RESUMO: O presente artigo tem por objetivo o cumprimento do Trabalho de Conclusão de Curso II, do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO, no semestre 02/2021, tendo como tema A eficácia das penas alternativas aos crimes de trânsito estabelecidos no Código Trânsito Brasileiro – CTB. Inicialmente o texto científico contém breve relato acerca do desenvolvimento histórico do trânsito de veículos terrestres no Brasil, mencionando a legislação criada no período militar e que vigorou até pouco mais de uma década pós regime, quando houve a abertura política. Também mereceu atenção uma sucinta explanação acerca dos institutos Dolo e Culpa, incluindo suas vertentes. A pesquisa tem como pano de fundo o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, instituído através da Lei n. 9.503/97, que passou a vigorar em janeiro de 1998. O alvo principal da temática escolhida foi o Capítulo XIX, da mencionada lei e suas alterações, considerando-se, principalmente, nesses quase 24 anos de vigência as respostas dadas pelo legislador aos mais variados tipos penais decorrentes das condutas praticadas ao volante. Ao final tem-se uma explanação atual e precisa acerca da aplicação das penas alternativas ou substitutivas das penas privativas da liberdade aplicáveis aos crimes de trânsito balizada no conhecimento obtido dos ensinamentos de professores, doutrinadores e outros estudiosos do assunto.
Palavras-chave: Crimes de Trânsito. Culpa. Dolo. Penas Alternativas.
1 INTRODUÇÃO
Historicamente a segurança do trânsito de veículos motorizados de vias terrestre representa um grande desafio ao poder público, sociedade e empresas. Consideremos que em grande o progresso sempre tem sua base fundamental no desenvolvimento do transporte. No Brasil, o primeiro veículo do tipo automóvel que se tem notícia pertenceu a Henrique Santos Dumont (irmão de Alberto Santos Dumont) que dirigiu um Daimler a vapor, em 1893, em São Paulo (Garcia, 1997). O primeiro acidente aconteceu quando o poeta Olavo Bilac colidiu com seu automóvel com uma árvore, na Cidade de Rio de Janeiro, em 1897. Percebe-se, portanto, que dado lapso temporal do registro do primeiro acidente até a presente data, conduzir não é tão fácil e que podem acontecer muitos danos. Paralelamente ao desenvolvimento trazido pela industrialização, inclusive a automobilística, também aconteceu a interligação das cidades através de estradas e rodovias e a expansão demográfica com a formação das grandes cidades brasileiras. Em decorrência desses fenômenos, surgiu a necessidade do oferecimento de sistemas de transportes públicos e a necessidade de pessoas adquirirem seus próprios veículos, necessários à realização de seus afazeres. A primeira legislação especial versando sobre o trânsito de veículos mais significativa, a partir de 1941 e se deu por meio do Decreto-lei n° 2.994, que foi revogado pelo Decreto-lei n° 3.651 poucos meses depois, criando o Conselho Nacional de Trânsito, o CONTRAN. Com a finalidade de possibilitar a organização do trânsito após a consolidação da indústria nacional, foi elaborada a Lei No. 5.108/66, que instituiu o antigo Código Nacional de Trânsito e vigorou por 21 anos, estabelecendo deveres e obrigações, porém, sem sanções criminais às condutas danosas. Fora do contexto da lei especial de trânsito e sem previsão na legislação penal brasileira, os acidentes ficavam impunes, vitimando milhares de brasileiros e enlutando seus lares. Os chamados acidentes de trânsito podem acontecer por fato da natureza ou pela ação/omissão da pessoa humana. É sabido que pelo Princípio da Legalidade estabelecido no art. 5º., XXXIX, CF/88, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, portanto, a omissão legal significava que era “natural” morrer em acidentes de trânsito.
Em 23 de setembro de 1997, o Congresso Nacional aprovou e o Presidente da República sancionou uma nova legislação de trânsito através da Lei No. 9.503, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro – CTB. Substanciais foram a mudança nos cenários político, econômico, educação e demográfico do país, no período de vigência do antigo Código Nacional de Trânsito. Deste modo, a nova lei de trânsito trouxe algumas inovações importantes pressupondo efetiva participação dos municípios na gestão do trânsito local, maior enfoque nos processos educativos inerentes ao trânsito seguro, melhor qualificação teórico-técnica e treinamento prático veicular aos condutores. Porém, um dos maiores avanços se deu com do capítulo de crimes culposos de trânsito, possibilitando assim o alcance e punição dos condutores violentes, inconsequentes e irresponsáveis, dando uma resposta ao clamor da sociedade brasileira. Em verdade o Código de Trânsito Brasileiro – CTB, passou a estabelecer aos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito – SNT, a integração nacional através do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, atualmente SENATRAN (Secretaria Nacional de Trânsito), visando ações sistemáticas desses órgãos e o estabelecimento de uma política nacional de trânsito com vistas à redução dos acidentes, promoção da Educação de Trânsito, controle da frota veicular, padronização da sinalização viária, controle do desempenho dos condutores através do registro de pontuação e aplicação de sanções administrativas.
De início, a vigência do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, refletiu uma sensível redução na quantidade de acidentes e vítimas de trânsito, visto que os valores das multas foram majorados, inobstante a tipificação de algumas condutas como crimes. Com o decorrer do tempo inúmeras modificações no CTB foram realizadas visando maior efetividade e eficiência na sua aplicação, especialmente na parte criminal, constante no Capítulo XIX, seções I e II que tratam das disposições gerais e dos crimes em espécie, respectivamente. Temos, portanto, a tipificação penal genérica de crimes culposos em 13 artigos do trânsito e reprovabilidade de 16 condutas violentas ou que produzam riscos iminentes à segurança, à incolumidade ou à vida das pessoas, com especial atenção à perigosa combinação da condução veicular sob efeito de álcool e drogas, condutas estas que produzem os maiores percentuais de óbitos, lesões graves ou sequelas no trânsito.
Preliminarmente, uma breve diferenciação conceitual entre crimes dolosos e culposo se faz necessária. Posteriormente, a abordagem da aplicação das penas alternativas nos delitos culposos de trânsito dará uma medida da efetividade das sanções na reprovabilidade dos crimes cometidos ao volante.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Teorias do Crime
Uma análise conceitual breve de crimes, sob os aspectos material, formal e analítico, nos remetem aos elementos subjetivos do tipo, que estão relacionados à intenção do agente ao realizar a conduta criminosa. São dois os elementos subjetivos de crime: o dolo e a culpa.
Conceitualmente dolo é a vontade consciente que o agente manifesta ao realizar condutas tipificadas na lei. Várias são as teorias que pretendem explicar a ocorrência de dolo nos fatos juridicamente valorados. Resumidamente mencionaremos com brevidade algumas dessas teorias.
2.1.1 Elementos do dolo
Segundo Capez (2008, p. 200), consciência e vontade são os elementos essenciais do dolo. Sendo que a consciência é representada pelo conhecimento de que fato o constitui o fato é tipicamente previsto e antijurídico. Logo, a vontade é a execução de uma ação propositada. O dolo engloba também os meios empregados e as consequências secundárias da atuação do agente.
O agente pratica crime doloso quando tem a intenção de alcançar o resultado. Por exemplo, se o condutor atropela, deliberada e propositalmente, um algoz e com a intenção de causar-lhe lesão ou a morte, tendo alcançado seu intento, será enquadrado no tipo penal descrito na norma penal. Portanto, dolo é a vontade consciente do agente de praticar ou assumir o risco de praticar uma conduta que é prevista na lei como crime. Dolo é o elemento subjetivo. O dolo não está relacionado apenas ao objetivo a ser alcançado pelo agente, mas também aos meios utilizados para o fim desejado e a produção de consequências secundárias.
2.1.2 Teorias do dolo – breve resumo
Teoria da vontade: nessa teoria o dolo é a vontade consciente do agente de realizar a conduta e atingir o resultado. Nas lições de Jesus (2011, p.327), “ [...] para a teoria da vontade, é preciso que o agente tenha entendimento da representação do fato (consciência do fato) e a vontade de alcançar o resultado”.
Teoria da representação: nesta o agente prevendo o resultado de uma conduta possível opta por prosseguir com está mesmo sem desejar o resultado. Basta a previsão do resultado para que a conduta seja considerada dolosa.
Teoria do consentimento ou assentimento: quando o agente prevê o resultado da conduta e prossegue com está assumindo o risco de produzi-lo. Aqui não basta apenas prever o resultado, é necessário que o agente eventualmente assuma o risco de produzi-lo. O Código Penal Brasileiro adota a Teoria da Vontade para o dolo direto e a Teoria do Assentimento nos casos de dolo eventual, casos em que o agente não quer o resultado, mas também não sem importa se vai ou não ocorrer. Muitas vezes os crimes de trânsito ocorrem nas circunstâncias típicas de dolo eventual.
A doutrina conceitua diversas espécies de dolo, as quais não aprofundaremos neste artigo, tais como: dolo direto ou determinado ou imediato, dolo indireto, indeterminado ou mediato, dolo de dano, dolo de perigo, dolo natural ou neutro, dolo híbrido ou normativo, dolo genérico, dolo específico e dolus generalis, erro sucessivo ou “aberratio causae”.
2.2 Culpa
A culpa corre em circunstância na qual o agente pratica um fato voluntário não intencional em relação a um resultado danoso ou que exponha a perigo o bem jurídico tutelado. Segundo Capez (2008) os tipos penais que definem os crimes culposos são abertos, sem que se descreva em que consiste o comportamento culposo. Nucci (2014) leciona que a culpa: “É o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado”. Como tipificado na legislação de trânsito, nos crimes culposos ao volante o agente não objetiva atingir um bem juridicamente protegido, entretanto, ao conduzir o veículo de maneira açodada e desatinada em velocidade inadequada, quando deixa de cuidar da manutenção periódica e adequada dos pneus ou sistemas de freios ou desconhece os mecanismos do veículo ou cuidados necessários típico de condutores inabilitados à condução veicular, resultando dano a quem quer que seja, incorre em fato culposo. Imprudência, negligência ou imperícia do agente ou da vítima dão fundamento aos crimes culposos, sendo tais condutas analisadas sob comparação de como uma conduta de uma pessoa mediana agiria na mesma situação. Quando o agente age sem os cuidados para evitar o resultado prejudicial ou danoso a outrem, diz-se que impelido de imprudência; negligente é aquele que deveria tomar os cuidados necessários para evitar o resultado diverso, porém não o faz por excesso de confiança, é o caso de culpa por omissão, e, a imperícia é incapacidade de realizar com segurança uma tarefa que requeira o domínio do meio e do ambiente fático por falta de conhecimento ou habilidade. Ademais, deve-se considerar que nos casos de acidentes de trânsito, a vítima pode ter sido negligente ou imprudente no cumprimento de regras básicas de segurança e confiando demais na sua capacidade de livrar-se do perigo. Autoridades de trânsito e demais operadores que deixam de cumprir com eficácia suas missões contribuem diretamente para ocorrência de infortúnios, visto que deixam de promover as condições básicas de segurança, como sinalização, pavimentação, orientação aos condutores e pedestres.
2.2.1 Espécies de culpa
a) Culpa consciente ou com previsão: é também chamada de culpa com previsão. Neste caso, o agente agindo com imprudência, negligência ou imperícia, prevê o resultado, mas acredita que poderá evitá-lo ou que simplesmente não vai ocorrer. Incorre nessa modalidade o condutor participa de “racha”, sabendo que pode acontecer um atropelamento, mas confia que não aconteça daquela vez. Pode-se dizer que a culpa consciente se caracteriza pela previsão de um resultado, embora este não seja um fim em si;
b) Culpa inconsciente: é a culpa pura e simples. O agente não queria e não previa nenhum resultado, caso em que não há previsão de resultado;
c) Culpa própria: trata-se de culpa comum, o agente não pretende produzir o resultado e nem assume o risco de produzi-lo;
d) Culpa imprópria ou por extensão: o agente deseja e prevê o resultado, porém, ao praticar a conduta, que acredita ser em legitima defesa, ocorre um erro de tipo inescusável e acaba por produzir resultado diverso do pretendido.
e) Culpa mediata ou indireta: o agente causa um resultado indiretamente, no momento em que buscava produzir outro resultado.
2.3 Dolo Eventual X Culpa Consciente
O dolo eventual muito se avizinha da culpa consciente. Mas nesta, o agente, embora prevendo o resultado como possível ou provável, não o aceita nem consente.
Os crimes de embriaguez alcoólica ao volante ou direção veicular sob efeitos de drogas requerem especial atenção: afinal, esses crimes são praticados sob dolo (eventual) ou estão revestidos de culpa (consciente)? Circunstanciadamente pode ser necessária a análise de pequeno detalhe a definir uma ou outra conduta do agente, se foi culposa ou dolosa. Essa definição de detalhes implica no enquadramento penal ou na seara da legislação de trânsito. Em tópico acima, foi mencionado que culpa consciente é a culpa com previsão, ou seja, o agente prevê o resultado, porém, acredita tanto em suas habilidades que tem certeza que poderá impedir o resultado, como explica Capez (2011, p. 344).
A previsão é elemento do dolo, mas que, excepcionalmente, pode integrar a culpa. A exceção está na culpa consciente. Ex.: ao transitar nas proximidades de uma escola, o condutor sabe que em determinado horário há intensa movimentação de crianças atravessando a rua para entrar na escola ou indo para casa. O condutor sabe, inclusive, que alguma criança desatenta ou impulsiva poderá atravessar a rua fora da faixa e subitamente, e que seguindo em velocidade regular, poderá não ter tempo de reação suficiente para evitar o atropelamento. Mesmo assim, segue em marcha normal acreditando que poderá parar imediatamente seu veículo que não atropelará ninguém. Porém, o pior acontece e o condutor mata uma criança nas circunstâncias acima. Dessa forma, embora prevendo um resultado gravoso, o agente não responderá por homicídio doloso, e sim por homicídio culposo (art. 302, caput, CTB). Note-se que o agente previu o resultado, mas levianamente acreditou que não ocorresse.
Portanto, pode-se afirmar que num contexto de culpa consciente é previsto um resultado pelo agente, que julga poder evita-lo. Como vimos, é a chamada culpa com previsão, embora seja previsível. Diferentemente da culpa consciente, no dolo eventual o agente também não deseja o resultado, mas, agindo com indiferença, assume o risco de produzi-lo. Nesse caso, ocorrendo ou não o resultado, importante que sua conduta não seja interrompida por causa do resultado.
O dolo eventual segundo Jesus (2009, p.286):
Ocorre o dolo eventual quando o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza.
Portanto, o resultado é secundário na conduta do agente. Este ignora a possibilidade de resultado danoso ou sua ação não converge para evitá-lo ou não, o importante para ele é que a sequência de sua conduta não seja interrompida.
É possível perceber a pequena diferença entre um instituto, e outro e sobre isso, dispõe Capez (2011, p.234-235): A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir”).
Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá”). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.
Num primeiro momento, imagina-se que o dolo eventual está relacionado apenas com a intenção do agente, ou seja, as circunstâncias contam bem menos, ou quase nada do que o que se passa na mente do agente no momento da ação. Mas como provar o que se passa na mente do agente no momento da ação?
Nesse aspecto, Jesus (2011, p.332) assim leciona:
Nenhuma justiça conseguiria condenar alguém por dolo eventual se exigisse confissão cabal de que o sujeito psíquica e claramente consentiu na produção do evento; que, em determinado momento anterior à ação, deteve-se para meditar cuidadosamente sobre suas opções de comportamento, aderindo ao resultado. Jamais foi visto no banco dos réus alguém que confessasse ao juiz: “no momento da conduta eu pensei que a vítima poderia morrer, mas, mesmo assim, continuei a agir”. A consciência profana da ilicitude, na teoria finalista da ação, não faz parte do dolo, que é natural.
O juiz, na investigação do dolo eventual, deve apreciar as circunstâncias do fato concreto e não o buscar na mente do autor, uma vez que, como ficou consignado, nenhum réu vai confessar a previsão do resultado, a consciência da possibilidade ou probabilidade de sua causação e a consciência do consentimento.
Vejamos como a jurisprudência pátria diverge sobre o assunto:
Em caso de atropelamento com vítima fatal, provocado por agente que conduzia veículo em velocidade incompatível com o local e em estado de embriaguez, havendo dúvida sobre a existência de dolo eventual ou culpa, a celeuma deverá ser remetida ao Tribunal do Júri para o pronunciamento dos jurados (TJSP, RES 295.097.3/0-00, 2° Câm., rel. Des. Silva Pinto, j. 9-2- 2004, RT 825/581). Por outro lado: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – PRONÚNCIA – LESÕES CORPORAIS – REPRESENTAÇÃO – HOMICÍDIO – DOLO EVENTUAL AFASTADO – DESCLASSIFICAÇÃO. REMESSA PARA A VARA DE DELITOS DE TRÂNSITO.
I. A manifestação inequívoca das vítimas em representar contra os acusados pelo crime de lesões corporais impõe o prosseguimento da ação penal. II. Para ocorrência do dolo eventual não basta a previsibilidade do resultado. Necessária a aceitação voluntária e consciente do resultado. Por mais reprovável que seja a conduta, como direção perigosa, velocidade excessiva, disputas automobilísticas e outras, o elemento anímico é a culpa consciente, ou seja, a leviandade quanto a possível produção do resultado. III. Em tema de delitos de trânsito, pelo princípio da especialidade, deve ser aplicado o Código de Trânsito Brasileiro, que prevê tipos culposos e afasta a possibilidade de julgamento pelo Tribunal do Júri. IV. Recurso do Ministério Público provido parcialmente para que os réus sejam submetidos a julgamento pelo juiz singular pelos crimes de lesões corporais culposas praticados contra duas vítimas. Recurso da defesa parcialmente provido para afastar o elemento subjetivo (dolo eventual) e desclassificar os fatos para delito da competência da Vara de Delitos de Trânsito. Maioria (20070111242232RSE, Relatora: Des. Sandra de Santis, 1ª Turma Criminal, julgado em 17/09/2009, DJ 01/12/2009 p. 120).
Se faz necessário analisar todo o contexto do caso. Entre outros fatos é importante observar, como ensina Jesus (2011, p.333), o perigo a que a vida da vítima foi exposta, se a ação poderia ter sido evitada pelo agente e a indiferença em relação ao bem jurídico tutelado, para que assim se chegue a uma conclusão efetiva acerca da conduta do agente. Após essa breve análise dos institutos do dolo eventual e da culpa consciente, passou então explorar o crime de trânsito e aplicabilidade do instituto do dolo eventual, especificamente no crime de embriaguez ao volante.
3 A APLICAÇÃO DE PENAS ALTERNATIVAS APLICÁVEIS AOS CRIMES DE TRÂNSITO
Em princípio, as possibilidades de aplicação das chamadas penas alternativas ou substitutivas, estão estabelecidas no artigo 44, I, 2a parte, “in fine”, CP, sendo cabíveis via de regra em todos os crimes culposos, independentemente de onde fossem previstos ou mesmo da quantidade de pena privativa de liberdade aplicada. Conforme leciona Greco, a primeira exigência contida no inc. I diz respeito à quantidade da pena. O dispositivo legal estabelece que a substituição somente se é permitida quando pena aplicada não for superior a quatro anos nos casos de crimes dolosos, inexistindo, no Códex, condição prévia para aplicação do benefício nas infrações culposas.
Dessa forma, a substituição das penas restritivas de liberdade torna-se aplicável nos crimes tipificados no CTB aos artigos 302, caput (homicídio culposo simples); 303, caput(lesão corporal culposa simples); 304 (omissão de socorro culposa); 305 (fuga do local do acidente sem vítima); 306 (embriaguez simples); 307 (violação da suspensão da CNH ou da proibição de obtê-la); 308 (direção perigosa ou “racha” simples); 309 (condução veicular por pessoa inabilitada ou que esteja cumprindo penalidade de suspensão ou cassação da CNH); 310 (permissão a um terceiro inabilitado, embriagado, drogado ou com problemas mentais ou psiquiátricos); 311 (velocidade excessiva em locais de aglomeração/movimentação de pessoas) e 312 (inovação do layout em local de acidente). Em regra, as ações penais dos crimes de trânsito são incondicionadas. Entretanto, no crime de lesão corporal culposa (306, caput), a ação penal pública é condicionada à representação, caso não ocorram as hipóteses dos incisos I, II e III, do artigo 291, do CTB, conforme leciona Aufiero (2021).
Dentre as diversas alterações no CTB introduzidas através da Lei n. 13.281/2016, foi criado um rol taxativo de possibilidades de medidas substitutivas contidas no art. 312-A, casos em que, a priori, o juiz deva utilizá-las, em detrimento das penas privativas de liberdade, quais sejam:
De acordo com o artigo 312-A, do Códex, in verbis, nos crimes culposos de trânsito previstos nos artigos 302 e 303, caso não ocorrerem circunstâncias agravantes, e nos crimes tipificados nos304 a 312, decidindo o juiz aplicar a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, estas deverão ser prestação de serviço em atividades relacionadas ao atendimento e recuperação de pessoas vitimadas pela violência no trânsito oferecidas à comunidade ou a entidades públicas seguintes:
I - trabalho, aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis especializadas no atendimento a vítimas de trânsito;
II – trabalho em unidades de pronto-socorro de hospitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de trânsito e poli traumatizados;
III - trabalho em clínicas ou instituições especializadas na recuperação de acidentados de trânsito;
IV – outras atividades relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito.
4 RECENTES ALTERAÇÕES NO CTB, INTRODUZIDAS PELA LEI N. 14.071/20 LIMITADORAS DAS PENAS ALTERNATIVAS NOS HOMICÍDIOS E LESÕES CULPOSOS QUALIFICADOS PELA EMBRIAGUEZ
Como afirmado anteriormente, as penas alternativas poderiam ser aplicadas a todos os crimes culposos indistintamente, fossem eles previstos no Código Penal ou no CTB, fossem eles cometidos sob quaisquer circunstâncias, inexistiam condições legais extraordinária para a sua aplicação nos casos crimes culposos, salvo os requisitos normais previstos no artigo 44, CP, especialmente em seu inciso III (requisitos subjetivos que seriam exigíveis mesmo no caso de crimes culposos).
Nessa recente alteração do Códex, foi introduzido o artigo 312 – B no CTB, passando doravante a limitar a substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direito nos casos de Homicídio Culposo e Lesão Corporal Culposa qualificados pela embriaguez. E mais, no caso das Lesões Corporais Culposas, para aqueles que entendem que a penalidade mais gravosa prevista no artigo 303, § 2º., CTB se dá pela embriaguez ou pela ocorrência de lesões de natureza grave ou gravíssima, também haverá impedimento caso esse resultado mais grave ocorra, independentemente da embriaguez.
Desse modo, a introdução do artigo 312-B na legislação de trânsito, impede penas alternativas nos homicídios culposos e lesões culposas do CTB, nos seguintes termos:
a) no homicídio culposo no trânsito, conforme previsto no artigo 302, § 3º., CTB, ou seja, constatando-se pelos meios legais que o agente estiver sob efeitos de álcool ou outra substância que cause dependência no momento do fato.
b) resultando lesões corporais culposas, graves ou gravíssimas, conforme previsto no artigo 303, § 2º., CTB. Numa análise restritiva do dispositivo, percebe-se a conjunção aditiva (e), fazendo crer que poderá haver aplicação de penas alternativas quando o agente estiver embriagado ou drogado e do fato resultar apenas lesões leves. Pode-se concluir que as duas condições qualificadoras estejam presentes simultaneamente para ocorrência da vedação de penas alternativas tipificadas no dispositivo, ou seja ocorrendo apenas embriaguez sem resultado sem lesões graves ou gravíssimas à vítima ou não estando embriagado, mas havendo lesões graves ou gravíssimas, não estaria configurada a qualificadora do artigo 303, § 2º. e, portanto, não haveria a vedação do artigo 312 – B, CTB. O novel dispositivo se refere expressamente ao § 2º. do artigo 303, CTB e não a um ou outro resultado ou condição.
Não é difícil acreditar algum doutrinador suscitar dúvida quanto à interpretação do dispositivo e entender que, embora usando o legislador tenha empregado a conjunção aditiva “e” no § 2º. do artigo 303, CTB, o crime se qualificaria ocorrendo um dos dois casos ali previstos, quais sejam a embriaguez do condutor ou resultando lesões graves ou gravíssimas à vítima. Porém, se surgir essa linha raciocínio, as penas alternativas seriam então vedadas tanto no caso de embriaguez com lesões leves, como no caso de lesões graves ou gravíssimas, mesmo sem embriaguez.
Normalmente deverá prevalecer o primeiro entendimento, segundo o qual haverá vedação no caso de embriaguez no homicídio culposo e na lesão culposa, à luz do CTB, apenas quando houver a embriaguez e o resultado de lesões graves ou gravíssimas.
Nada se altera com relação à possibilidade de penas alternativas nos estritos termos do artigo 44, CP nos crimes culposos previsto no códex penal, evidentemente. Visto que o artigo 312 –B, CTB somente se aplica aos casos de homicídio culposo ou lesões culposas do CTB. Quanto à possibilidade de aplicação da substituição de penas privativas de liberdade previstas no artigo 44, §§, do CP, nos casos de crimes de trânsito de homicídio ou lesão culposos simples previstos no caput dos artigos 302 e 303, CTB, não existe nenhum reflexo do novo dispositivo limitador.
Como de praxe dispositivos penais gravosos não podem retroagir para prejudicar os acusados em fatos pretéritos, pois que se trata de “novatio legis in pejus”. Portanto, a vedação à aplicação de penas alternativas nos casos especificados na Lei 14.071/20 alcançara apenas os fatos ocorridos a partir do dia 12 de abril de 2021. As penas alternativas podem perfeitamente ser aplicadas aos fatos anteriores ainda que estejam qualificados do artigo 302, § 3º. ou 303, § 2º., CTB, desde fato se adeque aos requisitos subjetivos para a concessão do benefício, conforme consta do artigo 44, III, CP.
COLAÇO (2020), em seu artigo “A contramão legislativa: permissão das penas restritivas de direitos”, apresenta importante divergência de análise das alterações introduzidas pela Lei 14.071/20, em faze da interpretação criativa e bastante inusitada veiculada pelo autor Márcio André Lopes Cavalcanti. Em sua análise, Colaço observa que aquele autor, interpretação gramatical própria do artigo 312 – B, CTB, afirma que a Lei 14.071/20 não teria efetivamente vedado penas alternativas aos casos ali elencados, mas, ao reverso, reduzido os requisitos para a aplicação da benesse. O crítico Colaço menciona a afirmação do autor de que o legislador, ao fazer menção direta ao inciso I do artigo 44 CP, não teria proibido as penas alternativas nos casos estudados, eis que não teria atuado sobre o “caput” do artigo 44, CP. Destarte, na visão de Cavalcanti, apenas não haveria para os crimes do CTB de homicídio e lesão culposos as exigências previstas no inciso I do artigo 44, CP, mas somente as dos incisos II e III. Dessa forma, ao contrário de proibir penas alternativas, teria o legislador possibilitado de forma mais ampla sua aplicação, mesmo nos casos de crimes qualificados do CTB.
Considera, Colaço que a interpretação restritiva dada por Cavalcante, centrada no aspecto meramente gramatical, é criativa apenas, carecendo de argumentação mais sólida para sustentar-se.
Contraditoriamente, segundo Colaço, em seu próprio texto o autor expõe que a inovação trazida com o artigo 312-B tinha a intenção de criar restrições à aplicação de penas alternativas nos casos enfocados. Em suas palavras:
A Lei nº 14.071/2020 inseriu o art. 312-B do CTB com o objetivo de proibir a aplicação de penas restritivas de direitos para os crimes do art. 302, § 3º e do art. 303, § 2º do CTB. Essa foi a intenção do legislador conforme se observa pelas notícias divulgadas pelos sites oficiais do Senado Federal e da Presidência da República:
“O presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.071, que promove uma série de alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A norma, que foi publicada com vetos na edição desta quarta-feira (13) do Diário Oficial da União, entra em vigor dentro de 180 dias. (...)
“A nova norma prevê também que, em casos de lesão corporal e homicídio causados por motorista embriagado, mesmo que sem intenção, a pena de reclusão não pode mais ser substituída por outra mais branda, restritiva de direitos”.
“O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou a Lei 14.071/20, com mudanças na lei de trânsito aprovadas pelo Congresso Nacional. Dentre as principais alterações, destacam-se: (...)
Proibir a conversão de pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos quando o motorista comete homicídio culposo ou lesão corporal sob efeito de álcool ou outro psicoativo; ” (grifos nossos).
Entende o crítico que a interpretação meramente gramatical de Cavalcanti jamais poderia ser o melhor caminho no caso em destaque. Colaço ilustra suas críticas mencionando São Paulo: “a letra mata, o espírito vivifica” (Coríntios, 3:6).
O inciso I do artigo 44 estabelece requisitos para as penas alternativas no caso de crimes dolosos. No caso de crimes culposos, não estabelece requisitos, não exige nada, apenas permite amplamente sua aplicação. Ou seja, não é uma norma restritiva, mas permissiva. E é exatamente essa permissão aberta e incontida que passa a ser proibida com o advento da Lei 14.071/20 e do novel artigo 312 – B, CTB. Portanto, percebe-se que Cavalcanti se equivoca ao interpretar o inciso I do artigo 44, CP como portador de exigências para a possibilidade de aplicação de penas alternativas para delitos culposos. Não há ali exigência alguma e sim o afastamento de exigências, o que é revogado pela Lei 14.071/20 e o advento do artigo 312 – B, CTB. Uma norma proibitiva advinda altera o quadro e invalida a permissividade antes reinante. Ocorre o exato oposto do que criativamente defende o autor em destaque.
Finalmente há que fazer uma observação acerca da futura efetividade dessa alteração legislativa. Vimos que ela promove uma restrição, uma proibição absoluta de substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direito em casos de crimes de Homicídio Culposo e Lesão Corporal Culposa de trânsito quando qualificados nos termos dos artigos 302, § 3º. e 303, §2º., CTB. Pois bem, essa restrição absoluta pela lei de individualização da pena pelo magistrado no caso concreto, já foi objeto de análise e decisões reiteradas pelo STF, concluindo o E. Tribunal que há violação do Princípio da Individualização da Pena, sendo, portanto, tais dispositivos inconstitucionais. E, diga-se mais, isso foi decidido pelo STF em casos envolvendo crimes hediondos ou equiparados. Paradigmática é a decisão do Tribunal Supremo quanto à possibilidade de penas alternativas em casos de Tráfico de Drogas, devendo cada caso concreto ser individualizado e negando-se legitimidade à proibição imposta pelos então artigos 33, § 4º. c/c 44 da Lei 11.343/06 (STF, ARE 663261 e HC 97256).
Embora não se possa na seara jurídica pretender fazer previsões infalíveis, na maioria das vezes sequer seguras, pode-se afirmar que existe uma forte tendência a que o STF venha a declarar a vedação absoluta prevista pela Lei 14.071/20, conforme o novo artigo 312 – B, CTB inconstitucional. Ora, se no caso de Tráfico de Drogas e outros crimes hediondos vem a Corte se manifestando assim, não seria em nada coerente que em meros crimes culposos tomasse outro caminho.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois da análise dos dispositivos legais que permitem o enquadramento de determinadas condutas sob o aspecto penal constantes no Códex de trânsito, atribuindo um valor sancionatório com resposta estatal aos danos causados ao Estado e à sociedade brasileira, observamos as alterações do texto legislativo estudado vem apresentando sistemática adequação aos fatos, uma vez que, inobstante as repreensões aplicáveis sob o aspecto administrativo, as sanções penais evoluído para um rigor maior na aplicação das penas de condutas criminosas ao volante. Decerto, os aspectos coercitivos e repressivos da norma legal de trânsito vêm merecendo uma atenção especial dos legisladores e dos operadores do Direito, no sentido de que sejam alcançados de forma eficaz pela Justiça os agentes que se sujeitam a condutas perigosas ou danosas. Portanto, seja no texto original da legislação de trânsito e na penal, a sansão tem uma medida exata a ser aplicada em resposta aos crimes de trânsito.
Toda evolução apresentada na legislação específica tem explicitado a preocupação das autoridades em coibir os excessos que caracterizaram o trânsito terrestre no país nas últimas décadas, pondo um limite na impunidade pujantes de outrora. Portanto, tanto as sansões restritivas da liberdade previstas no ordenamento especial de trânsito objetivam a responsabilidade dos infratores na medida de suas responsabilidades, sem, contudo, querer torna-los marginais.
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Funcionário Público. Bacharelando em Administração de Empresas pela FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Fernando de Lima. A Eficiência da aplicação das penas alternativas aos crimes de trânsito na Cidade de Manaus Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2021, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57816/a-eficincia-da-aplicao-das-penas-alternativas-aos-crimes-de-trnsito-na-cidade-de-manaus. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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