ANDRÉ DE PAULA VIANA[1]
(orientador)
RESUMO: É indubitável que toda relação entre médico e paciente é guiada pela confiança e manutenção da vida, ocasião em que ocorrendo a falta de zelo e responsabilidade, surge para o paciente ou seus familiares, o sentimento de frustração e prejuízo, que se reduz à atribuição da culpa ao médico e à necessidade de justiça, restando ao Estado o múnus de aplicar penalidades, uma vez que perturbado direito de outrem, ainda que não intencionalmente, responde o transgressor da norma na medida de sua culpabilidade. É imprescindível expor que as modalidades de ações ou omissões têm impacto diferente na responsabilidade, podendo ser dolosa ou culposa. Erro médico é todo ato que causa danos à vida ou à saúde do paciente, seja por imperícia, negligência ou imprudência, quando assume a forma culposa e, por outra via, sendo concernente ao estado anímico do agente, ou seja, quando corresponde a propósitos racionais e intencionais do homem, ocorre a forma dolosa da conduta inadequada. Os médicos não estão excluídos do ônus de assumir consequências em razão do cometimento de erros que violem a integridade física alheia, quando no exercício de suas funções, não se eximindo, assim, da responsabilização penal, civil, ética e administrativa.
Palavras- chave: responsabilidade; responsabilidade-criminal; médico; erro médico; direito.
ABSTRACT: It is undoubtedthat every relationship between doctor and patient is guided by trust and maintenance of life, when when the lack of zeal and responsibility arises for the patient or his/her family members, the feeling of frustration and injury, which is reduced to the attribution of guilt to the doctor and the need for justice, leaving the State the right to impose penalties, since it disturbed the right of others, even if not intentionally, responds to the transgressor of the norm to the extent of its culpability. It is essential to state that the modalities of actions or omissions have a different impact on responsibility, and may be criminal or culpable. Medical error is every act that causes damage to the patient's life or health, whether due to malpractice, negligence or recklessness when it takes the wrongform and, on the other hand, being concerning the animic state of the agent, that is, when it corresponds to rational and intentional purposes of man, the intentional form of inappropriate conduct occurs. Physicians are not excluded from the burden of assuming consequences due to the commission of errors that violate the physical integrity of another, when in the performance of their duties, not restraining themselves from criminal, civil, ethical and administrative liability.
Keyword: responsibility; criminal liability; doctor; life; medical error; right.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DIREITO E MEDICINA. 2. RESPONSABILIDADE. 3. IMPERÍCIA, NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA. 3.1. Responsabilidade pelas condutas culposas. 3.2. Responsabilidade Civil do Médico. 3.3. Obrigação de meio e de resultado nas cirurgias estéticas. 4. RESPONSABILIDADE PENAL DO MÉDICO. 5. HOMICÍDIO CULPOSO. 6. HOMICÍDIO DOLOSO. 7. CASO VIRGÍNIA HELENA SOARES DE SOUZA (DOUTORA MORTE). 8. MÉDICOS NO CÓDIGO DE HAMURABI. 9. RESPONSABILIDADE ÉTICA E ADMINISTRATIVA. 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
A sujeição a escolhas ruins, escolhas boas, livres ou forçadas, estão trivialmente fora do controle humano, decisões são necessárias para a vida em sociedade, omissão é uma escolha, cabe ao ser humano, objeto de falhas e erros, saber agir quando não é possível escolher, suportando assim, o ônus pela alternativa escolhida, lidando com a felicidade ou infelicidade do resultado, inexistindo, na maioria das vezes, culpa alheia por escolhas próprias, uma vez que compete unicamente à própria pessoa defrontar-se com as consequências do caminho que escolheu.
Ademais, não existe imunidade na sequela em tomar coragem de se omitir ou agir em situações corriqueiras ou inabituais, quanto maior a força empregada, mais é preciso suportar. A responsabilidade existe em diferentes escalas e na profissão não é diferente, quanto mais próximos estamos das pessoas e seus sentimentos mais íntimos, em posição superior encontra-se a responsabilidade. Quando se escolhe lidar com uma vida, o encargo não é baixo, o que nos torna potencialmente autores e vítimas de um crime contra o bem mais supremo e delicado que o direito protege, a vida.
Lado outro, são diversos os fatores na medicina que podem levar a uma falta grave que custe a vida ou integridade física, estarão eles especificados no decorrer deste artigo, mas, os expondo brevemente, um homicídio pode ser resultante de negligência, imperícia ou imprudência, quando não há a intenção de produzir o resultado, caracterizando a forma culposa do delito ou restar conceituado em sua modalidade dolosa, quando há conhecimento e vontade de realizar o fato.
O direito médico é um elemento de ordem pública, relacionando-se com a gestão da saúde coletiva, em que pese ser aplicável às relações privadas, mais essencialmente e corriqueiramente às relações contratuais. Convém destacar que a medicina sempre ocupou e ainda ocupa uma posição de grande valoração em termos sociais, sendo uma das profissões de mais apreço. Na tentativa de conciliação do ofício com a legislação pátria, é que o direito surgiu como forma de amenizar e impedir as consequências desastrosas das relações interpessoais, se mostrando como uma ciência cada vez mais presente em todos os polos de trabalho.
O médico é um profissional de suma importância e eminência, é um exemplo de solidariedade e empatia, devido a submissão e a exposição à doenças que vão de simples e curáveis a complexas e incuráveis, dedicando-se integralmente aos cuidados de pessoas desconhecidas, salvando vidas e restabelecendo a saúde, não devendo valorar o individual de cada um, ou seja, mesmo que seja um assassino é dever do médico aplicar todas as técnicas de conhecimento lhe integradas, além de ser imparcial, deve ponderar a vida humana como fator objetivo de peso máximo e em posição ascendente de essencialidade.
O juramento de Hipócrates trata da relação entre a medicina e o direito, vejamos abaixo o conteúdo:
" Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça." (CREMERS, 2020)
No trecho ‘’nunca para causar dano ou mal a alguém’’, verifica-se uma passagem de direito, constituindo uma alusão aos princípios da bioética, ‘’Princípio da Beneficência’’ e ‘’Princípio da Não Maleficência’’, o que significa dize que é regra fazer o bem, e que não se deve fazer o mal a alguém (FILHO, 2016).
No prosseguimento do texto, encontra-se ‘’A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda.’’, o que significa dizer que não é permitida a promoção do óbito, vulgo eutanásia e nem o auxílio ao suicídio, uma vez que são crimes tipificados no Código Penal, tratando-se dos artigos 121, parágrafo primeiro (homicídio privilegiado), e do artigo 122 ‘’instigação, induzimento ou auxílio’’ para a prática do suicídio (FILHO, 2016).
O aborto, encontra-se proibido, de modo a configurar crime previsto nos artigos 124 a 128 do Código Penal, sendo impunível apenas nos casos de permissões legais. Trecho do juramento que dispõe acerca da referida proibição e dever de manutenção da vida ‘’Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva’’ (FILHO, 2016).
Além da obrigação de prudência, o sigilo médico é imprescindível para a boa relação entre o médico e seu paciente, sendo, precipuamente, um dever, na passagem ‘’àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.’’, é possível extrair a base de todo sigilo médico., podendo ser quebrado apenas quando houver justa causa e extrema necessidade. (FILHO, 2016).
Por fim, se o juramento for cumprido, o médico será digno de toda honra e glória, sendo merecedor de todo o prestígio a ele dirigido, em contrapartida, será indigno e deverá ser punido se dele se desviar, ‘’se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça. "Este último fragmento expõe a ideia e o dever de punição (FILHO, 2016).
O médico é um profissional que precisa estar sempre atualizado em seus estudos e buscar sempre as táticas mais modernas, aprimorando-se, participando de congressos, estudando e buscando mecanismos de aproximação entre a cura e o surgimento das fatalidades biológicas. O Direito médico e o trabalho conjunto do advogado com o profissional da saúde têm o condão de instrumentalizar a viabilidade da punição, ou se for o caso, da não culpabilidade pelo evento danoso, criando um laço que estrutura a relação médico-paciente, trazendo segurança jurídica, atendendo à realidade de que tudo o que está escrito em um papel traz mais confiabilidade para ambas as partes. O objetivo de uma consultoria jurídica, ante a assinatura de termos (como o de responsabilidade) e outros documentos que tenham relação com a área médica e possam ensejar uma possível ação, colocando o médico mais comumente no polo passivo da relação jurídica, é justamente evitar uma ação judicial, não obstante a atuação repressiva do advogado, objetivando minimizar efeitos nocivos.
A defesa das prerrogativas e direitos dos médicos devem ser objeto de preservação mesmo diante de situações que o coloquem como infrator, nesse viés, ainda que condenados à penas ou julgamento, faz-se necessário procurar alguém que possa lhe instruir no âmbito forense, de modo a transportar os códigos positivados no Brasil, bem como jurisprudências e decisões análogas aos casos efetivamente ocorridos, como o direito e a medicina estão interligados, a melhor assistência é de um profissional credenciado, com capacidade postulatória e notável saber jurídico, em outras palavras, podemos usar o termo ‘’advogado’’. Na realidade, a conduta correta seria consultar um profissional jurídico de confiança previamente à prática do ato para que houvesse um controle preventivo, embora ainda haja total possibilidade de repreender consequências por meio de um núcleo de defesa eficaz, o qual será exercido por um operador do direito.
O Código Penal é extremamente farto de artigos que têm aplicabilidade imediata e eficaz ao tratar da transgressão de uma norma que viole o direito à vida e a qualquer aspecto a ela inerente, já que trata em seu bojo das referidas situações. Pode se afirmar que, um homicídio, por exemplo, tem seu preceito primário aplicável a todos indistintamente, devendo apenas ser avaliado de forma individual na aplicação do preceito secundário, que nada mais é do que a retirada da pena da abstração para a concretude. Tais artigos, ao serem aplicados aos profissionais da pesquisa exibida, podem ter reflexos diretos ou indiretos, cumulativos ou não, em todas as quatro áreas possíveis, penal; civil; administrativa e ético-profissional.
Posto isto, verifica-se a independência entre as referidas responsabilidades. A autonomia de ambas pode restar uma ação frutífera ou infrutífera de forma a serem opostas em favor ou desfavor de um mesmo autor ou réu, isto é, se um autor X ajuíza uma ação penal e cível contra um réu Y, pode ter como resultado o deferimento de sua pretensão no cível e indeferimento no âmbito do juízo penal, no tempo em que o processo está tramitando e o juiz forma suas convicções, os processos estão sendo analisados em autos apartados, com a possibilidade de designar uma punição em juízo que não tem obrigação de ter coerência com a decisão proferida pelo outro.
3.IMPERÍCIA, NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA
3.1 Responsabilidade pelas condutas culposas
As três modalidades são formas de ensejar uma eventual responsabilidade do profissional. Todas representam a forma culposa das infrações penais, o que abre margem à uma interpretação mais branda quando na aplicação de penalidades pelo julgador.
Haja vista que um médico negligente é um médico omisso, que age com desleixo no cumprimento de diligências médicas, do Código de Ética profissional e falta ao juramento feito para exercício da profissão, a negligência pressupõe sempre uma falta, uma abstenção de dever, como, por exemplo, um médico que abandona seu paciente.
‘’Willie King precisou amputar uma de suas pernas em 1995, na Flórida, nos EUA, porém uma sucessão de erros levou a perna errada a ser preparada para cirurgia e os cirurgiões perceberam o terrível engano no meio do procedimento, quando já era tarde demais.Como resultado a licença médica do cirurgião foi suspensa por seis meses e ele foi multado em U$ 10 mil. O University Community Hospital de Tampa, local da cirurgia, pagou U$ 900 mil para Willie e o próprio cirurgião pagou mais U$ 250 mil.’’ (IBSP, 2015, on-line)
Um caso de negligência envolvendo uma gestante foi julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no processo nº: 0024.02.664272-8. O ocorrido é de uma gestante que perdeu seu nascituro. Uma denúncia feita no dia 12 de julho de 2001 que versava sobre a internação da gestante na maternidade narra que ela ficou mais de sete horas em trabalho de parto, momento em que o médico decidiu por romper a bolsa. Ao examiná-la, o médico constatou ausência de líquido amniótico e havia mecônio, a inalação deste último pode vir a causar crise respiratória por obstrução e inflamação das vias aéreas. Posteriormente, foi realizado o parto normal que, no entendimento do Ministério Público, deveria ter sido substituído por uma cesárea de caráter emergente, em razão da inalação pelo feto do referido líquido amniótico que continha a presença de mecônio, não tendo o profissional operado à aspiração do líquido meconial e ao tratamento da depressão respiratória. O tratamento adequado às vistas do Ministério Público seria a intubação, ocasião que fora descartada pelo médico que julgou o procedimento desnecessário. Posto isto, o desfecho da história é de que o bebê veio a óbito no dia 5 de outubro. Os médicos foram denunciados por homicídio culposo em razão da atitude negligente (TJMG, 2009).
Por outro lado, diferentemente da negligência que é reconhecida pelo desprezo a uma ação, a imprudência é outra forma de conduta culposa, mas que exige uma conduta ativa, ou seja, imprudente e impensada, nesta modalidade o médico não deixa de agir, pelo contrário, o profissional age de forma errada, com excesso, dispensando todo cuidado necessário à segurança e saúde da vítima, a exemplo de um médico que autoriza intervenção cirúrgica tendo o perfeito conhecimento de que não existem condições para que a mesma seja bem-sucedida e até mesmo uma alta precoce não recomendada.
Um médico anestesiologista deve antever todos os atos que possam decorrer da aplicação da anestesia, como vômitos, intubação emergencial, dentre outros riscos, se o médico não considera as possibilidades de perigo e mesmo assim inicia a técnica, a falta de observância de tais diligências implicará na caraterização de um médico imprudente.
Finalmente, na terceira e última modalidade culposa, temos a imperícia, ocorre sempre que o profissional ignora alguma prática científica que lhe fora integrada ao conhecimento pela grade curricular ofertada pelo curso de graduação ou especialização médica. Por alguma razão, o médico desconhece a forma de procedência de determinado procedimento ou o faz de forma incorreta, levando o paciente a óbito ou lhe causando alguma debilidade, um caso isolado seria de um profissional que exerce especialidade diversa daquela estudada.
Exemplificando, um clínico geral seria responsabilizado na modalidade imperícia, se mesmo sabendo desconhecer a técnica ousasse a efetuar cirurgia estética em um paciente e dela adviessem danos, uma vez que não possui habilidade cientifica para tanto, pois somente o médico especializado em cirurgias plásticas estaria apto a realizá-las.
3.2 Responsabilidade Civil do Médico
Tendo em vista que os médicos são profissionais que têm alto grau de confiança depositado em si, devem eles comprometer-se ao zelo e prudência no trabalho, não deixando com que fatores externos e pessoais interfiram no bom desempenho esperado. São inúmeros os relatos de erros médicos que causaram consequências extremas na vida de uma pessoa ou até fizeram com que muitas delas a perdessem.
A responsabilidade civil não se constitui se não exprimida a ânsia de receber o dano e restaurar o status normal em que as partes se encontravam (status quo ante), pressupõe que haja a vontade da parte prejudicada em atribuir o dever de indenizar a quem deva indenizar. O interesse engloba somente os ofendidos, não pode o Estado, de ofício, dar causa a um processo e fazer valer a pretensão de um sujeito perturbado.
O erro médico é um defeito da prestação do serviço, decorre de uma conduta praticada pelo médico ou de situação que devia ser comum ao seu controle, a consequência jurídica é a culpa em uma de suas três modalidades e o dever de reparar o dano quando possível, ou o dever de indenizar o paciente pelo ato ilícito cometido, em virtude de todo dano patrimonial ou extrapatrimonial constituir ato ilícito, logo, com cobertura jurídica tendente a tutelar os direitos básicos do consumidor. Todo erro médico é um precedente para aplicação do Código de Defesa do Consumidor, não é possível falar de um tema e silenciar o outro. O médico caminha ao lado do Código de Defesa de Consumidor. O paciente, na relação contratual-médica é considerado consumidor, extraindo-se daí sua posição de vulnerabilidade (SIMONELLI. 2019).
Como regra geral, o ônus da prova incumbe a quem alega, com raras exceções poderá o magistrado fazer a chamada inversão do ônus da prova, o que baliza a relação de hipossuficiência do consumidor, vítima que sofreu o dano, considerada carente de instrução probatória frente ao agente causador do dano, o médico. Portanto, por se tratar de relação de consumo o juiz aplicará a disposição do artigo 6º, VIII do CDC.
Por outra vertente, pautada na Teoria da Culpa, estendida aos profissionais liberais, o ônus de provar prejuízo seria do paciente, devendo este último provar que o médico agiu de forma a ensejar o resultado danoso e provando a existência do nexo de causalidade entre a conduta e o prejuízo. Ao afirmar que incube ao detentor do polo ativo da ação (autor) provar que o profissional liberal agiu culposamente, ratifica-se a responsabilidade subjetiva do médico, que só responderá civilmente caso reste provada sua culpa no caso concreto.
Embora haja uma relação de consumo ou contratual, o médico responderá caso seja provada sua culpa, uma vez que sendo profissional liberal, é cerceado pela responsabilidade subjetiva. O serviço ou produto deve ser adequado ao fim a que se destina, o que se resume na boa qualidade e na eficiência da utilidade fim e das boas técnicas dos meios empregados.
O direito à informação no âmbito da medicina se reduz ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). É o instrumento por meio do qual o médico se senta com seu paciente, intencionado a esclarecer quaisquer dúvidas e transparecer a técnica a ser adotada de forma clara, precisa e adequada ao conhecimento da pessoa a quem está atendendo. Para que a intervenção médica seja válida é imprescindível que a informação tenha sido auferida pelo paciente de forma suficiente quanto à quantidade e precisa quanto à qualidade, todo consentimento que não estiver embasado nesses pilares será desconsiderado. Será a partir da presteza da informação médica que o paciente escolherá dentre as alternativas, a melhor. Para a segurança da relação e a própria segurança do médico, o TCLE deverá ser materialmente documentado. O paciente previamente informado do risco a que submete e às reações ordinárias e extraordinárias do procedimento, decidirá se irá aceitar a intervenção, arcando com suas expectativas ínsitas advindas de um eventual resultado, lado outro, arcará o médico com toda informação quantitativa e qualitativa prestada, baseando-se na literatura médica, nas técnicas manuais e informatizadas (SOUZA e FERNANDES, 2018, p. 62-64).
Excepcionalmente não será possível colher o consentimento do paciente, ocorre em situações em que há risco de morte ou que comprometam transitoriamente o discernimento do paciente. Nessas situações de urgência em que não é possível a obtenção direta pelo paciente, o consentimento será subsidiário e suprido pelos representantes legais do paciente, familiares ou outras pessoas que possam por ele responder. A autonomia, isto é, a liberdade de escolha de submissão a intervenção médica deve ser respeitada, cederá apenas quando a não intervenção pelo profissional importar em um risco transindividual, fazendo sofrer a comunidade, respeitando assim o Princípio da Supremacia do Interesse Público, a exemplo de uma epidemia. O TCLE deve ser preciso quando à escolha, quanto às alternativas rejeitadas, sejam elas invasivas ou terapêuticas, quanto aos riscos assumidos, previsíveis ou imprevisíveis, quanto aos resultados esperados, quanto às orientações médicas e técnica acolhida (SOUZA e FERNANDES, 2018, p. 68-69).
3.3 Obrigação de meio e de resultado nas cirurgias estéticas
Inegável que a modernidade vem trazendo novos dogmas e impondo novos padrões, o que resultou em grande aumento da procura por cirurgias plásticas estéticas e grande avanço e aprimoramento da medicina a fim de atender toda a demanda que os consumidores trazem ao mercado da beleza.
Em se tratando de cirurgias estéticas reparadoras, reformadoras ou corretivas, aquelas destinadas essencialmente à saúde, e secundariamente a melhorar a aparência estética, mas sem a obrigação de buscar por um resultado satisfatório, a obrigação não será de resultado, será de meio, devendo em todo caso o médico agir de forma prudente.
Um exemplo de obrigação de meio no que tange à cirurgia plástica, seria o caso de um indivíduo que está em um churrasco de família, quando, de forma não intencional, tropeça sobre a churrasqueira, debruçando-se sobre a brasa e o fogo. Ao procurar o atendimento médico de emergência a intenção primária não é ter uma aparência perfeita ou até mesmo como a antiga, mas sim tratar as queimaduras e complicações supervenientes ao evento. A cirurgia estética será realizada, porém como obrigação meio, visando a ameniza as avarias, já que o resultado meramente embelezador não é o objeto principal da prestação de serviço.
Por outra vertente, quando o médico é procurado em seu consultório por um paciente saudável, mas insatisfeito com sua aparência, querendo mudar seu nariz por julgá-lo muito grande ou querendo aumentar os seios, o reflexo não é na saúde, mas é físico ou social. Apurada a inexecução da obrigação por técnicas não empreendidas diligentemente, surge o dever do médico de indenizar, somente havendo exoneração da obrigação quando o fim prometido é efetivamente alcançado.
O médico é responsável à medida em que assumiu o resultado, quando o resultado avençado é atingido, porém o paciente não se sente satisfeito por razões instauradas em seu íntimo, não poderá haver responsabilização do médico, visto que o resultado proposto foi atingido. Importante mencionar que não é possível sempre entregar um resultado satisfatório, ainda que se entregue aquilo que foi prometido pelo médico ao paciente.
As pessoas estão sujeitas a criarem expectativas elevadas em cima de uma cirurgia estética, cabe ao médico alertar que em certas ocasiões não será possível alterar insatisfações originárias, salientando que a queixa deve ser analisada em um contexto harmônico com a figura do consumidor, inclusive, é recomendado que em alguns casos o médico se abstenha de realizar determinado procedimento por evidentes empecilhos, evitando, assim, dores de cabeça com potenciais processos e indenizações.
Quando o médico não aplica a eficiência necessária e falta com informações é evidente que restará configurado para o paciente o direito de ter seu dano reparado quando possível fazê-lo, ou de ser indenizado se impossível restaurar o status anterior ‘’status quo ante’’, no caso do retoque por erro do médico não terá o paciente o dever de pagar novamente, da mesma forma que o médico não será incriminado quando ceder orientações à cerca do pós-operatório e o paciente vir a descumprir.
Nesse viés, é possível sumular que a autonomia de decidir a submissão ou não a procedimentos médicos e intervenções cirúrgicas, tal como a compreensão dos riscos e efeitos positivos ou negativos das referidas e o elemento volitivo lícito, são condições que só podem ser delegadas ao paciente ou a quem por ele responda, desde que transpassadas todas as informações de forma clara e com adaptações linguísticas e depois de sanadas todas as inquirições do paciente, sua família e responsáveis.
Nesse sentido, Iara Antunes de Souza e Josiene Aparecida de Souza na Obra Direito e Medicina, Autonomia e Vulnerabilidade no Ambiente Hospitalar (2018, p. 31):
‘’ partindo da perspectiva de que os Comitês de Bioética Institucionais tem sido uma ferramenta útil para facilitar a tomada de decisão diante de desafios éticos referentes aos cuidados de um paciente, perquire-se: Como construir um espaço deliberativo diante de dúvidas sobre a capacidade decisória e autonomia dos pacientes ? Como determinar os limites de um tratamento médico diante dos conflitos de interesse religiosos? É possível garantir ao paciente o direito de recusa a um cuidado paliativo ? Essas e outras indagações que permeiam a intervenção médica tornaram-se relevantes por permitir questionamentos ético-morais, tendo em vista que as pessoas têm diferentes percepções da realidade, além de colocar em pauta a autonomia na relação médico-paciente que será exercida através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, TCLE.’’
4.RESPONSABILIDADE PENAL DO MÉDICO
Na responsabilidade penal o causador do dano responde de forma individualizada, não podendo, os efeitos penais ultrapassarem a pessoa do condenado, sendo a repressão da liberdade e o dever de reparar o dano, único e exclusivo daquele.
Para que a responsabilização reste efetivada no quesito “culpabilidade”, terceiro pilar que constitui os elementos do crime (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), o agente deve gozar da capacidade de ter uma pena a ele imputada, de forma a ter plena saúde mental, maioridade, potencial consciência da ilicitude, além do pressuposto de exigibilidade de conduta diversa.
Ser isento de pena em uma das esferas (penal ou civil), não significa dizer que quem lesionou ficará impune ou não será responsabilizado civilmente por ter sido absolvido na seara penal.
‘’Não obstante, casos há em que a irresponsabilidade criminal não significa irresponsabilidade civil, pois o agente que praticou o ato ilícito pode ser considerado irresponsável no campo criminal e responsável na esfera civil, como p. ex., se uma criança de dez anos matar alguém por usar arma de fogo que está ao seu alcance, crime não haverá, pois ela é considerada, pelo ordenamento jurídico brasileiro, absolutamente incapaz de responder pelos atos que vier a praticar, não podendo ser processada penalmente, e muito menos seus pais ou tutor, devido ao caráter pessoal, supramencionado, da norma penal. Contudo, caberá à pessoa a quem couber a guarda do menor o dever de indenizar os herdeiros do falecido pela morte ocorrida, configurando-se, dessa maneira, a responsabilidade civil. (...) É possível, entretanto, que o ato ilícito repercuta tanto na ordem civil como na penal, em virtude de sua gravidade e conseqüências. De um lado, porque ele infringe norma de direito público, constituindo crime ou contravenção, e de outro, porque acarreta prejuízo a terceiro.’’ (SAAVEDRA, s.d. on-line).
Acarreta responsabilidade penal do médico a conduta que deixa de comunicar à autoridade pública doença de notificação compulsória, haja vista que o interesse aqui não se restringe ao particular, sendo uma norma de benefício erga omnes, isto é, para toda a comunidade.
O Ministério da Saúde é órgão responsável por listar e atualizar lista de doenças que devem ser notificadas sem discricionariedade. O intuito é universalizar as doenças que precisam de intervenção estatal para que sejam controladas. Algumas doenças contidas na lista são: Botulismo, Cólera, Coqueluche, Dengue (casos e mortes), Doença de Chagas Aguda, Febre Amarela e seguintes. Importa em quebra de sigilo permissiva.
Outra situação que implica em responsabilidade penal do médico é a omissão de socorro: Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública (SIMONELLI, 2019).
É importante esclarecer que apesar do encargo de salvar vidas é necessário que se faça de forma prudente, consoante com o artigo acima que impõe o dever de prestar socorro nos casos em que não implique risco pessoal à própria vida. O médico infrator do artigo supradito terá encaixe nos casos em que por mera liberalidade se recusa a prestar assistência médica, mesmo dispondo de meios peritos para fazê-la e de segurança pessoal.
O assunto da transfusão de sangue não consentida por motivos religiosos (testemunhas de Jeová) divide opiniões e por muito tempo deixou os profissionais da saúde em dúvida sobre como proceder diante da situação. O entendimento sedimentado é de que os adultos respondem por si e têm a escolha de realizar ou não a transfusão de sangue e não pode o Estado interferir em suas crenças religiosas de forma a forçar o paciente a realizar intervenção médica que seja contra sua vontade, pois assim como é garantido o direito à vida, o direito à liberdade de crença também encontra respaldo na constituição. Ademais, prescreve o Código Civil: art. 15 do Código Civil: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.’’
Outrossim, no caso de crianças, já foi admitida atitude contrária. Em Goiás, pais seguidores da religião Testemunha de Jeová foram surpreendidos pelo juiz Clauber Costa Abreu, da 15ª Vara Cível e Ambiental, que concedeu liminar para autorizar procedimento de transfusão de sangue contrária à vontade dos pais à criança recém-nascida. O fundamento foi de que a crença religiosa não deve se sobrepor ao direito à vida (CURY, 2019).
Como desdobramento, o artigo 146 do Código Penal conceitua ser crime constranger alguém a fazer o que a lei não permite ou o que ela não manda, possuindo a seguinte redação: ‘’Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda’’
Portanto, em regra, tal atitude do médico que obedeceu à liminar do juiz constitui conduta ilícita e punível, mas a brecha se encontra no §3º, I que diz: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.’’ Em suma, os profissionais atuantes no caso não incorreram em conduta típica punível.
Há ainda a possibilidade de o profissional atestar conteúdo diverso do que consta no relatório da consulta, como no caso em que o paciente solicita atestado médico para faltar voluntariamente ao trabalho por mais dias do que o necessário, inclusive podendo a empresa ajuizar ação indenizatória em face do médico, ou no caso de um amigo pedir o favor de um atestado médico sem nem mesmo ter se consultado. A ação de dar atestado médico tipifica o crime do artigo 302 do Código Penal.
O crime divide-se em dois grupos, será de falsificação de documento público se o médico trabalha no âmbito da administração pública e terá caráter de falsificação de documento particular se o atestado for fornecido na seara particular da relação consumerista.
Será o atestado médico revestido de falsidade material quando for providenciado por pessoa não médica, ou que não tenha habilitação legal para exercer a medicina. De outro lado, será o atestado médico ideologicamente falso (falsidade ideológica) quando for emitido por profissional apto legalmente a exercer a profissão.
Existem no próprio Código Penal e em leis esparsas uma infinidade de artigos potencialmente incriminadores da prática médica, dentre os exemplos citados, ainda é possível citar a Associação Criminosa (288 CP), que pode levar a reunião dos profissionais para a prática delituosa dentro da própria administração pública, amostrando um caso em que pelo fácil acesso, os órgãos humanos poderiam ser comercializados de forma mais descomplicada (SIMONELLI, 2019).
Há casos em que o médico estará acobertado por excludentes de ilicitude e não responderá pelos danos que causar, uma vez que age em exercício regular de um direito, como quando efetua uma incisão no paciente, por vias normais, responderia por lesão, entretanto, é prática permitida e necessária à prática médica, pois todas as cirurgias precedem de violação de um bem jurídico, a integridade física, violação que, na medicina, não configura nenhum ilícito penal, ao passo em que o estado de necessidade produzirá efeito na realidade quando, por exemplo, um médico no meio de uma selva, sem nenhum aparato médico, visando exercer sua função primordial de salvar vidas, assim o faz, conclui-se que qualquer dano que possa advir de tal situação não merece responsabilização na seara penal, posto que a situação era de emergência e sem alternativa (SIMONELLI, 2019).
Como já transcorrido anteriormente, é possível que uma ação médica seja apoiada em um erro médico e traga consequências negativas para a vítima, como advento de uma lesão, incapacidade, ou até mesmo a mais séria e irreversível consequência da morte. É uma conduta culposa que advém de um equívoco comissivo ou omissivo e está inteiramente consubstanciada em três possíveis espécies, imprudência, imperícia e negligência. Sempre que um homicídio decorrer de uma dessas três espécies será culposo, hipótese que não ocorrerá se o médico seguir todo procedimento e agir com cuidado, mas em razão de circunstâncias alheias ao risco do procedimento, o paciente vier a falecer.
Não é esperado que um profissional com tanto zelo pela vida atente de forma dolosa contra o bem jurídico, não obstante, é nítido que nenhum ser humano está isento de agir pela emoção ou deixar com que fatores biológicos interfiram em suas ações, entretanto, em se tratando de médicos, a valoração e repreensão do dano causado é maior, dura e inquietante.
Cada ser humano é único e têm suas próprias crenças, convicções, paixões, aspirações, amigos, inimigos, características, formação pessoal, caráter, entre outras individualidades, não é surpresa que estão sujeitos a cederem ao desejo incutido em seu interior e ao pedido do emocional, colocando muitas vezes o interesse pessoal acima do interesse da coletividade ou do paciente, prevalência essa que tem repercussão na forma dolosa, ou seja, quando o profissional pratica o crime de forma intencional, apenas para satisfazer interesse próprio ou de outrem, o real motivo deve ser analisado de acordo com o caso concreto.
7.CASO VIRGÍNIA HELENA SOARES DE SOUZA (DOUTORA MORTE)
O programa de televisão Domingo Espetacular transmitiu a informação dos crimes que estariam sendo atribuídos à Virgínia Helena Soares de Souza, médica que após ter sido descoberta ficou conhecida como a ‘’Doutora ‘Morte’’ depois da acusação de ter acelerado a morte de 7 pacientes que ficavam internados na UTI do Hospital Evangélico, na cidade de Curitiba (PR).
A médica foi acusada pelo Ministério Público de acelerar a morte dos pacientes que estavam sob sua guarda, segundo denúncias, as mortes teriam ocorrido entre 2006 e 2013. O caso veio à tona em 2013, momento em que prisões foram decretas e a apuração dos fatos iniciadas. Em sede de investigações policiais foram encontradas orientações da médica a seus subordinados para que alterassem o nível de oxigênio ou ainda injetassem medicamentos capazes de dificultar a respiração, levando ao óbito por asfixia.
O Inquérito Policial coletou bilhetes de pacientes, dentre eles um que dizia ‘’eu preciso sair daqui, pois hoje tentaram me matar desligando os aparelhos.’’ Em declarações à jornais a médica disse: ‘’eu estou atônita, nunca exerci a profissão com o intuito de ser Deus, decidir quem vive e quem morre. Nossa luta diária é investir o possível e o máximo para resgate da vida em pacientes críticos. Infelizmente nesse trajeto perdemos vidas.
A médica teve sua prisão preventiva decretada, mais de 80 testemunhas foram ouvidas e mais de 40 médicos depuseram, entretanto, o juiz responsável pelo julgamento decidiu pela absolvição, com o fundamento de que as presentes provas não eram conclusivas quanto à culpa para e não podiam levar à uma condenação.
Para a promotoria de justiça as provas eram suficientes para a condenação de Virgínia, tendo perícias médicas do Instituto Médico Legal (IML) reconhecido que as prescrições medicamentosas foram feitas em dosagens e combinadas contrariando a literatura médica. Com a apelação do Ministério Público a médica e outros réus foram submetidos ao tribunal do júri pelos homicídios dolosos contra a vida.
‘’Em abril de 2019, o TJPR aceitou duas denúncias do MPPR contra a médica. O processo é diferente da primeira acusação contra Vírgina, julgada em 2017, quando ela e outras sete pessoas foram absolvidas em primeira instância também pelo Tribunal do Júri. Na nova denúncia, a médica é acusada de antecipar a morte de duas pacientes que estavam internadas na UTI do Hospital Evangélico em 2012. Uma delas, internada após cesárea na UTI do Evangélico, morreu no dia 12 de janeiro de 2012. A segunda paciente, com 16 anos, morreu em 29 de outubro de 2012, após ser internada no Evangélico transferida de Foz do Iguaçu, com queimaduras graves. Segundo a denúncia, Virgínia agiu nos dois casos por motivo torpe, decretando a morte das pacientes antes do correto para liberar leitos. A ação ainda tramita na Justiça.’’ (RITZ, 2021)
Além de ser absolvida criminalmente, a médica também foi absolvida pelo Conselho Regional de Medicina (CRM), segundo este, Virginia não sofreu inabilitação profissional e pode voltar a praticar a medicina a qualquer tempo, pleiteou ainda direitos trabalhistas, tendo sido o hospital condenado no montante de R$ 4 milhões das verbas decorrentes de irregularidades trabalhistas.
8.MÉDICOS NO CÓDIGO DE HAMURABI
Nota-se que desde os primórdios a figura do médico sempre foi muito respeitada. O médico era conhecido como o “curandeiro, mago ou sacerdote” dotados de poderes curativos sobrenaturais. O código tratava com rigor aquele que matasse um homem livre, sendo que curandeiro tinha a mão cortada. E caso a cura não acontecesse, consequentemente a culpa recaia sobre o tal feiticeiro, acompanhada de acusação de imperícia e de incapacidade, havendo, já estabelecida uma punição desde os primórdios para os casos de culpa relativa ao insucesso profissional médico. (MACEDO, 2015).
O código era desumano e desproporcional, segue disposições à cerca do exercício da medicina:
Art. 215 – Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de bronze e o cura ou se ele abre a alguém uma incisão com a lanceta de bronze e o olho é salvo, deverá receber dez siclos (PARENTONI, 2012).
Art. 218 – Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de bronze e o mata, ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o olho fica perdido, dever-se-lhe-á cortar as mãos (PARENTONI, 2012).
Art. 219 – Se o médico trata o escravo de um liberto de uma ferida grave com a lanceta de bronze e o mata, deverá dar escravo por escravo (PARENTONI, 2012).
9.RESPONSABILIDADE ÉTICA E ADMINISTRATIVA
O Código de Ética de Medicina é a ferramenta específica que regula internamente a prática médica, em tal é possível encontrar princípios, direitos e deveres da ocupação. O capítulo III do Código de Ética Médica (CEM) reforça o já exposto anteriormente ao usar os seguintes dizeres:
‘’É vedado ao médico: Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. ‘’ A responsabilidade ética se aproxima da responsabilidade civil. O médico deve ser diligente, prudente e perito.
‘’Observa-se aqui, que a responsabilidade tanto no âmbito cível como no ético possuem praticamente as mesmas especificações, a diferença é que a primeira terá como órgão competente para julgamento o poder estatal na figura do judiciário, e o segundo será de competência dos Conselhos Regionais onde o médico possuir inscrição, e no caso de não ter inscrição no local onde se deu os fatos, este será julgado pelo conselho regional do local de onde partiu a denúncia.’’ (SOARES, s.d. on-line)
As penas disciplinares a serem aplicadas pelos Conselhos Regionais aos seus membros são as seguintes: advertência confidencial em aviso reservado, censura confidencial em aviso reservado, censura pública em publicação oficial, suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias, cassação do exercício. Em relação à última modalidade descrita, muito se questiona sobre a constitucionalidade dela, posto que a Constituição Federal coíbe sanções de caráter perpétuo, o que teoricamente se adequa ao caso, haja vista que uma vez imposta a penalidade de cassação do registro profissional e desde que o CFM a mantenha, o médico fica proibido de voltar a exercer a medicina em qualquer lugar do país, não sendo permitida prova de reabilitação profissional. A respeito da cassação perpétua do exercício da medicina:
‘’A inabilitação profissional, imposta administrativamente ao médico infrator do Código de Ética Médica, desprovida de possibilidade de reabilitação, transforma a sanção imposta em uma pena de caráter perpétuo, a qual é vedada por cláusula constitucional pétrea. A pena em apreço fere também os princípios da proporcionalidade, da preservação do núcleo essencial e da reserva de lei. Sobre esses princípios, vale ressaltar que as restrições impostas a um direito fundamental - como o da liberdade de escolha e exercício profissional previsto no art. 5º, XIII da CF/88 devem se mostrar adequadas, necessárias e proporcionais, além de resguardarem, pelo menos, uma porção mínima (núcleo essencial) suficiente para que o direito restringido possa desempenhar sua função. A inabilitação ad eternum se encaixa justamente nesse caso, além de não resguardar um espaço mínimo que empresta um sentido único ao direito fundamental de exercer a profissão escolhida, se mostra desnecessária e desproporcional.’’ (LANDERS, 2022).
De modo geral, as punições apresentam sempre um caráter de perda, seja ela de liberdade ou direitos. É perfeitamente possível que em virtude de um ilícito cometido um médico venha a sofrer os efeitos extrapenais compreendidos no campo administrativo, como a perda do direito da função de médico sob a óbice do artigo 92 do código penal, que impõe a anunciada pena, aplicando-a aos médicos que fazem uso de seu registro médico perante o Poder Público.
Aludida posição de castigo para um ato danoso não é aplicável aos médicos que não exerçam sua profissão na alçada estatal, a julgar pela qualidade especial de exercer o especialista função pública, portanto, não sendo o médico agente público, poderá sofrer a suspensão ou cassação com fulcro em outro dispositivo de lei. É de primordial essencialidade compreender que o apontado artigo não tem o condão de cassar o registro profissional do médico devidamente licenciado de maneira que o inabilite de exercer a ocupação, às avessas, aplica tão somente um efeito para os ilícitos praticados no exercício da profissão ou fora dela, por quem seja ou não médico, mas exerça cargo ou função pública na Administração Direta ou Indireta.
As mais vultosas soluções para grandes problemas são alicerçadas por grandes estudos, por grandes profissionais e por pesquisas metódicas e fabulosas. As maiores descobertas na medicina demandaram anos de pesquisa, estudo e prática. À medida em que práticas milenares se dissipam no tempo, novos esforços são realizados com designío de fazer da ciência não só uma arte, mas um instrumento de cura e prevenção, albergando eficiência e modernidade, de forma a contatar condição de paridade com as patologias existentes, potenciais, previsíveis e não previsíveis.
A ciência, embora tenha alto grau de empreendimento, contando com a prestabilidade de serviços e com vasta área de atuação, bem como descobertas históricas com satisfatórios resultados de um exame a priori, recentemente, descobrindo o genoma do Sars-CoV-2 (coronavírus ou covid-19) e sua respectiva imunização por intermédio das vacinas, ainda é uma tecnologia que está em evolução e, por consequência, inexata, concomitantemente servindo como um gabarito de respostas para indagações e abrindo margens à possibilidades, em que pese, às vezes, ter ausência de precisão.
É dever do médico ser prudente, diligente e perito no exercício da sua profissão, deve sempre visar ser o mais claro possível ao se comunicar com paciente sobre sua doença, sobre os tratamentos e riscos que dela poderão advir, sobre todas as opções e tratamentos alternativos, bem como apresentar as satisfações e insatisfações de um procedimento estético. A não obediência a quaisquer desses deveres jurídicos e éticos ensejarão uma conduta criminosa reduzida a um erro médico e seus desdobramentos.
Face todo o exposto, conclui-se que responsabilidade é incumbir ao médico um processo criminal judicial ou ético a fim de aplicar uma punição pela falta cometida. Uma vez que a conduta possua todos os elementos do fato típico e que as provas apresentadas em juízo sejam favoráveis a uma censura criminal, será o ocupante do cargo submetido às penalidades cabíveis, visto que causou danos a outrem.
Sobre esse prisma, o médico pode praticar ato que repercutirá em sua forma dolosa ou culposa, devendo a culpa ser apurada individualmente em cada caso concreto. O ofício de salvar vidas se apresenta como uma das mais dignas das profissões, sendo de grande mérito o resultado positivo de cada operação realizada, posto isso, a pressão exercida sobre o médico é custosa, portanto, em qualquer ocasião em que o médico se encontre deve ser lembrado e valorado como um ser humano que além de seus pacientes, tem a si mesmo e a outras pessoas que também os importam, familiares e amigos, ressaltando que muitas das vezes sacrifica sua saúde pela saúde dos seus pacientes.
CURY, Lilian, Centro de Comunicação Social do TJGO. Contra a vontade dos pais, seguidores da religião Testemunhas de Jeová, juiz autoriza transfusão de sangue à recém-nascida, 2019. Disponível em: OAB Londrina. Acesso em: 19 fev. 2022.
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Domingo Espetacular. Médica acusada de acelerar a morte de pacientes é absolvida pela Justiça, 2017. Disponível em: Médica acusada de acelerar a morte de pacientes é absolvida pela Justiça - Bing video - YouTube. Acesso em 20 fev. 2022.
FILHO, Carlindo Machado. O Juramento de Hipócrates e o Código de Ética Médica, 2016. Disponível em: Residência Pediátrica - O juramento de Hipócrates e o código de ética médica (residenciapediatrica.com.br). Acesso em 02 de mar. 2022.
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Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil, campus de Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, Ana Iara Carolina do. Direito médico: responsabilidade criminal do médico pelas condutas cometidas culposamente ou dolosamente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 abr 2022, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58245/direito-mdico-responsabilidade-criminal-do-mdico-pelas-condutas-cometidas-culposamente-ou-dolosamente. Acesso em: 22 nov 2024.
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