PÂMELLA MARTINS BARRETO[1]
(coautora)
ADRIANO FERNANDES FERREIRA[2]
(orientador)
RESUMO: A sociedade passa por um profundo processo de globalização nas últimas décadas. Neste contexto, o presente trabalho objetiva analisar a ZFM como modelo de desenvolvimento econômico e regional implantado na Amazônia e as relações privadas, nacionais e internacionais que ali se desenvolvem. Buscou-se também sistematizar os incentivos ficais existentes na região. Tais análises foram tomadas com a finalidade de identificar mecanismos para manter a área de livre comércio viável para as próximas gerações. Neste sentido, a questão norteadora é: como manter a Zona Franca de Manaus atrativa, válida e viável para as próximas décadas no atual contexto de globalização. Para tanto, utilizou-se de revisão bibliográfica, pesquisas legislativas, informações geradas por órgãos responsáveis pela ZFM, dados disponibilizados por entes públicos atuantes na região e elementos públicos disponíveis na rede mundial de computadores, adotando-se, assim, uma abordagem multidisciplinar ante à complexidade do tema. Ao final, concluiu-se que a Zona Franca, para que possa se modernizar e se manter relevante no tempo, deve se tornar sensível a globalização dos negócios e desenvolver mecanismos que possam trazer maior segurança jurídica aos investidores, deve também promover a modernização legislativa que possibilite a simplificação dos negócios.
Palavras-chave: Zona Franca de Manaus; Incentivos; Desenvolvimento; Direito Internacional Privado.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Zona Franca de Manaus: conceito histórico e benefícios fiscais; 3. Do Direito Internacional Privado nas relações da Zona Franca; 4. Segurança jurídica e a Zona Franca de Manaus; 5. Conclusão 6. Referências.
A sociedade globalizada que tomou forma nos últimos anos trouxe maior número de relações privadas sendo amparadas por mais de um ordenamento jurídico, trazendo maior complexidade à análise desses fatos.
Tendo em conta o número de países existentes e a gigantesca variedade de ordenamentos jurídicos é natural que parte das relações jurídicas não se esgote em um único ordenamento. Nesta seara, o Direito Internacional Privado surge como forma de tratar e dar solução a essas relações privadas que transcendem fronteiras.
Neste sentido nos ensina Valério de Oliveira Mazzuoli:
Dada a dificuldade prática (ou verdadeira impossibilidade) de estabelecimento de um Direito Uniforme para a resolução de todas as questões relativas aos conflitos de normas estrangeiras interconectadas, a solução até agora encontrada tem sido atribuir ao direito interno dos Estados a competência primária para a edição de normas indicativas. A técnica escolhida e ainda aplicada pelos Estados, enquanto não sobrevém melhor solução, consiste em estabelecer, por meio do direito interno, regras de solução de conflitos de leis no espaço com conexão internacional, que vêm a ser exatamente o foco principal do DIPr. Este, como se percebe, baseia-se na extraterritorialidade das leis (nacionais e estrangeiras) e na possibilidade de sua aplicação em ordens jurídicas distintas (aplicação da lei nacional na ordem jurídica estrangeira, e da norma estrangeira perante o direito interno). Não se poderia, de fato, pensar na sobrevivência do DIPr. se não se estabelecesse, como premissa fundamental, a possibilidade de aplicar extra territorialmente o nosso direito e, em consequência, também o direito estrangeiro perante nossa ordem jurídica. Para responder a essas questões, de início é importante que se defina a competência, ou seja, analisar-se-á qual ordenamento jurídico será o responsável (competente) por reger a relação jurídica em questão (MAZZUOLI, 2018, p. 30).
O excerto do autor nos ajuda a compreender a complexidade de tais inter-relações, bem como as dificuldades de resolução das problemáticas cada vez mais globais, uma vez que tais relações podem se estender por vários campos de atuação como: negócios, sucessão testamentária, casamento, dentre diversos outros.
Neste contexto de relações múltiplas analisaremos: as relações comerciais aplicadas à ZFM, o histórico dos incentivos fiscais, a importância da ZFM para o desenvolvimento da região amazônica e do Brasil, a necessidade de segurança jurídica para a região, as perspectivas de melhora legislativa, bem como outros mecanismos para aprimorar e alcançar um modelo que propicie maior investimento produtivo sustentável para a região.
Desse modo, em breve síntese, analisando a inserção da ZFM neste contexto internacional, pretende-se, assim, encontrar formas de mantê-la atrativa e válida para as próximas décadas, sendo este o problema balizador do presente trabalho.
Para tal objetivo, realizou-se pesquisas bibliográficas em grandes autores, analisou-se os principais ditames legais aplicáveis à região, buscou-se informações geradas por órgãos responsáveis pela ZFM, realizou-se também ampla pesquisa de dados disponibilizadas por entes públicos atuantes na região, além de pesquisa em elementos públicos disponíveis na rede mundial de computadores. Adotou-se, assim, uma abordagem multidisciplinar ante à complexidade do tema e como forma de bem responder à questão apresentada.
2. ZONA FRANCA DE MANAUS: CONCEITO HISTÓRICO E BENEFÍCIOS FISCAIS
A Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) define a ZFM nos seguintes termos:
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é um modelo de desenvolvimento econômico implantado pelo governo brasileiro objetivando viabilizar uma base econômica na Amazônia Ocidental, promover a melhor integração produtiva e social dessa região ao país, garantindo a soberania nacional sobre suas fronteiras. A mais bem-sucedida estratégia de desenvolvimento regional, o modelo leva à região de sua abrangência (estados da Amazônia Ocidental: Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima e as cidades de Macapá e Santana, no Amapá) desenvolvimento econômico aliado à proteção ambiental, proporcionando melhor qualidade de vida às suas populações. A ZFM compreende três polos econômicos: comercial, industrial e agropecuário. O primeiro teve maior ascensão até o final da década de 80, quando o Brasil adotava o regime de economia fechada. O industrial é considerado a base de sustentação da ZFM. O polo Industrial de Manaus possui aproximadamente 600 indústrias de alta tecnologia gerando mais de meio milhão de empregos, diretos e indiretos, principalmente nos segmentos de eletroeletrônicos, duas rodas e químico. Entre os produtos fabricados destacam-se: aparelhos celulares e de áudio e vídeo, televisores, motocicletas, concentrados para refrigerantes, entre outros. O polo Agropecuário abriga projetos voltados a atividades de produção de alimentos, agroindústria, piscicultura, turismo, beneficiamento de madeira, entre outras (SUFRAMA, 2020).
Conforme se observa do excerto em questão, a Zona Franca de Manaus é um modelo de desenvolvimento econômico implantado pelo governo brasileiro que objetiva, em breve síntese, viabilizar uma base econômica na Amazônia Ocidental, promovendo a melhor integração produtiva e social dessa região ao país, garantindo, desse modo, a soberania nacional sobre suas fronteiras.
A ZFM foi instituída pelo Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, que estabelece em seu artigo 2°:
Art. 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos (BRASIL, 1967).
Da análise do texto positivado se extrai o conceito legal da Zona Franca que nos ajuda a entender os mecanismos legais e os incentivos presentes na região.
A Constituição Federal de 1988 manteve a Zona Franca de Manaus nos termos do artigo n° 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):
Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição (BRASIL, 1988).
Tendo em conta o texto da Carta Magna, os ditames legais compatíveis com a Constituição foram recepcionados e se mantiveram plenamente válidos, a exemplo do citado Decreto-Lei nº 288/1967.
Ainda a respeito dos ditames legais aplicáveis à região, na aquisição de insumos no mercado externo, as empresas instaladas na ZFM e que cumpram determinados pré-requisitos fazem jus aos benefícios fiscais previstos no artigo 3º do Decreto-lei nº 288/67 e no artigo 14-A da Lei n° 10.865/04. Tais benesses consistem na suspensão de tributos vinculados à importação:
Art.3º A entrada de mercadorias estrangeiras na Zona Franca, destinadas a seu consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza e a estocagem para reexportação, será isenta dos impostos de importação, e sobre produtos industrializados (BRASIL, 1967).
Art. 14-A. Fica suspensa a exigência das contribuições de que trata o art. 1º desta Lei nas importações efetuadas por empresas localizadas na Zona Franca de Manaus de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem para emprego em processo de industrialização por estabelecimentos industriais instalados na Zona Franca de Manaus e consoante projetos aprovados pelo Conselho de Administração da Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA (BRASIL, 2004).
Assim, em apertada síntese, as empresas que ali se instalem e cumpram os ditames do Decreto-Lei n° 288/67, tem direito a suspensão dos pagamentos dos seguintes tributos: Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Pis/Pasep-Importação e COFINS-Importação.
No momento da saída da ZFM para o restante do território nacional, o Decreto-Lei nº 288/67, nos artigos 6º e 7º, traz a exigência do pagamento total dos tributos incidentes na importação para o caso dos bens não industrializados e o pagamento do Imposto de Importação Reduzido para o caso dos bens industrializados na ZFM, de acordo com o denominado Processo Produtivo Básico:
Art. 6º As mercadorias de origem estrangeira estocadas na Zona Franca, quando saírem desta para comercialização em qualquer ponto do território nacional, ficam sujeitas ao pagamento de todos os impostos de uma importação do exterior, a não ser nos casos de isenção prevista em legislação específica (BRASIL, 1967).
Art. 7° Os produtos industrializados na Zona Franca de Manaus, salvo os bens de informática e os veículos automóveis, tratores e outros veículos terrestres, suas partes e peças, excluídos os das posições 8711 a 8714 da Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB), e respectivas partes e peças, quando dela saírem para qualquer ponto do Território Nacional, estarão sujeitos à exigibilidade do Imposto sobre Importação relativo a matérias-primas, produtos intermediários, materiais secundários e de embalagem, componentes e outros insumos de origem estrangeira neles empregados, calculado o tributo mediante coeficiente de redução de sua alíquota ad valorem, na conformidade do § 1° deste artigo, desde que atendam nível de industrialização local compatível com processo produtivo básico para produtos compreendidos na mesma posição e subposição da Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB) ( BRASIL, 1967).
Do texto legal colacionado se extrai que para o caso de bens industrializados sem Processo Produtivo Básico ou em desacordo com este e posteriormente destinados a outros pontos do território nacional é necessário que se observe regras diferenciadas para cada tipo de tributo suspenso, a depender da situação fática apresentada.
Assim, em relação ao Importo de Importação (II), só fazem jus à redução no momento da saída da Zona Franca, os produtos industrializados que atentam ao nível de industrialização compatível com o Processo Produtivo Básico, é o que disciplina o artigo nº 7 do Decreto-Lei Nº 288/67. Desse modo, devem pagar a totalidade do imposto suspenso os que industrializarem sem PPB ou em desacordo com este.
Em relação ao IPI, a isenção de que trata o art. 9°, parágrafo 1º, do Decreto Lei nº 288/67, esta, só se aplica às mercadorias industrializadas na ZFM que observem os requisitos do Art. 7º, e, dentre estes, está a industrialização compatível com o Processo Produtivo Básico:
Art. 9° Estão isentas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) todas as mercadorias produzidas na Zona Franca de Manaus, quer se destinem ao seu consumo interno, quer à comercialização em qualquer ponto do Território Nacional (BRASIL, 1967).
Em relação ao Pis/Pasep-Importação e COFINS-Importação suspensos, a suspensão também está condicionada a destinação correta do bem/mercadoria, sendo devidos em sua integralidade em caso de descumprimento de Processo Produtivo Básico ou desvio de finalidade, em conformidade com o artigo n° 22 da Lei nº 10.945/2009:
Art. 22. Salvo disposição expressa em contrário, caso a não-incidência, a isenção, a suspensão ou a redução das alíquotas da Contribuição para o PIS/Pasep, da Cofins, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação for condicionada à destinação do bem ou do serviço, e a este for dado destino diverso, ficará o responsável pelo fato sujeito ao pagamento das contribuições e das penalidades cabíveis, como se a não-incidência, a isenção, a suspensão ou a redução das alíquotas não existisse (BRASIL, 2009).
Assim, na saída para o restante do território nacional dos produtos industrializados vinculados aos insumos importados, originam-se as obrigações de realizar o regular tratamento administrativo das mercadoria industrializadas, ou seja, realizar a denominada internação das mercadorias e de recolher os gravames tributários suspensos relacionados aos insumos importados empregados no processo produtivo.
Os procedimentos de controle de saída de mercadorias da ZFM para o restante do território aduaneiro, encontram-se definidos na Instrução Normativa SRF nº 242/02, e são consubstanciados numa Declaração para Controle de Internação própria para cada tipo de saída.
Ante o exposto, resta claro que os benefícios fiscais são relevantes para a manutenção da ZFM, para se ter uma ideia, no ano de 2019, do total de R$ 331,18 bilhões em renúncias fiscais, R$ 28,6 bilhões foram relativos à Zona Franca de Manaus e as áreas de livre comércio.
Cabe observar, ainda, que existem outros benefícios específicos da ZFM, conforme excerto abaixo disponível no sítio eletrônico do Ministério da Indústria e Comercio Exterior:
ZONA FRANCA DE MANAUS - Resumo básico dos incentivos administrados pela SUFRAMA:
Alíquota 0 (zero) de PIS e COFINS incidentes sobre as receitas de vendas de mercadorias destinadas ao consumo ou a industrialização na ZFM por pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM.
Suspensão da exigência das contribuições do PIS e da COFINS. nas importações efetuadas por empresas localizadas na ZFM de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, exceto máquinas e equipamentos, para emprego em processo de industrialização por estabelecimentos industriais instalados na ZFM e consoantes projetos aprovados pelo Conselho de Administração da SUFRAMA.
Alíquota 0 (zero) da contribuição do PIS e COFINS para venda de matérias-primas. produtos intermediários e materiais de embalagem, produzidos na Zona Franca de Manaus, para emprego em processo de industrialização por estabelecimentos instalados nesta área e de acordo com projetos aprovados pelo Conselho de Administração da SUFRAMA — CAS.
Isenção de todos os impostos e taxas, inclusive os da SUFRAMA para insumos e produtos destinados à exportação para o exterior.
Suspensão da exigência das contribuições do PIS e da COFINS. nas importações efetuadas por empresas localizadas na ZFM de máquinas e equipamentos, para emprego em processo de industrialização por estabelecimentos industriais instalados na ZFM e consoantes projetos aprovados pelo Conselho de Administração da SUFRAMA (MDIC, 2020).
Diante dos benefícios citados, nota-se que a Zona Franca é uma área de livre comércio de suma importância para o Brasil e por ela são desenvolvidas diversas relações comerciais, além de dispor de diversos incentivos fiscais à instalação de negócios na região.
A título exemplificativo, o Polo Industrial de Manaus (PIM) obteve faturamento de R$ 86,78 bilhões entre os meses de janeiro e outubro de 2019, esse valor representou um crescimento de 11,57% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Os dados foram divulgados pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA, 2020).
Neste ponto, conforme se verifica no excerto abaixo, a Zona Franca também é importante para a geração de empregos e para a fixação da população ou mesmo como mecanismo de proteção à floresta Amazônia. Tais objetivos são, inclusive, explanados pela SUFRAMA no seu sítio eletrônico, senão vejamos:
A Zona Franca de Manaus (ZFM) é um modelo de desenvolvimento regional que foi implantado pelo governo brasileiro, em 1967, com a finalidade de criar uma base econômica na Amazônia Ocidental e promover a integração socioeconômica da região ao restante do País, como forma de diminuir as disparidades regionais e de garantir a soberania nacional sobre as suas fronteiras territoriais. Sua área de abrangência corresponde aos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima e as cidades de Macapá e Santana, no Amapá. Além de sua importância econômica, social e ambiental para a região, a Zona Franca representa uma considerável fonte de recursos para o governo brasileiro, tendo sido responsável, no ano de 2008, por mais de 58,60% de toda a arrecadação da 2ª Região Fiscal, formada por todos os estados do Norte, menos Tocantins. A base de sustentação desse modelo é o Polo Industrial de Manaus (PIM), que atualmente conta com mais de 600 empresas instaladas, que faturaram mais de US$ 30,1 bilhões, em 2008, e geram mais de 100 mil empregos diretos e mais de 400 mil indiretos. O PIM auxilia o Amazonas a alcançar a terceira posição no ranking de estados brasileiros que mais arrecadam com o setor industrial (SUFRAMA, 2020).
Pelo texto, pode-se constatar a relevância que a ZFM tem para a região amazônica e para o próprio desenvolvimento do Brasil.
3. DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NAS RELAÇÕES DA ZONA FRANCA
Na Zona Franca estão instaladas diversas companhias multinacionais, dentre as quais cita-se: AmBev, Samsung, 3m, Honda, Yamaha, dentre outras. Tais empresas necessitam de um certo grau de confiabilidade nas suas operações e essa confiabilidade passa, em grande medida, pelo Direito Internacional Privado
Como é cediço, muitas das relações humanas vão além de territórios ou fronteiras, o que foi ampliado após a globalização e o crescimento da internet. Neste sentido, o mesmo ocorreu com as relações jurídicas internacionais que, por serem múltiplas, precisam ser disciplinadas de alguma forma. Desse modo, o Direito Internacional Privado se faz presente nessas demandas, atuando como disciplina que estuda a escolha da norma a ser aplicada nas relações jurídicas internacionais.
A Professora Maristella Basso ensina a respeito do conteúdo do Direito Internacional Privado, também neste sentido:
O Direito Internacional Privado representa, na atualidade, um dos ramos do ordenamento jurídico que mais crescem em importância e significado. Essa afirmação se baseia no fato de que os povos do mundo a cada dia interagem de modo mais evidente, e as relações individuais de caráter privado se acentuam no plano das relações jurídicas, cada vez mais mescladas de “elementos estrangeiros”. É comentário corrente entre os doutrinadores, e de muita propriedade, que, de todos os ramos da ciência jurídica, o direito internacional privado é, sem dúvida, o que realizou o maior progresso no decurso das últimas décadas e o que mais se humanizou (BASSO, 2020, p. 31).
Com isso, a Autora nos remete à análise do emaranhado jurídico presente nas relações cada vez mais globalizadas e interdependentes. Desse modo, a Professora destaca a crescente evolução da importância do Direito Internacional.
Ademais, ainda no contexto de globalização, a Professora apresenta argumentos que ajudam a compreender a complexidade de tais relações na atualidade:
[...] a retórica da internacionalização da vida das pessoas vai sendo gradualmente assentada e exige, da experiência dos tribunais domésticos e do trabalho dos juristas internacionais, maior sensibilidade com os problemas da globalidade, multiculturalismo e proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana em nível transnacional (BASSO, 2020, p. 128).
Ainda nessse contexto, para que possam se instalar na ZFM, as empresas precisam ter segurança e conhecimento dos incetivos presentes na região, do prazo para gozo, dos mecanismos de fiscalização e controle, bem como das hipóteses de perda dos benefícios.
É importante levar em consideração que existem diversas empresas fixadas na ZFM vinculadas a outras empresas, muitas delas, em outros países, prestando serviços ou fornecendo mercadorias de forma interligada. Assim, torna-se patente a importância do Direito Internacional para que seja corretamente indicado qual Direito que será aplicável entre as partes, além disso, é imperiosa a previsibilidade necessária em tais relações.
Por exemplo, uma normatividade uniforme facilita em grande medida a instalação de novas empresas na Zona Franca, ora, se é de conhecimento geral os incentivos e se eles são de fácil entendimento para as empresas, fica mais simples de se colocar na mesa e analisar um investimento na região para qualquer empresa, esteja ela situada na Alemanha, na China ou nos Estados Unidos.
Assim, quando as diretrizes são de difícil compreensão, as empresas têm maior dificuldade em analisar os riscos envolvidos nos vultuosos investimentos a serem realizados.
Um caminho a ser seguido pode ser a celebração de Acordos Internacionais de Cooperação Técnica ou projetos de cooperação internacional como mecanismos de facilitação e uniformização das normas. Essas iniciativas vão ao encontro dos princípios de simplificação e são necessários ao pleno desenvolvimento da ZFM.
Neste sentido, é importantíssima a busca de cooperação internacional como forma de promoção do desenvolvimento regional, trazendo uniformidade às normas aplicadas e a ampliação do desenvolvimento econômico da Zona Franca de Manaus.
É clara também a necessidade da promoção de uma uniformização das normas aplicáveis às empresas instaladas na Zona Franca, com um regramento próprio e simplificado para a atração de investimentos. Em que pese essa necessidade, é importante nunca deixar em segundo plano a qualidade dos empregos ali gerados, bem como a sustentabilidade ambiental da Amazônia.
4. SEGURANÇA JURÍDICA E A ZONA FRANCA DE MANAUS
O Professor Del’Olmo Florisbal de Souza, em seu Curso de Direto Internacional Privado, esclarece a importância do respeito ao direito adquirido para a segurança jurídica:
O respeito aos direitos adquiridos é considerado basilar para a segurança jurídica, fazendo parte dos ordenamentos jurídicos contemporâneos – no Brasil, ele está inserido na Carta Magna (art. 5o, inc. XXXVI). Verificar a prevalência desses direitos quando invocada em outro país interessa ao Direito Internacional Privado. Muitos autores têm-se ocupado do tema, considerando-o objeto da disciplina, enquanto outros adotam posição diversa, entendendo que os direitos adquiridos alegados, nesse contexto, não se afastam dos conflitos de leis, por estarem neles integrados. Como antes referido, julgamos mais adequada a primeira posição. Seria um contrassenso imaginar que o ser humano, ao ultrapassar as fronteiras de seu país, nele deixasse os direitos adquiridos, especialmente os que constituem seu estatuto pessoal. Trata-se de direitos privados, que foram reconhecidos por ordenamento jurídico competente. Nessa esfera, são repelidos, por óbvio, os que ofendem a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional. Assim, não se permitirão novas núpcias de cidadão (v.g., árabe) que aqui aportar já casado e alegar o direito de poligamia existente na legislação de seu país, bem como alguém que trouxesse seus escravos seria impedido de mantê-los nessa condição (DEL’OLMO, 2014, p. 29).
O Autor em seu texto nos faz compreender a elevada estatura que a seguranca jurídica tem para qualquer Estado moderno. Em tal contexto e, tendo em conta o elevado número de multinacionais presentes na ZFM, os planejamentos estratégicos são realizados com décadas de antecedência.
Para que tais planejamentos se tornem efetivos, as empresas necessitam de certa segurança jurídica. Assim, é necessário que se tenha previsibilidade nas normas jurídicas que serão aplicadas nesse período de planejamento.
Desse modo, torna-se importante que os benefícios concedidos sejam mantidos por um predeterminado período, bem como não sofram alterações bruscas que afetem o equilíbrio econômico e financeiro das atividades empresariais.
Um exemplo fictício ajuda a compreender tal situação, imaginemos uma multinacional que se instala na Zona Franca para fabricar smartphones e recebe incentivos fiscais para realizar tal produção. Ocorre que, devido a uma mudança de governo, as normas jurídicas aplicáveis são modificadas e a empresa passa a não ter mais direito aos benefícios fiscais, ora, pergunta-se: como ficam os investimentos realizados em infraestrutura, em contratação de pessoal e em outros itens? No caso em comento, o prejuízo é notório.
Tais mudanças não se consubstanciam apenas em modificações tributárias e podem se tornar realidade por diversos fatores de instabilidade institucional como trocas de governo ou mudanças em políticas monetária, por exemplo.
Ora, se os países não conseguem dar previsibilidade às suas relações comerciais privadas. Tal atitude acaba por tornar a moeda mais volátil e imprevisível, impactando diretamente nas atividades e nas relações internacionais das empresas em questão.
Tais riscos ainda são significativos no Brasil e fazem com que as empresas que se instalem na Zona Franca cobrem mais caro por seus produtos, uma vez que tentam “compensar” o risco aplicado à operação.
É óbvio que uma empresa instalada na ZFM corre mais risco de mudanças legislativas do que essa mesma empresa instalada, por exemplo, em uma democracia mais madura ou mesmo em regimes ditatoriais, mas que oferecem maior segurança jurídica ao setor privado, neste último caso podemos citar como exemplo a China.
No caso da China, tivemos um forte desenvolvimento das exportações com um incentivo massivo em áreas de livre comércio, conforme bem exemplifica o excerto abaixo retirado do sítio mundoeducacao.uol:
As ZEEs da China foram criadas pelo Governo Deng Xiaoping (1982-1987) e foram mantidas pelos governos ulteriores. Elas são consideradas como o principal marco da transição chinesa do comunismo (ou capitalismo de Estado, na visão de alguns especialistas) para o capitalismo de Economia de Mercado.
As Zonas Econômicas Especiais, nesse sentido, consistem em áreas especificamente destinadas para o direcionamento da atividade industrial a partir do oferecimento de vantagens para atrair investimentos estrangeiros. Os principais objetivos das ZEEs eram alavancar a produção industrial da China – que se encontrava em crise desde a década de 1960 – e fortalecer o volume total de exportações. Tais metas foram cumpridas com elevado sucesso e podem ser consideradas como um dos principais meios pelos quais o modelo chinês apresentou um grandioso sucesso em termos econômicos, tornando o Produto Interno Bruto (PIB) do país o segundo maior do planeta.
Outra característica das Zonas Econômicas Especiais é o fator empregatício, haja vista que a instalação das fábricas e indústrias estrangeiras demandou uma grande quantidade de mão de obra, qualificada e não qualificada. Além disso, todas as empresas estrangeiras que desejassem instalar-se no território da China deveriam associar-se com uma empresa local, estatal ou não, em uma prática conhecida na economia como Joint Venture (MUNDO DA EDUCAÇÃO, 2020).
Não se está, por óbvio, tentando replicar o modelo chines à Zona Franca de Manaus, mas dele podemos extrair alguns pontos que podem ser de grande importância para o desenvolvimento das relações comerciais da Zona Franca.
Por seu turno, a insegurança jurídica é ponto comum nos países da América Latina, como os casos da Bolívia e da Argentina, para os quais destacamos alguns exemplos de instabilidade institucional:
Bolívia nacionaliza empresa petrolífera controlada por gigante britânica: Companhia detinha controle de cerca de 5% das reservas de gás do país. Não foi divulgado valor pago pelo governo para controlar empresa (GLOBO, 2020).
Argentina nacionaliza empresa de negociação agrícola e soa alarme no mercado de soja: O governo de Fernández assumirá o controle da Vicentin pelos próximos 60 dias enquanto busca aprovação do Congresso para desapropriar a empresa agrícola, que pediu recuperação judicial no ano passado depois de sofrer o impacto de oscilações cambiais (MONEYTIMES, 2020).
Pela análise dos excertos, pode-se notar que a instabilidade institucional pode gerar grandes prejuízos a empresas privadas. Neste contexto, é importante que os incentivos ficais e o regramento aplicado à Zona Franca de Manaus se tornem políticas de Estado e não políticas de governo. Além disso, torna-se cada vez mais necessária a simplificação dos mecanismos de análise dos benefícios fiscais presentes na região, como forma de se dar maior segurança jurídica à ZFM.
À frente, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, passa-se a analisar mecanismos que podem ser implantados para a simplificação e modernização da Zona Franca, com fulcro principal de vetor de desenvolvimento da Amazônia.
De início, é importante notar que os ditames legais aplicados à Zona Franca de Manaus precisam ser atualizados à nova forma de se fazer comércio e à nova dinâmica das relações internacionais.
Para se ter uma ideia, a figura do Decreto-Lei ainda era vigente na implantação da sistemática da Zona Franca, no longínquo ano de 1967. Em que pese os ditames legais terem sofrido algumas alterações, é nítida a defasagem, uma vez que a Zona Franca nos últimos anos vem se tornando apenas uma fornecedora de produtos aos brasileiros, o que não se coaduna com o intuito original do legislador de torná-la um polo de desenvolvimento nacional integrado ao mundo.
O potencial é claro, basta analisar as exportações que já são realizadas, senão vejamos as exportações do polo nos primeiros 10 meses de 2020 que somaram mais de US$ 524 milhões de dólares:
Segundo a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), nos primeiros dez meses deste ano, o Polo Industrial de Manaus (PIM) exportou mais de US$524 milhões, sendo que em 2019, nos mesmos meses, o faturamento na exportação foi menor, com US$469 milhões. Nesse contexto, Venezuela, Colômbia, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai foram os principais destinos das exportações dos países sul-americanos. Além destes, são expressivas as exportações aos Estados Unidos, Vietnã e China.
Ainda de acordo com a Suframa, o Governo Federal procura diminuir a quantidade de operações burocráticas necessárias para exportar com iniciativas como a do Portal Único de Comércio Exterior - do Ministério da Economia - que está sendo implementada em módulos, com o objetivo de tornar todo o processo mais célere e digital (CIEAM, 2021).
Tal processo de simplificação deve se tornar perene como forma de promover o desenvolvimento e atrair novos investimentos à região, tornando a Zona Franca exemplo de desenvolvimento sustentável para o mundo, tal objetivo passa, inevitavelmente, por um melhor gerenciamento das relações públicas e privadas ali presentes.
5. CONCLUSÃO
No contexto das análises realizadas, verificou-se que o Direito Internacional Privado se torna cada dia mais relevante nas relações comerciais presentes na ZFM, ainda mais quando se considera a velocidade com que tais negócios são realizados atualmente.
Desse modo, notou-se que o processo de globalização gera um número cada vez maior de relações jurídicas supranacionais, sendo o Direito Internacional Privado matéria relevante e absolutamente atual nesse processo de aprimoramento da ZFM.
Neste sentido, os benefícios fiscais presentes na ZFM devem ser constantemente analisados como mecanismo de mantê-los atrativos e efetivamente válidos à realidade nacional e internacional. Verificou-se também a necessidade de se fornecer maior segurança jurídica às relações comerciais ali desenvolvidas.
Finalmente, conclui-se que a Zona Franca, para que possa se modernizar e se manter relevante no tempo, deve se tornar sensível a globalização dos negócios e desenvolver mecanismos que possam trazer mais segurança jurídica aos investidores, com modernização legislativa e simplificação dos negócios. Ademais, deve procurar sua modernização e sua inserção cada vez maior no mundo globalizado, com o intuído de permanecer válida e efetiva aos seus fins nas próximas décadas.
6. REFERÊNCIAS
BASSO, Maristela. Curso de Direito Internacional Privado. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2020.
BRASIL. DECRETO LEI 288/67. Altera as disposições da Lei número 3.173 de 6 de junho de 1957 e regula a Zona Franca de Manaus. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0288.htm>. Acesso em: 30 nov. 2020.
BRASIL. INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF Nº 242, DE 06 DE NOVEMBRO DE 2002. Dispõe sobre o controle de internação de mercadorias da Zona Franca de Manaus para o restante do território nacional. Disponivel em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=15118 Acesso em: 30 nov. 2020.
BRASIL. LEI Nº 10.865, DE 30 DE ABRIL DE 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.865.htm>. Acesso em: 30. Nov. 2020.
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Graduando do Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Federal do Amazonas
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, GLEISON PIMENTA. Como manter a Zona Franca de Manaus (ZFM) atrativa, válida e viável para as próximas décadas no atual contexto de globalização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57761/como-manter-a-zona-franca-de-manaus-zfm-atrativa-vlida-e-vivel-para-as-prximas-dcadas-no-atual-contexto-de-globalizao. Acesso em: 22 nov 2024.
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