ANDRÉ HENRIQUE OLIVEIRA LEITE[1]
(orientador)
RESUMO: Sancionada em 28 de julho de 2021, a Lei nº 14.188/2021 é mais uma norma que visa proporcionar a dignidade humana e os direitos das mulheres previstos nas leis nacionais e tratados internacionais de que o Brasil é signatário. Dentre seus dispositivos está a inclusão de um novo tipo ao Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940): o crime de violência psicológica contra a mulher, previsto no artigo 147-B. Esse tipo penal pune aquele ou aquela que causar à mulher algum dano emocional que prejudique sua saúde psicológica por meios diversos. Haja vista se tratar de um novo delito, o objetivo da pesquisa é estudar o crime de violência psicológica e apontar suas elementares e caracterização segundo o ordenamento jurídico posto. A elaboração da pesquisa foi pautada em material bibliográfico e desenvolvida através de método qualitativo e de natureza exploratória. A pesquisa, após analisar a tipificação legal foi conclusivo ao demonstrar em quais condições a conduta de um agente será caracterizada como violência de psicológica.
Palavras-chave: Mulher. Crime. Violência Psicológica. Lei 14.188/2021.
ABSTRACT: Sanctioned on July 28, 2021, Law No. 14.188/2021 is another rule that aims to provide human dignity and women's rights provided for in national and international laws to which Brazil is a signatory. Among its provisions is the inclusion of a new type to the Brazilian Penal Code (Decree-Law No. 2,848/1940): the crime of psychological violence against women, provided for in article 147-B. This criminal type punishes the person who causes the woman some emotional damage that harms her psychological health by different means. Since it is a recent crime, the objective of the research is to study the crime of psychological violence and point out its elementary and characterization according to the established legal system. The elaboration of the research was based on bibliographic material and developed through a qualitative and exploratory method. The research, after analyzing the legal classification, was conclusive in demonstrating under which conditions the behavior of an agent will be characterized as psychological violence.
Keywords: Woman. Crime. Psychological violence. Law 14.188/2021.
Sumário: 1. Introdução - 2. Materiais e Método. 3. A Proteção Legal Dada à Mulher no Brasil. 4. Definição Legal de Violência Psicológica. 5. Aspectos que Ensejaram a Criação Da Lei 14.188/2021. 6. O Crime de Violência Psicológica. 7. Apontamentos Críticos Quanto a Tipificação e Caracterização do Crime de Violência Psicológica. 8. Considerações finais. 9. Referências.
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro rechaça qualquer ato de violência praticado contra a mulher em qualquer ambiente, inclusive o doméstico. Estes atos, quando cometido dá ao depoimento da vítima maior relevância probatória, conforme disposições contidas na Lei Maria da Penha.
Além de reconhecer direitos e dispor sobre o procedimento de apuração de atos de violência e familiar, a Lei delimita e define as espécies de violência nela compreendidas: a física, moral, sexual, patrimonial e psicológica.
Quanto a esta última, apesar de ser reconhecida como uma espécie de violência contra a mulher desde o ano de 2006, quando sancionada a mencionada Lei, foi somente em 2021 que se tornou um crime específico, previsto no artigo 147-B do Código Penal.
Foi através da Lei 14.188 de julho de 2021 que o crime de violência psicológica contra a mulher passou a ser previsto no Código Penal. Antes dele, as condutas compreendidas no conceito de violência psicológica configuravam outros crimes como ameaça, injúria e etc.
A partir da nova lei, esse crime é próprio e pune com reclusão de seis meses a dois anos quem causa dano emocional e prejuízo à saúde psicológica da mulher por seu ato que pode ser variado.
Diante da recente previsão legal, a pesquisa objetiva estudar o crime de violência psicológica contra a mulher a pontar sua caracterização, procedimento e consequências penais na prática.
Para isso, a pesquisa foi desenvolvida segundo o método dedutivo, partindo das premissas gerais sobre o tema, que é a proteção legal dada à mulher no Brasil para depois definir o crime contido no artigo 147-B e apontar ao final os avanços da lei e os obstáculos que podem dificultar a aplicação prática do tipo penal.
MATERIAIS E MÉTODO
A pesquisa científica sobre o crime de violência psicológica foi elaborada através de materiais bibliográficos e teóricos, publicados em doutrinas, jurisprudências e artigos digitais já disponíveis na literatura, sem intervenção direta a outros seres humanos.
O método adotado foi o dedutivo, partindo dos aspectos gerais da violência psicológica para então abordar sua recente tipificação penal. Os materiais, publicados no Brasil nos últimos anos e obtidos de forma não onerosa, serão analisados segundo o método qualitativo de texto, com o estudo dos textos e confrontamento das informações coletadas.
Quanto ao seu objetivo, a pesquisa é de natureza exploratória, já que tem como intuito estudar o crime de violência psicológica, inserido recentemente no Código Penal Brasileiro.
1 A PROTEÇÃO LEGAL DADA À MULHER NO BRASIL
O artigo 5º da Constituição Federal reconhece expressamente que todos são iguais perante a lei e que cabe ao Estado garantir os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana de todos que estejam em território nacional (BRASIL, 1988).
Contudo é inegável que existem parcelas da população que, além das normas gerais, necessitam ainda de outras leis que garantam a efetivação de seus direitos, como é o caso das mulheres.
Isso porque a igualdade tratada na Carta Magna não é apenas a igualdade formal e sim a material, consubstanciada no ideal de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades” (LENZA, 2018, p. 1.106).
O ordenamento pátrio busca assegurar às mulheres seus direitos fundamentais, que por muitos anos foram negligenciados em razão dos costumes que permeavam a vida em sociedade.
Historicamente, as mulheres permaneciam à mercê de seus maridos e pais, que a tinham como propriedade. Este cenário mudou em razão da luta das mulheres pela igualdade de direitos.
Hoje em dia, as mulheres são reconhecidamente iguais em direitos e deveres e merecem a proteção do Poder Público e da sociedade em geral, dever este reconhecido internacionalmente por meio da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher promulgada pela Organização das Nações Unidas no ano de 1979 e recepcionada em território nacional por meio do Decreto nº 4.377/2002.
Com o objetivo de compensar desigualdades históricas entre os gêneros masculino e feminino, e de modo a estimular a inserção e inclusão desse grupo socialmente vulnerável nos espaços sociais, promovendo-se, assim, a tão desejada isonomia constitucional entre homens e mulheres (CF, art. 5º, I), esta Convenção passou a prever a possibilidade de adoção de ações afirmativas (“discriminação positiva”). Afinal, a promoção da igualdade entre os sexos passa não apenas pelo combate à discriminação contra a mulher, mas também pela adoção de políticas compensatórias capazes de acelerar a igualdade de gênero (LIMA, 2016, p. 897).
Conforme estabelecido em Convenção, os países devem condenar qualquer ato de discriminação contra as mulheres e criar políticas destinadas a eliminar tais situações (BRASIL, 2002).
Para atender a esta determinação, existem leis em vigor que tratam especificamente da criminalização de condutas de violência e discriminação contra a mulher. Dentre elas está a Lei Maria da Penha (11.340/2006), em vigor há 15 anos.
Ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei n. 11.340/2006, denominada popularmente “Lei Maria da Penha”, veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência de gênero. A violência de gênero é uma das formas mais preocupantes de violência, já que, na maioria das vezes, ocorre no seio familiar, local onde deveriam imperar o respeito e o afeto mútuos (ANDREUCCI ,2017, p.783).
É por meio da Lei Maria da Penha que os atos de violência contra mulher praticados no âmbito doméstico e familiar são punidos de forma mais rigorosa, por meio de aplicação de penas privativas de liberdade que sejam condizentes à gravidade da conduta do agente delinquente.
Além das sanções penais, outra importante função da Lei 11.340/2006 é a de definir os tipos de violência contra mulher, dentre elas a violência psicológica.
2 DEFINIÇÃO LEGAL DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
A violência psicológica é uma das espécies de violência praticada contra a mulher compreendida pela Lei Maria da Penha e que foi por ela definida em seu artigo 7º, inciso II.
Eis sua definição legal:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
[...]
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;(Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) (BRASIL, 2006).
Complementando a definição legal, Renato Brasileiro de Lima leciona:
Por meio desta espécie de violência, vez por outra inclusive mais grave que a violência física, o agressor procura causar danos emocionais à mulher, geralmente por meio de ameaças, rejeições, humilhações ou discriminações, objetivando não apenas diminuir sua auto-estima, como também prejudicar seu pleno desenvolvimento. Crimes como o constrangimento ilegal (CP art. 146), a ameaça (CP, art. 147), e o sequestro e cárcere privado (CP, art. 148), podem ser citados como exemplos de infrações penais que materializam essa violência psicológica (LIMA, 2016, p. 912).
Portanto, psicológica é aquela violência em que atos afetam a saúde emocional da mulher. São condutas que controlam, inibem e interferem no comportamento da vítima, que temendo seu agressor, deixa de praticar determinado ato ou conduta. Ela pode acontecer de formas variadas: através de ameaças, restrições, vigilância, perseguições, manipulação, constrangimento, dentre outros.
Apesar de já definida no ordenamento desde o ano de 2006, a violência psicológica tornou-se efetivamente um crime recentemente, por meio da aprovação da Lei nº 14.188/2021.
3 ASPECTOS QUE ENSEJARAM A CRIAÇÃO DA LEI 14.188/2021
Conforme já destacado anteriormente, a violência psicológica contra a mulher é uma conduta criminalizada pela Lei Maria da Penha desde o ano de 2006, contudo foi em 2021 que ela tornou-se um crime de fato, com previsão legal específica.
A Lei aprovada é oriunda do Projeto de Lei nº 741/2021 da Câmara dos Deputados, de iniciativa das Deputadas Federais Margarete Coelho (PP/PI) e Soraya Santos (PL/RJ) em março deste ano, propondo a alteração do Código Penal, da Lei de Crimes Hediondos e Lei Maria da Penha para dispor sobre outras medidas de combate à violência contra a mulher, que em sua justificativa continha os seguintes argumentos:
Sob esse intento, medidas no sentido de reprimir condutas atentatórias contra a saúde psicológica das mulheres e sua liberdade mostram-se essenciais, inclusive em razão do avanço das novas tecnologias e da multiplicidade de formas de cometimento de perseguição às mulheres — como os casos de perseguição e de cyberstalking, que se multiplicam em uma realidade na qual as pessoas estão cada vez mais conectadas. Nesse mesmo sentido, a violência psicológica, por não apresentar marcas físicas visíveis, é uma das formas mais frequentes de agressão à mulher, representando o segundo maior tipo de violência doméstica sofrida, segundo revela pesquisa realizada pelo Senado Federal.6 Por essas razões, tenciona-se a tipificação do crime de perseguição (“stalking”). Ademais, pretende-se a tipificação do crime de violência psicológica, bem como a previsão de que a possibilidade de ocorrência desta violência seja motivação suficiente a afastar o agressor do local de convivência com a ofendida (BRASIL, PL 741/2021).
Após tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a Lei nº 14.188/2021 foi sancionada pelo Presidente da República no dia 28 de julho de 2021, trazendo em seu texto legal a inclusão de um novo tipo penal: o crime de violência psicológica, previsto no artigo 147-B do Código Penal; a alteração da pena de lesão corporal quando praticada contra vítima mulher em razão de sua condição de gênero e a definição do programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, como um instrumento de enfrentamento da violência praticada contra a mulher no âmbito doméstico e familiar (BRASIL, 2021).
Dentre as inovações trazidas pela Lei 14.188/2021 está a criação do crime de violência psicológica contra a mulher, que é o tema analisado e debatido neste estudo científico.
Como se nota na justificativa do Projeto de Lei, o propósito da norma é criar novos mecanismos que punam o agressor e que iniba a prática de atos de violência contra a mulher, que segundo dados oficiais, ocorrem no Brasil em índices elevados. No caso do crime de violência psicológica, o objetivo é de criminalizar uma conduta específica que antes não se encaixava completamente aos demais tipos penais.
A criação de um tipo penal específico se deu para tornar efetivamente passível de pena os atos de violência psicológica, que antes precisava se enquadrar nas condutas de injúria ou difamação, crimes contra a honra previstos no Código Penal que muitas vezes não correspondiam às situações enfrentadas pela vítima. Agora que existe o crime de violência psicológica, a mulher que for vítima dessa conduta terá condições de relatar o crime e dele ser processado e julgado pela autoridade competente (HOFLING apud SALIBA, 2021, p.1).
Embora a Lei Maria da Penha contemple a violência psicológica no art. 7º, inc. II, até a entrada em vigor da Lei n. 14.188/2021 não havia no ordenamento jurídico brasileiro um tipo penal correspondente. Era contraditório constar expressamente essa forma de violência em uma das leis mais conhecidas e importantes do país, que a define como uma “violação dos direitos humanos” (art. 6º) e, ao mesmo tempo, a conduta correspondente não configurar necessariamente um ilícito penal. Diversas condutas consistentes em violência psicológica – como manipulação, humilhação, ridicularização, rebaixamento, vigilância, isolamento – não configuravam, na imensa maioria dos casos, infração penal. Apesar de serem ilícitos civis, não configuravam crime. Não raras vezes, vítimas compareciam perante autoridades para registrar boletins de ocorrência por violência psicológica e eram informadas de que a conduta não configurava infração penal (sequer contravenção) (FERNANDES, ÁVILA E CUNHA, 2021, p.1).
A existência de um tipo específico que pune a violência psicológica praticada contra a mulher “evitará que a omissão normativa sirva de gatilho para impunidade, pois haverá literalidade da lei para contemplar tais condutas" (BIALSKI apud SALIBA, 2021, p.1).
Foi por esses motivos que a Lei 14.188/2021 foi sancionada e entrou em vigor no ordenamento jurídico, dispondo sobre mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar e criando um tipo específico de crime de violência psicológica contra a mulher, cujos aspectos doutrinários e legais serão agora apontados.
4 O CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
O crime de violência psicológica inserido no Código Penal por meio da Lei nº 14.188/2021 está previsto no artigo 147-B da norma que dispõe:
Violência psicológica contra a mulher
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave (BRASIL, 1940).
O delito foi inserido no Código entre os delitos cometidos contra a liberdade pessoal do indivíduo e pode ser praticado fora do ambiente doméstico e familiar.
A liberdade que aqui se protege compreende o querer, o determinar-se, o agir, o movimentar-se, a casa, a correspondência, o segredo de certas formas de atividade individual e a essência civil do homem livre. O delito consiste na lesão ou exposição a perigo de qualquer dessas manifestações de liberdade. (NORONHA apud CAPEZ, 2018, p. 264).
O Crime previsto no artigo 147-B tem como bem jurídico tutelado é a saúde psicológica da vítima e busca impedir que a vítima sofra qualquer dano ou abalo mental.
São várias as situações que caracterizam o crime de violência psicológica, estando as principais delas enumeradas no tipo penal, assim explicadas por Rogério Sanches da Cunha:
mediante ameaça (promessa de mal injusto e grave), constrangimento (insistência importuna), humilhação (rebaixamento moral), manipulação (manobra para influenciar a vontade), isolamento (impedimento da convivência com outras pessoas), chantagem (pressão sob ameaça de utilização de fatos criminosos ou imorais, verdadeiros ou falsos), ridicularização (escarnecimento, zombaria, que não passa de uma forma de humilhação), limitação do direito de ir e vir (restrição da livre movimentação) ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação (FERNANDES, ÁVILA E CUNHA, 2021, p.1).
Este delito traz em seu texto um crime de natureza exemplificativa, cuja configuração pode se dar pelas condutas descritas no artigo 147-B e explicadas acima ou por “qualquer outro meio que cause prejuízo” (BRASIL, 1940) a saúde mental da mulher.
Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime, contudo a vítima sempre será uma mulher, aqui compreendido o gênero feminino e não apenas o sexo biológico. Portanto, o sujeito passivo é próprio, não existindo hipótese de se configurar o delito de violência psicológica contra um homem já que o crime pune o ato cometido contra a mulher.
O crime será consumado quando o agente provocar o dano emocional à vítima, de modo que nada impede a sua caracterização na modalidade tentativa caso o agente seja impossibilitado de praticar a conduta por circunstancias alheias que o impeça de consumar o ato. Trata-se de conduta punível apenas na modalidade dolosa, isto é, com o animus de humilhar, ameaçar, constranger e etc. a vítima (FERNANDES, ÁVILA E CUNHA, 2021).
Como não existe expressa previsão em contrário, o crime de violência psicológica é de ação penal pública incondicionada, em que “o Ministério Público, havendo prova da materialidade e indícios de autoria delitiva, puder ajuizar a ação penal independentemente da autorização de quem quer que seja (ESTEFAM, 2018, p.574)”.
Caso condenado, o autor do crime será punido com pena de reclusão que pode variar de mínima de 06 (seis) meses à máxima de 02 (dois) anos e multa. É importante ressaltar que a pena descrita no artigo 147-A somente será aplicada quando a violência psicológica não configurar outro delito que possua maior gravidade (BRASIL. 1940).
O crime será processado segundo as determinações da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95) apenas quando a violência doméstica não for praticada em âmbito doméstico e familiar, posto que o artigo 41 da Lei 9.099/95 veda a aplicação da Lei dos Juizados às condutas compreendidas pela Lei Maria da Penha (CALVACANTE, 2021).
5 APONTAMENTOS CRÍTICOS QUANTO A TIPIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
Inserido recentemente no rol das condutas criminalizadas pelo ordenamento brasileiro, o crime de violência psicológica e sua aplicabilidade é um tema em debate entre os operadores do direito que atuam na área criminal.
O avanço que essa Lei trouxe para o ordenamento jurídico é reconhecido, diante do aumento de casos de violência contra a mulher nos últimos anos, situação que comprova a necessidade de se criar novos meios de coibir a sua ocorrência.
Apesar disso, existem críticas ao texto legal do crime de violência psicológica, que para alguns advogados criminalistas, foi aberta demais, correndo risco de ser declarara inconstitucional por afrontar o princípio da legalidade (MARANHAO apud SALIBA, 2021).
O texto do artigo 147 – B é muito abrangente, uma vez que não especifica os danos de maneira taxativa, abrindo margem às mais diversas interpretações, vejamos: o texto prevê que causar danos psicológicos à mulher que a prejudique ou perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio. O problema da configuração do texto em sí, como já mencionado, é seu formato exemplificativo, por exemplo, como será provado que a vitima foi manipulada, ou qual o grau de constrangimento que será necessário para a adequação do delito? Além disso, o seguinte trecho: “em qualquer outro meio em que cause prejuízo a saúde psicológica e auto determinação da mulher” ratifica o rol, meramente taxativo e pode acabar por dificultar a individualização dos delitos (FERNANDES, 2021, p.1).
Para o Juiz Alexandre Morais da Rosa, o crime foi indevidamente inserido no rol dos crimes contra a liberdade individual enquanto que o bem jurídico protegido pelo tipo é a conduta de causar o dano psicológico, conduta que está além da restrição da sua liberdade e compreende a sua integridade mental (ROSA apud SALIBA, 2021).
Lado outro, ainda que possa ter erroneamente sido inserida no Capítulo VI do CP, a sua criação põe fim à lacuna antes existente e dá ao julgador o meio de aplicar a sanção ao agente que comete a violência psicológica e causa dano à mulher por meio de sua conduta.
No tocante à sua configuração, o crime irá se caracterizar através da prática dos atos de “ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio”(BRASIL, 1940), devendo estar comprovado nos autos o prejuízo causado à autodeterminação ou saúde psicológica da mulher.
Rogério Sanches da Cunha, ao dispor sobre as provas da violência psicológica aborda um aspecto essencial no processo de apuração do crime de violência psicológica que é comumente questionado pela acusação da defesa: a desnecessidade de realização de laudo técnico comprobatório de danos psicológicos. Assim argumenta o autor:
A prova do resultado pode ser feita pelo depoimento da ofendida, por depoimentos de testemunhas, relatórios de atendimento médico, relatórios psicológicos ou outros elementos que demonstrem o impacto do crime para o pleno desenvolvimento da mulher, o controle de suas ações, o abalo de sua saúde psicológica ou algum impedimento à sua autodeterminação. Considerando que o resultado do crime não é a lesão à saúde psíquica, mas o dano emocional (dor, sofrimento ou angústia significativos), laudos técnicos não são necessários (FERNANDES, ÁVILA E CUNHA, 2021, p.1).
Portanto, a prova da violência psicológica se dá por meio do contexto probatório coletado, sendo dispensável a existência de um laudo. Se o fato é comprovado por depoimentos da vítima e de testemunhas e se está demonstrado o abalo psicológico descrito no tipo penal não há motivo para exigir um laudo técnico na instrução processual.
Comprovada a prática dessas condutas, caracterizada estará a violência psicológica, que pode se dar por meio de uma conduta única por sua prática reiterada. Ainda que ocorra por mais de uma vez, não será necessário que a vítima registre várias notícias crime, basta que informe ao Delegado o período de tempo em que elas foram praticadas.
Uma vez processada e julgada a conduta do agente, se restar demonstrado pelas provas que o acusado cometeu o delito, ele será condenado às sanções legais estabelecidas no artigo 147-B do Código Penal. Entretanto, se a violência psicológica for praticada como meio de cometer um delito mais grave, afasta-se a pena do artigo 147-B para aplicar a sanção do outro delito.
São esses, grosso modo, os apontamentos doutrinários destacados pelos juristas brasileiros na interpretação do crime de violência psicológica, conduta que apesar de definida em lei há mais de 15 anos, somente foi reconhecida como crime específico há poucos meses atrás.
Com o passar do tempo, esses apontamentos iniciais irão ser solidificar com a análise do Julgador sobre os casos de violência psicológica que serão processados nas varas criminais de todo o Brasil. Por enquanto, espera-se que esse tipo penal e as demais inovações trazidas pela Lei 14.188/2021 sejam ferramentas efetivas no combate às violências praticadas contra a Mulher no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa científica destacou a preocupação do Constituinte em assegurar à mulher a igualdade em direitos em relação aos homens, igualdade esta que se consolida através de leis específicas que garantam a dignidade humana da mulher.
A mulher não pode ser vítima de violência alguma, direito que lhe deve ser resguardado dentro de sua casa. Para que isso ocorra, está em vigor no Brasil desde o ano de 2006 a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que pune com rigor os atos de violência física, patrimonial, moral, sexual e psicológica cometida no ambiente doméstico ou familiar.
Em 2021, outra lei foi sancionada para reforçar essa proteção: a Lei nº 14.188 traz em seu bojo outros dispositivos para coibir e punir com eficácia os atos de violência contra a mulher.
O índice elevado de casos e a impunidade do agressor foram os fatores que desencadearam a criação desta lei. Dentre suas inovações está a inclusão do artigo 147-B ao Código Penal, que criou o crime de violência psicológica contra a mulher.
Com pena de reclusão de dois meses a seis anos e multa, o delito acima citado objetiva proteger a saúde psicológica da vítima e pune aquele que causar à mulher um dano ou abalo psicológico que afete sua saúde mental.
A sua importância e necessidade é reconhecida pela doutrina, contudo ainda existem questionamentos práticos quando a sua caracterização, por ser um crime que possui um conceito aberto, já que pode se caracterizar através de várias condutadas.
Decorridos apenas três meses de sua inclusão no Código Penal, as críticas permanecem ainda sem solução, contudo é certo que tais questionamentos serão solucionados pela jurisprudência através da análise dos casos concretos. O que se espera é que a Lei alcance seu objetivo e que a violência psicológica contra a mulher, quando praticada, seja punida segundo o rigor da Lei.
REFERÊNCIAS
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. – 12. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 set. 2021.
BRASIL. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm>. Acesso em: 28 set. 2021.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 11 out. 2021.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 27 set. 2021.
BRASIL. Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021. Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm>. Acesso em: 12 out. 2021.
BRASIL. Projeto de Lei nº 741, de 2021. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, e a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, para dispor sobre medidas de combate à violência contra a mulher, e cria o Programa de Cooperação “Sinal Vermelho Contra a Violência Doméstica”. NOVA EMENTA: Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. Situação: Aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado integralmente. Disponível em: <https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-741-2021>. Acesso em: 12 out. 2021.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial : arts. 121 a 212 — 18. ed. atual. — São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei 14.188/2021: crime de violência psicológica, nova qualificadora para lesão corporal por razões da condição do sexo feminino e programa Sinal Vermelho. Dizer o Direito, 20 de julho de 2021. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2021/07/comentarios-lei-141882021-crime-de.html>. Acesso em: 15 out. 2021.
ESTEFAM, André. Direito penal: parte geral (arts. 1º a 120). – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
FERNANDES, Matheus Outeda. Aspectos jurídicos da lei 14.188 de 28 de julho de 2021. Jus.com, 2021. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/92209/aspectos-juridicos-da-lei-14-188-de-28-de-julho-de-2021>. Acesso em: 19 out. 2021.
FERNANDES, Valéria Diez Scarance; ÁVILA, Thiago Pierobom de; CUNHA, Rogério Sanches. Violência psicológica contra a mulher: comentários à Lei n. 14.188/2021. Meu site jurídico, 29 de julho de 2021. Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/07/29/comentarios-lei-n-14-1882021/>. Acesso em: 14 out. 2021.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. (Coleção esquematizado) – 22. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
LIMA. Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: JusPODIVM, 2016.
SALIBA, Ana Luiza. Especialistas comentam lei que criminaliza a violência psicológica contra a mulher. Revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jul-30/especialistas-comentam-lei-criminaliza-violencia-psicologica>. Acesso em: 12 out. 2021.
Acadêmica de Direito na Universidade de Gurupi UnirG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MICHELLY DE JESUS GUIMARãES, . O Crime de Violência Psicológica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2021, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57765/o-crime-de-violncia-psicolgica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Precisa estar logado para fazer comentários.