RESUMO: A lei de execução penal prevê que os apenados terão direito a todos os direitos os quais não foram retirados por meio da aplicação da pena. As saídas temporárias, nesse contexto, são muito importantes, uma vez que é necessário que a pena possa cumprir com a sua função social – que é a reeducação do preso – e não terem uma função vingativa, como alguns setores da sociedade assim desejam. Nesse sentido, o presente trabalho teve por objetivo discorrer a respeito da efetividade das saídas temporárias à luz da Constituição Federal e da Lei de Execuções Penais. No decorrer da presente pesquisa, verificou-se que a falta de efetividade das saídas temporárias pode ser justificada pela própria falta de efetividade da execução da pena, que não consegue ter o seu fim ressocializador, É preciso mais do que isso: uma reformulação na maneira que a execução penal se dá no cárcere, com efetiva fiscalização e garantia de direitos humanos aos presos poderia diminuir as chances de reincidência diminuindo a violência que pode ou não ser cometida no decorrer da saída temporária. Garantindo dignidade e a efetiva reinserção dos presos na comunidade, é possível que o sistema penal de maneira global possa ser mais efetivo quando da execução da pena, fazendo com que também as saídas temporárias possam cumprir seu fim, que é o de introduzir os presos novamente ao convívio em sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Execução Penal. Saídas Temporárias. Efetividade.
ABSTRACT: Brazilian criminal law follows the guidelines of the Federal Constitution, which prohibits the punishment or its execution from being cruel and violating the human rights of prisoners. In this sense, the penal execution law provides that the inmates will be entitled to all the rights which were not removed through the application of the penalty. Temporary exits, in this context, are very important, since it is necessary that the penalty can fulfill its social function – which is the prisoner's re-education – and not have a vengeful function, as some sectors of society so desire. In this sense, the present work aimed to discuss the effectiveness of temporary exits in light of the Federal Constitution and the Criminal Execution Law. In the course of this research, it was found that the ineffectiveness of temporary exits can be justified by the ineffectiveness of the execution of the sentence itself, which cannot have its re-socializing purpose. It was concluded that there are some legislative efforts – many in their existence the result of criticism from various areas of civil society, against the occurrence of temporary exits – that aim to further repress the crimes committed during these moments of freedom given sporadically to the convicts. Despite being a successful legislative effort, we understand that the repression of the criminal act alone will not be efficient for the repeat offender to stop committing the crime. More than that is needed: a reformulation in the way that criminal execution takes place in prison, with effective supervision and guarantee of human rights to prisoners, could reduce the chances of recurrence, reducing the violence that may or may not be committed during the release temporary. Ensuring dignity and the effective reinsertion of prisoners in the community, it is possible that the penal system in a global way can be more effective when the sentence is executed, making temporary exits also fulfill their purpose, which is to introduce prisoners again to coexistence in society.
KEYWORDS: Penal execution. Temporary Departures. Effectiveness
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A importância das saídas temporárias dentro do ordenamento jurídico brasileiro; 3. A efetividade das saídas temporárias; 4. O debate a respeito das saídas temporárias à luz da lei de execução penal e da constituição federal; 5. Conclusão; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A lei penal brasileira segue as diretrizes da Constituição Federal, que proíbe que a pena ou sua execução seja cruel e viole os direitos humanos dos presos. A lei de execução penal prevê, inclusive, que os apenados terão direito a todos os direitos os quais não foram retirados por meio da concessão da pena.
As saídas temporárias, nesse contexto, são muito importantes, uma vez que é necessário que a pena possa cumprir com a sua função social – que é a reeducação do preso – e não terem uma função vingativa, como alguns setores da sociedade assim desejam.
É que a natureza da pena é retributiva, mas também preventiva e principalmente educativa. O Estado não tem interesse, ao menos em tese, na manutenção da criminalidade. Desta maneira, a imposição de penas que suscitem comportamentos indesejados pelos presos pode ser algo muito ruim para o objetivo da pena.
Ocorre que o sistema prisional brasileiro não tem cumprido o objetivo de reeducar os condenados e, com o instituto das saídas temporárias – objeto do presente trabalho – não é diferente.
Dessa maneira, o presente trabalho utiliza como questão norteadora “As saídas temporárias, no contexto atual em que são realizadas, são ineficientes a reintrodução do preso na sociedade e frágeis, uma vez que expõem a sociedade a condenados não reeducando?”.
Trabalha-se com a hipótese de que apesar de intenso combate midiático e ideológico contra as saídas temporárias, estas continuam sendo importante forma de a Lei de Execução Penal promover a reintegração do preso na sociedade. No entanto, é necessário que haja uma remodelação deste instituto, com o objetivo de assegurar o bom cumprimento deste instituto.
2. A IMPORTÂNCIA DAS SAÍDAS TEMPORÁRIAS DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO;
A bem da verdade, é importante que se conheça melhor o instituto da saída temporária para que possa haver a emissão de juízo de valor fundamentado a respeito de tal garantia processual penal.
Turbay e Désirée (2019) analisam que o benefício da saída temporária é devido a apenas um público específico de presos – os que se encontram cumprindo pena em regime semiaberto. A partir de então, os autores elucidam que tais saídas são concedidas em datas comemorativas, como o Natal, ano novo, a Páscoa, o dia das mães, dia dos pais e dia de finados:
A saída temporária está disciplinada nos artigos 122 a 125 da lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal). O benefício é direcionado aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto. Tal autorização é concedida pelo juiz de execução, dando a esses internos a possibilidade de saírem do estabelecimento prisional de forma temporária, isto é, com prazo determinado. As datas comemorativas que autorizam a saída temporária são: Natal/Ano Novo; Páscoa; Dia das Mães; Dia dos Pais; e Finados.
Turbay e Désirée (2019) explicam que a concessão do benefício não ocorre de maneira automática, uma vez que o condenado deve preencher requisitos para a sua concessão. É necessário apresentar bom comportamento, ter cumprido 1/6 de sua pena – no caso de réus primários – ou 1/4 - no caso de réus reincidentes. Tal benefício deve ser compatível com os objetivos da pena:
Sendo o referido benefício um direito subjetivo, o condenado deve preencher certos requisitos para fazer jus a sua concessão, devendo apresentar bom comportamento; cumprir no mínimo um sexto da pena, se primário, e um quarto, se reincidente. O benefício deve ser compatível com os objetivos da pena.
Turbay e Désirée (2019) elucidam, ainda, que com a concessão de tal benefício, o condenado tem a possibilidade de afastamento do ambiente prisional sem a submissão de vigilância direta. Sobre a monitoração eletrônica, esta fica a critério do magistrado, que pode deixar de aplicar tal medida se achar que esta é dispensável:
O artigo 122 da Lei de Execuções Penais dispõe que, ao receber o benefício, o interno terá a possibilidade de se afastar do ambiente prisional sem ser submetido à vigilância direta, ficando a critério do magistrado a determinação quanto à necessidade de monitoração eletrônica.
Por fim, Turbay e Désirée (2019) trazem que a concessão de saída temporária tem objetivo. Tal objetivo pode ser a concessão de saída temporária para a visitação de familiares – tais como a ocorrida em feriados, que já foi trabalhada anteriormente; a frequência a curso supletivo profissionalizante ou de instrução de 2º grau ou superior; pode ocorrer, também, para a participação de atividades que concorram para o retorno do condenado ao âmbito social:
O intuito da saída é proporcionar ao condenado a visitação aos familiares; a frequência em curso supletivo profissionalizante ou de instrução de 2º grau ou superior; ou, ainda, a participação em atividades que concorram para o retorno do condenado ao âmbito social. Tudo isso tem por objetivo propiciar a ressocialização, uma das finalidades das saídas.
Como vimos, as saídas temporárias têm por fim propiciar a ressocialização do apenado, um dos principais objetivos da aplicação da pena. Segundo Vanin (2018), o artigo 1º da Lei de Execuções Penais (lei n. 7210/1984) deixa explícito que a meta é proporcionar a ressocialização do condenado:
No primeiro artigo da Lei de Execução Penal, acerca da aplicação da pena, fica explícito que a meta do dispositivo é proporcionar condições favoráveis para a harmonia e integração social do condenado e internado.
Assim, a função ressocializadora da pena é posta desde o início em primeiro plano. Tal função explícita e declarada do dispositivo citado é uma das principais, as quais o Estado, por meio de suas políticas, se compromete a cumprir.
Desta maneira, cumpre salientar que o referido dispositivo legal citado por Vanin (2018) tem a seguinte redação: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, o que já deixa explícita a concordância do dispositivo com o que foi trabalhado anteriormente.
No mesmo sentido, o artigo 3º da Lei de Execuções Penais traz que o preso terá direito a todos os direitos que não foram atingidos pela sentença ou lei. Além disso, ressalta que não haverá distinção de qualquer natureza:
Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.
Assim, as saídas temporárias têm sua legalidade justificada, não sendo necessária a discussão a respeito da suspensão desta garantia concedida aos presos. O que se pode debater, no entanto, é a sua efetividade, uma vez que o cumprimento de tal objetivo – a ressocialização do preso – demanda diversos fatores.
3. A EFETIVIDADE DAS SAÍDAS TEMPORÁRIAS
Apesar de as saídas temporárias serem muito importantes ao ordenamento jurídico pátrio, cabe discutirmos a respeito da efetividade deste instituto. Visando a reinserção social,
Para Gomes e Sousa (2010, n.p) cabe ressaltar que o Estado permite que a saída temporária exista por uma suposta confiança no preso, que tem por objetivo permitir a ressocialização do condenado. Essa ressocialização é feita de maneira gradativa, uma vez que o preso não pode ser inserido de uma vez só e ser “ressocializado” dessa maneira:
A saída temporária se funda na confiança e tem por objetivo a ressocialização do condenado, já que permite sua gradativa reintegração à comunidade, destinada a apenados do regime semiaberto. Mostrar ao reeducando a possibilidade de manutenção dos seus laços familiares, permitir que ele tenha a oportunidade de estudar e se qualificar para o mercado de trabalho para, quando alcançar a liberdade, poder ter oportunidades para garantir o seu sustento licitamente e auxiliar para que tenha um convívio social íntegro, pacífico e harmonioso. Diferentemente, da permissão de saída que tem suas hipóteses elencadas no artigo 120 da Lei 7.210/84 (LEP): a) em caso de falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão e b) diante da necessidade de tratamento médico. No caso da permissão de saída, esse direito pode ser concedido a apenados dos regimes fechado e semiaberto, assim como os provisórios.
Sobre a reinserção social do condenado, Nogueira Júnior e Marques (2021, p.3) entendem que a ressocialização tem o intuito de converter o condenado a adaptar-se as normas sociais, demonstrando a ele o seu erro e que, ao pagar pela transgressão, poderia retornar ao convívio social. Infelizmente, não se observa o efeito ressocializador da pena, sendo isso consequência, principalmente, da maneira que a execução da pena se dá, ferindo diversos direitos humanos e tirando o mínimo de dignidade garantida constitucionalmente aos apenados:
O conceito do ressocializar reside no ato de “converter” o condenado que, através da execução da pena, adaptar-se-ia aos limites das normas sociais, compreendendo ter errado e convencendo-se de que, pagando pela sua falta, estaria pronto para o retorno ao convívio social. Nesse sentido, a pena teria a função de entronizar no recluso o senso moral que não possuía, a ponto de ter praticado uma conduta desajustada socialmente, aqui concebida como a infração penal. (FALCONI, 1998). Acontece que não se observa esse efeito ressocializador da pena, notadamente, pelas formas e condições com que a mesma é cumprida, sem que permita uma existência digna e assim, qualquer reflexão por parte do condenado que leve a uma nova proposta de vida, com a retomada de seu destino.
Segundo Vidal (2011, p.33), atualmente a ressocialização do preso não está sendo feita de maneira efetiva. É que, com o sistema prisional em crise, alguns dos presos estão sendo levados a reincidência, sendo necessário que algumas políticas sejam reformuladas:
Como se observou anteriormente, muito se discute os fins da pena privativa de liberdade, que na opinião de Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 146) “a ressocialização e a retribuição pelo fato são apenas instrumentos de realização do fim geral da pena: prevenção geral positiva.” Todavia, tais instrumentos, diante de um sistema prisional em crise, não estariam cumprindo com seu papel ressocializador, inclusive, levando os indivíduos à reincidência, sendo necessária uma mudança nas condições do cumprimento da pena, para que se possa, segundo os mesmos autores (2002, p. 147), buscar um “significado sociológico da função de ressocialização.” A ressocialização, porém, deve ser encarada não no sentido de reeducação do condenado para que este passe a se comportar de acordo com o que a classe detentora do poder deseja, mas sim como reinserção social, isto é, torna-se também finalidade da pena a criação de mecanismos e condições ideais para que o delinquente retorne ao convívio da sociedade sem traumas ou sequelas que impeçam uma vida normal. (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 146). Indiscutível que o instituto da saída temporária se torna mecanismo fundamental da reintegração do indivíduo ao meio externo do cárcere, bem como tem um papel imprescindível aos fins ressocializador da pena privativa de liberdade, visando o seu retorno gradativo ao convívio social e familiar de forma salutar.
Cabe ressaltar que existem algumas dificuldades atualmente quando do cumprimento da pena. Segundo Vidal (2011, p. 36) não há dúvidas quanto a importância do instituto das saídas temporárias dos presos. Ocorre que há uma frustração nas expectativas no que diz respeito a efetividade deste instituto. Em seu estudo, argumenta-se que uma das dificuldades é, também, o Estado Policialesco provocado pela mídia, entendendo que a reincidência ocorrida em alguns casos de saída temporária não é provocada pela saída temporária em si:
Incontestável a importância do instituto abordado para fins de ressocialização e efetivação dos propósitos da execução penal. Contudo, mesmo conseguido o objetivo e tendo a oportunidade de usufruir tal benefício muitos indivíduos não conseguem estabelecer este contato com a sociedade de forma salutar, frustrando expectativas, provocando um debate que ainda não encontra uma resposta concreta. Ao lado disso, surge um questionamento polêmico, o que é primordial? Assegurar direitos ao sentenciado, que à luz da Constituição Federal, é sujeito de direito igual a qualquer outro cidadão livre ou primar pela segurança e integridade da coletividade, o que também é um direito consagrado pela Carta Magna? E quando a opção escolhida é a de garantir direitos ao sentenciado, tal como o de lhe assegurar o benefício à saída temporária, na maioria das vezes, surge uma legião de opositores manifestando-se de forma radical e contrária à concessão da benesse. Essas vozes oposicionistas ganham força principalmente quando os meios de comunicação anunciam delitos cometidos por sentenciados durante o gozo do benefício, ou quando parcela desses sentenciados não retorna ao cárcere no final de período concedido, considerados assim, em fuga do sistema prisional. Todavia, a reincidência não pode ser creditada tão somente ao fato do sujeito ter sido beneficiado com as saídas temporárias, ou mesmo que só é praticada por aqueles que se encontram em gozo do benefício.
Dessa maneira, é preciso pensar uma maneira de reformular a política de execução criminal de forma geral para que as saídas temporárias tenham
Atualmente há um Projeto de Lei que tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que considera como agravante para a pena quando o crime for cometido durante uma situação extraordinária como a saída temporária, liberdade condicional e a prisão domiciliar:
O Projeto de Lei do Senado (PLS) 443/2017 passa a considerar agravante para a pena a ser paga quando o crime for cometido durante a saída temporária e em situações similares, como a liberdade condicional e a prisão domiciliar, ou por fugitivos do sistema prisional. O texto diz ainda que, se os crimes forem cometidos com violência ou grave ameaça à vítima, a pena será aumentada de um terço até a metade.
Desta maneira, verifica-se um esforço legislativo no sentido de coibir a prática de crimes no decorrer destas situações, como é o caso da saída temporária.
Com a devida vênia, o presente trabalho não concorda que apenas este esforço legislativo seja suficiente para coibir a ocorrência de práticas de reincidência no decorrer das saídas temporárias: entende-se que o problema é muito maior para ser resolvido apenas com a repressão estatal.
Para Andrade et al. (2015, p.33), os próprios operadores do Direito não creem numa ressocialização dos presos, utilizando em sua maioria de palavras hostis a se referir deste grupo, apesar de possuírem, inicialmente, um discurso voltado para o cumprimento da lei. Em estudo conduzido pelos autores, verificou-se que dentro dos presídios, agentes penitenciários – os profissionais que estão à frente do cuidado com os presos – acreditam que o foco da pena deve ter como maior importância tão somente a punição dos presos, não levando em consideração que a pena, cumprida dentro do cárcere, deveria ter sua política de execução com o foco em uma pena que é punitiva e educadora ao mesmo tempo, conforme preceitos da lei penal e processual penal vigente:
Os operadores da execução penal procuravam manter um discurso alinhado com o dos defensores dos direitos dos presos. Além da humanização dos presídios, insistiam na necessidade de fazer cumprir a LEP, de aproximar a sociedade do cárcere e da importância da família para a reintegração social da pessoa encarcerada. Ao mesmo tempo, não raro deixavam escapar palavras hostis em relação aos presos, defendendo os preceitos da sociedade punitiva: “a ressocialização é o ideal, mas na realidade a cadeia é punição apenas. E pensando como sociedade, acredito que ele tem que pagar mesmo”. Principalmente os agentes penitenciários acreditavam que o foco na punição era mais importante que na ressocialização, pois punir seria muito mais inibidor das ações criminosas que as ações voltadas à reintegração. Pairava a dúvida sobre a eficácia da prisão na transformação dos indivíduos. Principalmente devido às condições de cumprimento de pena, o cárcere possuía uma capacidade limitada de ressocialização, deixando espaço para uma política de execução centrada na punição, ainda que, idealmente, seu papel fosse de punir e reeducar, simultaneamente.
Dessa maneira, cabe ressaltarmos o debate existente a respeito das saídas temporárias e de que maneira esse debate deve levar em consideração a lei de execução penal e a Constituição Federal.
No entanto, independentemente de qualquer posicionamento doutrinário, acredita-se que, apesar de toda precariedade do sistema, há uma possibilidade concreta de recondução do indivíduo ao convívio social de forma satisfatória.
Tal inspiração positiva é reforçada na teoria de Franco (2009, p. 1), para quem:
22 [...] não se poderá jamais deixar de acreditar na melhora do homem, no crescimento pessoal e na recuperação porque, se perdida a esperança, então estará aberto o caminho para o abandono ainda maior de todos os apenados e para a própria falência da raça humana tomada como corpo inevitável de progresso. É obrigação de todos emprestarem aos demais seres humanos respeito, tolerância e dignidade. Este é um princípio inarredável da convivência humana fraterna.
4. O DEBATE A RESPEITO DAS SAÍDAS TEMPORÁRIAS À LUZ DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A lei penal e processual penal, como qualquer lei, pode ser objeto de questionamento por diversos setores da sociedade. Tal possibilidade faz parte da democracia e é saudável, desde que a discussão se dê até certo ponto.
É que a defesa de atos inconstitucionais com o objetivo de apresentar “melhoras” no sistema penal brasileiro é um equívoco que pode piorar ainda mais a questão da reincidência entre os condenados, ao colocá-los em condições sub-humanas.
É importante, assim, verificarmos o que diz a Constituição Federal a respeito do cumprimento de pena e apresentarmos o debate atual estimulado pela mídia e pela sociedade civil a respeito das saídas temporárias.
Inicialmente, cabe salientar que a Constituição Federal de 1988 traz, por meio do artigo 5º, que a pena deverá ser adotada entre as opções de privação de liberdade, perda de bens, multa, prestação social alternativa ou suspensão de direitos. O inciso XLI traz, também, que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais:
(...)
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
(...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Apesar de a Constituição Federal assegurar que o cumprimento de pena deverá ser apenas restrito a aquelas modalidades acima descritas, evitando-se, portanto, que a prestação da pena seja cruel, ou que ocasione na morte ou banimento do detento, por exemplo, o que se verifica atualmente é que parte da sociedade não deseja que tais garantias dadas a todos possam ser cumpridas aos presos, que delas mais necessitam no momento de vida a qual estão passando.
Com relação ao benefício da saída temporária, não é diferente. Vários setores da sociedade, influenciados principalmente pelo debate suscitado pela mídia e pela política, entendem ser abomináveis as saídas temporárias.
Entendem que tal instituto serviria apenas para desmoralizar o cumprimento de pena, uma vez que a concessão de tais saídas permitiria que os presos pudessem se organizar para efetuar ainda mais crimes quando soltos.
Um dos principais objetos de questionamento da sociedade civil, mídia e de setores opostos da política, são a saída temporária em massa de presos, de maneira que tais setores tentam pintar uma situação temerária a segurança pública em tais feriados comemorativos.
Segundo a Agência Senado (2021, n.p), atualmente
O caso do foragido Lázaro Barbosa, acusado de homicídios e estupros e procurado há mais de 15 dias no Distrito Federal, trouxe novamente à tona a discussão sobre as regras para a progressão de regime e as saídas temporárias e de presos. Na última quarta-feira, em Plenário, senadores pediram a aprovação de projetos que endurecem as regras para os chamados saidões.
— Toda a comoção que estamos vivendo não aconteceria se Lázaro continuasse na prisão. Por causa de assalto e estupro, ele foi preso em 2010. Teve progressão de pena para o semiaberto em 2013 e foi beneficiado com a saída temporária na Páscoa, em 2018. Decidiu que o saidão seria definitivo, e voltou a ser o que é: delinquente. Matou quatro pessoas de uma mesma família e sua fuga é tema obrigatório dos noticiários de rádio e TV em todo o país — lamentou o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) durante sessão remota.
É importante deixarmos claro que a concessão do benefício da saída temporária não é feita de qualquer maneira. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu, em sede de julgamento de Habeas Corpus, que o simples ingresso no regime semiaberto não faz com que o preso seja necessariamente legitimado para obter o benefício. É que este é apenas um pressuposto que pode ou não significar na autorização de saída desde condenado, que deve ter outros critérios para sua concessão:
O ingresso no regime prisional semi-aberto é apenas um pressuposto que pode, eventualmente, legitimar a concessão de autorizações de saídas em qualquer de suas modalidades permissão de saída ou saída temporária, mas não garante, necessariamente, o direito subjetivo de obtenção dessas benesses. Com base nessa orientação, a Turma indeferiu habeas corpus em que beneficiado com progressão para o regime semi-aberto insurgia-se contra decisão de juízo das execuções penais que lhe denegara autorização para visita familiar (LEP, art. 122, I). Alegava a impetração que, uma vez concedida a progressão prisional, a citada autorização também deveria ser deferida. Asseverou-se cumprir ao juízo das execuções criminais avaliar em cada caso a pertinência e a razoabilidade da pretensão, observando os requisitos objetivos e subjetivos do paciente. Ademais, consignou-se que a decisão impugnada estaria fundamentada e que, para revertê-la, seria necessário o reexame de fatos e provas, o que vedado em sede de habeas corpus . HC 102773/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 22.6.2010. (HC-102773)
A partir das críticas tecidas ao instituto das saídas temporárias, é importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça possui Súmula para a aplicação da saída temporária. Tal súmula é a 520, que traz a seguinte redação:” o benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional”. (Súmula 520, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2015, DJe 06/04/2015)
Segundo Andrade (2017, p.26), a existência da referida súmula tem causado certo debate dentro da jurisprudência brasileira, haja vista que muitas varas de execuções penais têm decisões radicalmente diferentes da súmula 520:
A súmula 520 do Superior Tribunal de Justiça vem causando certo balburdio no
que tange a fixação de calendário anual para fins de saídas temporárias. Acontece que, tal súmula caminha em direção contrária ao que muitas Varas de Execuções Penais vêm decidindo em algumas partes do Brasil. Além do mais, gerou-se certo conflito de entendimento acerca da temática das saídas temporárias automatizadas, de um lado, o Supremo Tribunal Federal entende por válida tal prática, de outro, o STJ – até então – entendia não ser possível a adoção de tal medida.
A respeito da concessão das saídas temporárias, a Agência Senado (2018, n.p) esclarece que estas só são concedidas a presos em regime aberto e semiaberto, com base na Lei de Execução Penal. Dessa maneira, já cai por terra o argumento falacioso de que as saídas temporárias seriam concedidas a todos os presos, indiscriminadamente. São concedidas em épocas como o Dia das Mães e feriados religiosos, tais como o Natal. Existem critérios para a concessão da saída temporária e não tem direito a ela aqueles que se encontram sob investigação ou os que estejam respondendo por inquérito ou sanção disciplinar:
As saídas temporárias são normalmente concedidas a presos dos regimes aberto e semiaberto com base na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) em datas festivas, como o Dia das Mães, e religiosas, como a Páscoa e o Natal. O juiz da Vara de Execuções Penais edita uma portaria com os critérios para a concessão do benefício. É exigido do preso autorização da direção da unidade prisional para a saída temporária. Podem ser concedidas, no máximo, quatro saídas por ano, com duração máxima de sete dias cada uma.
Não têm direito ao benefício presos sob investigação ou respondendo a inquérito ou sanção disciplinar. O objetivo da saída é estimular o convívio familiar e o respeito a mecanismos de disciplina. Os órgãos de segurança pública de cada estado são responsáveis pelo monitoramento dos presos durante o período, sendo que o Judiciário pode determinar o monitoramento eletrônico nos saidões. Quem não cumpre a determinação de retorno no dia e horário marcados é considerado foragido e pode perder o direito ao regime semiaberto e responder a inquérito disciplinar.
Por fim, cabe ressaltar que Santos (2021, n.p) defende que algumas alterações já foram feitas nas saídas temporárias, como as trazidas pela aprovação do Pacote Anticrime ainda em 2019. Argumenta-se que as saídas temporárias podem ser utilizadas como uma espécie de teste para verificar se os condenados já têm condições de conviver novamente em sociedade, e que a falta destas saídas pode afetar na percepção de que este condenado estaria realmente com condições de retornar ao convívio social:
Com o chamado Pacote Anticrime, aprovado em 2019 e que entrou em vigor a partir de janeiro de 2020, quem comete crimes hediondos (estupro, sequestro, roubo etc.) que resulta em morte da vítima não pode mais se beneficiar das "saidinhas". Entretanto, a regra não é retroativa, e criminosos já condenados antes de 2020 vão continuar a ter direito às saídas temporárias.
Para Falivene, a alteração trazida pelo Pacote Anticrime pode dificultar a avaliação dos presos. Ele lembra que, com ou sem "saidinhas", os presos vão ser libertados. Na avaliação do criminalista, sem as saídas temporárias será mais difícil saber se o indivíduo realmente tem condições de voltar a conviver em sociedade.
“O que as pessoas às vezes não compreendem é isso: que a saída temporária é uma avaliação, um teste, que o preso terá de passar para provar que tem condições de sair ou não. Alguns acabam cometendo crime e, eventualmente, são presos e perdem esse direito. Mas a maioria não faz isso e acaba progredindo”, explica.
Diante disso, pode-se destacar que as saídas temporárias têm argumentos favoráveis e desfavoráveis, dependendo do apenado. Ao ver da sociedade as saídas temporárias faz com que a criminalidade aumente nessa época de ‘” saidinhas”, e por isso a sociedade ver isso como benefício ineficaz.
Dessa maneira, é errôneo o entendimento de que o correto seria apenas o aumento da rigidez da punibilidade. Apesar de ser uma saída, apenas o aumento da rigidez com que se dá o cumprimento de pena poderia ser uma maneira de piorar a reincidência dos presos, ainda que estes não tivessem saídas temporárias ou outros benefícios é que, querendo ou não, uma hora estes presos sairão do cárcere.
E, quando isto acontecer, é melhor que ele esteja preparado para retornar ao convívio societário e com perspectivas para emprego e mudanças de vida, do que com a única perspectiva de que o crime será sua saída novamente para levar o sustento a sua casa, por exemplo.
Ante ao exposto, seguimos com a conclusão do presente trabalho, levando em consideração todas as ponderações aqui expostas.
5. CONCLUSÃO
As saídas temporárias são instituto jurídico muito importante a concretização dos direitos dos presos, uma vez que estes apesar de terem infringido alguma lei penal no decorrer da vida, continuam sendo seres humanos e não é o status de condenado que tirará dele a sua humanidade.
Ocorre que atualmente existem problemas quanto a execução da política de execução penal de uma maneira geral, e com o instituto das saídas temporárias, essa realidade não é diferente.
Nesse sentido, o presente trabalho teve por objetivo a pesquisa a respeito da efetividade das saídas temporárias, instituto que tem sua existência em muito questionada pela sociedade civil, vez que o senso comum não entende a sua necessidade de existência ou a sua validade jurídica e de concessão de direitos humanos.
Como vimos no decorrer desta pesquisa, existem alguns esforços legislativos muitos em sua existência frutos de críticas de diversas áreas da sociedade civil, contra a ocorrência das saídas temporárias que visam reprimir ainda mais os crimes cometidos no decorrer destes momentos de liberdade dados esporadicamente aos condenados.
Apesar de ser um esforço legislativo acertado, entendemos que apenas a repressão do ato criminoso não será eficiente para que o preso reincidente pare com o cometimento do delito.
É preciso mais do que isso: uma reformulação na maneira que a execução penal se dá no cárcere, com efetiva fiscalização e garantia de direitos humanos aos presos poderia diminuir as chances de reincidência, diminuindo a violência que pode ou não ser cometida no decorrer da saída temporária.
Concluiu-se que existem alguns esforços legislativos muitos em sua existência frutos de críticas de diversas áreas da sociedade civil, contra a ocorrência das saídas temporárias que visam reprimir ainda mais os crimes cometidos no decorrer destes momentos de liberdade dados esporadicamente aos condenados.
Garantindo dignidade e a efetiva reinserção dos presos na comunidade, é possível que o sistema penal de maneira global possa ser mais efetivo quando da execução da pena, fazendo com que também as saídas temporárias possam cumprir seu fim, que é o de introduzir os presos novamente ao convívio em sociedade.
6. REFERÊNCIAS
AGÊNCIA SENADO. Caso Lázaro reacende debate sobre saídas temporárias e progressão de regime. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/06/25/caso-lazaro-reacende-debate-sobre-saidas-temporarias-e-progressao-de-regime
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Artigo publicado em 29/11/2021 e republicado em 07/06/2024
Graduanda em Direito pela FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AQUINO, ALCINE GOMES. A efetividade das saídas temporárias: um estudo a luz da Lei de Execuções Penais e a Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2024, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57694/a-efetividade-das-sadas-temporrias-um-estudo-a-luz-da-lei-de-execues-penais-e-a-constituio-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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