RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar o regime de juros de mora e de correção monetária instituído pela Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021. A forma metodológica do trabalho foi pautada na pesquisa da legislação, doutrina e jurisprudência, a fim de conceder explicações científicas que envolvessem a temática.
Palavras-chave: Direito Constitucional; Emenda Constitucional nº 113/2021; Juros de mora e correção monetária; Condenações envolvendo a Fazenda Pública.
Sumário: 1. Introdução. 2. Legislação relativa aos juros de mora e à correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública. 3. Julgamento das ADIs 4357/DF e 4425/DF. 4. Julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE (Tema 810 da Repercussão Geral). 5. Julgamento dos Recursos Especiais 1295146/MG, 1495144/RS e 1492221/PR (Tema 905 dos Recursos Repetitivos). 6. Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021. 7. Conclusão. 8. Referências.
1. Introdução
O presente artigo visa a realizar um estudo sobre o regime de juros de mora e de correção monetária instituído pela Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021.
Primeiramente, efetua-se a abordagem da evolução legislativa e jurisprudencial acerca do tema. Assim, são analisados o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, bem como o art. 100, § 12, da CRFB/1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 62/2009.
Em seguida, discorre-se sobre o que ficou decidido no julgamento das ADIs 4357/DF e 4425/DF, do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE (Tema 810 da Repercussão Geral) e dos Recursos Especiais 1295146/MG, 1495144/RS e 1492221/PR (Tema 905 dos Recursos Repetitivos).
Por fim, examina-se o regime de juros moratórios e de correção monetária instituído pela Emenda Constitucional nº 113/2021, abordando-se os possíveis problemas de direito intertemporal.
2. Legislação relativa aos juros de mora e à correção monetária nas condenações impostas à Fazenda Pública
Os juros de mora representam “uma indenização para o inadimplemento no cumprimento da obrigação de restituir pelo devedor. Funcionam como uma sanção pelo retardamento culposo no reembolso da soma mutuada” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 542).
A correção monetária, por sua vez, é “a atualização do valor do dinheiro por meio da utilização de determinado índice de inflação e que tem por objetivo a recuperação do poder de compra da moeda” (LOPES JR., 2020, p. 131).
A fixação da correção monetária e dos juros de mora nas condenações contra a Fazenda Pública é questão bastante controvertida. Uma melhor compreensão do tema envolve a análise da evolução legislativa e jurisprudencial acerca da matéria.
O art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, prevê o seguinte:
Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
Assim, o dispositivo estabelece que os índices oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança serviriam como índices tanto da correção monetária quanto dos juros de mora.
Quase cinco meses após a publicação da Lei nº 11.960/2009, a Emenda Constitucional nº 62/2009 incluiu o § 12 ao art. 100 da Constituição Federal de 1988, dispondo que:
§ 12. A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.
Assim, o constituinte reformador transpôs a mesma sistemática de juros de mora e de correção monetárias nas condenações contra a Fazenda para o caso de pagamento de precatórios e requisições de pequeno valor.
Completando o quadro legislativo, cumpre destacar a edição da Medida Provisória nº 567/2012, convertida na Lei nº 12.703/2012, que alterou a Lei nº 8.177/1991, no ponto em que prevê os juros incidentes sobre a caderneta de poupança:
Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:
[...]
II - como remuneração adicional, por juros de:
a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento); ou
b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil, mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos.
Assim, a partir da edição da MP nº 567/2012, o índice de juros da poupança (e, por conseguinte, o índice dos juros de mora aplicáveis nas condenações contra a Fazenda Pública) passaram a variar de acordo com o valor da Taxa SELIC.
3. Julgamento das ADIs 4357/DF e 4425/DF
No campo jurisprudencial, é necessário iniciar o exame da matéria por meio da análise do julgamento das ADIs 4357/DF e 4425/DF (Info 698), no qual o STF declarou parcialmente inconstitucional a Emenda Constitucional nº 62/2009.
No que é pertinente aos objetivos do presente trabalho, o STF declarou inconstitucional a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, constante do § 12 do art. 100 da CRFB/1988, reconhecendo a inconstitucionalidade, por arrastamento, do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu a redação atual ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997.
Além disso, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da expressão “independentemente de sua natureza” prevista no art. 100, § 12, da CRFB/1988, firmando a compreensão de que, para os precatórios de natureza tributária, aplica-se o mesmo índice de mora utilizado pela Fazenda Pública na cobrança de seus tributos em atraso.
Em síntese, no que concerne aos juros de mora e à correção monetária aplicáveis aos precatórios, no julgamento das referidas ADIs, o STF decidiu:
a) pela inconstitucionalidade do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança como índice de correção monetária, uma vez que ele não se mostra idôneo a recompor a perda inflacionária do poder aquisitivo da moeda; e
b) para os precatórios de natureza tributária, pela aplicação dos mesmos juros de mora utilizados pela Fazenda Pública para cobrança dos seus tributos em atraso.
4. Julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE (Tema 810 da Repercussão Geral)
Um novo capítulo jurisprudencial foi delineado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, sob a sistemática da repercussão geral, que teve por objeto, essencialmente, definir o regime de atualização monetária e de juros moratórios incidente sobre condenações judiciais contra a Fazenda Pública.
Enfatize-se a distinção entre o objeto das ADIs referidas anteriormente e aquele do RE nº 870.947/SE: enquanto as primeiras definiram os índices aplicáveis no período a partir da expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor até o efetivo pagamento; o último tratou dos índices relativos tanto à fase de conhecimento quanto à fase de execução.
No julgamento do mencionado recurso extraordinário, o STF firmou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 810):
I - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09;
II - O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
5. Julgamento dos Recursos Especiais 1295146/MG, 1495144/RS e 1492221/PR (Tema 905 dos Recursos Repetitivos)
Segundo Cavalcante (2018):
A decisão do STF acima explicada traz os parâmetros gerais sobre as condenações envolvendo a Fazenda Pública e declara que a TR é inconstitucional. No entanto, vários temas não foram enfrentados pelo STF, razão pela qual o STJ teve que se debruçar sobre o tema.
O trabalho do STJ foi o de esmiuçar quais os índices de correção monetária e taxas de juros deveriam ser aplicados em cada um dos assuntos.
Assim, a Primeira Seção do STJ, no julgamento dos REsp 1295146, REsp 1495144 e 1492221, sob o rito dos recursos repetitivos, fixou as seguintes teses atinentes aos índices aplicáveis às condenações contra a Fazenda Pública, que variam a depender da natureza da relação jurídica:
3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.
3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral.
As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E.
3.1.1 Condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos.
As condenações judiciais referentes a servidores e empregados públicos, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até julho/2001:
juros de mora: 1% ao mês (capitalização simples); correção monetária: índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; (b) agosto/2001 a junho/2009: juros de mora: 0,5% ao mês; correção monetária: IPCA-E; (c) a partir de julho/2009: juros de mora: remuneração oficial da caderneta de poupança; correção monetária: IPCA-E.
3.1.2 Condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas.
No âmbito das condenações judiciais referentes a desapropriações diretas e indiretas existem regras específicas, no que concerne aos juros moratórios e compensatórios, razão pela qual não se justifica a incidência do art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), nem para compensação da mora nem para remuneração do capital.
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art.
1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.
A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.
Assim, após a definição dos Temas 810/STF e 905/STJ, a matéria encontrava-se razoavelmente pacificada.
No entanto, com o advento da Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021, inaugurou-se novo panorama jurídico quanto ao tema.
6. Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021
A EC nº 113/2021 estabeleceu o novo regime de pagamentos de precatórios, modificou normas relativas ao Novo Regime Fiscal, autorizou o parcelamento de débitos previdenciários dos Municípios e deu outras providências.
Para o escopo do presente trabalho, importa destacar os arts. 3º, 5º e 7º, todos da EC nº 113/2021.
O art. 3º da EC nº 113/2021 dispõe:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Assim, verifica-se a EC nº 113/2021 inovou completamente em relação aos parâmetros fixados nos Temas 810/STF e 905/STJ.
Com efeito, o constituinte reformador previu a incidência da Taxa SELIC como único índice para efeito simultâneo de atualização monetária, remuneração do capital e de compensação da mora, tanto para a fase de conhecimento quanto para a fase de execução, independentemente da natureza da relação jurídica envolvida.
Destaque-se que, ao ser aplicada a Taxa SELIC, esse índice não pode ser cumulado com nenhum outro, seja a título de correção monetária, seja a título de juros moratórios. Isso porque a Taxa SELIC abrange, em si, tanto a correção monetária como os juros moratórios, de modo que a incidência simultânea com outro índice acarretaria inadmissível bis in idem.
Esse é o entendimento pacífico do STJ, conforme ementa a seguir (grifos acrescidos):
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA EXECUÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO RETROATIVA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TERMO INICIAL DESSES CONSECTÁRIOS LEGAIS. A PARTIR DO SEXAGÉSIMO PRIMEIRO DIA, CONTADOS DA PUBLICAÇÃO DA PORTARIA ANISTIADORA. SELIC DEVIDA ATÉ JUNHO/2009 SEM INCIDÊNCIA CUMULATIVA DE QUALQUER OUTRO FATOR. TEMA 905/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O termo inicial a ser considerado, para cada um dos consectários legais (correção monetária e juros de mora), incidentes sobre o valor retroativo da reparação econômica de caráter indenizatório devida ao anistiado político, é a partir do sexagésimo primeiro dia, contados da publicação da portaria anistiadora, o que encontra amparo, inclusive, na disposição contida no art. 12, § 4º, da Lei nº 10.559/2002.
2. Como a ordem concessiva nos autos é de natureza indenizatória, em atenção ao Tema 905/STJ, até junho/2009 deve incidir a SELIC, sem a incidência cumulativa de qualquer outro fator, uma vez que tal taxa desempenha, simultaneamente, os papéis de taxa de juros e de correção monetária.
3. Agravo interno improvido.
(AgInt na ExeMS 15.697/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2021, DJe 17/12/2021)
Além disso, importa destacar que o art. 3º da EC nº 113/2021 não pode ser aplicado retroativamente, em razão do princípio da irretroatividade das leis (CUNHA, 2022).
Assim, a Taxa SELIC incide nas condenações judiciais que envolvem a Fazenda Pública somente a partir de 9 de dezembro de 2021, data de entrada em vigor da EC nº 113/2021, conforme art. 7º da Emenda Constitucional sob enfoque.
É importante compreender que a incidência de juros de mora e de correção monetária ocorre sob um regime de trato sucessivo (PEIXOTO, 2022). Isso significa que uma condenação imposta à Fazenda Pública em data anterior a 9 de dezembro de 2021 terá índices de juros moratórios e de correção monetária em conformidade com os Temas 810/STF e 905/STF, havendo a incidência tão-somente da Taxa SELIC a partir da entrada em vigor da EC nº 113/2021 (09/12/2021).
Cunha (2022) fornece um exemplo esclarecedor da aplicação da nova regra:
Tome-se como exemplo uma dívida judicial do ente público, com data base em 1º de janeiro de 2018, sujeita mensalmente a IPCA-E. A cada mês vencido, a correção monetária incidia sobre o valor da dívida. Essa incidência do IPCA-E se aperfeiçoa mês a mês. A nova regra, ainda que de estatura constitucional, não pode retroagir para desfazer a incidência mensal da correção monetária, que ocorreu de acordo com a regra então vigente, sob pena de retroação vedada pela Constituição. Ainda nesse mesmo exemplo, a nova regra não existia durante os anos de 2018, 2019, 2020 e quase a totalidade de 2021. Logo, não pode ser aplicada nesse período, pois não pode retroagir. Somente a partir de 9 de dezembro de 2021, com a vigência da Emenda Constitucional 113, é que passa a incidir a Selic, em substituição ao IPCA-E.
Cumpre ressaltar que haverá aplicação da Taxa SELIC, ainda que a decisão transitada em julgada imponha a aplicação dos índices anteriores. Isso porque a norma definidora da correção monetária e dos juros moratórios possui natureza processual, devendo a lei superveniente ser aplicada aos processos em curso, em consonância com o princípio tempus regit actum. A jurisprudência do STJ adota essa linha de intelecção (grifos acrescidos):
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não há violação de coisa julgada. Os juros moratórios e a correção monetária são obrigações de trato sucessivo que se renovam mensalmente, razão pela qual devem ser calculados à luz da lei vigente. Por essa razão, o STJ firmou entendimento de que a lei superveniente que altera o regime desses juros e correção deve ser aplicada imediatamente a todos os processos. Nesse sentido: AgInt no REsp 1925739/RN, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/08/2021, DJe 18/08/2021; AgInt no REsp 1494054/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/06/2021, DJe 23/06/2021; AgInt no REsp 1904433/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe 19/03/2021.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1944981/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 17/02/2022)
O art. 5º da EC nº 113/2021, por sua vez, determina a aplicação do novo índice a todos os requisitórios já expedidos, reforçando a compreensão aqui esposada:
Art. 5º As alterações relativas ao regime de pagamento dos precatórios aplicam-se a todos os requisitórios já expedidos, inclusive no orçamento fiscal e da seguridade social do exercício de 2022.
Ora, o novo regime de pagamento dos precatórios inclui o índice previsto no art. 3º da EC nº 113/2021, que, por expressa determinação do dispositivo supratranscrito, deve ser aplicado aos requisitórios expedidos e não pagos (do que se depreende, por conseguinte, que a coisa julgada não impede a incidência do novo índice).
No entanto, concluir pela mera irretroatividade do art. 3º da EC nº 113/2021 não é o bastante para solucionar todos os problemas de direito intertemporal que surgirão na aplicação da nova regra.
Haverá casos em que o termo inicial da correção monetária será anterior à vigência da EC nº 113/2021, enquanto o termo inicial dos juros de mora será posterior.
Nesse caso, haverá um período, sob a vigência da EC nº 113/2021, no qual deverá incidir somente a correção monetária.
Como já indicado, a Taxa SELIC engloba em si mesma tanto a correção monetária quanto os juros de mora. Assim, a incidência da Taxa SELIC em período anterior ao termo inicial de incidência de juros de mora equivaleria a reconhecer indevidamente a mora do devedor, acarretando o enriquecimento sem causa do credor (art. 884, caput, do Código Civil).
Uma possível solução seria fazer continuar a incidir o incide previsto nos Temas 810/STF e 905/STJ durante o período em que deve haver unicamente correção monetária até o momento no qual passa a incidir também os juros de mora, ocasião passaria a incidir a Taxa SELIC.
Problema semelhante ocorreria se o termo inicial de juros moratórios fosse anterior à vigência da EC nº 113/2021, enquanto o termo inicial da correção monetária é posterior à Emenda Constitucional. Nesse caso, solução idêntica pode ser adotada, qual seja, incidência do índice de juros de mora fixados nos Temas 810/STF e 905/STJ até o momento em que deve haver a incidência simultânea de juros de mora e correção monetária, instante no qual a Taxa SELIC passaria a incidir.
O mesmo problema se apresenta no caso em que os termos iniciais da correção monetária e dos juros ocorrem em datas diferentes, ainda que dentro do período de vigência da EC nº 113/2021.
Exemplificativamente, imagine-se que o início de fluência da correção monetária se dê em 9 de dezembro de 2021. O termo inicial dos juros moratórios, por sua vez, é a data de 9 de março de 2022. Verifica-se, portanto, que entre as duas datas deve haver tão-somente correção monetária.
Ora, fazer incidir a Taxa SELIC a partir de 9 de dezembro de 2021, nesse caso hipotético, apesar do comando expresso do art. 3º da EC nº 113/2021, representaria reconhecer a mora do devedor em período anterior ao termo inicial dos juros moratória, o que novamente gera o problema de acarretar enriquecimento sem causa do credor, que está recebendo valores a título de compensação por uma mora que não existe.
No entanto, Peixoto (2022) entende que um dos objetivos do art. 3º da EC nº 113/2021 foi simplificar as discussões relativas ao regime de correção monetária e juros moratórios envolvendo a Fazenda Pública. Assim, na opinião do autor, “não importa se em dado momento do processo incide correção monetária de forma isolada ou em conjunto com juros. Incidirá a Selic, que substitui ambos.”
Destarte, o autor não se preocupa com essa divergência de termos iniciais, postulando pela aplicação da Taxa SELIC a partir da ocorrência do termo inicial de qualquer dos índices (correção monetária ou juros de mora).
Conclui-se, portanto, que existe uma lacuna no regime instituído pela EC nº 113/2021, uma vez que não foi expressamente prevista a solução a ser adotada nos casos em que, dentro do período de vigência da EC nº 113/2021, deve haver a incidência de apenas um dos índices (seja apenas de correção monetária, seja apenas de juros de mora) durante determinado lapso de tempo.
Nessas situações, não pode haver, a princípio, a mera aplicação da Taxa SELIC no período em que deve incidir apenas um dos índices, uma vez que a Taxa SELIC desempenha simultaneamente as funções de taxa de correção monetária e de juros moratórios.
7. Conclusão
O art. 3º da EC nº 113/2021 determinou a incidência da Taxa SELIC como único índice para efeito simultâneo de atualização monetária, remuneração do capital e de compensação da mora, tanto para a fase de conhecimento quanto para a fase de execução, independentemente da natureza da relação jurídica envolvida.
Assim, o constituinte reformador inovou completamente em relação aos parâmetros fixados nos Temas 810/STF e 905/STJ.
A irretroatividade da norma e a compreensão de que a incidência de juros de mora e de correção monetária ocorre sob um regime de trato sucessivo são premissas fundamentais para a aplicação da nova regra e a solução de problemas de direito intertemporal.
Isto posto, conclui-se que a Taxa SELIC incide nas condenações judiciais que envolvem a Fazenda Pública somente a partir de 9 de dezembro de 2021, data de entrada em vigor da EC nº 113/2021, incluindo os requisitórios já expedidos, a teor do art. 5º da Emenda Constitucional.
No entanto, essas premissas não são suficientes para solucionar todos os problemas de direito intertemporal que surgirão na aplicação da novo regime de juros de mora e de correção monetária.
Por meio da discussão de várias situações não tratadas pelo constituinte reformador, conclui-se pela existência de uma lacuna no regime instituído pela EC nº 113/2021, uma vez que não foi expressamente prevista a solução a ser adotada nos casos em que, dentro do período de vigência da EC nº 113/2021, deve haver a incidência de apenas um dos índices (seja apenas de correção monetária, seja apenas de juros de mora) durante determinado lapso de tempo.
Nessas situações, não pode haver, a princípio, a mera aplicação da Taxa SELIC no período em que deve incidir apenas um dos índices, uma vez que a Taxa SELIC desempenha simultaneamente as funções de taxa de correção monetária e de juros moratórios.
8. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a Emenda Constitucional nº 116, de 17 de fevereiro de 2022. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 mar. 2022.
______. Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 de dez. 2021. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc113.htm>. Acesso em: 13 mar. 2022.
______. Lei no 8.177, de 1º de março de 1991. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de mar. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9494.htm>. Acesso em: 13 mar. 2022.
______. Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 de dez. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9494.htm>. Acesso em: 13 mar. 2022.
______. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 14 mar. 2022.
______. Lei no 11.960, de 29 de junho de 2009. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 de jun. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11960.htm>. Acesso em: 13 mar. 2022.
______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 14/02/2022, DJe 17/02/2022
______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno na Execução em Mandado de Segurança, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, Julgado em 24/11/2021, DJe 17/12/2021
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1492221/PR, Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1495144/RS, Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1495146/MG, Primeira Seção, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Julgado em 22/02/2018, DJe 02/03/2018
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4425/DF, Plenário, Relator Ministro Ayres Britto, Redator do acórdão Ministro Luiz Fux, Julgado em 14/03/2013, DJe 19/12/2013
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4357/DF, Plenário, Relator Ministro Ayres Britto, Redator do acórdão Ministro Luiz Fux, Julgado em 14/03/2013, DJe 26/09/2014
______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, Plenário, Relator Ministro Luiz Fux, Julgado em 20/09/2017, DJe 20/11/2017
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Índices de juros e correção monetária aplicados para condenações contra a Fazenda Pública. Blog Dizer o Direito. Disponível em: <https://www.dizerodireito.com.br/2018/04/indices-de-juros-e-correcao-monetaria.html >. Acesso em: 13 mar. 2022.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A taxa SELIC e a irretroatividade da EC 113/2021. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-mar-07/direito-civil-atual-taxa-selic-irretroatividade-ec-1132021>. Acesso em: 13 mar. 2022.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 9 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.
LOPES JR., Jaylton. Sentença cível – construção e estruturação. 5ª ed. rev. ampl. e atual. Brasília: CP Iuris, 2020.
PEIXOTO, Ravi. A EC 113 e os possíveis problemas de direito intertemporal na aplicação da Selic. Consultor Jurídico. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mar-07/ravi-peixoto-direito-aplicacao-selic-condenacoes>. Acesso em: 14 mar. 2022.
Pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito Civil e Pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito Processual Civil. Procurador do Estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Antônio Carlos Rodrigues Aragão. O regime de juros de mora e correção monetária nas condenações contra a Fazenda Pública a partir da Emenda Constitucional nº 113, de 8 de dezembro de 2021 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58158/o-regime-de-juros-de-mora-e-correo-monetria-nas-condenaes-contra-a-fazenda-pblica-a-partir-da-emenda-constitucional-n-113-de-8-de-dezembro-de-2021. Acesso em: 22 nov 2024.
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