RESUMO: O emprego de simulacro usado para praticar delitos, objeto do presente estudo, sempre provocou muito alvoroço entre os juristas brasileiros. Sendo assim, surgiu a necessidade de então aprofundar-se sobre a abordagem do tema “Caracterização de efeito majorante ao crime de roubo com a utilização de simulacro de arma de fogo”. Este estudo tem por finalidade ponderar as posições doutrinárias acerca do tema, assim como argumentos antagônicos e partidários a aplicação da majorante, quando o delito fosse perpetrado com simulacro. Ao longo do trabalho foi exposto as diferentes visões das correntes de pensamento dos juristas que apoiam e defendem o majorante e os que não concordam, bem como a análise do cancelamento da Súmula 174, o que em nosso entendimento é o marco crucial para a celeuma em torno do majorante cometido com o uso de simulacro. Por fim, concluímos que há um equívoco epistêmico com relação ao entendimento do julgador na questão da caracterização do majorante ao crime praticado com a utilização de simulacro de arma de fogo, e que é preciso que seja realizada uma análise profunda, séria, critica e técnica sobre a temática abordada.
Palavras-chave: Delito; Arma de Brinquedo; Aumento da Pena; Tipificação.
ABSTRACT: The use of simulacrum used to commit crimes, the object of this study, has always caused a great stir among Brazilian jurists. Therefore, the need arose to go deeper into the approach to the theme "Characterization of the greater effect of the crime of robbery with the use of a firearm simulacrum". This study aims to consider the doctrinal positions on the subject, as well as antagonistic arguments and those in favor of the application of the major, when the crime was perpetrated with a simulacrum. Throughout the work, the different views of the currents of thought of jurists who support and defend the major and those who do not agree were exposed, as well as the analysis of the cancellation of Precedent 174, which in our understanding is the crucial milestone for the uproar in around the majorant committed with the use of simulacrum. Finally, we conclude that there is an epistemic misunderstanding regarding the judge's understanding of the issue of characterization of the major to the crime committed with the use of firearm simulacrum, and that a deep, serious, critical and technical analysis needs to be carried out. on the topic addressed.
Keywords: Offense; Toy gun; Increased Penalty; Typing.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DEFINIÇÃO DE ROUBO. 2. CONCEITO DE ARMA. 3. QUALIFICAÇÃO E MAJORAÇÃO NO CRIME DE ROUBO. 4. A CRIMINALIZAÇÃO DO SIMULACRO: LEI 9.437/97. 5. INOVAÇÕES DA LEI nº 10.826/2003 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO). 6. SÚMULA174. 7. CORRENTES DE PENSAMENTOS SOBRE O INTUITO DE MAJORAÇÃO AO CRIME DE ROUBO COM A UTILIZAÇÃO DE SIMILACRO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira atualmente é assolada por uma situação de insegurança em função da criminalidade. Dentre os fatos sociais que compõem essa realidade preocupante, o crime de roubo tem tornando-se cada vez mais habitual. O roubo é uma forma de coerção em que o ofensor usa ou ameaça usar da força para privar a vítima de um ou mais patrimônios (CAMINHAS & BEATO FILHO, 2020).
Tal crime é praticado com uso revólveres, facas, facões, porém os criminosos ultimamente empregam o uso de simulacro (arma de brinquedo) para cometerem delitos. Esse tipo de arma é uma réplica fiel de uma arma de fogo verdadeira, mas não possui capacidade de efetuar disparos.
O assaltante pode conseguir o que desejava sem machucar a vítima ou pode ocorrer exatamente o oposto. Pode-se também presumir que inesperadamente apareça uma terceira pessoa na cena do assalto e esse indivíduo possa ferir alguém ou ser ferido.
Independentemente do tipo de situação e do desfecho, o crime de roubo provoca medo na população e constitui um dos maiores problemas das grandes cidades brasileiras. Segundo a Pesquisa Nacional de Vitimização (DATA FOLHA e CRISP, 2013), no Brasil, os crimes mais temidos são os relativos a ter a residência invadida ou roubada (71,9%) e ter objetos de valor tomados à força por outras pessoas em um roubo ou assalto (70,7%)
Neste contexto, a abordagem do tema “Caracterização de efeito majorante ao crime de roubo com a utilização de simulacro de arma de fogo” visa analisar diferentes visões e entendimentos, pois de um lado encontram-se os que acreditam que o simulacro inexiste a potencialidade lesiva da arma real, logo o afastamento da majoração da pena, em sentido oposto há uma outra corrente que sustenta que a majoração da pena não se liga à ofensividade da conduta, mas ao maior grau de temor infundido na vítima pela visualização de uma arma, elemento presente em igual escala tanto para o uso de arma real como para a fictícia. Diante dessa discussão de pensamentos verifica-se a necessidade de intenso estudo sobre a temática, afim de que possa tecer maiores subsídios para a reflexão sobre o assunto.
Assim sendo, o presente trabalho tem por objetivo ponderar as posições doutrinárias acerca do tema, assim como argumentos antagônicos e partidários a aplicação da majorante. Haja vista que existem diferentes entendimentos com relação ao majorante, bem como inúmeras controversas doutrinarias e jurisprudenciais nas questões sobre a potencialidade lesiva para a vítima como meio eficaz para a intimidação.
1 DEFINIÇÂO DE ROUBO
De forma diferente do furto, o roubo, além de subtrair coisa alheia móvel, necessita de algumas circunstancias especiais para que o configure. São elas, a grave ameaça, a violência, ou qualquer outro meio, cujo qual impossibilite a defesa ou resistência da vítima, proprietária, possuidora ou detentora do bem, objeto do crime.
Assim, seguindo, portanto, o princípio da legalidade, o crime de roubo se encontra tipificado no art. 157 do Código Penal:
Código Penal. Art. 157: subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio reduzido a impossibilidade de resistência. Pena – reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa.
Desse modo, nota-se que o roubo é um crime complexo, o qual adere a mais de um tipo penal. Seria, então, um furto combinado com constrangimento ilegal ou uma possível lesão corporal.
Assim sendo, é claro que o tipo penal visa a proteção de mais de um objeto jurídico, ou seja, protege o patrimônio/propriedade, a integridade física ou psíquica da vítima e por fim, a liberdade.
Nesse sentido, Fernando Capez, ao tratar dos crimes em espécie, em seu livro Curso de Direito Penal II, nos traz a seguinte definição:
O roubo constitui crime complexo, pois é composto por fatos que individualmente constituem crimes. São eles: furto + constrangimento ilegal + lesão corporal leve, quando houver (as vias de fato ficam absorvidas pelo constrangimento ilegal). (CAPEZ, 2012).
Neste diapasão, segundo esta análise prévia, vimos que o verbo nuclear do roubo é subtrair, tal qual o crime de furto. Portanto, o que difere ambos os crimes são os meios utilizados para a execução do crime.
Fernando Capez, na mesma obra, leciona que os meios executórios no crime de roubo são três:
a) Mediante o emprego de grave ameaça: acontece com a promessa do autor para uma prática de um mal grave e iminente à vítima.
b) Mediante o emprego de violência física: também chamada de violência própria, a qual decorre do uso da força física, podendo ocasionar uma lesão à vítima.
c) Qualquer outro meio que reduza à impossibilidade de resistência da vítima. Nessa via, essa forma de execução seria, nada mais que uma violência imprópria, ou seja, um meio pelo qual não emprega grave ameaça ou violência física. Nesse sentido, Capez traz como exemplo, o ato delituoso.
Assim, conclui-se que este último, consiste em um meio genérico de execução do crime, desde que utilizado na realização do roubo, uma vez que está legalmente previsto somente no roubo próprio.
2 CONCEITO DE ARMA
Antes de adentrar ao ponto crucial do presente estudo, vale dizer, a causa de aumento de pena de que trata o art. 157, § 2º, I, insta conceituar o substantivo “arma”. Para isso, referido substantivo deve ser dividido em duas espécies: armas próprias e armas impróprias.
Assim, definem-se armas próprias como aquelas em que são utilizadas como meio defesa ou ataque de quem a detém.
Já as armas impróprias são aquelas que foram criadas para um fim que não para o ataque ou a defesa, mas que, no entanto, deturpando sua destinação, possuem a capacidade de lesionar a integridade física de outrem.
Contudo, nos termos do conceito clássico, arma é o instrumento ou ferramenta usada para ataque ou defesa de alguém.
Nesta toada expõe Júlio Mirabete:
Arma, no sentido jurídico, é todo instrumento que serve para o ataque ou defesa, hábil a vulnerar a integridade física de alguém (MIRABETE Júlio Fabbrini, Manual de Direito Penal, 2011).
Portanto, segundo o professor Júlio F. Mirabete, arma, no sentido jurídico, é todo instrumento que serve para o ataque ou defesa, hábil a vulnerar a integridade física do agente.
3 QUALIFICAÇÃO E MAJORAÇÃO NO CRIME DE ROUBO
No que diz respeito a este tópico, devemos relembrar as etapas da aplicação da pena, mais especificamente a sua dosimetria. Como é sabida, a pena deve ser imposta dentro dos parâmetros estabelecidos no preceito secundário do tipo penal.
Desse modo, estabelecida a pena base, passa-se, então, para a análise das agravantes ou qualificadoras, as quais estão previstas nos artigos 61 e 62 do CP e as atenuantes, previstas nos artigos 65 e 66 do CP. Por fim, verificam-se, por sua vez, as causas de aumento ou de diminuição da pena.
Portanto, tendo em vista o estabelecido no código penal, a expressão “roubo qualificado”, deve ser analisada com maior cautela, pois, não se podem confundir qualificadoras com causas de aumento/diminuição de pena, sejam elas as especiais (previstas na parte especial do código penal, de modo que variam de acordo com o crime cometido, bem como com as circunstâncias o qual ele está inserido), bem como as legais (previstas na parte geral do Código penal, as quais podem ser aplicadas a todos os tipos penais),
Frise-se que, a qualificação de um crime altera o patamar da pena, isto é, muda os parâmetros mínimos e máximos para a fixação da pena base, de modo que proporciona certa liberalidade ao juiz, quando da quantificação da pena.
Já as causas de aumento ou diminuição de pena, sejam legais ou especiais, vinculam o magistrado na fixação, tendo em vista que elas são previamente definidas em lei, representadas por frações taxativas, caso o delito se enquadre em quaisquer delas.
Conclui-se, portanto, que o roubo qualificado, somente acontece quando se tem o resultado acrescentado de lesão corporal ou morte, sendo as penas aumentadas para 7 a 15 anos e 20 a 30 anos respectivamente, conforme art. 157, §3° do Código Penal.
4 A CRIMINALIZAÇÃO DO SIMULACRO: LEI nº 9.437/97
Em 20 de fevereiro de 1997, foi promulgada a Lei nº 9.437 (Lei das Armas de Fogo), que instituiu o SINARM – Sistema Nacional de Armas – sendo estabelecidas condições para o registro e para o porte de arma de fogo, bem como trouxe em seu bojo uma gama de condutas tipificadas como crimes, dentre as quais podemos citar o artigo 10, § 1º, inciso II, que tipificou como delito autônomo a utilização da arma de brinquedo para o cometimento de crimes.
Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena – detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
[...]
II – Utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar
outrem, para o fim de cometer crimes. (grifo nosso).
É cediço que a pretensão do poder público ao instituir o SINARM é controlar as armas de fogo que circulam pelo país e isso decorre da sua inegável potencialidade lesiva. Na raiz da nova lei está presente o incontestável risco de fatais atentados que representam tais armas para a segurança de todos.
Também com a edição do mencionado Diploma Legal, mais uma vez, veio à baila a problemática referente ao emprego de arma de brinquedo no delito de roubo, como causa especial de aumento de pena, provocando novos questionamentos a respeito do tema.
A utilização de arma de brinquedo para o fim de cometer delitos passa a ser uma conduta considerada ilícita e os motivos de tal opção legislativa estão relacionados ao crescimento da violência urbana, permeada cada vez mais pela utilização de instrumentos de intimidação para o cometimento de delitos.
5 INOVAÇÕES DA LEI nº 10.826/2003 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO)
A referida Lei dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM, define crimes e dá outras providências. Criada em 22 de dezembro de 2003, a Lei do Estatuto do Desarmamento visava diminuir a ocorrência de crimes praticados com emprego de armas e desarmar a população.
Tal Estatuto revogou de forma global a Lei das Armas de fogo, haja vista que disciplinou inteiramente a matéria disciplinada pela lei antiga,fazendo cessar, definitivamente, a vigência desta última. Além disso, acabou revogando o crime tipificado no artigo10, § 1º, inciso II, da Lei nº 9.437/97, por deixar de prever conduta idêntica, eis que não trouxe à baila a questão do porte, uso, guarda ou emprego da arma de brinquedo para o cometimento de crimes, silenciando a respeito de tal problemática e eliminando a controvérsia referente à configuração do delito autônomo (BRASIL, 2003).
Analisando o Estatuto a única disciplina jurídica a respeito do simulacro é o artigo 26, caput, oqual veda a fabricação e a comercialização desta, in verbis.
Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir.
Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército.
Sendo assim, pode-se inferir que o legislador proíbe a comercialização de arma de brinquedo, porém caso esta tenha sido utilizada na prática de algum delito, o agente apenas responderá pelo crime que, efetivamente, cometer,não havendo mais a possibilidade de concurso entre o crime e a utilização da arma de brinquedo (CARDILLI, 2007).
Nesta senda, a conduta de utilizar simulacro para a investida de crimes foi sepultada com a velha Lei das Armas de Fogo, não se preocupando a nova legislação em discipliná-la, desconsiderando-a (CARDILLI, 2007).
6 SÚMULA 174
Na jurisprudência pátria, ao menos nos Tribunais Superiores, prevaleceu a corrente subjetivista; nesse sentido, o STJ, com o intuito de adotar a teoria subjetiva e buscando dar uma resposta à sociedade por conta do aumento da criminalidade, editou a Súmula n. 174, que assim preconiza: “No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena (BRASIL, 1996)”.
Vale observar que há precedentes da Corte Suprema em completa harmonia com o entendimento adotado pela Súmula em questão: “Roubo. Arma de brinquedo.
Se houve intimidação da vítima, por não saber que se tratava de arma de brinquedo, justifica-se o aumento da pena a que alude o artigo 157, §2°, I, do Código Penal. Precedentes do STF (RECr n. 90.227)”.
Entretanto, em 24 de outubro de 2001, tal súmula foi cancelada devido às críticas da corrente favorável ao critério objetivo, bem como em respeito ao princípio da legalidade, previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXIX, versando que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Assim, uma conduta somente poderá ser considerada típica se prevista em lei, vez que fala em arma e não em simulacro de arma, ou coisa parecida (BRASIL, 2002).
A despeito da divergência, nota-se que a corrente objetiva vem se tornando dominante no Direito Penal moderno, dado que a tipificação da arma de brinquedo como causa de aumento de pena, no crime em tela, afronta os princípios do ne bis idem – já que a intimidação da vítima, por conta do emprego da arma de brinquedo já configura a “grave ameaça”. Também afronta os princípios da ofensividade, da proporcionalidade, da tipicidade e do direito penal objetivo. Além do mais, revólver de brinquedo não é arma. Se assim o fosse, poderia haver roubo agravado pelo concurso de pessoas se o assaltante estivesse acompanhado de um boneco inflável, bem como, seria caracterizado o porte de arma; logo, o fato é atípico diante da circunstância.
7 CORRENTES DE PENSAMENTOS SOBRE O INSTITUTO DE MAJORAÇÃO AO CRIME DE ROUBO COM A UTILIZAÇÃO DE SIMULACRO.
Em consonância com a redação unânime adotada pelo legislador no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, houve diferentes entendimentos acerca da correta aplicação, ocorrendo intensa celeuma em torno do mencionado dispositivo. Nesta senda, surgiram duas correntes de pensamentos no tocante a análise do emprego do simulacro no crime de roubo: a Teoria Objetiva e a Teoria Subjetiva.
Teoria Objetiva
Os adeptos à corrente objetiva defendem o equívoco de se reconhecer a “majorante” quando da utilização, pelo sujeito ativo, de arma de brinquedo, asseverando que tal “agravante” tem como base a maior probabilidade de dano que a arma pode causar, pondo em risco a incolumidade física da vítima,necessitando, para tanto, que o instrumento possua idoneidade ofensiva.A réplica de arma seria idônea apenas para configurar a grave ameaçado tipo penal simples, não podendo, majorá-lo, tendo em vista que não apresenta real poder de lesão sobre a vítima, o que ocorre apenas com o uso da arma verdadeira em que o agente, por acidente, por reação da vítima ou de policiais ou até mesmo por maldade, pode causar sérios danos à integridade corporal da pessoa subjugada.
Heleno Cláudio Fragoso (1988, p. 350) é, no caso, objetivista e defende que não deve ser aplicado o aumento de pena, pois a arma de brinquedo não oferece perigo real à incolumidade da vítima.
O fundamento da agravante reside no maior perigo que o emprego da arma
envolve, motivo pelo qual é indispensável que o instrumento usado pelo agente (arma própria ou imprópria) tenha idoneidade para ofender a incolumidade física. Arma fictícia (revólver de brinquedo), se é meio idôneo para a prática da ameaça, não é bastante para qualificar o roubo.
Cezar Roberto Bitencourt (1999, p. 562), com base no mesmo fundamento, afirma que não pode ser reconhecida a “agravante”, pois é preciso que o instrumento usado tenha idoneidade para ofender a integridade física.
A inidoneidade lesiva da arma (de brinquedo, descarregada, ou simplesmente à mostra), que é suficiente para caracterizar a ameaça tipificadora do roubo (caput), não tem o mesmo efeito para qualificá-lo.
Assim, o emprego de arma de brinquedo tipifica o roubo, mas não o torna qualificado, ou majorado (expressão que preferimos).
Paulo José da Costa Júnior (2000, p. 478), de igual opinião, salienta:
A arma fictícia (revólver de brinquedo), que poderá ser idônea à ameaça,não basta para qualificar o roubo. O mesmo não se pode dizer de arma que apresente momentaneamente um defeito, ou esteja descarregada, por ser a inidoneidade apenas acidental.
Também ensina Guilherme de Souza Nucci (2003, p. 536) que não pode haver equiparação entre uma imitação e uma arma propriamente dita. A finalidade da lei seria a de punir de forma mais firme aquele cuja conduta tem maior potencial lesivo, o que ocorre apenas com o uso da arma verdadeira.
[...]”arma de brinquedo” não é arma. Pode até ser utilizada como tal,embora seja sempre exclusivamente um simulacro. Ora, levando-se em conta a teoria objetiva, somos levados a não considerar que a arma de brinquedo seja capaz de gerar a causa de aumento de pena, uma vez que não causa à vítima maior potencialidade lesiva. É indiscutível que a arma de brinquedo pode gerar grave ameaça e, justamente por isso, ela serve para configurar o tipo penal do roubo na figura simples (jamais a causa de aumento).
Para Victor Eduardo Rios Gonçalves (2005, p. 34), a isolada intimidação da vítima não pode configurar a grave ameaça expressa no roubo simples e também a causa de aumento de pena. A caracterização da “majorante” tem por fundamento o perigo real que representa à incolumidade física da vítima o emprego de arma, presente apenas quando da utilização de arma real.
A simulação da arma já funcionou como elemento caracterizador da grave ameaça, posto que apta a gerar temor no espírito da vítima, não podendo,no mesmo contexto fático, implicar aumento de pena, sem que tenha havido
uma especial potencialidade vulnerante na conduta, já que, por não estar efetivamente armada, a integridade da vítima não correu um risco maior de ser atingida pelo autor do crime.
Diante do acima exposto, inclinamo-nos pela teoria objetiva. A arma de brinquedo intimida a vítima, mas a ela não oferece qualquer risco concreto, assim sendo, sua eficácia única e exclusivamente intimidativa esgota-se na redação da figura fundamental do delito de roubo, pois é abrangida pela grave ameaça. Não vai além, ela serve para intimidar e nada mais, não sendo plausível a “majorante”.Diferente da arma verdadeira, que serve para intimidar e representa algo mais,constituindo, concomitantemente, um nível de perigo muito maior à vítima,merecendo, em vista disso, uma maior reprimenda.
Teoria Subjetiva
A “majorante” está fundada na maior intimidação que uma réplica de arma pode causar à vítima, que, ao desconhecer a circunstância de a arma ser idônea ou não, anula por completo ou, ao menos, diminui a sua capacidade de resistência, facilitando, assim, a consumação do delito.
Sob esse prisma, o emprego de arma fingida configura a causa de aumento, haja vista que, por não saber o ofendido se a arma é verdadeira ou de brinquedo, em qualquer hipótese, a subtração é praticada com maior facilidade,devendo, portanto, ocorrer maior reprimenda.
Nesse sentido entende-se que o legislador não exigiu idoneidade ofensiva da arma, mas apenas capacidade de intimidar. O ofendido, intimida do crendo tratar-se de arma de fogo verdadeira, entrega facilmente os bens, sendo inibida, pelo temor, a vontade de resistir, a ponto de não se opor à ação do bandido.
Referida corrente tem como principal expoente Nélson Hungria (1955,p. 55), que entende como de ordem subjetiva a causa de aumento de pena,baseando-a na intimidação da vítima com a consequente anulação ou, ao menos,diminuição de sua capacidade de resistência.
A ameaça com uma arma ineficiente (ex.: revólver descarregado) ou fingida(ex.: isqueiro com feitio de revólver), mas ignorando o agente tais circunstâncias, não deixa de constituir a majorante, pois a ratio desta é a intimidação da vítima, de modo a anular-lhe a capacidade de resistir.
Vicente Sabino Junior (1967, p. 739), sobre a mesma orientação, com base no aspecto subjetivo da circunstância, versa que “o uso de arma ineficiente poderá ser incriminado se o agredido desconhecer essa circunstância e foi realmente intimidado por ele”.
Nesse mesmo sentido, Edgard Magalhães Noronha (2001, p. 161),implicitamente, ao tecer comentário sobre revólver descarregado, concebe a arma de brinquedo como “majorante” no delito de roubo, porque o agente que a emprega é, em regra, mais temível, bem como a sua utilização dificulta, quando não impede,a defesa do ofendido.
Expõe o mesmo princípio de que a “qualificadora” deva incidir no caso de emprego de arma fingida, Paulo Lúcio Nogueira (1987, p. 96), ante a força intimidativa gerada na vítima, a qual atemorizada e crendo tratar-se de uma arma de fogo verdadeira, entrega mais facilmente os seus bens.
Não há dúvida de que a arma de brinquedo (e hoje existem armas de brinquedo que se assemelham espantosamente a armas verdadeiras) tenha
o poder de intimidar a vítima e deve ser reconhecida a qualificadora já que o
agente também logrou obter o seu intento. É preciso ter presente também que a nossa lei fala no emprego de arma, não conceituando o que seja arma, como outras legislações, não podendo assim ser arredada a agravante, ainda que a arma seja de brinquedo e que constituiu meio eficiente.
Romeu de Almeida Salles Júnior (1995, p. 223) assevera:
A figura delituosa do roubo, prevista no art. 157, caput, do Código Penal, é estruturada tendo em conta a violência física, moral ou resultante de qualquer meio empregado pelo agente. Qualquer meio, no tipo fundamental,é válido para a realização da ameaça constitutiva do roubo. Na forma qualificada, o legislador entendeu que a ameaça é exercida em circunstâncias especiais, isto é, com emprego de arma, resultando daí o entendimento de caráter subjetivo que reconhece a oportunidade para o aumento de pena mesmo quando essa ameaça não seja exercida com arma verdadeira.
Também é partidário dessa mesma idéia Fernando Capez (2004, p.403), entendendo que uma arma de brinquedo é instrumento hábil à configuração da “agravante”, uma vez que o temor provocado no ofendido é muito maior, diminuindo a capacidade de resistência consideravelmente, quando é utilizada. Ademais, em razão da vítima não ser capaz de distinguir uma arma verdadeira de uma de brinquedo, a subtração é feita com maior facilidade e, neste caso, justifica-se um apenamento maior.
O fundamento dessa causa de aumento é o poder intimidatório que a arma exerce sobre a vítima, anulando-lhe a sua capacidade de resistência. Por essa razão, não importa o poder vulnerante da arma, ou seja, a sua potencialidade lesiva, bastando que ela seja idônea a infundir maior temorna vítima e assim diminuir a sua potencialidade de reação. Trata-se,portanto, de circunstância subjetiva. Assim, a arma de fogo descarregada ou defeituosa ou o simulacro de arma (arma de brinquedo) configuram a majorante em tela, pois o seu manejamento, não obstante a ausência de potencialidade ofensiva, é capaz de aterrorizar a vítima.
CONCLUSÃO
Em síntese podemos inferir que há um equívoco epistêmico com relação ao entendimento do julgador na questão da caracterização do majorante ao crime praticado com a utilização de simulacro de arma de fogo, pois no momento do crime, a vitima tem as piores sensações, e não tem como a mesma preocupar-se em saber se a arma utilizada no delito possui potencialidade e eficácia ofensiva para feri-lo. O delinquente que se utiliza da arma de brinquedo o faz tecnicamente como se fosse arma de fogo como meio de intimidar e manipular a vítima.Essa é a intenção do ladrão, então justifica a aplicação da agravante preconizada no crime de roubo.
Ainda nessa vertente é que a Lei não faz especificações sobre o artefato utilizado para cometer o delito, e por este motivo é que deveria ter apenas um único entendimento sobre o tema.
É preciso que seja realizada uma análise profunda, séria, critica e técnica sobre a temática abordada, afim de alinhar a cognição proferida por juízes, desembargadores, ministros na tentativa de excluir qualquer sentimento que não seja o de justiça, inconcusso pelo princípio da imparcialidade, como o escopo exclusivo na proteção dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, seja da vítima ou do acusado.
Portanto, cumpre destacar as principais divergências contidas ao longo deste estudo, opinando pelas quais, no nosso ponto de vista, devam prevalecer, apesar do brilhantismo com que todas são defendidas. Porém cabe aqui destacar uma pequena análise com relação ao cancelamento da Súmula 174 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a qual reconhece o emprego de arma de brinquedo como causa de aumento de pena no roubo, o que, a nosso entendimento, mostra-se bem fundamentado, uma vez que o simulacro pode intimidar a vítima causando sérios agravantes psicológicos, após o crime.
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Graduando no Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Faculdade Metropolitana de Manaus - FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACEDO, James Castro. Caracterização de efeito majorante ao crime de roubo com a utilização de simulacro de arma de fogo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57663/caracterizao-de-efeito-majorante-ao-crime-de-roubo-com-a-utilizao-de-simulacro-de-arma-de-fogo. Acesso em: 22 nov 2024.
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