INTRODUÇÃO
Chegou à Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), sob a presidência do Min. Teori Zavascki, o Habeas Corpus nº 126.592 BAHIA impetrado pela Defensoria Pública da União em favor do paciente José Raimundo Moreira contra ato da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo qual negou provimento ao Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 305.623.
O Paciente foi denunciado pela prática do crime tipificado no art. 183 da Lei 9.472/97, ao explorar serviço de radiodifusão na frequência 95.1 MHz de maneira clandestina. Entretanto, o juízo a quo rejeitou a denúncia sob argumento de que se tratava de crime de perigo concreto, sendo que não restou comprovado a lesão ou o perigo de grave lesão ao bem protegido pelo Ordenamento Jurídico. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público Federal interpôs Recurso em Sentido Estrito requerendo a reforma da decisão acima, tendo seu pleito atendido, por unanimidade, pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região.
Diante disso, diversos outros recursos foram interpostos, chegando a presente questão ao STJ. Essa Corte considerou que a atividade clandestina de radiodifusão, mesmo que de baixa potência, é crime formal de perigo abstrato, portanto incompatível com a aplicação do princípio da insignificância pleiteado pela defesa.
No entanto, o STF, em sentido contrário, entendeu ser plenamente possível a incidência do princípio da insignificância ao presente caso, visto tratar-se de delito de perigo concreto, sendo, assim, necessária a demonstração da lesão ou do perigo de grave lesão ao bem juridicamente tutela pela norma penal, qual seja, a segurança dos meios de comunicação.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA À LEI 9.472/97 PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Como visto acima, o STF considerou aplicável à infração penal disposta no art. 183 da Lei 9.472/97 o princípio da insignificância, concedendo a ordem para restabelecer a decisão de rejeição da denúncia proferida pelo juízo da Segunda Vara da Seção Judiciária da Bahia, modificando, consequentemente, a posição adotada pelo Corte anterior.
O caput do art. 183 da Lei 9.472/97 dispõe que “desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicações: Pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)”.
Para o STJ não incidiu o princípio da insignificância ao caso em comento tendo em vista trata-se de crime formal de perigo abstrato, portanto, desnecessária é a comprovação da lesividade da conduta, sendo irrelevante a constatação da baixa potência do equipamento. Assim, não há que se falar em atipicidade material da conduta praticada pelo Paciente.
O STJ concluiu seu julgamento aplicando a súmula 83 dessa Corte, “não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”, considerando, destarte, desprovido o Agravo Regimental interposto pela defesa.
Em sentido diverso, a Segundo Turma do STF entendeu pelo cabimento do princípio da insignificância, pois, para a incidência desse postulado, devem ser levados em consideração os aspectos objetivos do fato: a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Como todos esses requisitos se faziam presentes, tornou-se imperativo a incidência desse princípio pela Corte Suprema. Vejamos.
Embora a potência do transmissor utilizado pelo Paciente fosse de 25 W, com possibilidade de interferência, “os sinais interferidos não estão outorgados na área de cobertura da rádio citada”, verificando-se, desse modo, a ausência de periculosidade social da ação, a mínima ofensividade da conduta do agente e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. De acordo com o relatório da autoridade policial, não houve “interferência efetiva a outros canais ou serviços, considerando que a potência do transmissor era de 25 W, ou seja, não ultrapassava a potência para as rádios comunitárias autorizadas”.
Quanto ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, este requisito também se fez presente, visto que tratava-se de uma rádio comunitária pertinente à Associação de Pais e Mestres do Centro Educacional Imaculada Conceição, pessoa jurídica sem fins lucrativos.
Diante da inexistência de perigo concreto, o juízo de origem rejeitou a denúncia proposta pelo MPF em face do Paciente, ocasionando a interposição de uma série de recursos visando à modificação de tal entendimento.
Com efeito, a conduta do Paciente não resultou em dano ou perigo concreto relevante para a sociedade, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade, sendo irrelevantes as consequências do fato.
O fato em análise também não tem relevância na seara penal em face dos princípios da fragmentariedade e da intervenção mínima, que impõe a aplicação do Direito Penal apenas quando outros ramos do direito não forem suficientes para a proteção dos bens jurídicos. E verifica-se que o presente caso poderia ser solucionado na seara administrativa com imposição de multas.
Ademais, não há qualquer desrespeito ao art. 223 da Constituição Federal de 1988 a aplicação do posicionamento acima, pois continuaria ser de competência do Poder Executivo a autorização, em sentido amplo, para o serviço de radiodifusão, cabendo-lhe ainda mais uma função, a de estabelecer o valor da multa a ser aplicada aos que desobedeceram tal norma constitucional.
Art. 223, caput, CF/88: Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementariedade dos sistemas privado, público e estatal.
De acordo com a Relatora Min. Cármen Lúcia, “o princípio da insignificância reduz o espaço de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal”.
Ainda segundo a Min. Relatora, “é consabido não se poder perceber a tipicidade penal como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade faz-se necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto para se verificar a ocorrência de lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado”.
Outrossim, para a incidência do princípio da insignificância, é necessário ser feito um juízo de tipicidade formal (adequação perfeita da norma ao caso concreto) e material (relevância do bem jurídico tutelado).
Vejamos o que o renomado autor Rogério Greco entende por tipicidade material:
“a finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens mais importantes existentes na sociedade. O princípio da intervenção mínima, que serve de norte para o legislador na escolha dos bens a serem protegidos pelo Direito Penal, assevera que nem todo e qualquer bem é passível de ser protegido, mas somente aqueles que gozem de certa importância”.
Assim, podemos dizer que a tipicidade material é um requisito indispensável para a configuração da figura delitiva, pois significa a ofensa a bens considerados pela sociedade como mais importantes e, por isso, devem ser protegidos pelo Direito Penal, ocasionando sua falta a ausência de fato típico, por consequência, a ausência de crime como ocorreu no caso em tela, já que restou demonstrado que não houve lesão ou perigo de grave lesão à segurança dos meios de comunicação.
CONCLUSÃO
Após o desenvolvimento do presente artigo, onde se explanou acerca da incidência do princípio da insignificância ao art. 183 da Lei 9.472/97 pelo STF, chegamos a conclusão de que, no julgamento do HC 126.592/BA, a Segunda Turma da Suprema Corte agiu corretamente ao considerar possível a aplicação desse princípio, haja vista que o Direito Penal só deve ser utilizado para aquelas situações em que os demais ramos do Direito não possam atuar solucionando o conflito.
Verificou-se que o caso em questão não acarretou lesão nem perigo de grave lesão ao bem juridicamente protegido, assim, por se tratar de crime de perigo concreto, não cabe ao Direito Penal atuar, devendo deixar que o Direito Administrativo, Direito Civil, etc resolvam tal demanda.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. v. 1.
_____.Habeas Corpus nº 126.592/BA, de 24 de fevereiro de 2015. Dispõe acerca da votação desse habeas corpus . Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 abr. 2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8331894>. Acesso em: 13 nov. 2021.
_____.Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jul. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L9472.htm>. Acesso em: 16 nov. 2021.
Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza/CE. Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade de Fortaleza/CE. Delegada de Polícia Civil no estado de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Vanessa Bastos Ferreira. Aplicação do princípio da insignificância à Lei nº. 9.472/97 pelo Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2021, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57930/aplicao-do-princpio-da-insignificncia-lei-n-9-472-97-pelo-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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