RESUMO: O presente artigo busca analisar o fenômeno da desjudicialização da execução civil e realizar um estudo teórico acerca de seu potencial para conter o problema da morosidade do Poder Judiciário e falta de efetividade no cumprimento das decisões judiciais. Com linguagem simples e direta, procura instigar o leitor a se interessar pelo aprofundamento da problemática, contribuindo para a mudança da perspectiva clássica sobre a hermenêutica do processo civil constitucional, onde o judiciário detém a exclusividade no processamento das execuções civis, abrindo-se campo propício para que outros agentes colaboradores, no caso, os tabeliães, possam auxiliar na busca de bens dos devedores para satisfação das obrigações.
PALAVRAS CHAVE: Execução civil – Desjudicialização – Agentes de Execução – PL 6.204/2019.
Sumário: 1. Introdução – 2. Os agentes de execução. Breves impressões sobre o PL 6.204/2019. 3. Considerações finais. 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução.
Não é preciso ser um perito no assunto para perceber que existem milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário. Mas o CNJ, em 2018, elaborou um relatório “Justiça em Números”, que apontou que, dentre os 79 milhões de processos em andamento, 42,81mi tem a natureza de execução fiscal, civil e cumprimento de sentenças. Isso mesmo, mais da metade.
Agora pensa se alguns atos dos processos executivos pudessem ser descentralizados do Poder Judiciário e passassem a ser realizados por outros agentes públicos, para promover a máxima efetividade da execução e a celeridades processuais?!
Então, é aí que vem a ideia do Projeto de Lei nº 6.204/2019, apresentado pela Senadora Soraya Thronicke, que cria os agentes de execução que, no caso, seriam os notários e tabeliães de registro, conforme passar-se-á a expor no tópico seguinte.
2. Os agentes de execução. Breves impressões sobre o PL 6.204/2019.
De acordo com o PL 6.204/2019, os agentes de execução atuariam, não apenas como meio alternativo na solução dos conflitos, mas também de maneira preventiva, como orientadores das partes sobre a melhor via para evitar a judicialização dos litígios.
A ideia inicial do referido projeto é de que os notários e registradores possam promover, nas execuções de títulos judiciais e extrajudiciais, a citação do executado para pagamento das dívidas; a penhora e avaliação dos bens; atos diversos de expropriação; pagamento ao exequente; a extinção e suspensão da execução nas hipóteses legais; a consulta ao juízo para sanar dúvidas e o encaminhamento, ao judiciário, das as dúvidas suscitadas pelas partes ou terceiros.
É importante, no entanto, destacar que, à exceção da extinção e suspensão da demanda executiva, - que o projeto prevê expressamente a possibilidade de ser declarada pelo tabelião ou notário -, apenas os atos materiais de execução seriam delegados aos referidos agentes. As demais questões que demandariam decisão judicial não seriam analisadas pelos aludidos agentes, enquanto não resolvidas pelo juiz. É o exemplo dos embargos à execução que deveriam ser apresentados ao juízo competente e por ele julgados.
A pesquisadora Flávia Hill, no seminário realizado pela OAB de Minas Gerais em abril de 2.021, ressaltou que o acesso à justiça não precisa mais ser limitado ao Judiciário; pelo contrário, deve-se ter uma bagagem democrática para que sejam construídas outras portas que se coloquem ao lado desse Poder, não como justiças de segunda categoria, mas como mecanismos equivalentes, adequados à solução de cada caso.
De fato, o projeto nada mais é do que mais uma materialização da tendência Multiportas da justiça estatal, onde o sistema é direcionado a uma reestruturação que conta com diversos mecanismos de tutela de direitos, onde cada método é adequado para determinado tipo de conflito possibilitando ao jurisdicionado a opção pela via mais consentânea para a resolução da disputa.
O Ministro Mauro Campbell Marques, em evento do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil realizado em março deste ano, (https://www.youtube.com/watch?v=WZtRQNVlKio), ressaltou que a delegação dos atos de execução aos notários e tabeliães representa um avanço ao sistema de justiça, pois advém da experiência portuguesa, que teve enorme sucesso, tanto na esfera financeira, por ter gerado economia de milhões de reais aos cofres públicos, tanto pela celeridade, efetividade e economia processuais.
Mas daí vem a pergunta: será que esses atos dos agentes de execução seriam constitucionais? Não haveria, por exemplo, ofensa à inafastabilidade jurisdicional, contraditório, ampla defesa? A questão, embora ainda muito questionada no processo legislativo do projeto de lei, está a merecer olhar mais teleológico e pragmático, para que seja exaltada a essência de cada princípio do processo constitucional em aparente colisão.
Se a inafastabilidade da jurisdição preza a segurança jurídica que deve reger as decisões e atos judiciais, evidente que a delegação dos atos materiais de execução a terceiros que não compõem o Poder Judiciário deve vir acompanhada de um sistema efetivo de controle, tal como inclusive prevê o Projeto de Lei (artigo 21), ao estabelecer forma de impugnação das decisões do agente de execução, submetendo-as ao crivo do juiz.
Por outro lado, o debate acerca da possível violação ao contraditório e a ampla defesa também não preocupa, já que, além de existir a previsão expressa de cumprimento dessas garantias no projeto de lei, tal como já salientado em linhas volvidas, existem também outras experiências análogas de sucesso no Brasil, de onde resultaram delegados, aos tabeliães, atos tipicamente judiciais, tais como o inventário administrativo, retificação do registro civil, usucapião.
Vê-se, portanto, que o legislador ordinário vem se preocupando em cumprir com as diretrizes dos princípios da inafastabilidade da jurisdição, devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
3. Considerações finais.
Sem pretensão de encerrar o tema, até porque o referido projeto está sendo objeto de densos estudos acerca de sua constitucionalidade, viabilidade e executoriedade, além de representar impacto substancial na realidade cartorária, a demandar mudanças estruturais, destaco que, das pesquisas realizadas pode-se perceber que a pretendida alteração legislativa traduz inovação e tem potencial para cumprir a máxima efetividade da jurisdição, celeridade processual, além de desafogar o judiciário com o “sem número” de execuções frustradas, e, o mais importante, resgatar a confiabilidade do Poder Judiciário perante a sociedade.
4. Referências Bibliográficas.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números. Brasília, 2018. Disponível em https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/, acesso em 1º de novembro de 2.021.
BRASIL. Senado Federal. PL 6.204/2019. Dispõe sobre a desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial e dá outras providências.
ARCARO, Alexandre Augusto. O fenômeno da desjudicialização na execução civil e o agente de execução: dos atos dos agentes de execução e a interconexão com os órgãos judisdicionais. Disponível em https://repositorio.idp.edu.br/handle/123456789/2969, acesso em 1º de novembro de 2.021.
SEMINÁRIO. Desjudicialização da Execução. Realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Público, em 15.03.2021. Edição on line. Disponível em youtube.com/watch?v=WZtRQNVlKio, acesso em 1º de novembro de 2.021.
HILL, Flávia Pereira. Desjudicialização da execução civil: reflexões sobre o Projeto de Lei nº 6.204/2019. Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP. Rio de Janeiro, v. 21, n.3. Set-Dez 2020. p. 164-205.
SEMINÁRIO. Desjudicialização da Execução. Realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais, em 12.01.2021. Edição on line. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=YWziK-jFKrQ, acesso em 1º de novembro de 2.021.
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