EDY CÉSAR DOS PASSOS JUNIOR
(Orientador)
RESUMO: O tema judicialização da saúde tem sido muito discutido nos últimos tempos no meio jurídico, e aqui se busca entender o que é a Judicialização da Saúde. E em que implica seus mecanismos, qual a garantia constitucional desse instituto, e quais os atos processuais nessas ações. Dentre essas questões, o intuito desse discurso é a informação necessária a sistematizar a estruturação dos processos desse cunho no que tange a atuação da Fazenda Pública Estadual, haja vista que se trata de um direito constitucional fundamental, sendo necessário o seu cumprimento para uma vida digna.
PALAVRAS-CHAVE: Fazenda Pública Estadual; Judicilialização; Saúde.
ABSTRACT: The judicialization of health theme has been much discussed in recent times in the legal field, and here we seek to understand what the Judicialization of Health is. And what does its mechanisms imply, what is the constitutional guarantee of this institute, and what are the procedural acts in these actions. Among these issues, the purpose of this discourse is the necessary information to systematize the structuring of the processes of this nature regarding the performance of the State Public Treasury, given that it is a fundamental constitutional right, and its fulfillment is necessary for a dignified life.
KEYWORDS: State Public Treasury; Judicialization; Health.
1. INTRODUÇÃO
O direito a saúde está inserido entre as muitas mudanças e inovações presentes na Constituição Federal de 1988, pois quando se fala em saúde, a primeira coisa que se tem em mente é que se trata de um direito assegurado pela Carta Magna. A vida é um direito fundamental de primeira dimensão, relacionando o indivíduo e o Estado, onde o ente estatal, em sua omissão, o não-fazer, estaria violando a liberdade individual ou coletiva do particular ou grupo social.
Qual o dilema existente diante da tramitação processual e também em relação aos prazos dobrados para as Fazendas Públicas, conforme o Código de Processo Civil, diante de tamanha urgência nas ações saúde envolvendo o Estado?
A pretensão do estudo aqui é demonstrar a atuação processual da fazenda pública estadual na judicialização da saúde. Para tanto, busca-se, neste artigo, analisar os atos processuais em ações de saúde e como se dá toda essa tramitação, sem a pretensão julgadora, de forma imparcial, com intuito de identificar os prazos processuais, analisando as determinações e os limites na atuação do judiciário e identificar o que leva o cidadão a buscar o judiciário para adquirir atendimento ou medicamentos de acordo com sua necessidade. Entendendo com isso, a atuação estatal em juízo, mostrando o princípio da ampla defesa e expondo a crítica existente diante da tramitação processual e dos prazos previstos no Código de Processo Civil.
A saúde deve ser garantida, seja de forma individual, seja de forma coletiva. Os custos para garantir o fornecimento de medicamentos e internações para o efetivo tratamento dos pacientes vem sendo coberto na maioria das vezes pelo SUS – Sistema Único de Saúde.
Por meio da Lei Nº 8.080/1990 foi criado o Sistema Único de Saúde – SUS, comprometido com o povo brasileiro para garantir o direito a saúde, onde as organizações devem prestar serviços e produzir bens, tais como medicamentos, vacinas e equipamentos necessários. Porém com a ineficácia de parte desse sistema surge a necessidade de buscar o judiciário visando maior celeridade diante de toda a urgência nas demandas.
Diante de toda situação o judiciário é movimentado pelos que não podem esperar todo o tramite do SUS, fazendo com que o Estado, nas esferas municipais, estaduais ou da união, seja intimado através de seus gestores para cumprir decisões judiciais que buscam de garantir os direitos legais e constitucionais dos cidadãos que em sua imensa maioria são pessoas hipossuficientes.
Com isso busca-se contribuir para que a sociedade entenda que os processos relacionados a saúde necessitam de melhorias e evolução, e trazer ao conhecimento de todos que a judicialização, apesar de demorada, pode sim ser o caminho mais célere para se alcançar um atendimento urgente ou até mesmo emergente, principalmente se for de alto custo. O que traz prejuízo para aquele que não buscou medidas judiciais e aguarda na chamada fila do SUS.
A pesquisa utilizada será descritiva, de forma qualitativa, realizada através de exploração de fontes bibliográficas, de processos judiciais abertos ao público, livros, revistas cientificas, sites de pesquisa, legislações pertinentes e outros, contendo informação acerca do tema.
2. FAZENDA PÚBLICA
A Administração Pública através de seus agentes, serviços e órgãos instituídos pelos seus entes, União, Estado e Município, tem como objetivo administrar os recursos públicos a fim de proporcionar a sociedade aquilo que é necessário.
Sendo direta e indireta, encontram-se no âmbito de disciplina do direito público, são dotadas de personalidade de direito público interno. Fazem parte também, as autarquias e as fundações de direito público e fundações públicas de direito público criadas por lei, essas ultimas fazem parte da administração pública indireta. Não compõe esse rol, as entidades que possuem personalidade privada.
Segundo De Plácido e Silva, Fazenda Pública é:
a denominação genérica a qualquer espécie de fazenda, atribuída às pessoas de Direito Público. Nela, assim, se computam a Fazenda Federal, Fazenda Estadual e Fazenda Municipal. E, desta forma, Fazenda Pública é sempre tomada em amplo sentido, significando toda soma de interesse de ordem patrimonial ou financeira da União, dos Estados Federados ou dos Municípios, pois que, sem distinção, todas se compreendem na expressão. Os administradores da Fazenda Pública são o Ministro da Fazenda, em relação à Federal, e os Secretários de Fazenda ou prefeitos, em relação às demais. Nas ações judiciais, representam-se pelos advogados ou procuradores instituídos, seja como funcionários públicos, seja como meros mandatários. Dizem-se também, procuradores dos feitos da fazenda, quando exercem o cargo em caráter efetivo e da função pública. (SILVA, 2002, p. 351).
2.1 PRAZOS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA
Quem representa judicialmente a fazenda pública é a advocacia pública, que em muitos casos é a procuradoria geral daquela esfera, essa que possui prerrogativas previstas em artigos da Constituição Federal de 1988, possuindo regras especiais e diferenciada com relação aos direitos dos particulares, haja vista que se trata do bem comum.
O Código de Processo Civil unificou os prazos, estabelecendo prazo em dobro para todas as manifestações da Fazenda Pública, tomando por base o princípio da Isonomia/Igualdade com o intuito de promover a igualdade entre as partes, buscando com isso maior celeridade nas demandas judiciais que tem como uma as partes a Fazenda Pública.
O art. 183 do Novo CPC estabelece que:
Art.183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.
§1º A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico.
§2ª Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público.
O Código de Processo Civil em seu artigo 183 estabelece como regra nos atos processuais da Fazenda Pública o prazo em dobro, tendo como exceção, prazos específicos. Além disso, no que tange a contagem dos prazos, o Código de Processo Civil assim estabelece:
Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.
§ 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.
§ 2º Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.
§ 3º A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação.
As contagens dos prazos fixados no CPC são apenas em dias úteis, conforme o art. 219. “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”, excluindo, os sábados, os domingos, os feriados e os dias em que não houverem expediente forense. Quando se tratar de feriado municipais os prazos continuarão a transcorrer normalmente nas comarcas onde não existe feriado.
O supracitado artigo trata da contagem do prazo em dias, mas quando o artigo trata da disposição em contrário, e o prazo for em meses ou em anos, conforme estipulado pelo juiz, o artigo 222, do Código de Processo Civil vigente assim estabelece:
Art. 222. Na comarca, seção ou subseção judiciária onde for difícil o transporte, o juiz poderá prorrogar os prazos por até 2 (dois) meses.
§ 1º Ao juiz é vedado reduzir prazos peremptórios sem anuência das partes.
§ 2º Havendo calamidade pública, o limite previsto no caput para prorrogação de prazos poderá ser excedido.
3. JUDICIALIZAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL
Com a constituição Federal de 1988, o direito a saúde passou a ser direito fundamental, existindo assim o dever do Estado em garantir o acesso igualitário aos serviços de saúde. No caput do artigo 6º, a saúde é citada como um direito social.
Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015) (BRASIL, 1988, p. 1).
No processo de judicialização da saúde, o acesso à justiça tem um número crescente de demandas que estão sendo movimentadas pelo executivo passando pelo judiciário. O que faz com que o judiciário seja a efetivação de um direito fundamental à vida. “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamas os direitos de todos”. CAPPELLETTI, 1988, p. 12.
Ocorre que o executivo por motivo de insuficiência de recursos orçamentários vai de encontro com essa obrigação, frente ao número crescente de demandas que estão sendo movimentadas pelo judiciário. Ou seja, é preciso um planejamento para os gastos, discutido e aprovado para que o Estado programe receitas e gastos anuais, antes do processo de aquisição é preciso um valor monetário autorizado, previsto na LOA – Lei do Orçamento Anual, para atender uma determinada programação orçamentária, detalhada, permitindo que os recursos nela previstos alcance os objetivos e metas definidas.
Um entendimento jurisprudencial da Suprema Corte sobre o direito da saúde, através de um Embargo de Declaração no Recurso Extraordinário 855.178 – Sergipe, o entendimento sobre a responsabilidade do Estado nas ações de saúde o seguinte voto:
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Senhor Presidente, Senhores Ministros, Senhor Procurador-Geral, Senhores Advogados, trata-se de embargos de declaração contra acórdão proferido pelo Plenário Virtual desta Corte em sede de repercussão geral, que assentou a tese de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, motivo pelo qual pode figurar no polo passivo qualquer um deles, em conjunto ou isoladamente.
A matéria de fundo destes autos não carece de maiores ilações, máxime porque a jurisprudência desta Corte está pacificada no sentido de que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles, em conjunto ou isoladamente.
De qualquer forma segundo a constituição e o entendimento do Supremo Tribunal Federal, é dever do Estado arcar com os tratamentos de saúde que podem englobar vários procedimentos de urgência. Seja medicamentos, exames, cirurgias ou transferências para tratamentos especializados que sejam necessários à manutenção da vida, até seu total restabelecimento.
4.TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL
A teoria da reserva do possível, do ponto de vista jurídico diz respeito a necessidade do Estado prevê um orçamento para atender o cumprimento de decisão judicial. “A expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas”. BARCELLOS, 2002, p. 234.
No que diz respeito ao significado da expressão “reserva do possível”, Gustavo Amaral assim preleciona:
“que a concreção pela via jurisdicional de tais direitos demandará uma escolha desproporcional, imoderada ou não razoável por parte do Estado. Em termos práticos, teria o Estado que demonstrar, judicialmente, que tem motivos fáticos razoáveis para deixar de cumprir, concretamente, a norma constitucional assecuratória de prestações positivas. Ao Judiciário competiria apenas ver da razoabilidade e da faticidade dessas razões, mas sendo-lhe defeso entrar no mérito da escolha, se reconhecida a razoabilidade”. (BRASIL, TJMG, Julgado em 04.12.08)
O Sarlet e Figueiredo se manifestam no mesmo sentido em seu artigo sobre a Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações:
De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a ‘reserva do possível’ (Der Vorbehaltdes Moglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a ideia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público. Tais noções foram acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável. Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social e alguém que efetivamente não faça jus o benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende - de acordo com a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador.
5. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVO À SAÚDE
Podemos destacar três princípios como os principais do Sistema Único de Saúde, sendo que esses princípios mostram a construção de um sistema que busca o fornecimento de serviços de saúde. Com base nesses princípios que se pretendem atender a sociedade, respeitando a particularidade de cada região, trazendo modelos de orientação para colaborar com a prevenção na saúde.
5.1 Universalidade
Fazendo parte do Sistema único de Saúde – SUS, o princípio da universalidade está garantido no art. 196 da Constituição Federal de 1988, essa que coloca “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Isso significa que todos os cidadãos têm direito à saúde garantida através de políticas públicas sem distinção de raça, sexo, cor, religião ou qualquer outro tipo de discriminação.
A partir do momento que o SUS foi criado, o princípio da universalidade foi reforçado, haja vista que anteriormente o acesso a saúde era garantido para apenas aqueles que contribuíam para a previdência social. Isso se dava com a contribuição governamental para os trabalhadores contratados por órgãos públicos e das empresas, para os particulares, que financiavam o sistema.
Seu acesso era apenas para os que contribuíam e aos seus dependentes. Por meio da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS registrada, a chamada carteira assinada, o trabalhador tinha garantido o devido acesso aos direitos trabalhistas previstos em lei.
5.2 Integralidade
A Constituição Federal no art. 198, inciso II, prescreve que com relação a saúde, haja atendimento integral, sendo prioridade as ações de prevenção, para que não exista prejuízo aos serviços de assistência.
Igualmente é a lei orgânica da saúde, que regula os serviços de saúde e suas ações. Onde no artigo 7º, inciso II, é determinado quais ações serão realizadas, obedecendo ao princípio da integralidade de assistência, com o objetivo de atender aquele que necessita, o princípio da integralidade vai deste o atendimento preventivo até às ações curativas. Sua base são ações de promoção, prevenção de agravos e recuperação da saúde.
“Quer tomemos a integralidade como princípio orientador das práticas, quer como princípio orientador da organização do trabalho, quer da organização das políticas, integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o diálogo”. Mattos 2001, p. 61
Situando a integridade como princípio norteador da política estatal para a saúde este, baseia-se em ações qualitativas e integral dentro de um contexto individual ou coletivo, devendo o Estado garantir a saúde este direito fundamental, de tal forma devendo promover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
5.3 Gratuidade
Pautados nos princípios da universalidade, igualdade e integridade, o princípio da gratuidade não poderia ser, se não, de forma gratuito, pois trata-se de mais um princípio basilar do Sistema Único de Saúde, ou seja, os serviços prestados pelas unidades da rede própria do SUS veda a cobrança da execução de ações de saúde aos seus pacientes. Assim, nenhum valor deve ser cobrado aos usuários pelo serviço prestado.
Regulamentada pela CF/88 e pela Lei Orgânica da Saúde nº 8.080, sancionada em 1990, onde tal lei expõe esse princípio de forma implícita, haja vista que os acessos universal e igualitário estão explícitos nas ações de saúde prestadas pelo SUS, em caráter continuo e sem exceções.
6. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
O termo “judicialização” que vem sendo utilizado com tamanha frequência faz clara referência as demandas que são levadas ao judiciário, com o grande aumento no número de as ações de saúde e a grande repercussão social que essas geram, o poder judiciário acaba sendo uma alternativa da população na busca por um direito fundamental.
Porém essa busca faz com que algumas correntes doutrinarias vejam a judicialização das ações de saúde como uma violação ao princípio da separação dos poderes, e passem a questionar até que ponto o Poder Judiciário possui legitimidade para atuar.
Diante disso o argumentado pelo Estado é que existe uma ofensa ao Princípio da Separação dos Poderes (art. 2º da CF/1988), quando Judiciário “interfere” no Executivo, podendo causar um desequilíbrio, pois ainda que as situações individualmente levadas ao Judiciário sejam urgentes, não se pode preterir os demais pacientes que já se encontram na lista de espera na rede pública, respeitando o tratamento que seja igual para todos, que é de direito a quem busca acesso à saúde pública. Visto que pode acarretar a restrição do direito à saúde de outro cidadão.
Nesse sentido é claro o julgado do Supremo Tribunal Federal sobre o tema:
A reserva de lei constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. - Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário - que não dispõe de função legislativa - passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes.
Assim nesse sentido existe essa linha de discussão se as determinações a fazenda pública estão invadindo as competências, seja do poder judiciário ou até mesmo do poder legislativo.
7. ATOS PROCESSUAIS
Os atos processuais são as ações que ocorrem dentro de um processo jurídico, gerando assim efeitos e movimentações em um caso. Como o Estado é demandado e precisa atuar em casos de judicialização da saúde, os advogados públicos precisam realizar tal defesa de acordo com o devido processo legal previsto no Código de Processo Civil.
Dentre os atos presentes em uma ação de saúde se tem contestações, apelações, agravos de instrumento e interno, contrarrazões, embargos, além das manifestações mais corriqueiras e de audiências.
O processo se inicia com a petição inicial, passando pela primeira decisão do juiz a quo, onde cabe contestação e eventual agravo de instrumento, indo posteriormente para uma sentença que pode ser apelada pelas partes, fazendo com que o processo suba para a segunda instancia, existindo ainda recursos como as contrarrazões contra as determinações e acórdãos dos tribunais.
Diante disso e das manifestações e petições comuns ao processo, além dos prazos e o compartilhamento de informações com a Secretaria de Estado da Saúde, o tramite dessas ações pode ser demorado, podendo em alguns casos a parte que precisa de algum tratamento acabe indo a óbito. Uma das tentativas de agilizar esse processo por parte do estado é encaminhar ofícios a secretaria estadual de saúde – SESAU, que por meio de suas respostas ajudam e auxiliam na agilidade do cumprimento das determinações já impostas ao Estado.
7.1 Petição inicial
Explorando também toda a tramitação processual conforme o Código de Processo Civil, que acontece com a Petição Inicial com pedido de tutela de urgência, essa que se refere a tutela provisória de urgência de natureza antecipada, se trata em casos em que há urgência na propositura da ação, visto o dano e o risco que a demora processual pode causar. Sendo necessário a demonstração do periculum in mora e a prova inequívoca por parte do autor conforme previsto nos artigos 294 e 300 do Código de Processo Civil.
Após o recebimento da petição inicial o magistrado pode recorre ao NATJUS - Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário, com o objetivo de disponibilizar notas técnicas a fim de trazer informações sobre cada caso para ajudar os magistrados a solucionar as demandas. Depois do conhecimento técnico acerca da ação o magistrado profere decisão na maioria das vezes liminar, essa que não se ouvi o réu previamente a decisão proferida pelo magistrado.
7.2 Contestação
Após decisão proferida por magistrado, o Estado pode apresentar petição de contestação, essa que tem prazo de 15 dias, mas que pelo prazo em dobro ao fazendas públicas se tornam 30 dias. Esse ato tem como objetivo oportunizar ao réu defesa, daquilo que lhe foi determinado, podendo esse fazer suas alegações para rebater as alegações da parte autora, contestando o mérito e a procedência da ação.
7.3 Agravo de instrumento
O agravo de instrumento, é um recurso cabível contra decisões interlocutórias, que tenham tutela provisória de urgência, sendo essa uma forma de antecipação para assegurar um direito da parte, para que esse direito pedido seja adquirido antes do final do processo.
É muito comum acontecer esse tipo de decisão por se tratar de ações em que a parte necessita de UTI, um medicamento, ou tratamento em caráter de urgência. Nesse sentido é cabível recurso de agravo de instrumento em decisões, que tem como objetivo aquele que o interpõe levar o processo para as instâncias superiores em uma tentativa de reformar a decisão interlocutória. É importante lembrar que esse recurso também possui prazo de 15 dias que passam a ser de 30 dias para o Estado.
7.4 Agravo interno
O agravo interno, também chamado de agravo regimental está previsto no Art. 994, inciso III do novo CPC, é um meio de impugnar decisões monocráticas proferidas por um relator dentro de um Tribunal, sendo cabível a partir da segunda instância, e busca que a decisão seja do colegiado, numa tentativa de reverter decisão monocrática desfavorável ou que possa possuir alguma contradição.
7.5 Apelação da sentença
Esse é um recurso que serve para recorrer de sentenças proferidas pelo magistrado, sendo que a apelação deve ser dirigida ao juízo de primeiro grau, onde a parte interessada, com as devidas qualificações deve apresentar o motivo do pedido de reforma, pedindo com isso uma nova decisão. Esse recurso é proposto em decisões terminativas ou definitiva de primeira instância, para instância superior. Como em ações de saúde os entes públicos recebem diversa sentenças desfavoráveis esse é um dos recursos mais utilizados para tentar reverter a obrigação já imposta pelo magistrado. A apelação possui prazo de 15 dias úteis, mas passa a ser de 30 dias para o Estado, a partir da publicação da sentença, iniciando no primeiro dia útil subsequente.
7.6 Contrarrazões
Com fundamentos na Lei nº 13.105/15, Artigo 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil, esse é um recurso que busca combater outro recurso chamado de razões, apresentadas pela parte contrária. Conforme o Código de Processo Civil possui prazo de 15 dias úteis normais e em dobro para as Fazendas Públicas. Esse recurso é mais usado no Estado nas formas de recurso especial e extraordinário que deve ser apresentado para a presidência ou vice-presidência do tribunal respectivo tribunal, para que sejam encaminhados posteriormente aos tribunais superiores, como Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
7.7 Manifestações
As petições de manifestação são atos em que as partes se manifestam em relação a um despacho proferido pelo juiz, sendo essa assim uma forma de resposta quando se é demandada. Nas ações de saúde essas manifestações são corriqueiras, principalmente no que se refere aos questionamentos por parte do magistrado quanto ao cumprimento das decisões anteriores que podem não ter sido cumpridas, seja por falta de recursos ou de informações do Estado. Nesses casos é cobrado das partes uma manifestação para seja apresentada alguma informação com relação a outro ato e posteriormente se dê andamento ao processo.
7.8 Audiências
As audiências são uma tentativa solução de demandas em que se ouve as partes e ou seus advogados, mas em processos de saúde, devido ao aumento significativo do número de ações judiciais, essas estão sendo até dispensadas pelos advogados públicos.
7.9 Embargos
Abordando os embargos de forma ampla, pode se dizer que esses são uma série de recursos que servem para que se consiga autorização legal para suspender um ato, seja a defesa de um direito, ou ainda como recurso processual, sendo o caso dos embargos de declaração ou embargos infringentes, esses últimos mais usados pelo Estado se necessário.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado não desconhece seu papel previsto na Constituição Federal, uma vez que essa atribuiu o direito a Saúde como um direito tutelado. Mas atua de acordo com o seu direito assegurado no artigo 5°, LV, da Carta Magna que assegura as partes de um processo judicial a ampla defesa e o contraditório, ou seja, essa é uma garantia para ambas as partes.
O fato de o ente estatal contestar uma ação judicial não o isenta da concretização, mas o Estado precisa se esforçar ainda mais para concretizar tais direitos e buscar diminuir os impactos da judicialização.
A judicialização da saúde pública, está ligada à desorganização do sistema como um todo, trazendo assim prejuízo à população que recorre ao poder judiciário na busca pela efetividade de um direito, que o Estado precisa garantir através de políticas públicas e não somente por determinações judiciais, visto que a judicializar atente mais o interesse individual, atrapalhando toda a coletividade.
É importante lembrar que além dos longos prazos em dobro dados as fazendas públicas, ainda temos os prazos do magistrado, esse que enfrenta dificuldades devido à grande demanda que recebe.
Nesse cenário é possível constatar que mesmo judicializando o cidadão ainda encontra grande dificuldade pela demora de todo um sistema que oferece a ampla defesa ao Estado e acaba prejudicando aquele que tem em uma ação a única alternativa para a manutenção da vida, mas enquanto não existir maneiras mais eficazes de atender a todos ou alguma legislação pertinente, o judiciário continuará sendo cada vez mais demandado.
9.REFERÊNCIAS
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Bacharelando em direito na Faculdade Serra do Carmo - FASEC. Orientado pelo professor mestre Edy César dos Passos Júnior.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, Mateus Carreiro. Os atos processuais da Fazenda Pública na judicialização da saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57686/os-atos-processuais-da-fazenda-pblica-na-judicializao-da-sade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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