Resumo: O presente estudo tem por objetivo analisar a adoção das medidas executivas atípicas na execução de quantia. Para tanto, primeiramente será feita uma breve contextualização do tema à luz do CPC de 1973. Em um segundo momento se buscará abordar os seus limites das medidas executivas propriamente ditas, isto é, como os Tribunais Superiores vêm abordando a matéria, como as medidas executivas atípicas têm sido utilizadas caso a dívida tenha caráter alimentares, bem como aspectos de seu caráter subsidiário. Também se explorará brevemente a experiência portuguesa no assunto. Por derradeiro, a conclusão do presente trabalho é que a satisfação executiva, apesar de representar direito legítimo do credor, não pode importar, de forma alguma, no amesquinhamento da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Medidas Executivas Atípicas. Dignidade Da Pessoa Humana.
Sumário: 1. Introdução – 2. Limites; 2.2 Entendimento dos Tribunais Superiores 2.2.1 Dívidas alimentares; 2.2.2. Caráter subsidiário 3. Considerações finais. 4. Referências.
Introdução
Medidas executivas atípicas não são novidade em nosso ordenamento Jurídico. O parágrafo quinto do artigo 461 do CPC/1973 já previa o poder do Juiz de se valer de meios atípicos para garantir o cumprimento de decisão judicial que deveres jurídicos de fazer, não fazer ou entregar coisa. No mesmo sentido são os artigos 11 da Lei nº 7347/85 e 84 do CDC.
Tal quadro normativo é relevante para demonstrar que a verdadeira inovação contida do artigo 139, IV, do CPC/15 foi a expressa previsão da aplicação de medidas executivas atípicas também para “ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
A partir daí, constata-se que o legislador processual promoveu alteração na técnica de execução dirigida à satisfação da obrigação de pagar quantia, para permitir ao Juízo a adoção de medidas indiretas ou de coerção igualmente quando o objeto da execução é o adimplemento de obrigação pecuniária.
Limites
Fixada a premissa de que nosso ordenamento jurídico prevê de longa data as medidas executivas atípicas para obrigações de entregar coisa, fazer e não fazer e que a singularidade do atual inciso IV do artigo 139 do CPC/15 reside apenas na extensão às execuções que tenham por objeto prestação pecuniária, cabe indagar se houve alguma outra alteração normativa que justifique a guinada interpretativa realizada pela doutrina a partir do advento do atual Código de Processo Civil.
Explica-se. Apesar da longínqua previsão de medidas executivas atípicas em nosso ordenamento, apenas com a extensão às prestações pecuniárias que se começou a cogitar medidas como apreensão de passaporte e CNH, vedação à participação em concursos, proibição de frequentar locais e todo tipo de providências que recaiam diretamente sobre a pessoa do executado.
A mudança de interpretação, tida por alguns como uma "Revolução silenciosa por quantia"[1], contudo, parece não se justificar, uma vez que descolada de qualquer mutação constitucional que permita dar nova interpretação aos artigos 1º, III e 5º, II, XXXIX e LIV da Constituição da República.
Rememore-se que, em não tendo havido alteração formal do texto constitucional na matéria, o principal instrumento de alteração informal é a mutação constitucional[2], fenômeno consubstanciado na alteração da Constituição sem alteração do texto. Para tanto, faz-se necessária a presença de mudança da realidade fática subjacente à norma ou mudança moral da sociedade que conduza à mudança de interpretação, isto é, em alteração na própria ideologia que subjaz ao direito.
No caso das medidas executivas atípicas e dos limites para efetivação da execução, não se vislumbra “mudança moral da sociedade” que dê azo a mitigações à esfera pessoal do executado em detrimento da efetivação de uma obrigação de caráter eminentemente patrimonial. Inclusive, adeptos do Direito Civil-Constitucional, defendem a primazia dos interesses existenciais em face dos interesses patrimoniais[3], fenômeno que justifica, por exemplo, a imprescritibilidade dos direitos da personalidade e da ação de investigação de paternidade (mas não da petição de herança que seria o desdobramento patrimonial do direito de conhecer suas origens).
No entanto, o principal limite à mutação constitucional é semântico, isto é, o próprio texto impõe um limite, já que não são admissíveis mutações constitucionais incompatíveis com o texto (contra constitutionem), sob pena de esfacelamento completo da normatividade do texto constitucional.
Outro limite é a própria identidade da Constituição, na medida em que o poder constituinte difuso não pode se substituir ao Poder Constituinte Originário e alterar o núcleo de identidade que é a o espírito da Constituição. E é aqui que se inserem as cláusulas pétreas e os fundamentos da República, dos quais são exemplos, respectivamente, o artigo 5º, XXXIX (Nulla poena sine lege) e a dignidade da pessoa humana.
Pois bem, constituindo a Dignidade da pessoa humana princípio regente de todo o ordenamento jurídico, deve servir de linha mestra para toda e qualquer interpretação na matéria, razão pela qual o presente trabalho defenderá a interpretação conforme do artigo 139, IV, do CPC/15 para que seja lido a partir do limite da patrimonialidade, afastando-se medidas que recaiam sobre a pessoa do executado. Tal limite, inclusive, parece ter sido objeto de preponderação do legislador processual quando afirma que o devedor responde com seus bens (artigo 789, CPC/15).
Recentes reflexões acerca do artigo 139, IV, do CPC/15, como é o caso dos Professores Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira[4], têm justificado a constitucionalidade do dispositivo a luz do Devido Processo Legal, do qual decorreria princípio da efetividade e o direito fundamental à tutela executiva.
Parte-se, assim, da premissa que direitos fundamentais são ponderáveis, a partir da análise do caso concreto, o que poderia levar a uma maior ou menor proteção do direito fundamental à tutela executiva quando em colisão com direitos fundamentais do executado.
Contudo, com todo respeito, tal compreensão não dá o devido valor à noção de prevalência dos direitos existenciais sob os patrimoniais e ao processo histórico de constitucionalização do Direito Civil e do Direito Processual Civil, que coloca os direitos fundamentais e a própria dignidade da pessoa humana no centro do sistema.
Na clássica lição Kantiana as coisas têm preço, as pessoas têm dignidade e, sendo a dignidade da pessoa humana o valor fundante de nosso ordenamento, o Direito, antes de assegurar a subsistência dos valores patrimoniais, existe para assegurar a prevalência dos valores existenciais. Assim, no conflito entre direitos existenciais e patrimoniais há uma prioridade prima facie dos primeiros, pela própria priorização que a Constituição fez da pessoa em detrimento do patrimônio.
Ora, se a pessoa humana passou a desempenhar o papel de protagonista do direito, constituindo a dignidade um dos objetivos da República, a proteção jurídica dada à satisfação patrimonial do exequente não pode ser a mesma dos valores existenciais do executado, dada a diferenciação marcante do bem jurídico envolvido.
Por óbvio, não se ignora que há hipóteses em que a satisfação do credor, como é o caso da dívida alimentar, visa tutelar sua própria subsistência e seu mínimo existencial e, justamente por isso, entendemos que a execução de alimentos deve ser analisada em apartado, tal qual já realizado pelo Constituinte no artigo 5º, inciso LXVII e pela Convenção Americana de Direitos Humanos através do pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil com status de supralegalidade.
Com isso em mente, a leitura da norma infraconstitucional ora analisada (artigo 139, IV, CPC/15) deve se dar de forma que melhor realize o sentido e o alcance dos valores e fins constitucionais a ela subjacentes, excluindo possíveis interpretações incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e a proibição de aplicação de penas sem prévia cominação legal. Nada mais é que conferir ao supracitado artigo interpretação conforme a Constituição[5].
Isso porque, a partir do momento em que se defende, com espeque no poder geral previsto no artigo 139, IV, do CPC/15 a retenção de passaporte e CNH, a proibição de frequentar locais ou até mesmo de realizar provas de concurso público, está a se adotar medidas que não restringem os bens da pessoa, mas incidem sobre si própria e sobre a possibilidade dela praticar ou não um ato sem nenhum conteúdo patrimonial.
Cabe destacar que todas as medidas que vem sendo levantadas pela doutrina como passíveis de serem adotadas pelo Magistrado com base no artigo 139, IV, do CPC/15 são categorizadas no Código Penal como penas restritivas de direitos. Veja-se, por exemplo, que o artigo 43, V, prevê a interdição temporária de direitos e, por sua vez, o artigo 47 arrola quais seriam tais penas restritivas de direitos.
Da leitura dos incisos do artigo 47 do Código Penal[6] é possível perceber que ali foram elencadas como penas a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo, proibição de frequentar determinados lugares, proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. Prevendo o artigo 55 do mesmo Código, ainda, que as penas restritivas de direitos têm como limite de duração a pena privativa de liberdade que está sendo substituída.
Vê-se, assim, que as interpretações que vem sustentando a possibilidade de apreensão de passaporte, de CNH, proibição de frequentar lugares e etc nada mais fazem que aplicar medidas que são categorizadas pelo direito penal como penas restritivas de direitos, para, em nome princípio da efetividade e o direito fundamental à tutela executiva (emanações com cunho patrimonial), restringir direitos existenciais.
Não é demais lembrar que o direito penal é revestido de maior caráter garantístico justamente porque incide sobre a pessoa e sua aptidão para exercer direitos, sendo por tal razão tido como a “ultima ratio”, dada a premissa de que nem todas as condutas humanas comportam tutela penal e repreensões de maior gravidade. Ora, ao reconhecer o descumprimento da ordem judicial (condenação à obrigação de pagar quantia) e aplicar medida restritiva de direitos (apreensão de CNH, por exemplo) até que o executado pague, há clara inversão do próprio papel do direito processual civil.
Isso porque, na prática, nada mais faz o Juízo Cível que condenar o executado com base no crime de desobediência (artigo 330, CP), substituindo a pena de detenção por uma pena restritiva de direito sem prévia cominação legal (artigo 5º, XXXIX, CF - Nulla poena sine lege) e sem a observância dos princípios regentes do direito punitivo do Estado.
Tal digressão, apesar de soar absurda, tem o condão de alertar para o fato de que as interpretações que vem sendo dadas pela Academia, ao admitir medidas restritivas que incidam sobre a pessoa, acabam por criar uma espécie de direito processual punitivo.
A doutrina em geral vale-se do subprincípio da adequação para justificar a aplicação de tais instrumentos, aduzindo que medida deve ser adequada para atingir o fim almejado (satisfação da execução), do contrário se traveste de caráter sancionatório, incompatível com processo civil.
Como se vê, tal posicionamento parte da premissa de que a aplicação de um instrumento restritivo de direito seria viável se vocacionado à satisfação da execução, conferindo verdadeiro caráter instrumental ao exercício de ponderação, que, repise-se, tal qual aplicada acaba por subverter a priorização que a Constituição fez da pessoa em detrimento do patrimônio.
Com isso em mente, concordamos com o posicionamento de Alexandre Câmara[7], segundo o qual toda responsabilidade patrimonial deve ser pensada a partir do artigo 789 do CPC/15 e da asserção de que o executado responde pela execução com seus bens (princípio da patrimonialidade). Do contrário, admitir medidas que recaiam sobre a pessoa é permitir retrocesso histórico de 25 séculos.
Assim, adotamos o posicionamento de que o Limite fundamental às medidas executivas atípicas é o da patrimonialidade da execução, conferindo-se interpretação conforme a Constituição ao artigo 139, IV, do CPC para excluir qualquer interpretação que maculem a dignidade da pessoa humana e seus consectários acima abordados.
Entendimento dos Tribunais Superiores
O tema já foi alvo de diversas manifestações do Superior Tribunal de Justiça, que proferiu decisões acerca da aplicabilidade do artigo 139, IV, do CPC/15. No julgamento dos REsp 1.782.418 e REsp 1.788.950, entendeu a Corte que “A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável (...)”, marcando ainda o caráter subsidiário das medidas.
O STJ andou bem quando fixou a premissa de que só se pode utilizar medida executiva atípica em relação a quem tem capacidade patrimonial, mas precisamos ir além e limitar as medidas aos bens do devedor (artigo 789 do CPC).
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal está na iminência de julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.941, em que se questiona a constitucionalidade do artigo 139, inciso IV, do CPC por violação ao direito de liberdade de locomoção (artigo 5º, incisos XV e LIV) e à dignidade da pessoa humana (artigo 1ª, inciso III) e ao artigo 5º, LIV, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Trata-se de ocasião em que a Suprema Corte poderá amainar os excessos cometidos na aplicação das medidas executivas atípicas, conferindo interpretação conforme a Constituição ao artigo 139, IV, do CPC para excluir qualquer interpretação que maculem a dignidade da pessoa humana.
Dívidas alimentares
Em relação ao devedor de alimentos, considerando que o próprio texto Constitucional previu a restrição de liberdade do executado a partir de uma preponderação que deu maior enfoque ao mínimo existencial do credor, concorda-se com Fredie Didier quando defende que a “medida executiva atípica pode substituir uma medida típica que seja mais gravosa, desde que seja igualmente eficiente[8].”
Na hipótese específica das dívidas alimentares, a utilização de medidas executivas atípicas que envolvam a restrição de direitos para substituir a medida típica de prisão civil parece ser mais consentânea com o princípio da proporcionalidade em sentido estrito na ótica de proibição do excesso.
Por se tratar de medida menos intensa que a própria medida típica (prisão), sendo a medida substitutiva pautada pela sua efetividade para obter o fim pretendido, a adoção de medidas restritivas tais como a retenção de CNH/passaporte ou a proibição de utilização de cartão de crédito, se fundamentadamente eficazes, podem prevalecer em relação à prisão do devedor. Seria o caso, por exemplo, do jogador de futebol com muitos recursos que deve pensão alimentícia.
Caráter subsidiário
Partindo da premissa ora adotada de que o artigo 139, IV, CPC é constitucional a partir de sua limitação a luz da patrimonialidade, sua adoção deve ser subsidiária, isto é, quando esgotadas (ou se ineficazes) as medidas típicas na esteira do que entendeu a Terceira Turma do STJ quando do julgamento do Recurso Especial 1782418/RJ[9] e do Enunciado nº 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis[10].
Não se desconhece a posição adotada por Marinoni, Mitidiero e Arenhart[11] de que a aplicação conjugada das técnicas descritas no artigo 513 e 139, IV, do CPC/15 permitira concluir que este último dispositivo abriria as portas para o sistema de atipicidade de todas as formas executivas baseadas em títulos judiciais, independentemente da natureza, podendo o Magistrado se valer de qualquer técnica que entender adequada.
No entanto, à luz do que defende Fredie Didier e grande parte da doutrina, acredita-se que o melhor entendimento seja aquele que defende que o caráter preferencial da tipicidade das medidas na execução para prestação pecuniária é confirmada pelos artigos 921, III, e 924, V, do CPC/15.
Um argumento pragmático envolve o fato de que o legislador processual tratou minudentemente da execução de quantia, pelo que aplicar diretamente medidas sem previsão legal, além de ferir o princípio da proporcionalidade na vertente da necessidade, importaria em completa desconsideração de uma opção legislativa válida.
Tal subsidiariedade ganha ainda mais relevância quando cresce o número de defensores de medidas atípicas que recaiam sobre a pessoa do executado, uma vez que garante um escudo mínimo à esfera pessoal do devedor.
Em relação aos critérios para aplicação das medidas atípicas, a doutrina é quase unânime ao defender a observância obrigatória do princípio da proporcionalidade, garantia do contraditório e observância do dever de fundamentação exauriente na aplicação da medida.
Do postulado da proporcionalidade, extrai-se o percurso que deve ser observado pelo julgador quando da utilização de tais medidas: 1) avaliação da adequação da medida para atingir o fim almejado; 2) necessidade da medida, isto é, avaliando-se todas as medidas possíveis e igualmente adequadas qual traria o menor grau de restrição aos direitos do executado e, finalmente, 3) proporcionalidade em sentido estrito, que envolve uma espécie de análise de custo-benefício, questionando-se se a medida traz mais benefícios que malefícios (lógica de vedação do excesso).
Outros critérios elementares que devem ser observados decorrem das próprias normas fundamentais do processo e, ante o grau de restrição e incerteza das medidas atípicas, ganham ainda mais força na aplicação da parte final do artigo 139, IV, do CPC/15. São eles a necessária observância do contraditório e o dever de fundamentação exauriente, que permita aos jurisdicionados acompanhar o caminho lógico que levou a adoção desta ou daquela medida[12].
Por fim, admitida a aplicação de medidas executivas atípicas nas “ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, sua extensão deve ser restrita à prescrição da pretensão executória, de modo que só podem perdurar enquanto for exigível a pretensão.
Parece-nos, ainda que da leitura dos artigos 924, V, c/c 921, III e §§ do CPC/15, quando não encontrados bens penhoráveis e decorrido o prazo máximo de 1 ano de suspensão da execução (§§1º e 2º, artigo 921, CPC/15), mostra-se aplicável a mesma lógica adotada pela 1ª Seção do STJ ao definir a correta aplicação do artigo 40 da LEF quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.340.553.
Isso porque as previsões textuais dos dispositivos do CPC/15 acima citados são idênticas ao disposto no artigo 40 da Lei de Execução Fiscais. Assim, havendo ou não petição do exequente e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de um ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, findo o qual o Juiz, depois de ouvido o exequente, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
Importante mencionar que tal padrão decisório firmou-se no sentido de que apenas a efetiva constrição patrimonial seria apta a interromper o curso da prescrição intercorrente. Assim, durante a execução da medida executiva atípica que não importe em efetiva constrição patrimonial, estará correndo normalmente o prazo da prescrição intercorrente, findo o qual, a medida atípica perde sua razão de ser e deve ser prontamente afastada.
Por vigorarem há quase 5 anos, as medidas executivas atípicas aqui analisadas já vêm sendo aplicadas pelos Tribunais país afora, o que permitiu levantar questionamentos acerca da própria efetividade da adoção indiscriminada de tal instrumento.
Em recente pesquisa realizada no âmbito do TJSP, Fernando Gajardoni e Rodrigo Buck Calderari[13] avaliaram 62 acórdãos que versavam sobre a aplicação do artigo 139, IV, do CPC. Entre as conclusões levantadas pelos autores, reside o déficit de fundamentação na adoção ou afastamento das medidas e a amostra coletada demonstra que as medidas executivas analisadas não conduziram ao esperado cumprimento da execução.
De oito casos que envolviam a aplicação de pelo menos uma das medidas atípicas (suspensão da CNH, apreensão de passaporte ou cancelamento de cartão de crédito), averiguou-se que em sete deles não houve satisfação da execução, retornando o processo para a tentativa de penhora ou efetivando-se o arquivamento dos autos.
Tal panorama aponta para a necessidade de adoção de instrumentos mais racionais, que não impliquem mero caráter sancionatório apartado da busca pela efetividade que leva, muitas vezes, a procura cega por meios de satisfação da execução.
É a partir daí que ganham forças propostas que utilizem a tecnologia a serviço da efetividade na execução enquanto alternativa à atipicidade[14] e o forte movimento pela desjudicialização da execução[15]. Sobre o tema, Elias Marques de Medeiros Neto[16] enfatiza, ainda, que o êxito da execução depende exclusivamente de bens que possam ser penhorados.
Para tanto, a partir de uma exposição sobre o modo como se deu a desjudicialização da execução em Portugal, aponta-se que o ponto central para garantir a efetividade e eficácia da execução é facilitar o acesso à informação de bens do devedor, como, por exemplo, o “cadastro nacional de exeucções” português, com indicação de bens, penhoras e execução frustradas e do procedimento preparatório executivo (PEPEX), que permite que o agente de execução realize busca prévia de bens para justificar ou não o ajuizamento da execução, evitando-se o ajuizamento de ações infrutíferas.
Considerações Finais
Conclui-se, por derradeiro, que o ímpeto de satisfação executiva, apesar de legítimo, não pode importar no amesquinhamento da dignidade da pessoa humana. Justamente por isso que o artigo 139, IV, do CPC/15 deve ser interpretado conforme a Constituição, afastando-se medidas que recaiam sobre a pessoa do executado, bem como aquelas que recaiam sobre todos aqueles que, de boa-fé, simplesmente não disponham de capacidade patrimonial para o adimplemento da obrigação.
Referências
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro – 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2019.
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CÂMARA, Alexandre Freitas O Novo Processo Civil Brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 5. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito processual civil: execução/ Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira – 10ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Disponível em: https://www.jota.info/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia. Publicado em: 25/08/2015. Acesso em 18/11/2021 às 20:55.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 (Vol. II).
MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios de direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
NETO, Elias Marques de Medeiros Procedimento Extrajudicial Pré-executivo (autor). 1. ed. São Paulo: Verbatim, 2015.
NUNES, Dierle e ANDRADE, Tatiana Costa de. Tecnologia a serviço da efetividade na execução: uma alternativa aos dilemas do artigo 139, IV, CPC. Iniciando a discussão. Revista de Processo | vol. 303/2020 | Maio / 2020 DTR\2020\6813.
[1] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. Disponível em: https://www.jota.info/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia. Publicado em: 25/08/2015. Acesso em 18/11/2021 às 20:55.
[2] Sobre o tema: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo – 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, capítulo V da Parte I, 2019.
[3] MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios de direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar. 2006, p. 45.
[4] Neste sentido, defendem os autores que “o devido processo legal, cláusula geral processual constitucional, tem como um de seus corolários o princípio da efetividade: os direitos devem ser efetivados, não apenas reconhecidos. Processo devido é processo efetivo”. DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito processual civil: execução/ Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira – 10ª ed. rev. ampl. e atual - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
[5] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro – 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 106 e 107.
[6] Artigo 47 - As penas de interdição temporária de direitos são: I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. IV – proibição de frequentar determinados lugares. V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. (Incluído pela Lei nº 12.550, de 2011).
[7] Câmara, Alexandre Freitas O Novo Processo Civil Brasileiro / Alexandre Freitas Câmara. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2019.
[8] DIDIER Jr, Fredie. Curso de Direito processual civil: execução/ Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga, Rafael Alexandria de Oliveira – 10ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
[9] STJ - REsp: 1782418 RJ 2018/0313595-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 23/04/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2019.
[10] In litteris: 12. (arts. 139, IV, 523, 536 e 771) A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do artigo 489, § 1º, I e II. (Grupo: Execução).
[11] “Por outro lado, em se tratando das prestações pecuniárias, impostas por sentença judicial, viu-se que uma primeira análise poderia conduzir à conclusão de que o modelo adotado pelo código mantém-se ainda arraigado às concepções clássicas, de cunho liberal, prevendo um sistema típico de tutela para esses interesses. Porém, combinando-se as técnicas descritas a partir do artigo 513 do CPC, com o contido no artigo 139, IV, do Código, vê-se que não é essa a alternativa adotada pelo ordenamento nacional. A abertura autorizada por este último preceito autoriza concluir que também para esse tipo de prestação vigora o modelo de atipicidade de formas executivas, de modo que o juiz pode impor o pagamento de soma sob ameaça do emprego de medida de indução ou de sub-rogação que entenda mais adequado ao caso concreto. Conclui-se, então, que, para os títulos judiciais, vigora hoje o sistema de atipicidade de meios executivos, de modo que o juiz que ordena a satisfação de alguma prestação - pouco importando a sua natureza - pode impor o seu cumprimento pelo emprego de qualquer técnica de indução ou de sub-rogação que avalie adequada.” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015 (Vol. II), p. 710/711.
[13] CALDERARI, Rodrigo Buck e GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A (IN)EFETIVIDADE DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO ÂMBITO DO TJSP - Revista de Processo | vol. 299/2020 | p. 125 - 152 | Jan / 2020 DTR\2019\42647.
[14]NUNES, Dierle e ANDRADE, Tatiana Costa de. Tecnologia a serviço da efetividade na execução: uma alternativa aos dilemas do artigo 139, IV, CPC. Iniciando a discussão. Revista de Processo. Vol. 303/2020 | Maio / 2020 DTR\2020\6813.
[15] Discussão sobre o Anteprojeto de Lei para introdução do agente de execução no direito processual brasileiro disponível em https://www.academia.edu/t/c6SWv-Pd896H3-SCN2F/s/67e475fb84/
[16] NETO, Elias Marques de Medeiros Procedimento Extrajudicial Pré-executivo (autor). 1. ed. São Paulo: Verbatim, 2015.
Advogada formada na Universidade Federal Fluminense, residente jurídica da PGE-RJ. Especialista pós-graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABRUNHOSA, Olívia Waldemburgo de Oliveira. Medidas executivas atípicas: efetividade versus dignidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57693/medidas-executivas-atpicas-efetividade-versus-dignidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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