DENISSON GONÇALVES CHAVES[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho objetiva analisar, por meio de pesquisa bibliográfica, as obras A Dominação Masculina de Pierre Bourdieu (2021) e o Segundo Sexo de Simone de Beauvoir (2019), e entender os motivos pelos quais a violência de gênero perpetrada contra a mulher continua sendo um problema que assola a sociedade, especificamente o Brasil, mesmo que o país tenha umas das leis mais avançadas no combate à violência. A investigação enfatiza a importância de tratar sobre o assunto no que tange o plano simbólico das relações, visto que, é um problema público de grande impacto social. Observa-se que o fator cultural é um dos principais obstáculos para a efetiva aplicação das leis e perpetuação da violência na forma física e simbólica. Desta forma, a partir da análise de dados e das obras dos autores supracitados é possível identificar os processos pelos quais se cria a imagem da mulher e se enraíza socialmente a inferioridade dela perante o homem, por meio de uma abordagem histórica e sociológica que podem contribuir para o Direito.
Palavras-chave: Pierre Bourdieu. Simone de Beauvoir. Violência de gênero. Simbólico.
ABSTRACT: The present work aims to analyze, through bibliographical research, the works A Male Domination by Pierre Bourdieu (2021) and The Second Sex by Simone de Beauvoir (2019), and to understand the reasons why gender violence perpetrated against women continues being a problem that plagues society, specifically Brazil, even though the country has one of the most advanced laws in the fight against violence. The investigation emphasizes the importance of dealing with the subject in terms of the symbolic plane of relationships, since it is a public problem of great social impact. It is observed that the cultural factor is one of the main obstacles to the effective application of laws and the perpetuation of physical and symbolic violence. In this way, from the analysis of data and the works of the authors, it is possible to identify the processes by which the image of women is created and her inferiority towards men is socially rooted, through a historical and sociological approach that can contribute to the right.
Keywords: Pierre Bourdieu. Simone de Beauvoir. Gender violence. Symbolic.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende discutir os aspectos pelos quais, mesmo havendo a judicialização do problema, a violência de gênero contra a mulher continua sendo um impasse persistente no país. É notório que a ordem desigual das relações de poder tende a favorecer o masculino, ao passo em que, minimiza e desvaloriza o feminino, sendo, a cultura patriarcal e machista brasileira, um dos principais obstáculos para a aplicação efetiva das leis de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher, em especial a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e lei do feminicídio (Lei 13.104/2015).
Ao abordar a violência contra a mulher como um problema de caráter estrutural, entende-se que este é um problema que se enraíza na cultura e que influência diretamente na maneira que as mulheres são vistas e em como elas se veem na sociedade. Trata-se de um tema de elevada importância social e para o mundo jurídico, visto que, é um problema público que possui impacto direto na sociedade, e em como ela se torna um ambiente favorável para a instauração das desigualdades e a perpetuação da violência.
A metodologia utilizada foi o recorte bibliográfico, a partir das obras A Dominação Masculina do sociólogo francês Pierre Bourdieu (2021), o O Segundo Sexo elaborado pela filósofa e ativista francesa Simone de Beauvoir (2019). O trabalho tem como objetivo geral analisar como se dá a estruturação das relações de poder pautadas no gênero. Deste modo, é importante que se tenha noção da magnitude do problema, que está enraizado nas relações, para que se determine mecanismos e estratégias de enfrentamento à violência, tornando a aplicação das normas efetiva e uniforme.
Inicia-se o primeiro capítulo deste trabalho abordando os dados mais recentes acerca da violência contra a mulher no Brasil, em suas várias formas de manifestação e a necessidade do alcance da igualdade de gênero. Os objetivos das leis de combate à violência (Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio) e o questionamento sobre os motivos pelo qual a violência persiste mesmo que haja leis de combate, tornando necessária novas medidas de enfrentamento.
No segundo capítulo será abordada a concepção de Pierre Bourdieu (2021) presente na obra A Dominação Masculina, quanto a Teoria do Poder Simbólico e sua influência como base para a violência simbólica. Os conceitos e características de habitus, campo e capital simbólico e como essas produções simbólicas podem ser identificadas nas relações sociais, como por exemplo a violência doméstica. Por fim, é dissertado sobre como se dá as diferenças sociais atribuídas aos sexos a partir das diferenças biológicas, e como a violência simbólica se incorpora nas relações.
O terceiro capítulo trará a perspectiva acerca da violência a partir de Simone de Beauvoir (2019) na obra O Segundo Sexo. No primeiro volume da obra a autora desmistifica as ideias criadas pela biologia, psicanalise e história sobre a imagem da mulher e no segundo volume explica como de fato se dá a construção da mulher e da imagem que socialmente é atribuída a ela. E no quarto capítulo é abordado os pontos de intersecção e de divergência entre as ideias dos dois autores que será apresentada.
Entende-se a partir da pesquisa o processo pelo qual se dá a construção da imagem feminina como inferior e submissa em relação a masculina. É notório que a naturalização das diferenças e da divisão das coisas e das atividades que se atribui aos sexos, de forma a prejudicar as mulheres, se enraíza na sociedade e é vista como normal, como fruto do biológico. Conclui-se com a pesquisa os motivos pelos quais as leis não conseguem alcançar de forma efetiva todas as mulheres que sofrem violência, ressaltando, desta forma, a dificuldade de se determinar ações de enfrentamento que de fato produzam efeitos reais.
2.A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO REALIDADE SOCIAL
O alcance da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas compõem os objetivos na agenda 2030 elaborada em 2015 pela Organização das Nações Unidas. No entanto, mesmo sendo signatário da ONU e tendo uma das leis mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, o Brasil, de acordo com o mapa da violência de 2015, numa lista de 83 países, é o 5° país no mundo que mais mata mulheres de forma violenta.
A violência contra a mulher não é um impasse recente, é um problema público que possui grande visibilidade política e social no Brasil e no mundo. É um reflexo direto de como a sociedade se estrutura de forma desigual, propiciando um ambiente favorável para a perpetuação da dominação masculina e do ciclo da violência. Embora haja leis que a criminalizem, tais condutas continuam sendo um problema que persiste, afetando o bem-estar e a dignidade da vítima, bem como de toda a sociedade.
Com o intuito de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em agosto de 2006 foi sancionada a Lei 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que define as violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral como formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa lei, trata de forma integral o problema da violência, imputando uma maior pena ao agressor e garantindo assistência social às vítimas.
Não muito distante, em março de 2015 foi sancionada a Lei 13.104 que alterou o artigo 121 do Código Penal brasileiro, prevendo o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio e atribuindo agravantes quando o crime for cometido em situações específicas de vulnerabilidade, alterou também o artigo 1° da Lei n° 8.072/90 incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos, sendo inafiançável e insuscetível de graça, indulto ou anistia, fiança e liberdade provisória.
Entretanto, mesmo com a judicialização do problema, o índice de violência contra as mulheres e meninas segue alarmante. Segundo dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), no ano de 2020, 230.160 mulheres denunciaram um caso de violência doméstica em 26UF, sendo o Ceará o único estado que não informou. Diariamente, cerca de 630 mulheres procuraram uma autoridade policial para denunciar um episódio de violência doméstica.
Houve também um acréscimo no número de Medidas Protetivas de Urgência[2], que são concedidas pelo juiz, após a denúncia de agressão, em um prazo de até 48 horas do recebimento do pedido da vítima ou do Ministério Público, passando de 281.941 medidas em 2019 para 294.440 em 2020, um crescimento de 4,4% no total de MPU concedidas pelos Tribunais de Justiça. No mesmo ano, foram ao menos 694.131 ligações relativas à violência doméstica feitas através do contato 190 das Polícias Militares, chamados de vítimas ou de terceiros buscando ajuda em razão de um episódio de violência doméstica (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021). Na conjuntura em que a violência doméstica ocorre em ciclos que podem se repetir agravando as violências perpetradas, o homicídio nem sempre é premeditado, há circunstâncias em que ele é resultante de uma agressão mais severa que de forma inesperada redundou na morte da mulher. A violência letal contra meninas e mulheres resultou no ano de 2020 em 3.913 homicídios, dessa quantidade uma média de 34,5% foram de feminicídios, 1.350 mulheres foram mortas simplesmente por serem mulheres, pela sua condição de gênero (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2021).
Ainda segundo o Anuário (2021), a maioria dos feminicídios no Brasil têm relação com a violência doméstica e são cometidos pelo companheiro, ex-companheiro ou parceiro íntimo da vítima. Os dados de feminicídio indicam que 81,5% das vítimas foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro íntimo. Porém se forem considerados os demais vínculos parentescos, 9 em cada 10 mulheres foram vítimas pela ação do companheiro ou algum parente, logo, quando esse crime é praticado, eles se tornam os principais suspeitos.
No ano de 2021, houve a retomada do crescimento de um outro problema, os estupros e estupros de vulnerável contra meninas e mulheres, que também é elencado na Lei Maria da Penha como uma das formas de violência doméstica. A partir de dados publicados pelo Fórum brasileiro de Segurança Pública (2021), entre 2020 e 2021 houve um crescimento de 3,7% no número de casos. A violência sexual foi registrada em 56.098 boletins de ocorrência de estupros, incluindo vulneráveis, apenas do sexo feminino. Considerando os casos que chegaram até as autoridades policiais, no ano de 2021, uma menina ou mulher foi vítima de estupro a cada 10 minutos.
A elucidação dos dados da violência contra as mulheres em suas várias formas, convoca à reflexão sobre a efetividade da aplicação das leis de combate à violência doméstica e familiar e do feminicídio aos casos concretos, uma vez que, embora as leis cumpram um papel de grande relevância na contenção da violência, a efetividade da aplicação não se dá de maneira uniforme, visto que, a violência perdura como um dos principais obstáculos para o desenvolvimento do país e a redução das desigualdades.
Vale destacar sobre a importância da coleta de dados feita pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que é singular para que haja uma noção da magnitude do problema. Esses dados vêm mostrando um crescimento exponencial, demonstrando a necessidade para que se determine ações de enfrentamento e combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. A partir da análise de dados, fica explícito que esse aumento multiplicativo comprova que nas relações culturais brasileiras existe uma anuência com a violência praticada contra a mulher.
Percebe-se que um dos principais fatores que impedem a aplicação efetiva das leis, é a elevada cultura machista brasileira, algo que é muito difícil de ser combatido, visto que, tanto homens, quanto mulheres (na maioria das vezes de forma inconsciente) reproduzem discursos e atitu1des machistas reafirmando a ideologia patriarcal no país. Uma estrutura que determina que socialmente os homens são mais importantes e superiores, vê na violência doméstica e familiar apenas a manifestação pelas vias físicas do que simbolicamente é amplamente praticado, ratificando a desigualdade e discriminação baseada no gênero.
Desta forma, a violência e a discriminação contra a mulher violam os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificultando a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constituindo um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família, sendo necessárias medidas que modifiquem o papel tradicional que homens e mulheres desempenham na sociedade (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979).
3. A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA NA PERSPECTIVA DE GÊNERO A PARTIR DE PIERRE BOURDIEU
Em uma breve análise da sociedade contemporânea, nota-se a necessidade da discussão acerca da violência simbólica de gênero, visto que, há uma enorme disparidade quando se trata dos direitos sociais das mulheres, que sempre são vistos como inferiores quando comparados aos dos homens. Há, em todas as esferas do convívio social, um imenso desequilíbrio de poder existente entre homens e mulheres, que impõe às vítimas um lugar social que proporciona um ciclo de violência que nem sempre é percebido.
3.1 A Teoria do Poder Simbólico no contexto do gênero
Inicialmente, torna-se de suma relevância tratar dos aspectos que envolvem o significado e as características da Teoria do Poder Simbólico. Esse poder, que está situado nas entrelinhas sociais, não é algo palpável, nem físico, porém pode ser sentido e observado nas várias concepções e relações sociais. O Poder Simbólico está presente na cultura, na arte, nas mídias e nas demais relações, ele está em todos os lugares, e por ser tão naturalizado, auxilia na manutenção e reafirmação de estruturas desiguais. Bourdieu (2021) consegue explicar a desigualdade não só pelas vias físicas, mas também através dos signos, das vias simbólicas das relações.
O sociólogo francês busca através dessa teoria explicar os mecanismos pelos quais as relações entre dominantes e dominados são percebidas, vivenciadas e reproduzidas com certa cumplicidade entre ambos, sendo considerado algo legítimo e natural (BOURDIEU). Através dessa perspectiva, surgem dois importantes conceitos para análise das produções simbólicas – conceitos internalista e externalista. O primeiro, trata que o significado das produções simbólicas pode ser elucidado sem fazer referência a fatores externos. Por sua vez, o conceito externalista enxerga os fatores externos como de grande importância para elucidação e compreensão das produções simbólicas, ainda que tais produções não sejam de fácil percepção, por ser algo intrínseco socialmente. Tal conceito demonstra vínculo entre as produções simbólicas e as relações de poder.
Analisando os vínculos entre as produções simbólicas e as relações de poder, entende-se os processos pelos quais formas simbólicas legitimam e reproduzem historicamente as relações de dominação, descrevendo, assim, a Teoria do Poder Simbólico. É através dos instrumentos simbólicos socialmente adquiridos e que estão culturalmente disponíveis, que os indivíduos dão sentido e inteligibilidade a suas experiências e concepções do mundo, moldando o comportamento dos indivíduos e da sociedade, corporificando o comportamento social. É através dessa percepção que surgem três outros importantes conceitos: Habitus, Campo e Capital Simbólico (BOURDIEU, 2021).
O habitus pode ser compreendido como estruturas estruturantes que se retroalimentam através da reprodução de ações, tais como formas de agir, pensar, sentir e como isso se coloca na estrutura social ratificando sua existência. A capacidade que os indivíduos têm de absorver e incorporar essa estrutura nas experiências, na socialização e nas formas de moldar pensamentos, sentimentos e ações dentro da sociedade, envolve o lugar que cada indivíduo ocupa socialmente. Em outras palavras, o habitus é o conjunto de comportamentos sociais, que são praticados na maioria das vezes inconscientemente e que vão reproduzir determinadas regras sociais, refletindo estruturas de desigualdades sociais e violência simbólica. Desta forma, para Bourdieu habitus, seria um:
sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes; isto é, como princípio gera e estrutura as práticas e as representações que podem serobjetivamente “regulamentadas” e “reguladas” sem que por isso sejam o produto de obediência de regras; objetivamente adaptadas a um fim,sem que se tenha a necessidade da projeção consciente deste fim oudo domínio das operações para atingi-los, mas sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas, sem serem o produto da ação organizadora de nenhum maestro (BOURDIEU, 1983, p. 15).
O espaço simbólico onde o habitus se contextualiza e se reproduz é conhecido como campo, que não se trata unicamente de um local, ele pode ser compreendido também como um conjunto de estruturas e circunstâncias que permitem que determinados poderes possam se estabelecer. É o espaço de atuação do indivíduo na sociedade. Cada campo possui um conjunto de regras estabelecidas que fazem parecer que o habitus é senso comum e não algo socialmente construído.
Bourdieu ainda trata de diferentes tipos de capitais que formam o habitus e que não é algo exclusivamente econômico. Além dos capitais econômicos, que tratam do dinheiro, das posses e propriedades; dos capitais sociais que tratam das redes de influência e relações sociais e dos capitais culturais que dizem respeito a educação ea bagagem cultural, há também o capital simbólico que se refere a posição social quealguém ocupa através de tudo aquilo que foi capitalizado ao longo da vida.
O capital simbólico não é outra coisa senão o capital econômico ou cultural quando conhecido e reconhecido, quando conhecido segundo as categorias de percepção que ele impõe, as relações de força tendem a reproduzir e reforçar as relações de força que constituem a estrutura do espaço social (BOURDIEU, 2004, p.163). Desta forma, os capitais determinam o habitus, que determina as estruturas sociais, contribuindo para as diferenças e desigualdades. A partir da elucidação de tais conceitos, surgem importantes questionamentos como: Qual o campo da violência doméstica? Quais os habitus que afetam as mulheres? Como o capital se insere nas relações de gênero?
Partindo do pressuposto que campo não se trata unicamente de um local, mas sim de um conjunto de estruturas, existem diversos campos de manifestação que podem variar de acordo com o tipo de violência sofrida. Por exemplo, a violência doméstica contra a mulher, que geralmente ocorre em casa, no âmbito doméstico. Nesse campo a ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, social ou psicológico são os habitus que afetam as mulheres, inferiorizando e colocando-as em situação de vulnerabilidade, e o danos causados a elas, sejam morais ou patrimoniais diz respeito a como o capital está inserido nessa relação.
Deste modo, o poder simbólico é visto por Bourdieu como arbitrariedade legitimada, que ratifica a distribuição desigual de recursos e as relações de dominação dando sustentação para a violência simbólica. Para ele a força simbólica é uma forma de poder que se exerce sobre os corpos, diretamente, e como que por magia, sem qualquer coação física; mas essa magia só atua com o apoio das predisposições colocadas, como molas propulsoras, na zona mais profunda dos corpos (2021, p. 69).
3.2 A Violência Simbólica nas relações de gênero
No que concerne a construção social dos corpos, é perceptível que as diferenças sociais entre os sexos surgem a partir das diferenças anatômicas e biológicas. Um sistema de oposições que enraíza uma ideia de corpo socializado, ressaltando uma necessidade objetiva e subjetiva de inserção em um sistema de oposições homólogas, onde o corpo masculino desempenha uma função ativa, enquanto o corpo feminino desempenha uma função passiva, surgindo então, a estrita divisão das coisas e das atividades (BOURDIEU, 2021).
A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho (BOURDIEU, 2021, p. 26).
O mesmo sistema que cria tais diferenças, contribui naturalizando estas ideias como se as coisas sempre tivessem sido como são, em outras palavras, “A divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas”, como se diz por vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável” (BOURDIEU, 2021, p. 22). Desta forma, a ideia de gênero surge culturalmente para se referir às diferenças sociais entre os sexos, entre o que é feminino e o que é masculino, onde há um intenso afastamento dos homens de tudo aquilo que é considerado feminino, na tentativa de reafirmar sua virilidade e masculinidade.
A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão sexual do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres[...] (BOURDIEU, 2021, p. 24).
A separação entre o masculino e o feminino incorre também em um processo de objetificação da mulher, que por muito tempo teve o matrimônio como única maneira para se obter posição social. Enquanto o homem desempenhava atividades de prestígio e cargos de liderança, sendo socialmente e politicamente ativo na sociedade, a mulher se tornava puro instrumento simbólico, cuja função era contribuir para a perpetuação ou o aumento do capital simbólico em poder dos homens (BOURDIEU, 2021).
Tais divisões de gênero, naturalizadas como se fossem algo inerente a condição humana, reproduzem o estereótipo de diferença entre os gêneros, perpetuando a objetificação da mulher e limitação dos seus direitos. É uma violência em que há a cumplicidade entre quem sofre e quem pratica, sem que ambos tenham consciência de que estão na referida colocação.
Pode-se entender a violência simbólica como um tipo de força, atitudes que podem ou não ser inconscientes e que reproduzem e perpetuam a ideia de mulher objetificada e inferior quando comparada ao homem. Uma corrente de pensamento que a priori atinge as mulheres de forma moral, psicológica e emocional, mas que pode refletir em ações, manifestando-se, em última instância, pelas vias físicas.
Entende-se o simbolismo da violência como algo dissimulado, que está tão enraizado na vivência social que acaba se tornando natural, sendo mascarado nas relações e nas concepções de mundo. Há de forma implícita a anuência inconsciente entre dominado e dominante, e na maioria das vezes é algo imperceptível por ambas as partes justamente por ser costumeiro, trata-se de uma submissão pré-reflexiva. Bourdieu convoca a reflexão sobre os efeitos dessa dominação e a ausência de questionamentos do porquê a sociedade se estrutura de tal forma (2021).
O sociólogo francês trata a violência simbólica como “violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento” (BOURDIEU, 2021, p. 12). Desta forma, o tratamento que é dispensado à mulher, a coloca na posição de que o homem é sujeito socialmente e culturalmente superior a mesma, e que tais denominações são tão frequentes que acabam sendo normalizadas e tidas como algo comum e irrelevante.
4. O CONTRAPONTO DE SIMONE DE BEAUVOIR SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Importante filósofa contemporânea e ativista política pelos direitos sociais das mulheres no século XX, Simone de Beauvoir (2019) em sua principal obra intitulada O Segundo Sexo, foi pioneira ao tratar sobre gênero e a condição de subordinação e inferioridade da mulher a partir de uma perspectiva feminina, relacionando sua tese a argumentos filosóficos. Ao discutir temas que eram tabus como sexo, sexualidade, maternidade, casamento, e a relação entre os sexos, a filósofa francesa consegue atingir os valores patriarcais não só de sua cultura, mas de todo o mundo.
Sua obra, dividida em duas partes, traz no primeiro volume chamado Fatos e mitos, a ideia de que ser mulher é estar em uma categoria dual, oposta a ser homem, de forma a reafirmar uma ordem desigual. Uma vez que, a categoria masculina sempre carrega atribuições positivas e neutras, a feminina traz o oposto, o negativo, imputando-lhe limitações. Desta forma, o homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro (BEAUVOIR, 2019, v. 1, p. 13). Nesse volume, Simone aborda e desmistifica a imagem da mulher construída através de discursos biológicos, psicanalíticos e históricos.
Ao tratar da perspectiva biológica, por exemplo, admite que as diferenças biológicas corroboraram para a construção da ideia de mulher inferiorizada. Entretanto, embora exista uma natureza feminina que se difere da masculina, por si só, isso não é suficiente para justificar, em totalidade, a causa da subordinação das mulheres e o motivo pelo qual elas permanecem inferiorizadas, presas à vida privada, sem conseguir transcender tal qual os homens. Beauvoir identifica que a inferiorização das mulheres não provém de questões relacionadas a natureza, mas sim de uma construção social (2019).
Do ponto de vista psicanalítico, analisa os discursos de dois renomados psicanalistas que afirmam que há um certo complexo de inferioridade por parte das mulheres para com os homens. A filósofa francesa, não nega os discursos, porém afirma que além de partirem do ponto de vista masculino para a compreensão do feminino, trata-se de um discurso dependente de um contexto histórico, ou seja, se de fato existe um complexo de inferioridade por parte das mulheres em relação aos homens, é porque elas se encontram inseridas em um contexto que valoriza muito mais a virilidade que a feminilidade (BEAUVOIR, 2019).
Ao discorrer sobre o materialismo histórico, questiona Friedrich Engels, que, na perspectiva de Simone, parte de um monismo econômico ao considerar que a situação da mulher se dá somente devido a economia. Para ela, as relações entre homens e mulheres suplantam a economia, visto que, independentemente dos fatores econômicos, continua havendo a relação entre ambos. Um exemplo disso são as relações domésticas, que independem desse fator para existir (BEAUVOIR, 2019).
No segundo volume da obra, A Experiência Vivida, Beauvoir diz que ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entro o macho e o castrado, que qualificam de feminino (2019, v. 2, p. 11). É com essa máxima que a filósofa desnuda a ideia de mulher definida pura e simplesmente pelo seu sexo, manifestando o completo oposto, em sua concepção a visão atribuída às mulheres é produto de uma criação cultural da sociedade.
Nota-se que da infância a velhice elas têm sua liberdade reprimida, em contraposição aos homens, que sempre são estimulados desde cedo a demonstrar força, criatividade e energia, exercendo sua liberdade. Há toda uma estrutura que incentiva as meninas e mulheres a abandonar atividades criativas e produtivas, impondo um destino a elas e impedindo que desenvolvam seu potencial para uma vida independente, isso para que elas se aproximem de um ideal de feminilidade.
O casamento se torna então, tradicionalmente, o principal destino oferecido a mulher, a filósofa francesa trata que, em sua maioria, ainda hoje, as mulheres são casadas, ou o foram, ou se preparam para sê-lo, ou sofrem por não sê-lo. É em relação ao casamento que se define a celibatária, sinta-se ela frustrada, revoltada ou mesmo indiferente ante a essa instituição (BEAUVOIR, 2019, v. 2, p. 185). Portanto, o casamento se torna uma instituição com a qual a mulher necessariamente tem que se relacionar, reproduzindo, deste modo, a dependência da mulher que é considerada inessencial em relação ao homem.
Beauvoir mostra que a cada etapa da vida, as mulheres são estimuladas e moldadas para assumir papéis idealizados e submissos, revela uma profunda desigualdade com elas em todos os âmbitos de sua vida. No casamento, na vida política e no mercado de trabalho, o peso da vida doméstica e as grandes dificuldades da maternidade e do matrimônio, que representavam um ideal de felicidade, mostram que a mulher é limitada a uma posição subordinada e secundária, ela é o segundo sexo (2019).
Beauvoir (2019) critica ainda, o projeto que denominou a mulher como Outro do homem. Desta forma, a mulher não é definida em si mesmo, mas em relação ao homem, através do olhar dele, e sob a ótica masculina ela é objeto antes de ser sujeito. Conclui que, a mulher definida como alteridade do homem não é algo natural, é uma ideia socialmente construída e culturalmente adquirida, sendo, portanto, passível de crítica.
Deste modo, o destino do casamento é visto como uma prisão, e para livrar-se dessa dominação e dependência é necessário transcender através de projetos próprios, rompendo as estruturas socialmente criadas. A mulher deve agir, pensar e trabalhar nas mesmas condições que os homens, mesmo que isso implique em dificuldades, como, por exemplo, a dupla jornada. É através do trabalho que a mulher conquista sua independência econômica, e esse é o primeiro passo para que ela se emancipe, conquistando sua própria existência como sujeito, e não objeto.
A condição atribuída a mulher como um produto do biológico é questionada e desnaturalizada. As representações simbólicas atribuídas aos sexos não derivam da natureza, é resultado de uma série de camadas que são postas culturalmente e assimiladas socialmente de modo a menosprezar e inferiorizar as mulheres. Simone de Beauvoir (2019) incita as mulheres a perceberem seu lugar histórico de opressão, ressaltando a necessidade de se libertar, transcender. Com essa obra a filósofa traz um novo sentido para a ideia de gênero, feminilidade e mulher.
Ao concluir que as diferenças entre os sexos são frutos de uma construção social, Beauvoir (2019) traz à tona a conceituação de gênero, que é exatamente as características socialmente criadas e determinantes que atribuem diferenciação entre o que é feminino e o que é masculino. Ela revela uma ferrenha desigualdade inserida nas relações de poder entre os gêneros, que sempre tende a favorecer e reconhecer o masculino, reafirmando uma desigualdade, sendo entendida então, como violência de gênero.
Beauvoir torna essa violência explicita ao abordar em sua obra os papéis socialmente impostos a cada um dos sexos. Enquanto os homens desempenham papéis ativos, relacionados a uma vida pública e independente, e que não vê o casamento como prioridade, as mulheres têm sua liberdade castrada e estão condicionadas a uma vida privada, com papéis passivos e submissos, que tem como principal destino o casamento (2019).
Segundo Beauvoir é muito difícil às mulheres assumirem concomitantemente sua condição de indivíduo autônomo e seu destino feminino (2019, v. 1, p. 339). A autora trata do que hoje é conhecido como dupla jornada, além de desempenharem as atividades domésticas que é um trabalho não reconhecido e não remunerado, no mercado de trabalho, elas acabam recebendo menos por desempenhar a mesma função exercida por um homem. Logo, as mulheres que transcendiam vivenciavam a violência de gênero de forma mais intensa.
Os homens sempre tiveram sua liberdade e seu valor socialmente reconhecidos, enquanto as mulheres sempre tiveram que lutar para conquistar seu espaço social e seus direitos, como, por exemplo, o direito ao voto. Beauvoir (2019) foi protagonista na luta pelos direitos sociais das mulheres, sua obra movimentou e inquietou não só a cultura de seu país, como também a de inúmeros outros países, exatamente por questionar e pôr em causa a supremacia masculina.
Ao analisar a condição feminina, O Segundo Sexo acaba sendo uma manifestação contra a violência simbólica de gênero contra a mulher. Considerada por muitos como “a bíblia do feminismo”, essa obra foi e é de singular importância, visto que, numa sociedade pós-moderna, os direitos das mulheres continuam sendo amplamente violados, sendo necessária a criação de leis com o intuito de coibir essas práticas. Beauvoir tornou explícita a violência perpetrada contra as mulheres e as convocou para lutarem pelos seus direitos.
5 ENCONTROS E DESENCONTROS ENTRE BOURDIEU E BEAUVOIR
Ao pensar sobre a desigualdade de gênero a partir das perspectivas de Pierre Bourdieu (2021) e Simone de Beauvoir (2019), surgem algumas intersecções entre os conceitos e teorias abordadas por ambos os autores. Vale ressaltar, que a obra de Pierre trata de uma visão masculina (dominante), sobre o feminino (dominado), e a relação entre os gêneros (dominação). Enquanto a obra de Simone analisa a condição que a mulher se encontra inserida, a partir de uma perspectiva feminina, ou seja, de quem é prejudicada pela opressão e desigualdade.
Analisando a sociedade cabila, Bourdieu (2021) aborda que, as diferenças biológicas e anatômicas entre os sexos são vistas como justificativa natural para as diferenças sociais, a divisão das coisas e das atividades entre homens e mulheres. Para Beauvoir (2019), tais diferenças influenciam nas divisões sociais atribuídas aos sexos, no entanto, somente isso não justifica toda a ordem desigual que se estabelece entre os gêneros. Para a filósofa, essa desigualdade é produto de uma construção social, que é um fator muito mais determinante que o biológico, para se entender a opressão feminina.
Embora haja desencontros, há um fator em comum entre as obras dos dois autores que é de grande importância social, que é a denúncia da violência simbólica perpetrada contra a mulher. Como, simbolicamente, essa ordem desigual tende a atribuir valor e poder aos homens, favorecendo-os, de forma a prejudicar às mulheres, que sempre são inferiorizadas e têm seu espaço social limitado. A violência simbólica trabalha naturalizando as desigualdades, fazendo com que o que é socialmente construído pareça ser fruto do biológico.
Enquanto para Bourdieu homens e mulheres são, respectivamente, dominantes e dominados, Beauvoir utiliza as expressões sujeito/absoluto e Outro para se referir aos gêneros. Tais categorias, abordadas por ambos os autores, podem ser entendidas como semelhantes, visto que, partem de um sistema simbólico que colocam os sexos em oposição, um sistema dual. Na concepção de Bourdieu, a divisão das coisas e das atividades (não necessariamente sexuais) segundo a oposição entre o masculino e o feminino recebe sua necessidade objetiva e subjetiva de sua inserção em um sistema de oposições (2021, p. 21).
Deste modo, os homens ficam com o polo ativo, eles estudam, trabalham e são incentivados desde cedo a ter uma vida livre, ao passo em que, às mulheres resta o polo passivo, elas são moldadas para assumir papéis de submissão que as silenciam, sua atuação é restrita ao âmbito privado, e seu trabalho, é o doméstico. Beauvoir (2019) discorre que a menina tem sua infância dedicada a transformar-se em mulher, a corresponder a um ideal que objetiva o casamento. Bourdieu (2021) também trata sobre a formação da menina com uma perspectiva semelhante à abordada pela filósofa francesa, no entanto, sem tantos detalhes.
Um pensamento partilhado entre ambos é que essa estruturação social que atribui à mulher um polo passivo, inferior, e destinada ao casamento, incorre em sua objetificação. Beauvoir torna explícita essa objetificação ao tratar que a mulher se define em relação ao homem, e não em si mesmo, que antes de ser sujeito ela é objeto (2019). Bourdieu, ao abordar sobre o mercado matrimonial discorre que as mulheres são vistas como objeto, ou melhor, como símbolos cujo sentido se constitui fora delas e cuja função é contribuir para a perpetuação ou o aumento do capital simbólico em poder dos homens (2021, p. 76).
Beauvoir tem um trabalho mais político, além de entender o destino do casamento como uma limitação, ela dá dicas para que as mulheres consigam alcançar sua independência, aconselhando para que, por exemplo, possuam um emprego remunerado, que alcancem a independência financeira e sejam menos dependentes dos homens. Mesmo que isso implique em mais dificuldades como a dupla jornada e a desvalorização da mão de obra feminina, só assim, elas vão de fato conseguir ocupar os espaços que, majoritariamente, são ocupados por homens (2019).
Há lugares onde ambas as teorias não alcançam, como a transcendência através do trabalho que é abordada por Beauvoir que é claramente direcionada a mulheres brancas e europeias. O discurso de libertação da filósofa não alcança, por exemplo, as mulheres pretas, visto que, elas sempre tiveram que trabalhar, entretanto, isso em momento algum significou para elas o alcance de independência, mas sim o oposto, foi e é uma das principais marcas da violência perpetrada contra a mulher preta.
É inegável a importância e a contribuição da obra de Beauvoir para se pensar a condição da mulher. No entanto, a condição feminina abordada pela filósofa francesa não pode ser tratada com um caráter universal, que corresponda as mulheres em totalidade. É algo que deve ser analisado juntamente com outros aspectos, como, por exemplo, a interseccionalidade, que analisa a realidade social, econômica, racial e cultural ao qual a mulher está inserida, para entender como o sistema opressor causa impacto na sua vida.
A teoria bourdiana também possui algumas limitações, uma vez que, parte de uma visão dominante para com os dominados e a dominação. Deste modo, além de não ter sofrido os reflexos da dominação, sua teoria acaba reforçando o ideal de conhecimento do mundo e das questões sociais a partir de uma perspectiva masculina. Ao analisar de forma isolada a sociedade cabila que possui grandes raízes androcêntricas, sua teoria acaba assumindo um caráter específico para aquele lugar, e, embora alguns aspectos possam ser utilizados para analisar outras sociedades, torna-se necessária uma análise ao contexto histórico e social ao qual a sociedade está inserida, para que se tire conclusões.
6.CONCLUSÃO
A escolha do tema da presente pesquisa se justifica por uma observação pessoal ao longo da vida. Sempre houve o questionamento do porquê mulheres sempre são postas em segundo plano, são minimizadas, discriminadas e violentadas apenas por serem mulheres. Ao longo dos anos de academia houve o despertar para a necessidade de tratar dos aspectos culturais que corroboram para a anuência social e a perpetuação da violência contra a mulher. É um tema de grande relevância pessoal e social.
É de extrema importância que todas as pessoas, principalmente as mulheres, percebam que historicamente as mulheres tiveram seu lugar social limitado e seus direitos violados e que isso não é natural, mas sim produto de uma construção social. Que entendam a necessidade da transcendência para que haja uma maior participação feminina nos espaços sociais, principalmente em posições de liderança, justamente para desmistificar a ideia de inferioridade feminina.
Os principais resultados da pesquisa que foram identificados, foram:
a) A cultura patriarcal machista brasileira é o principal obstáculo para a aplicação efetiva das leis de combate à violência e feminicídio;
b) As diferenças sociais atribuídas ao sexos são frutos de uma construção social, não sendo, portanto, algo natural;
c) A violência simbólica pode se manifestar em última instância pelas vias físicas;
d) A importância de tratar sobre a violência contra a mulher para que se determine ações de enfrentamento ao problema;
e) A necessidade de mais obras de autoria feminina para que se crie um plano simbólico a partir da perspectiva da mulher, fortalecendo o empoderamento feminino;
f) A importância do movimento social feminista para reivindicar e conquistar uma maior participação social da mulher.
Como forma de melhorar a pesquisa, poderia ter sido feita uma pesquisa empírica, no entanto, em razão do curto prazo, a mesma não pode ser realizada. Outro impasse que dificultou a realização da pesquisa foi a burocratização no processo de acesso aos dados acerca da violência na delegacia da mulher e da vara da mulher da cidade de imperatriz, que devido à demora no acesso aos dados, impossibilitou que eles pudessem ser inseridos na pesquisa a tempo.
Há também, a necessidade de atualização das abordagens feministas tanto de Simone de Beauvoir (2019), quanto de Pierre Bourdieu (2021). A inclusão de estudos feministas a partir de uma perspectiva de mulheres pretas e de autoras brasileiras, para que haja uma maior inclusão ao abordar sobre o tema.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected]
[2] As medidas protetivas de urgência foram criadas pela Lei n° 11.340/2006, Lei Maria da Penha, e são mecanismos legais que visam a proteção a integridade ou a vida de uma menina ou mulher em situação de risco.
Graduanda em Direito na Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – IESMA/UNISULMA. E- mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Gabryela de Sá. O corpo e o símbolo: a violência de gênero nas perspectivas de Pierre Bourdieu e Simone de Beauvoir Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2022, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58260/o-corpo-e-o-smbolo-a-violncia-de-gnero-nas-perspectivas-de-pierre-bourdieu-e-simone-de-beauvoir. Acesso em: 22 nov 2024.
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