RESUMO: O presente artigo a finalidade de trazer as recentes inovações e ideias legislativas sobre o uso da planta cannabis sativa para o uso científico-médico, trazendo um pouco da história de seu uso, que, teve suas primeiras referências datadas cerca de 2700 a.C na farmacopeia do Imperador chinês Shen-Nung. Será discorrido durante o texto as normas e ideias legislativas que foram propostas há pouco tempo para introduzir em nosso ordenamento jurídico a regulamentação do uso da planta para os fins médicos, de saúde e vida, além de trazer alguns julgados e entendimentos dos tribunais acerca da matéria, a qual a mora dos legisladores faça com que o judiciário “invada” a competência do congresso para deliberar sobre o tema. Por fim, será feita uma breve análise sobre os impactos diretos e indiretos que tal omissão acarreta para as pessoas que necessitam do tratamento, e, os impactos socioeconômicos, através das ideias e perspectivas de grandes economistas liberais já laureados com o prêmio Nobel.
Palavras-Chave: Cannabis, Legislativo, Judiciário, Liberdade, Vida.
ABSTRACT: The purpose of this article is to present recent innovations and initial legislative ideas about the scientific-medical use of its use, which had as a reference 270 BC in the pharmacopeia of the Chinese Emperor Shen-Nung. It will be discussed during the text as norms and legislative ideas that were proposed with little time to introduce in our legal system a regularization of the use of the plant for medical, health and life purposes, in addition to bringing judgments and understandings of the courts on the matter, which the delay of the legislators makes the judiciary “invade” the competence of the Congress to deliberate on the subject. Finally, a brief review will be made on the impacts and indirect for the analysis of people who evaluate economists, and the socioeconomic impacts, through the ideas and the great liberal studies already laure with the Nobel.
Key-Words: Cannabis, Legislative, Judiciary, Freedom, Life.
1.INTRODUÇÃO.
A discussão sobre o uso da cannabis para fins medicinais tem evoluído nos últimos anos no Brasil, em particular por causa das regulações propostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), com destaque para a RDC nº 327/2019 (que pode ser considerada a principal norma com relação ao tema), já que permitiu avançar pontos que até então eram obscuros para fabricantes, importadores, médicos e os próprios pacientes, contribuindo para o aprimoramento do sistema, e também do marco regulatório da cannabis que advém da possibilidade de aprovação e promulgação do Projeto de Lei nº 399/2015, que propõe alterar o artigo 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, a atual Lei de Drogas, para viabilizar o cultivo, processamento, pesquisa, produção, industrialização, manipulação, comercialização, etc. de produtos à base da planta do gênero cannabis.
A cannabis se trata de uma das plantas mais antigas de que o homem tem conhecimento com relatos de usufruto de mais de 4 mil anos, quando a mesma foi mencionada na Farmacopeia Chinesa, se propagando posteriormente da China à Índia para o norte da África, chegando à Europa cerca de meio milênio depois de Cristo e por fim à América, sendo suas principais utilizações como fonte de fibra, confeccionamento de cordas. Seu óleo era utilizado para fabricar tintas enquanto suas sementes eram usadas como ração para o gado (McGUIGAN, 2006).
Diante dos grandes benefícios medicinais que vem sendo comprovados pela ciência alcançados por pacientes que precisam fazer seu uso contínuo (seja por extratos industrializados, preparados ou por meio de óleo artesanal) não há dúvidas e consenso acerca da necessidade urgente de uma política ao acesso terapêutico da cannabis.
2.PRÓS CIENTÍFICO-ECONÔMICOS.
Conforme análises dos neurocientistas Sidarta Ribeiro e Renato Malcher-Lopes, várias possibilidades de uso medicinal para a Cannabis já são conhecidas, entre elas está sua capacidade sedativa e músculo relaxante, capaz de não só potencializar a ação de opioides, diminuindo seus efeitos colaterais em portadores de dor crônica como também de restaurar o apetite e o controle das náuseas e vômitos. Seu uso medicinal, apesar de dúvidas e restrições, hoje é permitido em alguns estados americanos e em países como Holanda e Bélgica, para aliviar sintomas relacionados ao tratamento de câncer, AIDS, esclerose múltipla e Síndrome de Tourette. (MALCHER-LOPES; RIBEIRO, 2007).
A eficácia do uso da planta cannabis sativa para fins medicinais, também foi alvo de estudo aberto realizado em 1986 na África do Sul, a qual descreveu que doze pacientes internados em ambientes hospitalares foram tratados diariamente com 200mg de canabidiol puro, não responderam ao tratamento para convulsão (DEVINSKY et al, 2014).
Em 1980, foi realizado um estudo na Escola Paulista de Medicina, Cunha et al. (1980) no qual avaliaram o efeito do canabidiol em 15 indivíduos com diagnóstico de epilepsia focal temporal com generalização secundária. Durante quatro meses, oito destes receberam 200 a 300 mg de canabidiol e os outros receberam placebo. Quatro dos indivíduos que receberam canabidiol ficaram livres de crises, três melhoraram e em um a substância não modificou as crises epilépticas. Os sete indivíduos que receberam placebo ficaram com suas crises inalteradas (CUNHA et al.,1980).
O primeiro simpósio relacionado ao assunto no Brasil que foi realizado em São Paulo o “Cannabis sativa L. e Substâncias Canabinóides em Medicina" em 2004, reuniu especialistas no assunto para discutir o uso medicinal da cannabis, no qual vários dos presentes relataram suas experiências na liberação, em países como Holanda, Nações Unidas e Áustria reafirmando serem favoráveis ao seu uso de forma medicinal. Nestes países os avanços científicos deixaram evidentes suas vantajosas propriedades medicinais (CARLINI et al., 2005).
A morosidade do poder legislativo em atender ao clamor dos milhões de brasileiros que necessitam do uso medicinal da cannabis, além de repercutir de forma mais intensa nos custos da aquisição do produto medicinal tem a grande capacidade de aumentar os estímulos econômicos que giram em torno da planta. Conforme estudo da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann), estipula-se que o mercado da cannabis no Brasil possa gerar até 300 mil empregos. Segundo levantamento publicado na revista Forbes[1], o Brasil pode atrair cerca de US$ 30 bilhões em 10 anos, podendo movimentar R$ 26,1 bilhões no Brasil até 2025 que, infelizmente depende da boa vontade dos legisladores para regulamentarem a matéria. Para se ter uma ideia, a indústria da maconha já tem mais trabalhadores que dentistas e médicos nos EUA, conforme estudo publicado no jornal Washington Post[2].
Conforme supracitado, para vários economistas a guerra às drogas não passa de uma guerra fracassada aonde já temos o vencedor (Estado), e o perdedor (indivíduo/sociedade), extraindo de ensinamentos do economista vencedor do prêmio Nobel Gary Becker, tal guerra é o que ele chama de “paradoxo da guerra contra às drogas”.[3] Tal ideia parte a premissa de que, a apreensão de drogas diminui sua oferta disponível, entretanto, sua demanda continua quase que intacta o que faz com que seu preço e sua margem de lucro subam, ou seja, margens maiores de lucros atraem novos agentes (traficantes) além de financiarem compras de armas e despistes para a polícia, sendo esta a razão para o número de viciados em drogas se manter constante nos últimos 50 anos nos Estados Unidos[4], a despeito dos investimentos cada vez maiores no combate ao tráfico de drogas.
Para Milton Friedman, economista também laureado com o prêmio Nobel de economia, ao combater com violência o tráfico de drogas, o Estado faz uma seleção adversa, permitindo que apenas os traficantes mais violentos, corruptos e poderosos continuem nesse mercado, sendo um arranjo que beneficia diretamente o crime organizado, por fazer que a ação estatal proteja cartéis e facções criminosas.
Confirmando o argumento de Friedman, em 2014, uns trios de economistas britânicos estudaram um experimento feito pela polícia de Londres que, por um determinado lapso temporal deixou de combater o tráfico de maconha no bairro de Lamberth. A conclusão foi que a estratégia foi responsável por diminuir o número medido pelo número de ocorrências de outros crimes e aumentar a eficiência da polícia (medida pelo número de prisões e casos elucidados) no seu combate[5].
Outro estudo feito em 2017 corroborou a tese[6].
Ou seja, de acordo com os estudos e ideias, os economistas acreditam que recursos são escassos, logo, cada centavo ou tempo investido em uma atividade não pode ser investido em outra – e isso também se aplica à polícia. O tempo e dinheiro investidos na guerra às drogas são tempo e dinheiro não investidos no combate de crimes como homicídio, estupro e roubo.
3.DECISÕES JUDICIAIS FRENTE À MORA LEGISLATIVA.
Em 2014 uma criança brasileira de 05 anos que sofria de epilepsia refratária conseguiu na justiça com decisão proferida pela 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal o direito à importação do óleo canabidiol dos Estados Unidos (autos nº 24632-22.2014.4.01.3400). Desde então de tal referida decisão várias pessoas (não só as com epilepsia) começaram a buscar o judiciário como forma de acesso ao direito do uso da planta para fins medicinais.
Já em 2021 uma mulher com fibromialgia foi autorizada a plantar cannabis para uso medicinal, sendo a fibromialgia é uma síndrome reumatológica que causa dor e fraqueza muscular generalizada. A paciente tentou diversos medicamentos, mas eles não surtiram efeito e a recomendação médica foi o tratamento com cannabis e em sua decisão o magistrado ressalta a demora dos congressistas em legislarem um tema que já é recorrente e urgente
“como a União, por meio da Anvisa, ainda se mostra omissa na respectiva regulamentação, cabe ao Poder Judiciário suprir a lacuna, quando a ele trazida demanda que o exigir”.[7]
Tal decisão foi confirmada posteriormente pelo colegiado, no qual o juiz relator Ademar Sternaldt ressaltou que as “propriedades terapêuticas do canabidiol vêm sendo exaustivamente comprovadas nos últimos anos” [8].
Ainda em 2021 a 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo concedeu em liminar um habeas corpus para permitir que um homem com transtorno de ansiedade generalizada pudesse plantar maconha em sua casa para fins medicinais (Processo: 5003951-41.2021.4.03.6181).
4.CONCLUSÃO.
Conforme foi demonstrado acima, o uso medicinal da cannabis sativa já é usado há milhares de anos pela humanidade e hoje, mais do que nunca (já que temos estudos científicos avançados e mais concretos com o avanço da tecnologia) o seu uso para fins medicinais já se mostrou mais do que essencial. Se antes a questão se mantinha completamente indiscutível da seara criminal, exigindo dos interessados o ajuizamento de Habeas Corpus para preservação da liberdade em face dos riscos envolvidos na busca pelo acesso a esses medicamentos, hoje se revela uma nova fase, na qual as barreiras entre a necessidade desse tipo de tratamento e sua obtenção esbarram em obstáculos, sobretudo, administrativos e orçamentários dos governos.
Além das inúmeras vantagens em tratamentos médicos e bem-estar dos pacientes, com uma legislação mais específica e bem fundamentada o que se espera é que cresçam as possibilidades de negócios com relação ao uso da cannabis em benefício de pacientes/indivíduos que necessitam de seu uso. Faz se necessário mencionar ainda, a possibilidade de aumento do rol para investidores nacionais e estrangeiros, inclusive com relação à importação e exportação de medicamentos e produtos que tenham cannabis na composição.
O Estado brasileiro, infelizmente, mesmo em pleno século XXI e com todos os avanços tecnológicos e científicos ainda permanece um Estado arcaico, preconceituoso e moroso, o que faz com que o poder judiciário tenha que intervir nessa esfera por falta de competência e vontade dos legisladores.
Conforme Milton Friedman explanou em sua entrevista para o jornalista Randy Page no “America’s Drug Forum”[9]
“A criança que é baleada em uma troca de tiros, em um tiroteio aleatório, é uma vítima inocente em todas as definições possíveis. A pessoa que decide usar drogas não é uma vítima inocente. Ela escolheu ser uma vítima. E, eu devo dizer, tenho muito menos simpatia por ela. Eu não acredito que seja moral impor custos tão pesados para a sociedade apenas para proteger as pessoas das suas próprias escolha”.
Em resumo, para Friedman, como sociedade, não deveríamos admitir o risco de balear crianças inocentes apenas para impedir que indivíduos tomem suas próprias escolhas erradas, ou seja, não cabe a nós como indivíduos da sociedade ou os legisladores, dizer se pode ou não pode alguém usar a cannabis, ainda mais em casos de doenças no qual os peritos do assunto já fazem tal recomendação, e, se cabe a alguém tal matéria pra ser regulamentada, por que não o faz? Frente a tal vagarosidade que o Estado brasileiro tem quase sempre em legislar e/ou regulamentar matérias de grande relevância direta e indireta pra sociedade já que aqui estamos tratando de um dos maiores direitos inerentes no ordenamento jurídico que é o direito à vida, quem perde é a população de várias formas, seja ela econômica ou social.
Ainda que o PL 399/2015 não represente a legislação mais liberal com relação ao uso da cannabis, com a sua aprovação o Brasil passará a pelo menos ter uma legislação específica e consolidada sobre o tema, não dependendo do poder judiciário para “invadir” a competência legislativa. Além do mais, com as inúmeras vantagens em tratamentos médicos e bem-estar dos usuários, espera-se que aumente-se exponencialmente as possibilidades de negócios com relação ao uso da cannabis, aumentando investimentos, gerando produção, empregos, riqueza e o principal, à vida !
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARLINI, E.A.; RODRIGUES, E.; GALDURÓZ, J.C.E. Cannabis sativa L. e substâncias canabinóides em medicina. São Paulo: CEBRID - Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas, 2005.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4230023C06C1F61136E9A9D65C20915F.proposicoesWebExterno2?codteor=1640971&filename=Avulso+-PL+399/2015
CUNHA, MJ; CARLINI, EA; PEREIRA, AE. Chronic administration of cannabidiol to healthy volunteers and epileptic patients. Pharmacology. 1980; 21: 175-185
DEVINSKY, O., CILIO, M.R., CROSS, H., FERNANDEZ-RUIZ, J., FRENCH, J., HILL,
https://forbes.com.br/forbes-money/2021/06/exclusivo-mercado-de-cannabis-pode-movimentar-r-261-bilhoes-no-brasil-ate-2025-com-regulamentacao/
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-da-diretoria-colegiada-rdc-n-327-de-9-de-dezembro-de-2019-232669072
MCGUIGAN, M.CANNABINOIDS. In: GOLDFRANK, L.R. et al. Toxicologic emergencies. 8.ed., Nova York: McGraw-Hill, 2006. .
MALCHER-LOPES, R.; RIBEIRO, S. Maconha, Cérebro e Saúde. RJ, Vieira & Lent, 2007
https://sincofarma.org.br/noticias/mercado-canabico-brasileiro-pode-gerar-us30-bilhoes-ate-2030/
https://www.washingtonpost.com/business/2021/09/24/marijuana-dispensaries-jobs/
[1] https://forbes.com.br/forbes-money/2021/06/exclusivo-mercado-de-cannabis-pode-movimentar-r-261-bilhoes-no-brasil-ate-2025-com-regulamentacao/
[2] https://www.washingtonpost.com/business/2021/09/24/marijuana-dispensaries-jobs/
[3] https://volokh.com/2013/01/05/gary-becker-and-kevin-murphy-on-the-failure-of-the-war-on-drugs/
[4] https://www.theatlantic.com/national/archive/2012/10/chart-says-war-drugs-isnt-working/322592/
[5] https://www.ucl.ac.uk/~uctpimr/research/depenalization.pdf
[6] https://ftp.iza.org/dp10522.pdf
[7] https://www.conjur.com.br/dl/paciente-fibromialgia-autorizada.pdf
[8] https://www.conjur.com.br/2021-set-05/liminar-confirmada-paciente-plantar-cannabis-casa
Advogado. OAB/MG - 214.240. Justiça Federal. Justiça Eleitora
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SATIL, Felipe Eduardo Heringer. O uso medicinal da cannabis frente à mora legislativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2022, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58150/o-uso-medicinal-da-cannabis-frente-mora-legislativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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