ROGÉRIO SARAIVA XEREZ[1]
(orientador)
RESUMO: A liberdade é regra dentro do ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, há previsão de situações em que esse direito constitucional é mitigado. Todavia, essas exceções, denominadas medidas cautelares, devem ocorrer em situações específicas e de acordo com toda legislação pertinente, em especial a nossa Constituição. Neste sentido, esta pesquisa apresenta um estudo sobre os reflexos do sistema acusatório na Prisão Preventiva, a exemplo da impossibilidade de decretação da prisão preventiva de ofício. Para tanto, partiu-se da análise da prisão preventiva, examinando seus princípios, requisitos, fundamentos e hipóteses, passando ao estudo dos sistemas processuais penais, em especial o sistema acusatório. Por fim, foi realizada uma análise da atuação ex officio do juiz no âmbito da prisão preventiva frente à previsão constitucional e processual penal do sistema acusatório. Desta forma, utilizou-se da mais recente literatura sobre prisão preventiva e sistema acusatório, bem como se buscou auxílio nas decisões de nossos Tribunais, tentando demonstrar que as recentes alterações legislativas sobre prisão preventiva estão em harmonia com a Constituição Federal. Tal análise se torna importante diante das recentes e consideráveis alterações no Processo Penal Brasileiro, no intuito, ao certo, de harmonizá-lo com nossa Carta Magna.
Palavras-chave: Prisão preventiva. Hipóteses. Sistema acusatório. Direitos Fundamentais.
ABSTRACT: Freedom is a rule within the Brazilian legal system, however, there is provision for situations in which this constitutional right is mitigated. However, these exceptions, called precautionary measures, must occur in specific situations and in accordance with all relevant legislation, especially our Constitution. In this sense, this research presents a study on the reflexes of the accusatory system in Preventive Prison, such as the impossibility of decreeing pretrial detention. To do so, we started from the analysis of preventive detention, examining its principles, requirements, foundations and hypotheses, moving on to the study of criminal procedural systems, especially the accusatory system. Finally, an analysis of the ex officio performance of the judge in the context of preventive detention was carried out in view of the constitutional and criminal procedural provisions of the accusatory system. Therefore, we used the most recent literature on preventive detention and the accusatory system, as well as seeking assistance in the decisions of our Courts, trying to demonstrate that the recent legislative changes on preventive detention are in harmony with the Federal Constitution. Such analysis becomes important given the recent and considerable changes in the Brazilian Criminal Procedure, with the intention, of course, of harmonizing it with our Magna Carta.
Keywords: Pre-trial detention. Assumptions. Accusatory system. Fundamental rights.
O sistema processual penal brasileiro, fundado nos preceitos de um Estado Democrático de Direito, tem estrita observância aos princípios e garantias constitucionais. Desse modo, a sua inobservância provoca uma crise em todos os institutos do processo penal.
Desta forma, buscou-se realizar uma pesquisa para demonstrar que as recentes alterações legislativas procuraram deixar o instituto da prisão preventiva em conformidade com o texto constitucional, em especial na parte que a Carta Magna dispõe sobre o sistema acusatório. Assim desenvolveu-se o presente artigo em 4 (quatro) capítulos.
O primeiro capítulo apresentará um estudo das medidas cautelares, trazendo seus aspectos gerais e os princípios que balizam esse fenômeno. Nele, será demonstrado os seus requisitos, fundamentos e hipóteses. Ademais, também será comentado as modalidades de prisões, de forma geral, com enfoque na prisão preventiva, contudo, sobre esta, ela será tratada de forma mais profunda no capítulo dois.
O segundo capítulo discutirá a prisão preventiva. De início, será abordado o princípio da presunção de inocência e do devido processo legal. Em seguida, serão discutidas as questões atinentes aos princípios base das prisões preventivas, levando em conta o contraditório, provisionalidade, excepcionalidade e proporcionalidade, atrelando o entendimento legal com o doutrinário acerca do tema. Ademais, também se falará das mudanças implementadas pela Lei nº 13.964/2019, sobretudo aquelas ligadas à duração da prisão preventiva e o procedimento para sua decretação. Destaca-se, também, que este capítulo buscará examinar o instituto da prisão preventiva, seus requisitos e fundamentos.
O terceiro capítulo, por seu turno, definirá os sistemas processuais brasileiros. Assim, serão trabalhados os sistemas: inquisitivo, acusatório e o misto e a relação deles com o Código de Processo Penal brasileiro. Outrossim, se estudará as mudanças advindas do pacote anticrime.
Por fim, no quarto capítulo será abordada a prisão preventiva frente ao sistema acusatório brasileiro. Aqui se investigará o sistema acusatório no ordenamento jurídico brasileiro e sua sustentação constitucional. De mais a mais, também será comentado a suspensão do juízo das garantias por parte do Supremo Tribunal Federal, e outros aspectos importantes inerentes ao tema.
Nesse contexto, esta pesquisa busca analisar o sistema inquisitorial e o acusatório, de forma ampla, levando em conta os seus principais pontos, a fim de identificar os temas que os assemelham e os que os distinguem.
Em relação à metodologia, esta pesquisa se define como uma pesquisa bibliográfica. Assim, foram examinados diversos estudos, livros e artigos disponíveis nos indexadores, como portal Scielo e google scholar, dentre outras plataformas de pesquisas científicas, com intuito de conferir a densidade que este trabalho carece.
Junto a isso, cumpre ressaltar que o tema em estudo é amplo e necessita de outras pesquisas para além dessa. Na verdade, o grande intento desse trabalho é corroborar com a importância desse tema, trazendo uma leve contribuição, porém, não se esvaziando a complexidade desse tipo de pesquisa.
No processo penal, a tutela jurisdicional cautelar é exercida por meio de medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal (CPP) e demais legislações especiais. Isso ocorre porque no âmbito do processual penal é comum a ocorrência de situações em que exigem providências urgentes, com a finalidade de assegurar “a correta apuração do fato delituoso, a futura e possível execução da sanção, a proteção da coletividade (ameaçada pelo risco de reiteração do agente acusado) ou, ainda, o ressarcimento do dano causado pelo delito” (LIMA, 2020, p. 929).
Nesse diapasão, tais providências têm o escopo de viabilizar a prestação jurisdicional eficaz ao final do processo penal, levando em consideração as interferências que obstam a celeridade processual e interferem prejudicialmente na atividade jurisdicional. Contudo, cabe frisar que a busca pelo desenvolvimento pleno e célere do processo não pode lesar as garantias fundamentais do indivíduo.
Nesse sentido, entram em cena as medidas cautelares normatizadas pelo CPP, como forma alternativa ao martírio das prisões. As hipóteses de decretação das medidas cautelares diversas da prisão pela autoridade judiciária competente estão previstas no art. 319 do referido diploma legal, a saber:
Comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de manter contato com pessoa determinada; proibição de ausentar-se da Comarca; recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga; suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira; internação provisória do acusado; e, fiança (BRASIL, 1941, p. 42).
Como observado na transcrição ipsis litteris do artigo, as sanções previstas no CPP são aplicadas em face do imputado para evitar o encarceramento deste, porém, não elimina o caráter coercitivo da medida.
Alinhado a isso, no art. 313 do CPP aduz que as medidas cautelares podem ser decretadas quando a modalidade de prisão não ensejar encarceramento, isto é, com menor igual ou inferior a 4 (quatro) anos, salvos os crimes previstos na lei Maria da Penha, Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Outrossim, é cedido comentar acerca do binômio que deve estar presente na decretação de cautelares, a qual seja: a necessidade e a adequação. Tendo em vista isso, o Superior Tribunal de Justiça firma atendimento que:
HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO NÃO DEMONSTRADOS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A decisão judicial que estabelece medidas cautelares deve demonstrar, à luz do que dispõe o art. 282 do CPP, a necessária presença de exigência cautelar a justificar a medida. 2. Não se mostram suficientes as razões invocadas pelo Juízo monocrático para embasar a imposição de cautelares diversas da prisão ao acusado, porquanto foi claro ao afirmar a primariedade do réu e a ausência de indícios de que este se dedique a atividades criminosas, esteja envolvido com associação voltada à prática delitiva ou de que, em liberdade, possa cometer novos delitos ou prejudicar a instrução processual. Além disso, não teceu nenhum comentário baseado em elementos concretos dos autos para justificar a necessidade e a adequação das medidas estabelecidas. 3. Ordem concedida para cassar a decisão que determinou o cumprimento das cautelares, ressalvada a possibilidade de nova imposição de tais medidas, ou de outras que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa entender cabíveis e adequadas, mediante a devida fundamentação. (STJ - HC: 432140 MG 2018/0000083-7, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 14/08/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2018). (grifo nosso).
Assim sendo, a necessidade é caracterizada para “a) assegurar a aplicação da lei penal; b) conveniência da investigação ou da instrução criminal; c) evitar a prática de novas infrações penais. São elementos da ‘adequação’: a) gravidade do crime; b) circunstâncias do fato; c) condições pessoais do indiciado ou acusado.” (GOMES FILHO et al, 2017, p. 12).
Tal questão está prevista no art. 282 do CPP. Vejamos:
As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I - Necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II - Adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). (BRASIL, 1941, p. 37).
Alencar e Nestor Távora colocam que é possível aplicá-las cumulada ou isoladamente. Desse modo, eles sintetizam a ideia da seguinte forma:
Exigem assim: 1) a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. Espera-se com isso coibir a ocorrência de fuga, preservar a colheita dos elementos indiciários e/ou a prospecção probatória, assim como evitar a reiteração de delitos, seja quando a manutenção do agente no desempenho funcional facilite a perpetuação criminosa, ou quando a convivência social em horários específicos ou fins de semana facilitem a delinquência. 2) a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Tem-se aqui vetores interpretativos que vão balizar, inclusive, a escolha da cautela que tenha maior aderência, levando em conta a gravidade (concreta) do delito, as circunstâncias de como o fato criminoso foi praticado, retratando a historiografia do crime, além das condições pessoais do agente, individualizando-se a conduta e o seu protagonista. 3) Aplicação isolada, cumulada ou alternada de pena privativa de liberdade. É dizer, as cautelares em voga não se destinam a infrações que têm na multa a única pena, caracterizando verdadeiras contravenções. Da mesma forma, quando a única sanção prevista é a restrição de direitos, como ocorre no porte para uso de drogas, caracterizado como crime, porém sem reprimenda cerceadora da liberdade (art. 28, lei n.º 11.343/06). (ALENCAR; TÁVORA, 2020, p. 644).
As medidas cautelares não esvaziam o caráter punitivo do diploma legal, visto que elas são aplicadas em casos previstos em lei, em que a aplicação das medidas se mostra mais proveitosa que a prisão em si. Além disso, o agente que é imputado às alternativas para além da prisão, deve possuir características que façam jus ao benefício.
Contudo, em determinadas situações, faz-se necessária a aplicação de medida cautelar mais restritiva, a qual seja: a prisão cautelar. A palavra prisão, que advém do latim prensione, significa o ato de capturar ou prender (HENRIQUES; MATOS, 2020, p. 60).
A prisão pode advir de decisão condenatória transitada em julgado, a qual é chamada de prisão definitiva ou durante a persecução criminal, sendo este último definido como prisão provisória, também chamada de prisão cautelar.
Dessa forma, antes do trânsito em julgado da condenação, o sujeito só poderá ser preso em três situações: na prisão em flagrante, na prisão temporária e na prisão preventiva. Adiante, passa-se a discorrer sobre cada uma delas (CAPEZ, 2020, p. 105).
A prisão em flagrante está prevista nos arts. 301 a 310 do Código de Processo Penal (CPP) e consiste em modalidade de medida cautelar, de natureza administrativa (inicialmente), podendo ser realizada por qualquer pessoa do povo (flagrante facultativo) ou por agentes policiais (flagrante obrigatório). Nessa esteira, a autorização constitucional para realizar uma prisão cautelar, sem ordem judicial, decorre da legítima defesa da sociedade, em razão da ocorrência delituosa (NUCCI, 2014, p. 59).
Acrescenta-se que, na contemporaneidade, o instituto estudado acima é chamado de precautelar. Isso se deve, sobretudo, em razão da redação do art. 310 do Código de Processo Penal. Sobre isso, Da Silva escreve que:
A prisão em flagrante é denominada como medida precautelar, sendo um ato administrativo precário celebrado pela autoridade policial, que precisa ser imediatamente submetido ao crivo do Poder Judiciário. Logo, a permanência no cárcere vai depender da presença de uma das circunstâncias que verdadeiramente autorizam a prisão preventiva. Assim, tal instituto justifica-se como salutar providência acautelatória da prova da materialidade do fato e a respectiva autoria (DA SILVA, 2021, p. 6).
O caráter inicial administrativo da prisão em flagrante se dá por ser executada na delegacia de polícia, bem como pela possibilidade de ser realizada por qualquer do povo, conforme o art. 301, do CPP, dentre outros aspectos (BRASIL, 1941, p. 53). Na sequência, o auto de prisão deve ser formalizado perante o juiz competente que poderá manter ou não a prisão. A partir do momento em que o magistrado mantém a prisão, esta medida cautelar torna-se de natureza judicial (NUCCI, 2014, p. 60).
A prisão temporária, por sua vez, de acordo com Renato Brasileiro Lima, é uma forma de prisão cautelar decretada pela autoridade na fase preliminar, com prazo estipulado, quando a prisão for indispensável para obtenção de informações relacionado à autoria e materialidade da infração do fato (BRASILEIRO, 2020, p. 1105).
Portanto, a prisão temporária possui como finalidade primordial a apuração de elementos informativos (autoria e materialidade) da infração penal, de modo a subsidiar o oferecimento de denúncia e, na sequência, a instauração de processo penal.
A prisão preventiva, por fim, consiste em espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, conforme dispõe o art. 311, do Código de Processo Penal (CPP).
Para tanto, é necessário que os requisitos legais elencados no artigo 313, do CPP sejam preenchidos, ocorrendo os motivos autorizadores previstos no artigo 312, do CPP e, desde que, se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, com base no artigo 319, do CPP (BRASIL, 1941).
A prisão preventiva é o objeto da presente pesquisa, de modo que segue adiante, após os princípios das prisões cautelares, uma análise mais minuciosa do referido instrumento normativo.
2.1 Princípios das prisões cautelares
A base principiológica é fundamental no estudo de qualquer instituto jurídico. No caso das prisões cautelares, são os princípios que permitirão a coexistência de prisão sem sentença condenatória transitada em julgado e a garantia da presunção de inocência.
Dessa forma, são princípios orientadores do sistema cautelar, no entendimento de Aury Lopes Jr.: “a jurisdicionalidade e motivação; o contraditório; a provisionalidade; a provisoriedade; a excepcionalidade; a proporcionalidade” (2019, p. 722).
De acordo com Morais, Barros e De Oliveira (2021, p. 68), o Brasil se caracteriza como um Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, a Constituição de 1988 dispõe que ninguém será considerado culpado sem uma sentença condenatória transitada em julgado. Isso vale dizer, em síntese, que o indivíduo é presumidamente inocente, deixando o Estado provar a sua culpa, em decorrência do princípio da presunção de inocência.
Todavia, como visto, é possível decretar a prisão preventiva para assegurar a ordem pública e preservar direitos. Nesse diapasão, Aury Lopes Jr. preceitua que, os princípios da jurisdicionalidade e motivação consistem na obrigatoriedade de fundamentação da ordem judicial que decreta a prisão cautelar.
Esse princípio está intimamente relacionado com o due process of law (devido processo legal), uma vez que ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (LOPES JR., 2019, p. 232). Essa determinação está prevista no art. 5º, inciso LIV, da CF/88 e garante a isonomia processual.
Em mesmo sentido determina o artigo 5º, inciso LXI, da CF/88, que determina: “Art. 5º. [...] LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (BRASIL, 1988, p. 6).
Sobre isso, o Código de Processo Penal, no seu art. 283, caput, estabelece que: “Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado” (BRASIL, 1941, p. 28).
Especialmente quanto à prisão preventiva, determina o art. 315, do CPP, in verbis: “Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada” (BRASIL, 1941, p. 43).
Ademais, a Lei nº 13.964/2019 incluiu no referido artigo os §1º e 2º, que tratam, respectivamente, da indicação concreta da existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada e a enumeração de situações que não devem ser consideradas fundamentações de decisão judicial (BRASIL, 1941, p. 42).
Dessa forma, é assegurado aos indivíduos que a restrição de liberdade só poderá ocorrer quando submetida a órgão investido de jurisdição, com competência para tanto, e desde que, a decisão esteja devidamente fundamentada. A inobservância dessa previsão deve ser remediada pela via do habeas corpus, nos termos do art. 648, inciso III, do CPP, bem como relaxada, conforme dispõe o artigo 5°, inc. LXV da Constituição Federal (BRASIL, 1988, p. 6).
O princípio do contraditório deve ser observado sempre que possível e compatível com a medida cautelar a ser tomada. Nesse sentido, a Lei nº 13.964/2019 trouxe importante contribuição para o avanço do contraditório nas medidas cautelares, ao alterar a redação do art. 282, §3º do CPP, que estabelece:
§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional. (grifos nosso) (BRASIL, 1941, p. 29).
Dessa forma, somente nos casos de urgência ou de perigo da ineficácia da medida é que poderá ocorrer a aplicação de medida cautelar sem o contraditório da parte adversa. No entanto, a partir da mencionada alteração, esses casos deverão ser devidamente justificados e fundamentados em decisão contendo os elementos que evidenciem a aplicação da medida sem contraditório.
Além disso, a lei agora estabelece o prazo de 05 (cinco) dias para manifestação da parte contrária, após intimação. O contraditório, portanto, dependerá das circunstâncias do caso concreto. Por conseguinte, a provisionalidade consiste no princípio básico das prisões cautelares, pois estas são situacionais, na medida em que tutelam uma situação fática. Uma vez desaparecido o suporte fático legitimador da medida, deve cessar a prisão (LOPES JR., 2019, p. 726).
Ainda acerca disso, Lopes Jr. (2019, p. 728) diz que “a provisoriedade está relacionada ao fator tempo, de modo que toda prisão cautelar deve (ria) ser temporária, de breve duração”. Em termos simples, essa modalidade de prisão não poderá ser ad eternum, ou seja, de caráter não periódico.
O art. 282, §5º, do CPP, traz suporte legitimador a este princípio, quando determina: “Art. 282. § 5º O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem” (BRASIL, 1941, p. 28).
Especificamente quanto à prisão preventiva, determina de igual modo o art. 316, caput, do CPP: “Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem” (BRASIL, 1941, p. 38).
Os dispositivos supramencionados sofreram alterações por meio da Lei nº 13.964/2019, passando a incluir na sua redação a possibilidade de revogação da medida cautelar e prisão preventiva, respectivamente, por autoridade judiciária competente, de ofício ou a pedido das partes. Dessa forma, verificada a ausência de motivo legitimador da prisão cautelar, esta deve ser findada ou substituída pela medida cabível em cada caso concreto, isto é, convertida em prisão preventiva, por exemplo.
A prisão cautelar tutela uma situação fática e provisória, não podendo assumir a função de prisão-pena. Nesse sentido, o princípio da provisoriedade está ligado ao fator tempo, de modo que toda prisão cautelar deve ser temporária e de breve duração. Ocorre que, legalmente inexiste um período de duração da prisão cautelar, podendo perdurar enquanto a autoridade judiciária entender existir o periculum libertatis, que será discutido oportunamente (LOPES JR, 2019, p. 321).
Diante desse princípio, cumpre destacar a importante inclusão legislativa realizada através da Lei nº 13.964/2019, a saber: “Art. 316. (...) Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal” (BRASIL, 1941, p. 38).
O novo dispositivo legal supracitado impõe a revisão da necessidade de manutenção da prisão preventiva a cada 90 (noventa) dias. Dessa forma, ainda que não haja previsão de limite máximo preestabelecido da prisão cautelar, existe agora a obrigatoriedade de revisão, a fim de rever se os motivos que a autorizaram ainda permanecem.
No tocante ao prazo nonagesimal previsto no parágrafo único, do art. 316, do CPP, cabe destacar importe decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida nos autos do Habeas Corpus 191836, a saber:
HABEAS CORPUS CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DE TRIBUNAL SUPERIOR. RECORRIBILIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. SUPERAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE. SINGULARIDADE E RELEVÂNCIA DA CONTROVÉRSIA. PRISÃO PREVENTIVA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO ESTABELECIDO PELO ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONCESSÃO AUTOMÁTICA DA LIBERDADE PROVISÓRIA. INVIABILIDADE. SEGREGAÇÃO CAUTELAR FUNDAMENTADA EM ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. (...) 4. Reafirma-se, portanto, a posição do PLENÁRIO desta SUPREMA CORTE, no sentido de que o transcurso do prazo previsto no parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal não acarreta, automaticamente, a revogação da prisão preventiva e, consequentemente, a concessão de liberdade provisória. 5. Habeas corpus indeferido.
(STF – HC: 191836 SP 0103803-12.2020.1.00.0000, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 23/11/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: 01/03/2021). (grifo nosso)
Portanto, conclui-se que, a inobservância do prazo de 90 (noventa) dias para revisar a necessidade de manutenção da prisão preventiva, não importa em revogação automática desta, devendo passar pelo crivo do judiciário, a fim de analisar a legalidade da prisão, e se ainda existem os motivos que ensejaram a sua decretação.
O próximo princípio é o da excepcionalidade que consagra a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado, devendo ser aplicada somente após a verificação de inadequação e insuficiência das demais medidas cautelares. Além disso, o não cabimento de medida cautelar diversa da prisão deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto e de forma individualizada, de acordo com a previsão do art. 282, §6º, do CPP (BRASIL, 1941, p. 32).
Por fim, tem-se o princípio da proporcionalidade, considerado o principal sustentáculo das prisões cautelares, uma vez que estas se localizam no centro de dois interesses opostos, sobre os quais gira o processo penal: “o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos. Esse princípio deve ser utilizado como norteador da conduta do juiz frente ao caso concreto, pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida” (LOPES JR., 2019, p. 733).
Acerca disso, Fernando Capez dispõe que:
Deverá ser observado o princípio da proporcionalidade para a decretação da prisão preventiva, sopesado por meio de dois requisitos: necessidade e adequação. Necessidade. Qualquer providência de natureza cautelar precisa estar sempre fundada no periculum in mora. Não podendo ser imposta exclusivamente com base na gravidade da acusação. Maior gravidade não pode significar menor exigência de provas. Sem a demonstração de sua necessidade para garantia do processo, a prisão será ilegal. Adequação. A medida deve ser a mais idônea a produzir seus efeitos garantidores do processo. Se a mesma eficácia puder ser alcançada com menor gravame, o recolhimento a prisão será abusivo. O ônus decorrente dessa grave restrição à liberdade deve ser compensado pelos benefícios causados à prestação jurisdicional. Se o gravame for mais rigoroso do que o necessário, se exceder o que era suficiente para a garantia da persecução penal eficiente, haverá violação ao princípio da proporcionalidade (CAPEZ, FERNANDO, 2020, p. 306).
Dessa maneira, o princípio da proporcionalidade possui ainda três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação vem prevista expressamente no art. 282, II, do CPP, que estabelece: “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...) II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado” (BRASIL, 1941, p. 29). Logo, a adequação está relacionada à aplicação da prisão cautelar de acordo com as particularidades do caso.
A necessidade, por sua vez, preconiza que a aplicação da medida cautelar deve atentar-se ao estritamente necessário para a obtenção do resultado pretendido. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito significa a ponderação entre os interesses em questão, a restrição de liberdade do acusado e necessidade de acautelar o processo criminal (LOPES JR, 2019, p.317).
2.2 O instituto da prisão preventiva
A prisão preventiva é considerada uma espécie de prisão cautelar de natureza processual, que tem o condão de restringir a liberdade do sujeito, porém, pelo advento da lei 13.964/2019 (pacote anticrime) o juiz não pode mais decretada a prisão preventiva de ofício (VIEIRA, 2021, p. 56).
Conforme já mencionado, a prisão preventiva consiste em medida prisional de natureza cautelar e poderá ser decretada, nos termos do art. 312, caput, do CPP:
[...] como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (BRASIL, 1941, p. 33).
Ademais, segue-se adiante estudo detalhado dos requisitos, fundamentos e hipóteses de decretação da prisão preventiva.
A natureza cautelar da prisão preventiva, assim como nas medidas cautelares do processo civil, exige o preenchimento de requisitos para a sua decretação, uma vez que se trata de situação excepcional, por vezes decretada sem oportunizar o contraditório, como já discutido alhures.
Dessa forma, constituem pressupostos/requisitos para a decretação preventiva, de acordo com o art. 312, caput, do CPP foi introduzido na nova redação do referido dispositivo legal, por meio da Lei nº 13.964/2019 e normatiza que:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. § 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares §2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada (BRASIL, 1941, p. 32).
Essa exigência da comprovação do perigo retirou o caráter presumido do risco da liberdade do imputado ao processo, passando a exigir do magistrado uma fundamentação completa ao decretar a prisão preventiva (CAPEZ, 2020, p. 348).
2.4 Comprovação da existência de crime
À luz da expressão utilizada no processo civil (fumus boni iuris ou “fumaça do bom direito”), no processo penal, utiliza-se a expressão fumus commissi delicti (ou “fumaça do cometimento de um crime”) para traduzir a exigência de que se demonstre a existência de um crime para se levantar a hipótese de prisão preventiva, ao lado de outros requisitos trazidos pelo diploma penal.
Desse primeiro requisito extrai-se a exigência, conforme preceitua Prado e Santos, de material probatório mínimo, ou seja, não basta a mera suspeita para que se decrete a prisão preventiva. Assim, Maurício Zanóide de Moraes leciona que:
Pela previsão do “fumus delicti commissi” o legislador exigirá que o juiz demonstre, de modo objetivo e concreto, quais são os elementos constantes dos autos (investigativos ou judiciais) reveladores da existência de crime (materialidade) e em que medida o imputado a ser submetido à coação está envolvido com os fatos (autoria). Determinará também que o grau de convicção judicial seja tão mais elevado quanto mais restritiva for a medida a ser aplicada. O julgador deverá indicar sempre de quais elementos objetivos e constantes dos autos extraiu a base fática para formar sua convicção de que o crime ocorreu e que o sujeito a ser submetido à constrição está envolvido em seu cometimento (DE MORAES, 2010, p. 187).
Ante o exposto, é possível inferir que, por esse princípio, é necessário indícios mínimos de autoria. Porém, sobre esse assunto, o próximo tópico vai expor de forma mais ampla.
2.5 Indício suficiente de autoria
O perigo de liberdade (ou periculum libertatis) constitui fundamento para a decretação da prisão preventiva, uma vez que, nestes casos tem por finalidade assegurar a (i) a ordem pública, (ii) a ordem econômica, (iii) a instrução penal e (iv) o cumprimento da pena, como bem ficou definido no CPP.
Para Prado e Santos, acerca desse terceiro requisito da prisão preventiva, ensina que ele se centra em graves vicissitudes, ou seja, “há uma série de problemas ligados aos conceitos e aos casos em que as hipóteses são preenchidas, permitindo, então, o aprisionamento ‘cautelar’” (2018, p. 87).
Advinda da Lei Antitruste, o requisito da “ordem econômica” visa coibir os abusos à ordem econômica, desde que exista ameaça demonstrada de que o agente, solto, continue a praticar novas infrações afetando a ordem econômica. Todavia, há na doutrina autores que ligam o preenchimento desses requisitos aos ditames da citada lei.
No entanto, segundo os autores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, a ordem econômica já estaria enquadrada num contexto maior, a saber: da garantia da ordem pública. Portanto, não haveria necessidade de disposição expressa nesse sentido (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 201).
Assim, apenas a instrução criminal e garantia de aplicação da lei penal se mostram requisitos passíveis de atingimento objetivo para prisão preventiva, cujo objetivo é preservar a prova processual, garantindo sua regular produção, imune a qualquer ingerência nefasta do agente, como por exemplo, ameaçar testemunhas e vítimas, aliciar testemunhas falsas, desaparecer com vestígios do crime, distribuir documentos e desfigurar provas (PRADO; SANTOS, 2018, p. 88). Nesse caso, portanto, o periculum in mora é evidente, uma vez que manter o réu solto nessas circunstâncias poderá afetar o regular andamento processual.
2.6 Hipóteses de decretação da prisão preventiva
Presentes os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada em relação às infrações listadas no dispositivo:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV - (revogado) (BRASIL, 1941, p. 32).
No primeiro caso (art. 313, inciso I), será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, independentemente se a natureza da pena é de reclusão ou detenção.
A finalidade do dispositivo legal é evitar que o mal causado durante o processo seja desproporcional àquele que, possivelmente, poderá ser infringido ao acusado quando de seu término, em atenção ao princípio da proporcionalidade.
Isso se deve à previsão do art. 44, inciso I, do Código Penal, que determina a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito quando for aplicada em situação cujo crime não comine pena superior a 04 (quatro) anos e não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Ademais, também prevê essa aplicação quando se tratar de crime culposo, qualquer que seja a pena aplicada (BRASIL, 1940, p. 15).
Conclui-se, portanto, nas palavras de Aury Lopes Jr., que: “foi para resolver esse grave paradoxo que o art. 313, I, estabeleceu esse limite de pena. Portanto, nada de novo, apenas uma questão de sistematização e harmonização entre os Códigos Penal e Processual Penal” (2020, p. 56).
A segunda hipótese trata dos casos de reincidência criminal, quando o acusado já foi condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ou seja, segundo Código Penal Brasileiro, em seu artigo 63, “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.
Ademais, não será considerada reincidência, nos termos do art. 64, inciso I, do Código Penal: “(...) se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação” (BRASIL, 1940, p.14).
A terceira hipótese trata dos crimes que envolvem violência doméstica e familiar, com a finalidade de garantir a execução das medidas protetivas de urgências. Ressalta-se que a Lei nº 12.403/2011 deu nova redação ao inciso III, do art. 313, do CPP, com o objetivo de ampliar o rol de proteção do artigo, incluindo agora não só a mulher, mas também a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo e as pessoas com deficiência (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 126).
Ademais, o §1º do mesmo dispositivo legal determina mais uma hipótese na qual é admitida a prisão preventiva, a saber: “quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa e o agente não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Ressalta-se, todavia, que o preso deve ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação (civil ou criminal), salvo, se outra hipótese recomendar a manutenção da medida” (BRASIL, 1941, p. 33).
No direito comparado, encontram-se três espécies de sistemas processuais penais, a saber: sistema inquisitivo, sistema acusatório e sistema misto. Dessa maneira, faz-se necessário o estudo de cada um deles para melhor entendermos seus fundamentos e características, que segue adiante, respectivamente.
O processual criminal brasileiro sofreu fortes influências do CPP Italiano, ou Código Rocco, da década de 30, ainda permanecendo resquícios dessa estrutura ideológica de inspiração fascista, na qual preponderava a ideia que o juiz estava em uma posição hierarquicamente superior às demais partes da relação processual (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 218).
O sistema inquisitivo é marcado por algumas características que lhe são próprias, a saber: inexistência de contraditório e da ampla defesa; concentração das funções de acusar, defender e julgar em uma única pessoa (juiz); procedimento escrito e sigiloso; início da persecução, produção da prova e prolação da decisão pelo magistrado; mitigação dos direitos e garantias individuais (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 220).
Quanto ao sistema acusatório, este recebe essa denominação porque ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, cujo fato narrado seja descrito com todas as suas circunstâncias. O sistema acusatório é próprio dos regimes democráticos, caracterizando-se pela distinção absoluta entre as funções de acusar, defender e julgar, que deverão ficar a cargo de pessoas distintas, assegurando ao acusado a observância do contraditório e ampla defesa (AVENA, 2017, p. 112).
Nesse sentido, são características do sistema acusatório: “contraditório, público, imparcial, assegura ampla defesa; há distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos” (CAPEZ, 2020, p. 121). Dessa forma, a tramitação da ação penal, nesse modelo, inclui a rigorosa observância dos direitos fundamentais do acusado, garantindo sua manifestação no momento adequado, os meios necessários para garantir sua defesa, a publicidade dos atos processuais e a garantia de imparcialidade do órgão julgador.
O sistema misto, por sua vez, tem raízes na Revolução Francesa, possuindo como marco legal o Code d´Instruction criminelle francês de 1808. Esse sistema “se afasta de um modelo puro, aproximando-se por vezes mais de um sistema inquisitivo e, por outras, de um sistema acusatório” (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 57).
Caracteriza-se, portanto, como um modelo intermediário, marcado “pelo atendimento de garantias constitucionais - a exemplo do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência e da publicidade -, porém com poderes instrutórios fortes nas mãos do juiz (gestão de prova ex officio)” (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 57).
À vista disso, é possível visualizar nesse sistema, como bem destaca Fernando Capez: “uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório” (CAPEZ, 2020, p. 122).
Isto posto, à luz do exposto, é fácil inferir como o sistema acusatório é complexo e cheio de entrelinhas. Ademais, é notório o porquê de o Brasil ter o adotado, vez que ele se coaduna perfeitamente com os princípios do Estado Democrático de Direito.
4 PRISÃO PREVENTIVA FRENTE AO SISTEMA ACUSATÓRIO
4.1 O sistema acusatório no ordenamento jurídico brasileiro
De acordo com Paulo Garcia (2020, p. 32), o Brasil adotou o sistema acusatório. Assim, esse sistema tem respaldo direito na Constituição, uma vez que há diversas passagens na Carta Magna de 1988 que constatam isso. A saber:
Tomando como referência a Constituição Federal vigente, que consagrou garantias penais e processuais, entre elas, os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como o direito de não produzir prova de si mesmo, busca-se verificar se as provas produzidas durante a persecução penal podem respaldar sentenças condenatórias ou absolutórias prolatadas no processo penal (TORQUETTI, 2019, p. 2).
Cumulado a essa interpretação, em diversas passagens do art. 5°, remete-se ao sistema acusatório:
Art. 5º da Constituição Federal.
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (BRASIL, 1988, p. 6).
O pacote anticrime reformou o CPP, definindo o processo penal como acusatório. Desse modo, a legislação normatiza que “Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação” (BRASIL, 2019). Assim sendo, a decisão se refere ao juiz, e não ao sistema acusatório.
É salutar destacar que o STF suspendeu parte do pacote anticrime, mais especificamente, o art. 3° desse diploma legal. Com efeito, a previsão do juiz das garantias foi afetada substancialmente, pois não foi possível ter a eficácia em razão da decisão monocrática do Ministro Fux.
4.2 Prisão preventiva e o sistema acusatório
Ressalta-se, inicialmente, que o sistema acusatório está previsto na CF/88, por meio de diversos dispositivos constitucionais: o art. 129, inciso I determina “são funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”; o art. 5º, inciso LIV, da Carta Magna, estabelece o princípio do devido processo legal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; na sequência, ressalta-se o inciso LV, do mesmo artigo, in verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988, p. 5).
Assim, o sistema acusatório constitucional, como deve ser o brasileiro, caracteriza-se pela separação das funções de acusar e julgar, além do respeito às garantias relativas ao exercício do direito à defesa, à produção probatória e à formação da convicção do órgão judicante, sendo este um sujeito despido de iniciativa da persecutio criminis (PRADO, 2018, p. 68).
Nas palavras de Ferrajoli,
[...] pode-se chamar acusatório todo sistema processual que tem o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz, com base em sua livre convicção (2002, p. 452).
O processo legal, ou administrativo, deve observar as normas que regem os procedimentos, garantindo o pleno desenvolvimento processual, assegurando o contraditório e oportunizando a ampla defesa, com todos os meios e recursos necessários. A obediência ao contraditório e ampla defesa é característica típica do sistema acusatório, não vigorando no âmbito do sistema inquisitorial.
Outrossim, são corolários do devido processo legal, em sentido amplo: a vedação de provas ilícitas (art. 5º, inciso LVI), o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII), a publicidade dos atos processuais, salvo as hipóteses legais (art. 5º, LX), a comunicação ao preso dos seus direitos (art. 5º, LXIII), a identificação dos responsáveis pela prisão ou interrogatório, dentre outras disposições constitucionais (BRASIL, 1988, p. 6).
Dessa forma, nas palavras de Rayol:
O sistema acusatório caracterizase justamente pela existência de um juízo constituído e competente conforme as regras constitucionais e legais (juiz natural), cuja atribuição primordial é assegurar tratamento processual equivalente entre o EstadoAcusador e o acusado, conferindo o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa e julgando o feito com absoluta isenção (2018, p. 84).
Desta forma, não resta nenhuma dúvida que o sistema acusatório rege o ordenamento processual pena e está amparado pela Carta Magna, devendo todos os institutos processuais penais estarem em harmonia com esse sistema.
Nesse ínterim, visando alinhar o CPP com os ditames constitucionais, foi promulgada a Lei nº 13.964/2019 no dia 24 de dezembro de 2019, popularmente conhecida como “Pacote Anticrime”, visando aperfeiçoar a legislação penal e processual penal.
Nesse contexto, em sede de medida cautelar, o Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, suspendeu o art. 3° d0 Código de Processo Penal, o qual tratava sobre o juiz de garantia. Na doutrina, tal decisão gerou muitas discussões. Sobre isso, criticamente, Eduardo Francisco De Siqueira leciona que:
Na primeira decisão liminar, o Min. Dias Toffoli reconheceu a constitucionalidade da regra, afirmando que a adoção de “um sistema acusatório, no qual é central a salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado” decorre da “conformação constitucional de nosso sistema de persecução penal”. Alguns dias após, o Min. Luiz Fux revogou esta decisão e, dentre outras medidas, suspendeu, por prazo indeterminado, o art. 3º-A do CPP. No ponto, a decisão posterior contém grave defeito, por não conter absolutamente nenhum fundamento específico que possibilite a suspensão da eficácia da regra. No plano da inconstitucionalidade formal, afirma-se equivocadamente que o art. 3º-A do CPP é “norma correlata” ao juiz de garantias, ostentando natureza híbrida, “sendo simultaneamente norma geral processual e norma de organização judiciária”, violando os arts. 24 e 96, da CR/88. Adiante, reforça-se que “os artigos 3º-A a 3º-F consistem preponderantemente em normas de organização judiciária” e que “a implantação dos artigos 3º-A a 3º-F do Código de Processo Penal requer, em níveis poucas vezes visto (sic) na história judiciária recente, a reestruturação das unidades judiciárias e a redistribuição de recursos materiais e humanos (DE SIQUEIRA, 2020, p. 52-53).
Diante das inúmeras alterações trazidas pela referida lei, é válido analisar no presente estudo àquelas que foram voltadas para o instituto da prisão preventiva, de forma a tornar este instituto compatível com o sistema acusatório.
Nesse sentido, cabe destacar as alterações promovidas acerca da atuação ex oficio do juiz no âmbito da prisão preventiva. A primeira a ser pontuada é referente ao art. 282, §2º do CPP. A redação anterior desse antigo permitia a decretação das medidas cautelares de ofício pelo juiz, no entanto, com o advento do pacote anticrime, a redação do dispositivo legal passou a ser a seguinte:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (...)
§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (BRASIL, 1941, p.28).
A nova redação do artigo supracitado permite que as medidas cautelares sejam decretadas pelo juiz somente a requerimento das partes (quando no curso da ação penal) ou, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público (quando no curso da investigação criminal).
Sendo assim, o juiz não pode mais decretar as medidas cautelares de ofício, e a sua inobservância é situação de ilegalidade, podendo a defesa requerer o afastamento da medida aplicada (BRASIL, 2019, p. 23).
Rogério Sanches Cunha destaca que, no tocante à mencionada alteração: “A Lei 13.964/19 alterou a redação deste dispositivo (bem como do art. 311), proibindo o juiz decretar qualquer medida cautelar sem provocação, seja na fase da investigação, seja na fase do processo. Rende-se, assim, obediência ao sistema acusatório” (2020, p. 213).
Desse modo, pode-se afirmar que a prisão preventiva não poderá mais ser decretada de ofício pelo julgador, sem que haja antes uma provocação por parte do Parquet, reafirmando o modelo acusatório que adota o sistema brasileiro.
Ademais, o §4º do mesmo artigo, permitia a atuação de ofício do juiz para, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, substituir uma medida cautelar já aplicada, impor outra em cumulação ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (BRASIL, 1941, p. 41). Sua nova redação, entretanto, retirou essa possibilidade, mantendo os demais termos da redação anterior.
Sobre esse teor, destaca Cunha:
Antes da Lei 13.964/19 o juiz estava autorizado a agir de ofício, isto é, sem provocação de quem quer que seja, diante do descumprimento de qualquer das obrigações impostas, tinha o poder de substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva. Com a novel Lei, em respeito ao sistema acusatório, o juiz deve ser provocado mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante (grifo nosso) (CUNHA, 2020, p. 219).
Está claro, portanto, que a autoridade judiciária deve ser provocada mediante requerimento das partes legitimadas, elencadas no rol do §2º e §4º, para que possa, respectivamente: decretar a aplicação de medidas cautelares e substituir a medida, impor outra em cumulação ou, em último caso, decretar a prisão preventiva. Essas alterações foram realizadas em obediência/respeito ao sistema acusatório, conforme de extrai da leitura de Coutinho:
[...] não significa que o juiz está acima das partes, mas que está para além dos interesses delas. A imparcialidade fica(va) evidentemente comprometida quando ele assume a postura inquisitória e decreta a prisão preventiva. Era uma posição totalmente ativa, como se ele estivesse ao lado do órgão acusador (2001, p. 11).
Por outro lado, o §5º incluiu a possibilidade da atuação de ofício do juiz, bem como a pedido das partes, para “revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem” (BRASIL, 1941, p. 33).
Nesse sentido, Nucci doutrina que:
Torna-se expresso que o magistrado pode agir de ofício quando for para revogar a medida cautelar ou substituí-la por outra. Pode dar-se a qualquer tempo, desde que se verifique a carência de motivação para a sua subsistência. A contrário sensu, pode-se decretá-la novamente, se novas razões a justificarem. É o caráter bilateral da cautelaridade: utiliza-se, quando indispensável; afasta-se, assim que dispensável (NUCCI, 2020, p. 1053).
Logo, vê-se que uma vez diante de manifestação das partes e/ou parquet pela prisão preventiva, o que, segundo as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime não poderia mais ser feita de ofício pelo juiz, a sua revogação poderá se dar a qualquer tempo - ou até mesmo a substituição por outra medida cautelar - quando faltar motivos para que ela (prisão preventiva) subsista ou que a justifiquem, conforme de extrai do art. 316 do CPP.
Verifica-se que, a atuação ex officio do magistrado já existia nesse caso, porém, o dispositivo não trazia isso de forma clara. Com o advento da Lei 13.964/2019, o dispositivo passou a ter em sua redação de forma mais clara o poder de o magistrado atuar de ofício, bem como incluiu a possibilidade de pedido das partes (BRASIL, 2019).
Nesta parte, cumpre destacar que em caso de nova decretação de medida cautelar ou substituí-la por outra, ela só poderá ocorrer a requerimento dos legitimados. Tal ponto, novamente, mostra a tentativa da norma em excluir os resquícios de inquisitoriedade do Direito Processual Penal.
O art. 311, do CPP, com redação semelhante ao art. 282, §2º do mesmo diploma legal, também previa a atuação de ofício do juiz, no entanto, sua aplicação era especificadamente quanto à prisão preventiva. Porém, o “Pacote Anticrime” também programou mudanças nesse dispositivo, afastando a atuação ex officio da autoridade judiciária (BRASIL, 1941).
O art. 311, do CPP, em sua redação inicial, permitia a decretação da prisão preventiva de ofício, tanto no âmbito da investigação policial, quanto no âmbito do processo criminal. A Lei nº 12.403 de 201, no entanto, alterou o dispositivo, vedando a decretação da prisão preventiva “ex officio”, durante a fase de investigação.
Apesar da supracitada mudança, importante parcela da doutrina, como Aury Lopes Jr., defendia a retirada, da autoridade judiciária, desse poder de agir de ofício, de modo a preservar o sistema acusatório. A Lei nº 13.964/2019, prestigiando o sistema acusatório, acabou por acolher tais ensinamentos, passando a proibir a atuação de ofício do magistrado em qualquer fase da persecução penal (CUNHA, 2020, p. 105).
No tocante à atuação imparcial do juiz fica nitidamente comprometida quando se trata dos casos em que atua como juiz-instrutor, uma vez que assume uma postura inquisitória, incompatível com aquela exigida pelo sistema acusatório, garantidor da imparcialidade.
Seguem, nesse sentido:
Infelizmente, insiste o legislador brasileiro em permitir a prisão decretada de ofício, sem suficiente compreensão e absorção das regras inerentes ao sistema acusatório constitucional e da própria garantia da imparcialidade do julgador. (...) Talvez o maior problema do ativismo judicial é a violação da imparcialidade, uma garantia que corresponde exatamente a essa posição de terceiro que o Estado ocupa no processo, por meio do juiz, atuando como órgão supraordenado às partes ativa e passiva (LOPES JR., 2017, p. 60).
Dessa maneira, nessas circunstâncias a atividade exercida pelo magistrado vai de encontro ao que determina o sistema acusatório constitucional brasileiro e contra a própria garantia da imparcialidade do julgador. O Estado, portanto, deve ocupar a posição de terceiro, neutro e equidistante às demais partes processuais.
O dispositivo estabelece o dever de verificar se persistem os motivos que autorizaram a prisão preventiva ou se estes já não mais persistem. Ademais, tal ação constitui-se em dever de ofício do juiz, de modo que funciona como um controle de legalidade (LOPES JR., 2020, p. 189). Portanto, quando verificado pelo magistrado a cessão das circunstâncias que deram causa à prisão preventiva, este está autorizado a revogá-la de ofício, em respeito ao princípio da provisoriedade.
Nessa toada, a Lei nº 12.403/2011 retirou do Juiz à autoridade para decretar, de ofício, a prisão preventiva durante a fase de investigação policial, contudo, manteve esse poder de decretação da preventiva, de ofício, no curso da ação penal. Na sequência, com o advento da Lei nº 13.964/2019 até mesmo esta última possibilidade foi removida.
Levando em consideração essa última alteração promovida, seguem as palavras de Rogério Sanches Cunha:
Se ao juiz é dado o poder de julgar e se, para tanto, deve manter uma posição de equidistância e imparcialidade, seria mais adequado que se deixasse às partes a possibilidade de requerer a prisão preventiva (inclusive durante o curso do processo), evitando-se, com isso, qualquer ação do juiz “sponte própria”. A Lei 13.964/19 (art. 3º.-A CPP) prestigiando o sistema acusatório, acabou por acolher os ensinamentos acima, alterando novamente o art. 311 do CPP, agora proibindo o juiz agir de ofício em qualquer das fases da persecução (CUNHA, 2020, p.129).
Ante o exposto, é possível concluir que a alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019, no art. 311 do CPP, retirando do juiz a possibilidade de decretar a prisão preventiva de ofício, está em consonância com o sistema acusatório. Essa alteração promove a harmonia das normas processuais penais com a Constituição Federal de 1988, no tocante aos direitos e garantias do acusado e princípios que regem o processo penal brasileiro.
O presente estudo teve como objetivo primordial promover estudo acerca da prisão preventiva e do sistema acusatório, analisando as implicações do sistema acusatório brasileiro no âmbito da prisão preventiva frente às recentes alterações neste instituto.
Nesse sentido, no primeiro capítulo foi abordado os aspectos gerais das medidas cautelares. Assim, foi possível observar as bases desse instituto, seus requisitos, fundamentos e hipóteses. Por oportuno, também foi iniciada a discussão acerca das modalidades de prisões, destacando as prisões preventivas.
O segundo capítulo analisou-se os princípios da prisão preventiva, em especial os princípios da jurisdicionalidade e motivação; o contraditório; a provisionalidade; a provisoriedade; a excepcionalidade; a proporcionalidade. Na sequência partiu-se para uma análise mais detalhada dessa modalidade de prisão, enquanto espécie de medida cautelar de prisão, demonstrando seus requisitos e fundamentos, bem como suas hipóteses de decretação.
Verificou-se, portanto, que os princípios que regulam as prisões preventivas são próprios do sistema acusatório e visam garantir a aplicação correta de medidas cautelares, respeitando sua finalidade “provisória”, não se confundindo com a prisão-pena. Além disso, constatou-se que a prisão preventiva deve cumprir os requisitos e fundamentos estabelecidos em lei, para que esteja dentro da legalidade.
No terceiro capítulo buscou-se estudar os tipos de sistemas processuais penais, especialmente o sistema acusatório, por tratar-se da modalidade de sistema adotado pelo processo penal brasileiro e por se tratar de conhecimento chave para entendimento da presente pesquisa.
Foram verificadas, nesse capítulo, as características dos sistemas processuais penais, a fim de identificar os pontos que os distinguem. Nesse sentido, verificou-se que o sistema inquisitivo possui caráter restritivo aos direitos e garantias do acusado e coloca o juiz em posição elevada dentro da relação processual penal. Já o sistema acusatório é caracterizado como garantidor do devido processo legal, em todas as suas nuances, estando em consonância com as determinações constitucionais. O sistema misto, por sua vez, possui traços de ambos os sistemas mencionados.
Por fim, no último capítulo, fez-se necessário a abordagem das alterações advindas por meio da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) de forma comparativa, no âmbito da prisão preventiva. Na sequência foram analisados os reflexos da prisão preventiva decretada de ofício no sistema acusatório. Ao longo das pesquisas, foi possível observar que a prisão preventiva decretada ex officio, já não era bem vista por alguns doutrinadores, por tratar-se de expressa afronta ao sistema processual adotado no Brasil, qual seja, o sistema acusatório. Por oportuno, também se comentou a suspensão da criação do juízo das garantias por parte do Supremo Tribunal Federal.
Constatou-se, pois, que a alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.964/2019, provocou impactos positivos no objetivo de firmar o sistema acusatório no Brasil. Verifica-se, portanto, que paulatinamente, os resquícios do sistema inquisitivo são removidos das normas processuais penais, garantindo a harmonia do conjunto normativo com os princípios e garantias previstas na atual Constituição Federal brasileira.
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[1] Orientador, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SABINO, DABDA LORENA SOARES. Prisão preventiva e o sistema acusatório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2021, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57903/priso-preventiva-e-o-sistema-acusatrio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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