humana. Inviolabilidade Sexual. Cifra Negra. Código Penal.
ABSTRACT: This scientific article aims to address a topic of great legal and social relevance, carrying out an analysis in relation to the constitutional principle of human dignity and the right to sexual inviolability inherent to every individual, and an integral part of the aforementioned principle, thus how to conceptualize and understand what black figures are in the practice of sexual crimes, and what are the reasons that lead to this incidence, in addition to discussing the main crimes against sexual dignity provided for by law, which presents a list of crimes with the greatest reprobability criminal law and society in general. And despite that, it has low communication to the authorities, which generates the so-called black crime figures.
KEYWORDS: Dignity of human person. Sexual Inviolability. Black Cipher. Criminal Code.
INTRODUÇÃO
O estudo é voltado para uma análise de artigos constitucionais e penais que asseguram aos cidadãos direitos nos quais são violados frequentemente, por criminosos que não respeitam a vida humana, exige-se a necessidade de novas abordagens com intuito de coibir a incidência de Cifra Negra na prática de crimes sexuais.
A escolha do tema está relacionada a atual situação em que se encontra a sociedade, diversas pessoas vítimas de crimes sexuais, possuem diversos traumas advindas de um delito geralmente praticado na adolescência ou infância, um impacto psicológico que torna a vítima uma pessoa instável. A falta de apoio do Estado bem como da sociedade conta como um desestímulo para assim a vítima manter-se em silêncio.
O estudo com relação ao tema abrange uma gama de delitos caracterizados pelo não conhecimento das autoridades policiais. Através de dados estatísticos fica evidenciado apenas os crimes computados oficialmente, porém, a uma diferença quantitativa pois a criminalidade oculta não consta nas estatísticas, são infrações que ocorrem de fato e não são informadas, esse acontecimento é chamado Cifra Negra.
No presente estudo tem-se por objetivo conceituar a Cifra Negra dentro da prática de crime sexual, assim como verificar o tema com embasamento doutrinário de forma a buscar o entendimento e base para esse artigo.
A análise da Cifra Negra será voltada a prática de crime sexual, a fim de o esclarecer o processo no qual leva a vítima a não denunciar seu agressor, apresentando formas de desmistificação por meio de incentivos que possam estimular a vítima a reportar o crime à autoridade.
1. Dignidade da pessoa humana: Inviolabilidade Sexual
O princípio da dignidade da pessoa humana é sem dúvidas um dos pilares mais importante da Constituição Federal, assim como, base para diversos tratados internacionais. A partir desse princípio surge diversos direitos inerentes a todo cidadão, independentemente de cor, raça ou religião.
Levando em conta o artigo 1°, III, da Constituição Federal, o qual discorre a respeito da dignidade da pessoa humana deve ser entendido como garantia das necessidades vitais do indivíduo, fundamento do estado democrático de direito e integra de forma geral a dignidade sexual. Todo indivíduo, portanto, possui direito à inviolabilidade de seu corpo, contando com proteção constitucional de forma abrangente.
É importante que seja verificada a amplitude quanto ao tema dignidade da pessoa humana, pois há diversos direitos que integram essa esfera, a liberdade sexual e a sua Inviolabilidade, são objetos integrantes do princípio da dignidade da pessoa humana. O Estado possui a obrigação de proteger o bem jurídico tutelado, assim como criar meios e políticas de assistência a vítimas de crimes sexuais.
"A administração pública se encontra vinculada ao princípio da dignidade da pessoa humana, onde está possui o dever de protegê-la e respeitá-la, ora, isso fica é facilmente visto quando o Estado tem por obrigação abster-se de interferências da vida pessoal do cidadão que sejam contrárias à dignidade pessoal, mas que tem o dever de proteger a dignidade pessoal de todos os indivíduos de ingerências ou agressões oriundas de terceiros e do próprio Estado”. (SARLET 2000, p.89)
Nesse diapasão, fica evidenciado que o Estado deve agir como garantidor de condições mínimas para que, assim, os indivíduos tenham uma vida digna. Desse modo, o direito à inviolabilidade sexual nasce com o indivíduo, e se conserva com o mesmo durante toda a sua vida, não sendo aceito qualquer tipo de violação. A Constituição Federal dispõe no capítulo VII “Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso artigo 226, § 8º: O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integra, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Ao ser citado pelo legislador todo tipo de violência está inclusa a violência sexual. O artigo subsequente é voltado especialmente ao vulnerável: “artigo 227, § 4º: A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.
Sendo assim ocorre a violação do princípio da dignidade da pessoa humana sempre que o indivíduo é rebaixado a mero objeto, ou seja, quando é tratado como coisa, quando ocorre a descaracterização como sujeito de direitos, onde não há respeito pela vida e pela integridade moral e física, não havendo assim, condições mínimas para uma vida digna.
Tendo como base a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade sexual é um direito no qual toda mulher detém, seja ela branca, negra, jovem ou idosa, não importando suas vestimentas e o local em que se encontra ou as condições em que se encontra. Sendo assim, a inviolabilidade sexual está ligada a dignidade da pessoa humana sendo um dos direitos amparados por esse princípio.
2. Crimes contra a liberdade sexual
Entende-se por liberdade sexual, um direito inerente a todo indivíduo, sendo um elemento que integra a natureza humana. Sem a liberdade sexual, o indivíduo não se realiza, pois não possui opção livre da própria sexualidade, não podendo gozar desse direito.
“A tutela da dignidade sexual, está diretamente ligada à liberdade de autodeterminação sexual da vítima, a sua preservação no aspecto psicológico, moral e físico de forma a manter integra sua personalidade”. (CARPEZ, 2015, p. 21). Sendo assim, integrante do princípio da dignidade da pessoa humana, pois ao ser ferida descaracteriza a personalidade da vítima.
No Código Penal temos a tipificação de diversos crimes contra a liberdade sexual nos artigos 213 a 234, sendo listado diversas condutas reprováveis penalmente lesivas à dignidade sexual, tendo por objeto jurídico a proteção da sexualidade, com base na liberdade que o indivíduo tem de dispor do próprio corpo.
2.1 Estupro
O crime de estupro é dos mais antigos e conhecidos, além de ser bastante frequente em todas as civilizações. Esse crime consiste na imposição de ameaça ou violência para a prática de ato sexual. O objeto jurídico desse crime é a liberdade sexual, tendo como base o direito que o indivíduo tem de dispor do próprio corpo. Está previsto no Código Penal artigo 213 – “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos”.
É de suma importância destacar que o crime de estupro é configurado como crime comum, a partir da lei 12.015/2009, podendo assim, o sujeito ativo do delito ser homem ou mulher, e o sujeito passivo pode ser também homem ou mulher, entretanto, em se tratando de vítima vulnerável será caracterizado o crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do Código Penal.
Para existir a conduta típica é necessário que todos os elementos do tipo penal estejam presentes assim haverá ocorrência do crime previsto no artigo 213 do Código Penal, sendo assim, constranger alguém com a finalidade de: ter conjunção carnal; praticar outro ato libidinoso; permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Para que seja configurado o crime de estupro precisa haver o não consentimento por parte da vítima, ou seja, precisa estar demonstrado que não há consenso na conjunção carnal durante o ato delituoso. Conforme orienta CARPEZ (2015, p. 29), é ínsito ao crime de estupro que haja o dissenso da vítima, sendo necessário que ela não queira realizar a conjunção carnal ou ato libidinoso diverso, cedendo em face da violência empregada ou do mal anunciado.
No crime de estupro, tem-se uma alta complexidade, por se tratar de crime praticado em geral sem a presença de testemunhas, sendo a palavra da vítima o principal meio de prova a ser empregado, e em muitos casos a palavra é o único elemento comprobatório. Abrindo uma vasta discursão com relação a palavra da vítima e a presunção de inocência do acusado.
O Ministério da Saúde no ano de 2006, lançou o Sistema de Vigilância e Violência (VIVA), que tem por objetivo captar dados de violência, transmitir e disseminar dados que são gerados diariamente. A partir de então, ficou evidenciado um número significativo de violência sexual nos quais as vítimas buscaram assistência no sistema de saúde.
Os danos causados às vítimas não são apenas físicos, a vítima passa por um trauma irreversível no qual carregará sequelas por toda sua vida. Nesse mesmo sentido o entendimento doutrinário:
"As vítimas de crimes sexuais em particular, o de estupro são as mais intensamente vitimizadas. O estupro é um dos fatos criminosos mais traumatizantes, gera de forma imediata os sintomas de transtorno de estresse pós-traumático e, com frequência, sequelas psicológicas a longo prazo. Segundo conhecidas investigações, o estupro ocasiona reações emocionais severas, especialmente medo, depressão e raiva, com a conseguinte mudança dos estilos de vida da vítima. Esta padece um incremento significativo dos níveis de obsessão compulsão, ansiedade, ideação, paranoia etc., que parecem correlacionar com a entidade da força ou violência empregada pelo agressor. Um percentual notório das vítimas desenvolve transtornos ou transformações permanentes de personalidade" (GOMES; GARCÍA, 2002, p.91).
Como visto, existe uma vasta depreciação na vida da pessoa que sofre o estupro, sendo os danos dificilmente reparáveis. Ao passo que, infere em todas as suas relações sociais, nas quais muitas vezes prefere o silêncio por medo do julgamento da sociedade. Por não noticiar o delito à autoridade, esse passa a compor as chamadas Cifras Negras, de modo que, o agressor não irá responder penalmente pela sua infração penal, podendo continuar a fazer outras vítimas.
É sabido que, o crime de estupro em qualquer de suas formas é caracterizado por ser crime hediondo, nas conformidades do artigo 1‘, V, da lei 8.072/90. Os crimes hediondos são aqueles que causam repulsa, por sua natureza, é inafiançável e insuscetível de graça. O infrator do tipo penal (estupro) será punido severamente, por se tratar de crime hediondo.
2.2 Assédio sexual
O crime de assédio sexual está previsto no artigo 216-A, do Código Penal: “Constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Pena: detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Como bem especifica o artigo supracitado, o assédio sexual é uma espécie de coerção com natureza sexual onde uma pessoa em posição hierárquica superior em relação a outra (subordinado).
Segundo o entendimento de Rogério Grecco: “essa ameaça deverá estar sempre ligada ao exercício do emprego, cargo ou função, seja rebaixando a vítima de posto, colocando-a em lugar pior de trabalho, enfim, deverá sempre estar vinculada a essa relação hierárquica ou de ascendência, como determina a redação legal” (GRECO, 2012, p. 520). Visto isso, quando o fato ocorre fora do ambiente de trabalho, onde não há vinculo hierárquico ou ascendência não há de se falar em crime de assédio sexual.
2.3 Estupro de vulnerável
O crime de estupro de vulnerável é de fato um dos que causa maior revolta na população por se tratar de pessoa indefesa a qual não possui capacidade de responder por si, está previsto no artigo 217-A do Código Penal – “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Pena: Reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”.
Para Fernando Capez a vulnerabilidade é caracterizada como: vulnerável é qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo. A lei não se refere aqui à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, mas ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica etc[1].
Segundo o entendimento de Mirabete Fabrinni “a dignidade sexual, é o sadio desenvolvimento sexual e a liberdade física e psíquica em matéria sexual, de pessoas que a lei considera mais vulneráveis ao abuso sexual”. (FABRINNI, p. 72, 2011).
Esse crime possui características diferente do estupro, pois aqui, não será analisado o quesito do consentimento, por se tratar de vulnerável, quando não possui discernimento para a prática do ato, não podendo oferecer resistência, seja pela idade, enfermidade, problemas mentais e aquele que por outra causa não pode oferecer resistência, por exemplo, em casos de embriaguez.
A legislação protege o vulnerável, pois, o mesmo não tem capacidade para decidir sobre várias responsabilidades da vida adulta, muito menos sexual, a qual pode trazer graves riscos à saúde e prejuízos psicológicos. Aduz Rogério Greco (2014, p. 746) “o estupro de vulnerável, atingindo a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade do ser humano, presumivelmente incapaz de consentir para o ato, como também seu desenvolvimento mental”.
Nesse delito penal tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos ativos a cometer o crime de estupro de vulnerável. Essa infração, não ocorre apenas com a consumação do feito, portanto, qualquer ato libidinoso praticado contra vulnerável caracterizará violação, não somente a conjunção carnal. Conforme determina a Súmula 593-STJ: “O crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”.
O crime de estupro de vulnerável foi inserido no ordenamento jurídico a partir da lei 12.015 em 07 de agosto de 2015, trazendo inovação ao Código Penal com relação aos crimes sexuais.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apresentou estatísticas nas quais houve queda de 14,1% dos registros de estupro e estupro de vulnerável durante o ano de 2020. [2] De acordo com o Anuário a maioria das vítimas de violência sexual são crianças na faixa de 10 a 13 anos (28,9%), seguidos de crianças de 5 a 9 anos (20,5%), adolescentes de 14 a 17 anos (15%) e crianças de 0 a 4 anos (11,3%). O Anuário também evidência que 85,2% dos autores eram conhecidos das vítimas, parentes e pessoas próximas que tem livre acesso às crianças. Sendo que apenas 14,8% dos estupros no Brasil registrados nesse período de autoria desconhecida.
Desse modo fica evidenciado que, a maior parte dos crimes de estupro de vulnerável ocorrem dentro dos lares por pessoas nas quais teriam o dever de proteger. Sendo assim, torna-se dificultoso ou até mesmo impossível o conhecimento por parte das autoridades policiais com relação ao delito.
3. Cifra Negra nos crimes sexuais
A cifra negra é sinônimo da cifra oculta, também conhecida como (dark number) da criminalidade, o termo “cifra negra” foi criado pelo sociólogo Edwin H. Sutherland, sendo o resultado da diferença entre os crimes conhecidos e os ocultos, que trata a respeito dos delitos que não integram as estatísticas divulgadas pelo governo sobre crimes em determinada localidade, por não chegarem ao conhecimento da autoridade policial, ou por não serem seguidas as etapas necessárias para que o autor seja punido penalmente pela sua infração.
A cifra negra inserida no contexto dos crimes sexuais, apresenta diversos fatores pelos quais ocorrem sua incidência. Vejamos particularmente sobre o crime de estupro, a vítima desse delito passa por um processo no qual a leva a sentir vergonha do ato e de contar para outras pessoas com medo do julgamento, e muita das vezes sente-se culpada pelo ocorrido, por acreditar ter provocado o agressor seja com suas vestimentas ou comportamento, além disso, outro fator é desacreditar no poder de polícia, a vítima presume que registrar o fato não irá resultar em algo significativo.
Rogério Greco resumiu muito bem os efeitos dessa violência:
A conduta de violentar uma mulher, forçando-a ao coito contra sua vontade, não somente a inferioriza, como também a afeta psicologicamente, levando-a, muitas vezes, ao suicídio. A sociedade, a seu turno, tomando conhecimento do estupro, passa a estigmatizar a vítima, tratando-a diferentemente, como se estivesse suja, contaminada com o sêmen do estuprador. A conjugação de todos esses fatores faz com que a vítima, mesmo depois de violentada, não comunique o fato à autoridade policial, fazendo parte, assim, daquilo que se denomina cifra negra.
A "cifra negra" na qual o autor se refere trata da diferença que existe nos dados oficiais, visto que, existe grande parcela de delitos sexuais que não são comunicados. Essa incidência se dá em parte, a sociedade, pois a população busca julgar primeiro a vítima, antes mesmo do estuprador, na tentativa de justificar o crime.
De acordo com Juarez Cirino dos Santos, a violência institucional é aquela produzida direta ou indiretamente por instituições políticas que compõem o Estado e garantem a “disciplina das relações sociais” dando forma e reproduzindo o pensamento preponderante nas classes dominantes sobre as classes dominadas.
Um dos fatores que diminui a comunicação dos crimes sexuais é a violência institucional que as vítimas sofrem dentro dos órgãos públicos, onde deveriam ser acolhidas. De acordo com Gabriela Manssur, promotora de justiça do estado de São Paulo, muitas vezes se percebe a tentativa de desqualificar a vítima nas audiências, justificar a violência sofrida e culpar a mulher, para a promotora a violência institucional ocorre quando a mulher procura a Justiça e enfrenta obstáculos – seja por omissão, ação, imperícia ou demora e sofre lesão de seus direitos[3].
Nos casos de assédio sexual, por se tratar de um agressor com nível hierárquico superior ou subordinado, a vítima passa a sentir-se intimidada, desconfortável e ameaçada, além do medo de ocasionar problemas no seu ambiente de trabalho.
Nos crimes de estupro de vulnerável a dificuldade para chegar as autoridades é maior ainda, por se tratar de pessoa incapaz, aquele que necessita de assistência de um terceiro, por ser menor de 14 anos, ou pessoa que possui alguma enfermidade ou deficiência mental aquele que não tem discernimento para o ato sexual, ou a pessoa que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência, seja por estar em coma por exemplo, ou sob o efeito de alguma substância.
Guilherme de Souza Nucci explica que:
“ (…) A completa incapacidade torna absoluta a vulnerabilidade; a pouca, mas existente, capacidade de resistir faz nascer a relativa vulnerabilidade. Em todas as situações descritas acerca da vulnerabilidade relativa, pode-se desclassificar a infração penal do artigo 217-A para a figura do art. 215. E, conforme o caso, considerar a conduta atípica. (…) ” (Código Penal Comentado. Ed. Forense. 15 ed. Rio de Janeiro. 2015. p. 1106)
Quando se trata de vítima incapaz em razão de enfermidade ou deficiência mental é necessário que a mesma não tenha plena compreensão com relação ao ato sexual praticado. Esse quesito é avaliado individualmente de acordo com o caso concreto, verificando a questão “discernimento” caso a caso. Já nas ocorrências de crime sexual contra menores de 14 anos o Código Penal, pune todo e qualquer ato com conotação sexual, independentemente do consenso da vítima.
3.1 Causas de incidência
Um dos motivos que leva a vítima a não comunicar o crime de estupro de vulnerável quando é menor de idade é que na maioria dos casos o agressor é uma pessoa da família ou alguém próximo a ela, assim, a vítima fica confusa e não sabe em quem confiar, surgindo sentimentos como de vergonha, medo e culpa, além de não entender o ato sexual, a tendência é manter-se em silêncio, o que faz com que o crime não chegue as autoridades, prejudicando a identificação do agressor, caracterizando assim, a cifra negra.
Nesse sentido, estabelecem Gomes e García:
"A passividade da vítima, que tem em suas mãos a movimentação do sistema punitivo, significa a perigosa impunidade de uma massa de fatos criminais muito importante. Isso incide, como é natural, no processo de motivação do infrator potencial, diminuindo a seriedade das cominações legais e degradando o desejável impacto dissuasório ou contra motivador das leis penais. (GOMES; GARCÍA, 2002, p.115).
O assunto é de fato alarmante pois demonstra o descrédito da sociedade para com o poder público. A não comunicação do delito é um incentivo para que o infrator continue a cometer novos crimes sexuais, pois, ocasiona a sensação de impunidade.
Em se tratando de pessoa embriagada, para que seja caracterizada a vulnerabilidade é necessário que seja comprovada a embriaguez total da vítima, gerando a impossibilidade de resistência durante o ato sexual. Nesses casos, a vítima tende a não comunicar o crime por medo de represálias ou do julgamento da sociedade e até mesmo da sua família, podendo ser pelo fato de estar em algum evento noturno, como por exemplo, baile funk, boates. Esse processo gera culpa na vítima, que passa a se retrair e tende a não comunicar o crime.
3.2 Meios para inibir a ocorrência
Para que pessoas vítimas de crimes sexuais comuniquem os delitos a autoridade competente é necessário que sejam incentivadas que o façam. O incentivo pode vir através de uma conversa com alguém próximo e de confiança ou de um profissional qualificado, na área da psicologia, é importante que as vítimas busquem não somente auxílio médico, mas também psicológico.
O Estado como garantidor dos direitos individuais e coletivos deve oferecer assistência e suporte as vítimas de violência sexual, o SUS oferece apoio médico e também psicológico, basta ter um cartão SUS, e procurar a unidade de saúde mais próxima e fazer o pedido. Através desse processo, a vítima passar a ser encorajada a comunicar o crime.
Se tratando de vítima menor de idade, existe uma maior dificuldade com relação a assistência supracitada, nesses casos é necessário contar com apoio docente, as escolas são um dos ambientes nos quais a criança frequenta e através desta passa a adquirir conhecimento, é importante que seja ensinado não sobre orientação sexual, mas que se fale a respeito de educação sexual, incentivando sempre as crianças a falarem sobre possíveis abusos sofridos. É necessário que seja construída uma relação de confiança nesse meio, para que a vítima possa vir a falar, quebrando o silêncio o crime poderá ser comunicado e as providências tomadas.
Seria de extrema importância contar com apoio psicológico nas escolas públicas, assim como, assistência social para verificar possíveis violações de direitos, e acolher aqueles que necessitam, para que as crianças e adolescentes possam vir a ter um auxílio maior, afim de proporcionar bem-estar mental, e identificar possíveis traumas.
CONCLUSÃO
O presente artigo partiu de uma análise de cifra negra na prática de crimes sexuais, observando o que está previsto na Constituição Federal com relação a dignidade da pessoa humana e a dignidade sexual, e também o atual cenário em que vivemos onde existe um grande número de crimes não informados que não fazem parte das estatísticas divulgadas pelos órgãos de segurança pública.
O tema possui grande relevância acadêmica e social, por ser algo presente na vida de muitas pessoas, e gerar grandes danos físicos e psicológicos, foi evidenciado diversos ensinamentos doutrinários o que evidencia sua importância.
Pretendeu-se com esse trabalho conceituar “cifra negra”, que consiste nos crimes não comunicados as autoridades policiais, não fazendo parte das estatísticas criminais oficiais, a cifra negra é a parte desconhecida dos crimes que ocorrem na sociedade. As principais causas dessa incidência nos crimes sexuais em casos de vítimas de estupro é o medo do julgamento social, assim como o sentimento de culpa e vergonha, que é predominante em grande parte dos casos.
Nos crimes de estupro de vulnerável menor de idade, a comunicação as autoridades tomam uma forma mais complexa, pois, os delitos ocorrem geralmente nos lares, e o agressor é pessoa próxima a ela, gerando medo na vítima e incertezas quanto em quem confiar, já que o crime é realizado por alguém que deveria protegê-la.
Ademais, para que essa incidência seja contida é necessário que haja assistência médica e também psicológica para as vítimas desse crime, assim como, incentivos para que o crime seja informado a autoridade competente. O Estado como garantidor constitucional dos direitos fundamentais deve oferecer maior assistência a fim de minimizar e prevenir a ocorrência do fato. Nas escolas públicas a educação pode proporcionar as crianças o conhecimento necessário para não se calarem por medo ou vergonha, por meio do oferecimento de auxílio psicológico, assim como assistência social e visitas aos lares de possíveis vítimas, a fim de verificar o ambiente em que vive.
Contudo, a contribuição efetiva deste trabalho académico está em possibilitar uma análise pouco vista pela sociedade, porém, presente na vida de muitas pessoas. Os elementos supracitados foram possíveis através do embasamento doutrinário, assim como estatísticas de crimes sexuais do Anuário de Segurança Pública.
REFERÊNCIAS
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 17ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
SANTOS, Juarez Cirino. A Criminologia radical. Curitiba: IPCP: Lumen Juris, 2006.
GOMES, Luiz Flávio e GARCÍA, Pablos de Molina, Antonio. Criminologia, 4ª. ed. rev, at. e amp.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
Dignidade da Pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
Dizer o direito, disponível em: https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/listar?categoria=11&subcategoria=108&assunto=271 Acesso: 05/11/2021.
Jus Navigandi, o crime de estupro de vulnerável e as alterações promovidas pelo estatuto da pessoa com deficiência em: https://jus-com-br.cdn.ampproject.org/v/s/jus.com.br/amp/artigos/67057/2?amp_js_v=a6&_gsa=1&usqp=mq331AQKKAFQArABIIACAw%3D%3D#aoh=16363835046693&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&_tf=Fonte%3A%20%251%24s&share=https%3A%2F%2Fjus.com.br%2Fartigos%2F67057%2Fo-crime-de-estupro-de-vulneravel-e-as-alteracoes-promovidas-pelo-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia Acesso: 08/11/2021.
SANTOS, Juarez Cirino. Raízes do Crime: um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 95.
NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado. Ed. Forense. 15 ed. Rio de Janeiro. 2015. p. 1106
[1] MIGALHAS, Fernando Capez - Estupro de vulnerável e a contemplação lasciva: https://www-migalhas-com-br.cdn.ampproject.org/v/s/www.migalhas.com.br/amp/depeso/253038/estupro-de-vulneravel-e-a-contemplacao-lasciva?amp_js_v=a6&_gsa=1&usqp=mq331AQKKAFQArABIIACAw%3D%3D#aoh=16367677741586&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&_tf=Fonte%3A%20%251%24s&share=https%3A%2F%2Fwww.migalhas.com.br%2Fdepeso%2F253038%2Festupro-de-vulneravel-e-a-contemplacao-lasciva
[2] Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 – Fórum Brasileiro de Segurança
[3] Câmara dos deputados, https://www.camara.leg.br/noticias/711639-especialistas-apontam-caminhos-para-combater-violencia-institucional-contra-mulheres/Fontee: Agência Câmara de Notícias
Bacharelanda do curso de Direito pela Faculdade Metropolitana de Manaus - FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, BEATRIZ SILVA. Análise de cifra negra na prática de crimes sexuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2021, 06:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57640/anlise-de-cifra-negra-na-prtica-de-crimes-sexuais. Acesso em: 22 nov 2024.
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