EDIANA DI FRANNCO MATOS DA SILVA SANTOS
(orientadora)
RESUMO: A violência contra a mulher está cada vez mais presente no meio social, e nesse contexto, pode-se destacar a violência psicológica como uma das formas de agressão. Desse modo, o problema deste estudo sustentou-se por meio do seguinte questionamento: quais os aspectos sociais e jurídicos da violência psicológica contra a mulher à luz da Lei Maria da Penha? A partir deste, apresentou-se como objetivo geral a análise dos aspectos sociais e jurídicos da violência psicológica à luz da Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006. E, como escopos específicos, a descrição e discussão das formas de violência contra a mulher, em especial a violência psicológica, partindo-se de uma análise do art. 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, o que implicou em ressaltar o papel fundamental das redes de apoio frente ao trabalho realizado com mulheres vítimas de violência psicológica. A metodologia se utilizou de estudo bibliográfico e exploratório fundamentado em leituras de doutrinas, jurisprudências e leis que trataram da temática em questão. Os resultados da pesquisa mostraram que a violência psicológica contra a mulher é um problema de saúde pública devido as suas graves consequências e alta prevalência em todas as classes sociais e regiões. Portanto, pode-se dizer que as mulheres mesmo tendo apoio jurídico e legal, através da Lei Maria da Penha, a violência contra esse público ainda é evidente e a maioria dos casos passam despercebidos devido ao medo e à influência ideológica moldada pela sociedade ao longo dos anos.
Palavras-chaves: Violência psicológica contra a mulher. Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006. Consequências da violência psicológica.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 AS DIVERSAS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. 2.1 Machismos invisíveis nas sociedades e nas relações abusivas. 3 LEI MARIA DA PENHA, LEI N° 11.340/2006: SUAS INOVAÇÕES E ALTERAÇÕES. 3.1 A violência psicológica nos termos do art. 7º, inciso II da lei nº 11.340/2006. 3.2 Consequências da violência psicológica. 3.3 O papel das redes de apoio frente ao trabalho realizado com mulheres vítima de violência psicológica. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXOS.
As formas de violência exercidas entre indivíduos em suas múltiplas interações sociais ao longo da história demonstram que a mesma sempre estivera presente nas sociedades. Portanto, dependendo do tipo de violência, pode-se localizá-la em maior ou menor grau nas várias sociedades do mundo. Nesse sentido, no Brasil, a violência contra as mulheres encontra-se cada vez mais presente no dia a dia dos indivíduos, ou poder-se-ia afirmar, que, encontra-se menos acobertada. Assim, na maioria das vezes esta forma de violência ocorre no seio familiar, principalmente no lar, lugar em que o agressor mantém uma relação emocional com a vítima.
A crescente prevalência deste fenômeno entre a população mundial demonstra que trata-se de um problema social e de saúde pública, que afeta a integridade física e psicológica das mulheres, constituindo uma flagrante violação dos direitos humanos. Portanto, a psicologia não pode evitar tentar compreender este problema, dada a magnitude de suas consequências, tanto socialmente como em termos da saúde das mulheres afetadas (BLAY, 2019).
Desta forma, a escolha por este tema surgiu a partir de estudos sobre a violência no contexto da lei de Maria da Penha e na busca por respostas frente ao fato de que algumas lesões infligidas às mulheres nas relações familiares são invisíveis e ao mesmo tempo causam dores e resultados que se manifestam fisicamente: as chamadas agressões psicológicas.
Para tanto, dada a grande importância social deste tema, considera-se que as autoridades públicas deveriam examiná-lo com mais cuidado e atenção, elaborando e desenvolvendo políticas públicas para combater este fenômeno e prestar assistência mais adequada às vítimas desta violência, bem como envolver mais ativamente os pesquisadores no estudo e discussão deste problema para saber o que acontece com as mulheres vítimas desta violência.
Neste contexto, o problema de pesquisa deste estudo questionou quais os aspectos sociais e jurídicos da violência psicológica contra a mulher à luz da Lei Maria da Penha? E, para responder a este questionamento elaborou-se como objetivo geral, a realização de uma análise dos aspectos sociais e jurídicos da violência psicológica à luz da Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006. E, como objetivos específicos, descrever as formas de violência contra a mulher, discuntindo em especial a violência psicológica, partindo-se de uma análise do art. 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, sendo necessário ainda analisar os principais problemas que esse tipo de violência causa, tanto no âmbito psicológico como físico, o que implicou além disso em ressaltar o papel fundamental das redes de apoio frente ao trabalho realizado com mulheres vítimas de violência psicológica.
Para este fim, a metodologia deste artigo consistiu em um estudo desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica e exploratória. Bibliográfica, pois foi realizado a partir de explicações baseadas em doutrinas e Leis pertinentes ao tema analisado. E exploratória, por intentar tornar o problema mais explícito, de modo a fornecer informações para uma investigação mais precisa.
Por fim, este trabalho dividiu-se por meio dos seguintes tópicos e subtópicos: as diversas formas de violência contra a mulher; machismos invisíveis nas sociedades e nas relações abusivas; Lei Maria da Penha, lei n° 11.340/2006: suas inovações e alterações; a violência psicológica nos termos do art. 7º, inciso II da lei nº 11.340/2006; consequências da violência psicológica; o papel das redes de apoio frente ao trabalho realizado com mulheres vítima de violência psicológica e conclusão.
2 AS DIVERSAS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Por não serem vistas como efetivamente autônomas, as mulheres ao longo da história foram visualizadas quase que exclusivamente como passivas dentro dos núcleos sociais dominados por homens. Não por acaso, seu papel social era determinado por seus pais e maridos, portanto, aqueles autorizados a direcionarem o núcleo familiar e a sociedade na qual pertenciam. Assim, as consequências deste “modus operandi” social trouxeram determinadas configurações para diversas sociedades, inclusive a brasileira.
Deste modo, a violência contra as mulheres foi ignorada pela legislação brasileira por muitos anos devido a uma cultura patriarcal na qual as mulheres não eram consideradas uma figura de poder. Portanto, como as mulheres eram consideradas vulneráveis, inferiores à figura masculina, havia uma certa resistência na lei em considerar certos atos como crimes cometidos por homens, como um "mecanismo de defesa" que os movimentos feministas condenam desde os anos 80 (ASSIS, 2018, p. 1508).
Historicamente, desde os primeiros estudos da evolução humana, as mulheres têm sido privadas de certos direitos e sido vítimas de violência, em muitas situações, principalmente por meio da violência doméstica, tornando seu combate uma parte muito importante da expansão dos direitos humanos. Costa (2017) menciona que estes são temas que sempre fizeram parte da "rotina", como a violência doméstica e sexual, os direitos sociais específicos das mulheres, que os chamados movimentos feministas estão cada vez mais colocando na agenda dos debates, tanto a nível nacional como internacional.
Frente a toda essa exposição no que diz respeito à preservação à vida da mulher, o principal defensor internacional dessa questão é a Convenção contra Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), referindo-se a um tratado adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1979, mas que não entrou em vigor até setembro de 1981 e foi ratificado por 188 Estados. O Brasil é um dos países que aderiram à convenção (MARTINS, 2021).
Desse modo, observa-se que a história do Brasil é marcada por profundas desigualdades sociais, e o país continua sendo um dos mais concentradores de renda do mundo, com formas de dominação exercida sobre as mulheres, os negros e os pobres (SAFFIOTI, 2019). Para tanto, essa forma de dominação muitas vezes se caracteriza em violência, em que Cunha e Pinto (2020, p. 22) explicam:
[...] em seu sentido mais amplo, é usar coerção física, psicológica ou intelectual para forçar outra pessoa a fazer algo que ela não quer fazer; é coagir outra pessoa, privando-a de sua liberdade, impedindo-a de expressar seu desejo e vontade sob pena de graves ameaças, incluindo espancamentos, ferimentos ou morte. É um meio de coerção, de submeter outra pessoa ao seu próprio domínio; é uma violação dos direitos humanos fundamentais
Complementando a citação de Cunha e Pinto, existem diversas tipificações de violência contra mulher. Desta forma, de acordo com o artigo 7º da Lei Maria da Penha, estas podem ser de caráter físico, psicológico, sexual, patrimonial e moral. Portanto, a Lei Maria da Penha expõe que a violência física (visual): É aquela na qual o agressor usa a força física contra a mulher, ferindo-a de várias maneiras, como bater, chutar, cortar, etc (BRASIL, 2006). Já a violência psicológica (não-visual, mas muito extensa é conhecida como violência silenciosa, que é generalizada, subjetiva e pouco conhecida, mas que causa danos imensuráveis.
Neste sentido, em se tratando das tantas formas de violência sofridas pelas mulheres, dentre as mais aterradoras, encontra-se a violência sexual. Portanto, a mesma figura conforme explicações da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2018), como:
Qualquer ato sexual indesejado, tentativa de ato sexual ou insinuação sexual, ou qualquer ato destinado a comercializar ou de outra forma explorar a sexualidade de uma pessoa por coerção de outra pessoa, independentemente do relacionamento com a vítima, em qualquer ambiente, incluindo a casa e o local de trabalho (BRASIL, 2018).
Pode-se citar como exemplo deste último tipo de violência, o estupro ocorrido dentro da relação entre o casal. Consistindo em forçar um ato sexual involuntário, mesmo dentro de um relacionamento. Tratando-se de um crime no qual o desconhecimento das pessoas faz com que este crime persista.
Um outro tipo de violência também pouco evidente, é a violência patrimonial que pode ser definida como qualquer ato contra a mulher que envolva a privação, destruição ou retenção de papéis, objetos ou bens pessoais e valiosos. E, além desta, a violência moral, fortemente recorrente em redes sociais, especialmente por meio de publicações desonrosas, consiste no prejuízo da honra ou a reputação da vítima (BRASIL, 2006). Embora sejam classificadas separadamente, estas formas de violência estão intimamente relacionadas, pois originam-se de justificativas diversas, mas afetam o mesmo foco: a mulher.
2.1 Machismos invisíveis nas sociedades e nas relações abusivas
O machismo se baseia na ideia de superioridade masculina sobre a feminina. Esta estrutura é descrita como um sistema de representações simbólicas e tem o efeito de induzir os sujeitos a acreditar numa farsa de igualdade, dominação e subordinação entre homens e mulheres, usando o raciocínio e as relações de gênero para dividi-los em um polo dominante e dominado, o que é frequentemente aceito na condição de objeto. Segundo instrui Barreto (2019):
Machismo, como um sistema ideológico, fornece modelos de identidade para elementos masculinos e femininos, desde cedo, o menino e a menina entram em certas relações que estão além de seu controle e moldam sua consciência, por exemplo, o senso de superioridade do menino pelo simples fato de ser homem e, inversamente, o senso de inferioridade da menina (BARRETO, 2019, p.81).
Nesse contexto, e apropriando-se da realidade sexual, o machismo, em um efeito de mistificação, suprime a representação das relações de poder. Assim, o machismo começa a representar e a colocar em prática a dominação do homem sobre a mulher na sociedade. Este sistema de preconceito, é implementado principalmente no ambiente familiar, onde as regras e normas da vida social são formadas (DEMOLINARI, 2017).
Assim, cada pessoa é solicitada a assimilar tudo o que a cultura considera importante no processo de viver em sociedade, e é a partir desta bagagem que uma certa norma pessoal de masculinidade é inserida. Demolinari (2017) explica ainda que as mulheres são o principal alvo do machismo. Logo, a humanidade evoluiu sob a opressão da mulher e mudou completamente para uma visão de mundo masculina. Embora muito progresso tenha sido feito hoje, ainda há muito trabalho e luta a ser feita nesta área.
Entretanto, de acordo com Silva (2019) o machismo é uma forma de opressão de gênero que não é dirigida especificamente contra os homens, mas contra a estrutura da sociedade. A opressão se manifesta de muitas maneiras: salários das mulheres, direitos ainda não conquistados, pesquisas médicas sobre o corpo das mulheres ainda não realizadas, dentre outras.
Nesse sentido, Silva (2019) ainda chama atenção para as causas do machismo, pois a repressão, além da própria violência física, pode levar a problemas emocionais, cognitivos e comportamentais, tais como transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ataques de pânico e outros distúrbios psicológicos.
Neste contexto, a violência psicológica é a mais difícil de ser detectada, pois pode ser invisível. Quando uma mulher é oprimida, silenciada e manipulada psicologicamente e emocionalmente, vários problemas surgem. A baixa autoestima, a depressão, os ataques de ansiedade e até mesmo a síndrome do pânico frequentemente aparecem e agravam o abuso. Assim, muitas mulheres desconhecem a existência deste abuso, por isso o comportamento é considerado normal.
Um exemplo deste comportamento é o discurso de Marina, o nome fictício de uma mulher de 26 anos que optou por não se identificar. Ela tinha sido abusada por dois anos. Seu testemunho foi descrito pelo jornalista Carretero (2022), em uma entrevista para o site El País:
Ele discutiu sobre tudo. Tudo era questionável. Mesmo coisas que não podiam ser discutidas, como meu estado de espírito ou meus sentimentos. Tudo era meu exagero, minha ficção ou minha paranoia. [...] Por isso, no final, acreditei nele. Parei de dar minha opinião, de reagir e de me expressar. Fui completamente anulada como pessoa e ele tinha controle total sobre mim. Eu me senti impotente, [...] eu me preocupava todos os dias para não desagradá-lo, para não decepcioná-lo. “Isto não é abuso", disse-me um amigo. Você está exagerando.... Isso me fez sentir pior. O pior golpe que recebi foi quando decidi escrever uma queixa contra ele. Quando eu não podia mais fazê-lo porque ele me insultou, me menosprezou, me causou ansiedade e problemas psicológicos. Fui ao tribunal e eles abriram o processo. Disseram que não era abuso, que não havia provas [...] eu até pensei: Espero que ele me arrebente a cabeça. Eu queria que ele me espancasse, que fosse ao juiz com sangue e me obrigasse a me afastar dele.
Observa-se por meio do relato da vítima que um relacionamento abusivo pode piorar o estado psicológico da vítima se for prolongado com o tempo. Esta pode não ser capaz de encontrar uma saída para o relacionamento ou mesmo acreditar que a mudança é possível e que ela mesma pode fazer isso por si só. Rejeição, desprezo, baixa autoestima e, acima de tudo, medo de não poder seguir adiante são os sintomas mais comuns para aqueles que sofreram este trauma em suas vidas.
3 LEI MARIA DA PENHA, LEI N° 11.340/2006: SUAS INOVAÇÕES E ALTERAÇÕES
É sabido, que quanto às inovações e modificações introduzidas na Lei 11.340/2006, esta visa eliminar e reprimir todas as formas de violência contra a mulher no lar ou na família. Assim sendo, a mesma é o resultado de uma luta liderada por organizações internacionais de direitos humanos, visa cumprir com as disposições da Constituição Federal de 1988, que estipula isso. “Art. 226. A família, base da sociedade, goza da proteção especial do Estado. (...) § 8º O Estado ajuda a família, através de cada um de seus membros, estabelecendo mecanismos para reprimir a violência em suas relações” (BRASIL, 1988).
Destarte, o principal objetivo da Lei 11.340/2006 é proteger a família como uma instituição social sob a tutela do Estado. Nesse sentido, uma série de mecanismos foi implementada para facilitar a existência de uma forma específica de apoio estatal às mulheres vítimas de violência doméstica perpetrada por membros da família, cônjuges ou pessoas em estreito contato com a família. Desse modo, através de uma política pública inovadora, o Estado estabelece mecanismos que permitem às mulheres proteger seus direitos fundamentais. “A Lei 11.340/06, portanto, não cria novos delitos penais, mas introduz disposições novas e complementares aos delitos penais já contidos em outras leis” (PORTO, 2017, p.31).
Neste ínterim, os tipos criminais já existentes no Código Penal brasileiro, mas que não foram especificamente classificados como violência de gênero ou doméstica e familiar contra a mulher, receberam um regime legal especial na Lei 11.340/2006, menos generalizado, que permite que o abuso contra a mulher seja considerado como uma forma de agressão que não a agressão física, a manifestação mais comum deste tipo de crime.
Desse modo, esta lei introduziu uma inovação ao discriminar os tipos de violência contra a mulher, agrupando-os em cinco formas, que não podem mais ser comprovadas por feridas no corpo e só são visíveis a olho nu. Humilhação, degradação, privação de bens materiais, recursos econômicos e crimes contra a honra são agora considerados como tipos de abusos que podem ser exercidos e sofridos no ambiente doméstico e familiar em que a mulher vítima vive (BRASIL, 2006).
Assim sendo, a Lei 11.340/2006 é revolucionária em comparação com outros instrumentos legais como o Código de Processo Penal brasileiro, principalmente porque trata a violência contra a mulher como uma forma de violência de gênero exercida sob a proteção das diferenças impostas por uma sociedade patriarcal que considera a superioridade ou dominação de um sexo sobre o outro (DIAS, 2017).
De acordo com a análise feita anteriormente, a violência que ocorre no lar ou no ambiente familiar é imposta ou cercada por diferenças de gênero e considerada discriminação, preconceito e não pode ser tolerada pela sociedade, nem pelo próprio Estado (HERMANN, 2022). Hermann, ainda destaca que a inovação da lei também está no fato de que não só os atos contra a mulher podem ser considerados violência doméstica e familiar, mas também a inação diante de qualquer forma de violência conhecida e não denunciada. Além disso, a Lei 11.340/2006 não limita mais a violência contra as mulheres à violência física, mas leva em conta outras formas de violência, tais como a violência psicológica, patrimonial e moral.
Nesse contexto, o Código Penal, em relação aos danos corporais, em sua consideração como crime não faz distinção entre os sexos de uma pessoa. Em outras palavras, não faz distinção entre crimes de violência doméstica cometidos por homens contra mulheres, mas, em geral, ele só pune quando um crime foi cometido contra a integridade física ou a saúde de uma pessoa (BRASIL, 2015).
Assim, as lesões corporais causadas pela violência doméstica são típicas, independentemente do sexo. Portanto, os homens também podem ser considerados vítimas de violência doméstica nos termos do Código Penal (DIAS, 2017). Como resultado da Lei Maria da Penha, a pena mínima foi reduzida de seis para três meses e a pena máxima foi aumentada de um ano para três. Outra modificação no Código Penal referente a danos físicos foi aumentar a pena em um terço se o crime for cometido contra uma pessoa incapacitada, esta modificação foi introduzida pela Lei 11.340/2006.
Diante do exposto, no caso de violência doméstica causando lesões corporais graves ou lesões corporais resultando em morte, cometida contra uma pessoa incapacitada, a pena é aumentada em um sexto. Ao aumentar a pena máxima para crimes de violência doméstica, o agressor não tem mais direito a certas vantagens, tais como conciliação, indenização e suspensão condicional do caso (DIAS, 2017).
Outra inovação é que a Lei 9.099/95 em relação a violência contra a mulher, não se aplica mais aos crimes de violência doméstica e familiar, portanto, as medidas de descriminalização da Lei dos Juizados Especiais Criminais não serão mais aplicadas nos casos de lesões menores. Isto significa que não haverá mais nenhuma possibilidade de revogação ou suspensão condicional do processo, uma vez que este tipo de delito, que implica em uma pena máxima de três anos, não será mais tratado pelos Juizados Especiais Criminais. Assim, a opção de conciliação ou abandono da vítima, uma vez apresentada a queixa, é agora eliminada. No entanto, a opção de representação continua sendo um direito da vítima, que pode decidir se deve ou não processar o infrator (PORTO, 2017).
Por conseguinte, a Lei 11.340/2006 não alterou a pena pelo crime de ameaça a uma mulher em situação de violência doméstica ou familiar contra ela, mas os tribunais de violência doméstica e familiar contra a mulher são agora tribunais competentes e não tribunais penais especiais. No entanto, a reconciliação ainda é possível nestes tipos de delitos. Por exemplo, em uma audiência preliminar perante o tribunal em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a vítima pode renunciar a seu direito de representação e chegar a um acordo com o agressor (PORTO, 2017).
Dessa forma, a Lei 11.340/2006 reconhece as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, como um delito de conduta. Do mesmo modo, ela caracteriza o crime e estabelece a sanção para cada forma de violência. A lei não criou novos tipos de crimes, mas ajustou os tipos de violência doméstica que os complementavam. Portanto, a violência psicológica também é considerada uma forma de violência contra a mulher e é punível. Porque, embora não visível, este tipo de violência causa distúrbios mentais e alterações emocionais (ZACARIAS, et al., 2019).
Ainda segundo Zacarias, et al., (2019), mais uma inovação relevante é o direito das mulheres de não trabalhar por seis meses sem risco de demissão se elas acreditam que estão em situação de risco pessoal e precisam manter sua integridade física ou psicológica. Neste segmento, seguem outras inovações da Lei 11.340/2006:
Disposição de que a violência doméstica contra a mulher não depende da orientação sexual; disposição de que a mulher só pode retirar as acusações no tribunal; proibição de a mulher cumprir uma intimação ao agressor; disposição de que a mulher vítima de violência doméstica deve ser informada do processo, mesmo quando o agressor entra e sai da prisão; disposição de que a mulher tem o direito de ser acompanhada por um advogado ou consultor em todos os processos; modificação do Código de Processo Penal para que o tribunal (BRASIL, 2006).
Diante do exposto, a lei introduz aspectos inovadores em relação ao Código Penal brasileiro e às leis anteriores, pois limita a possibilidade da mulher vítima de violência doméstica e familiar renunciar ao seu direito de denunciar o agressor, ao mesmo tempo em que concede maior proteção legal à mulher, tornando mais eficaz a prisão e punição da agressora, obrigando-a a submeter-se a tratamento psicológico para permitir sua recuperação; agrava a violência contra as mulheres com deficiência e, assim, a torna mais vulnerável.
Destaca-se também que a lei abre novos caminhos ao reconhecer que a violência contra a mulher ocorre na esfera familiar ou doméstica, qual seja:
Art. 5º. Para os fins desta lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher é definida como qualquer ação ou omissão baseada no sexo que produza morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou material I - no ambiente familiar, entendido como o espaço no qual as pessoas, com ou sem laços de parentesco, vivem juntas constantemente, mesmo que o façam esporadicamente; II - na família, entendida como uma comunidade formada por pessoas que estão, ou são consideradas relacionadas, unidas por laços naturais.
Parágrafo. As relações pessoais referidas neste artigo são independentes da orientação sexual (BRASIL, 2006).
Conforme consta o artigo 5º, uma das inovações da Lei 11.340/2006 é que ela se baseia não apenas no ato de violência contra a mulher, mas também na não-ação da violência de gênero na esfera doméstica e familiar. A lei estabelece que a violência contra a mulher, incluindo a cometida por cônjuges, familiares ou parentes, é punível independentemente das escolhas sexuais da mulher, seja ela homossexual ou não. Esta lei pode ser vista como um marco na história da luta pelos direitos da mulher no Brasil (GOLDENBERG, 2021).
Neste ínterim, em termos do Estado de direito, a lei Maria da Penha foi um passo à frente e um passo atrás. É um avanço no sentido de estabelecer diretrizes importantes para fortalecer um sistema integrado e coordenado para proteger o cuidado e a valorização da vítima e para prevenir atos violentos nas relações domésticas e familiares. É regressivo no sentido de que a repressão criminal é revalorizada e o severo sistema penal recupera um lugar privilegiado na luta contra a violência doméstica, como era o caso antes da criação dos Juizados Especiais Criminais pela Lei 9090/95, há mais de cinquenta anos, sem resultados efetivos em termos de prevenção e proteção das vítimas (HERMANN, 2022).
Também foram feitos progressos em dar maior importância à vítima de violência e em estabelecer mecanismos legais e instituições eficazes para proteger a vítima, bem como no tratamento do abuso físico na família e no lar em detrimento da mulher como um crime de natureza mais ofensiva que não admite penas alternativas (RODRIGUEZ; ARAÚJO, 2019).
A Lei Maria da Penha, portanto, representa um avanço para o sistema judiciário brasileiro, pois reconhece outras formas de violência além da violência física e admite a realidade da violência cujas lesões e consequências não são visíveis a olho nu.
3.1 A violência psicológica nos termos do art. 7º, inciso II da lei nº 11.340/2006
Como já mencionado nas seções anteriores, existem várias formas de violência contra a mulher, e nesta seção, dar-se-á ênfase à violência psicológica. Pode-se dizer que os abusos psicológicos são muitas vezes invisíveis. A princípio, pode ser confundido com afeto excessivo, levando a mulher a acreditar que o abusador se preocupa com ela. Com o tempo, a situação se agrava: insultos, humilhação, ameaças e gaseificação, manipulação para desacreditar a percepção e a saúde mental da vítima.
De acordo com o artigo 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, uma forma de violência doméstica e familiar contra a mulher é a violência psicológica. Esta é caracterizada como qualquer comportamento que seja emocionalmente prejudicial e diminua sua autoestima, ou que perturbe e interfira em seu pleno desenvolvimento, ou que vise humilhá-las ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões através de ameaças, constrangimento, manipulação, isolamento, vigilância constante, assédio permanente, abuso, dentre outros (BRASIL, 2006).
Observa-se que a violência psicológica pode ser o resultado de um ato deliberado ou negligência que prejudique o equilíbrio psicológico de uma mulher, destruindo sua autoestima e autodeterminação. É inegável que a violência psicológica constitui uma clara violação do direito fundamental à liberdade e envolve uma lenta e contínua destruição da identidade da vítima e de sua capacidade de reação e resistência (HERMANN, 2022).
Neste contexto, esta proteção da autoestima e da saúde psicológica da mulher não existia em lei, mas a violência psicológica "foi incluída no conceito de violência contra a mulher na Convenção Interamericana para a Prevenção, Punição e Erradicação da Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará" (DIAS, 2072, p. 78).
Para tanto, embora necessariamente ligada a todas as outras formas de violência doméstica, a violência estritamente psicológica tende a ser difícil de ser estabelecida porque nem sempre ela começa de repente. Pelo contrário. Na maioria dos casos, o comportamento do agente continua por algum tempo sem que a vítima esteja ciente disso. A este respeito, Dias (2017, p. 67) afirma que a vítima muitas vezes desconhece que "a agressão verbal, o silêncio prolongado, a tensão, a manipulação de ações e desejos são violência e devem ser denunciados”.
Neste sentido, Fiorelli e Mangini (2020) apontam que, com o passar do tempo, um simples olhar pode ser suficiente para assustar ou ofender, e a pessoa se encontra em um estado duplo: tanto dando como recebendo violência psicológica. Também é importante lembrar que a violência psicológica está inextricavelmente ligada ao conceito de ameaça, que é considerada para fins de proteção na configuração de "ameaça grave", ou seja, entendida quando uma mulher muda seu comportamento após a violência e acaba se sentindo assustada e insegura, ou mesmo perseguida (SILVA; COELHO; CAPONI, 2017, p. 102).
Contudo, Silva, Coelho e Caponi (2017) acrescentam ainda que apesar de estarem conscientes da violência de que são vítimas, ainda hoje, quase dezesseis anos após a entrada em vigor da Lei 11.340/2006, muitas mulheres continuam relutantes em denunciar a violência sofrida por seus parceiros. Isto ocorre por várias razões: Medo de ferir a preservação da unidade familiar, vergonha de ser descoberta, desconfiança em relação ao sistema judiciário, etc. Nota-se, então, como é difícil para uma vítima denunciar violência psicológica, seja porque ela desconhece que certos comportamentos podem ser qualificados como tais, ou porque ela não está em condições de reagir a tal agressão.
Frente a esta situação, o papel desempenhado pelos profissionais envolvidos parece ainda mais fundamental do que em outras formas de violência doméstica, desde policiais na delegacia até juízes em tribunais especializados em violência doméstica e familiar, uma vez que muitas vezes são eles que podem prestar esclarecimentos às vítimas e promover as precauções necessárias a serem tomadas (DAVID, 2020).
Desta maneira, os juízes do tribunal podem ser assistidos por uma equipe multidisciplinar, que geralmente é composta por profissionais de saúde, psicologia dentre outros. O trabalho desenvolvido por essas equipes multidisciplinares é muito relevante para a violência psicológica. O maior problema com esta modalidade, como mencionado, continua sendo a identificação da violência, já que os atos e comportamentos do agressor muitas vezes parecem não estar relacionados com o conceito de violência (SILVA; COELHO; CAPONI, 2017).
De fato, é inegável que no caso de abuso psicológico, a capacidade da vítima de resistir a qualquer violência diminui gradualmente, enquanto ela se torna suscetível a outros tipos de violência (FIORELLI; MANGINI, 2020). Assim, deixar um relacionamento abusivo é um processo longo e doloroso. Infelizmente, esta é uma realidade que persiste até hoje, embora a Lei Maria da Penha tenha feito progressos na luta contra a violência doméstica.
3.2 Consequências da violência psicológica
Como já mencionado neste estudo, a violência psicológica é uma das formas mais comuns de abuso, a mais difícil de detectar, mas o dano psicológico é muitas vezes devastador, pois ocorre em silêncio, e, a vítima lida diretamente com o agressor e porque vivem sob o mesmo teto, muitas mulheres não denunciam seus parceiros, simplesmente porque não acreditam que sejam vítimas de uma forma de violência. É necessário, portanto, mostrar as consequências destes atos sobre a vida das vítimas.
Cerqueira (2019) enfatiza que esta forma de violência acaba causando uma série de problemas de saúde agudos e crônicos, desde traumas diretos até problemas de saúde mental, incluindo infecções sexualmente transmissíveis. As mulheres sobreviventes da violência doméstica têm mais problemas de saúde e comportamentos de risco do que as mulheres que não sofreram tal agressão, o que tem implicações para os sistemas de saúde dos países como um todo.
Cunha e Pinto (2018, p. 111) mencionam que na concepção psicológica, e esta é talvez a mais grave, as sequelas são:
Insônia, isolamento social, seja forçada quando o agressor proíbe a mulher de sair, ou voluntária, quando a mulher escolhe não sair porque sabe que se ela sair com seus amigos ou família, seu parceiro encontrará um motivo para discutir e, para evitar provocar novos conflitos no casal, ela escolhe voluntariamente não sair, um sentimento de vazio. Dificuldade em estabelecer confiança e laços saudáveis em um relacionamento que pode durar a vida inteira, transtornos alimentares, depressão, sensação de não conseguir a independência econômica, pois muitas são forçadas a deixar sua renda para o abusador, medo constante; baixa autoestima, ansiedade, altos níveis de estresse síndrome do pânico, culpa, problemas com álcool e drogas, transtorno de estresse pós-traumático, comportamento codependente, etc.
Diante de todos esses impactos, Cerqueira (2019) acrescenta que os custos sociais e econômicos dessa violência são bastante relevantes e afetam toda a sociedade, desviando recursos de diferentes setores. Os custos diretos para o sistema de saúde, o sistema jurídico, o cuidado infantil e a proteção social, assim como os custos indiretos, como a perda de salários, produtividade e capacidade, são apenas uma parte do que a sociedade paga pela violência contra as mulheres.
Neste segmento, é necessário também enfatizar que este tipo de violência afeta não apenas a vítima, mas também sua família. As crianças podem ser severamente afetadas, pois testemunham constantemente o abuso, internalizam o comportamento e o reproduzem. Assim, para a sociedade como um todo, os filhos são criados com pensamentos e comportamentos machistas e não há fim à vista para este problema de saúde pública (RODRIGUES; ARAÚJO, 2019).
Portanto, é justo ressaltar que todas estas consequências podem levar a duas situações fatais: o suicídio, quando a vítima não vê saída para seu sofrimento, e o feminicídio, quando degenera em violência física levando à morte.
3.3 O papel das redes de apoio frente ao trabalho realizado com mulheres vítima de violência psicológica
A criação e o fortalecimento da rede de apoio às mulheres em situações de violência deve ser vista no contexto dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres I e II (PNPM) e, em particular, da Política Nacional e do Pacto contra a Violência contra a Mulher, que definem os conceitos, diretrizes e ações para prevenir e combater a violência. No período anterior à criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a ação do governo não se transformou em uma política de combate à violência, mas se concentrou na presença de delegacias especializadas em assistência às mulheres (Deams) e no encaminhamento das mulheres para abrigos (BRASIL, 2018).
Dessa forma, a infraestrutura social de assistência às mulheres em situações de violência à disposição da sociedade ainda é muito precária, tanto em termos do número de serviços oferecidos como da falta de coordenação entre os serviços para formar uma rede.
A criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) foi um passo importante no desenvolvimento de uma rede de apoio às mulheres em situação de violência, pois garantiu os recursos necessários para a criação de serviços e a implementação de uma política pública integrada de combate a agressão contra a mulher. Portanto, com a criação do SPM em 2003, as ações assumiram uma nova dimensão: foi lançada a Política Nacional de Combate à Violência contra a Mulher, fornecendo diretrizes para uma ação coordenada das autoridades públicas nas três esferas federais (TAQUETTE, 2017).
Neste sentido, uma inovação importante foi a promoção do trabalho em rede de todos os serviços que apoiam as mulheres em situações de violência, a fim de prestar serviços integrados. Em 2007, foi lançado o Pacto Nacional de Combate à Violência contra a Mulher, consolidando a necessidade de uma rede abrangente de assistência às mulheres em situações de violência (BRASIL, 2007).
Destarte, a ação do poder público não deve se limitar ao apoio a serviços de emergência e campanhas individuais, mas deve ser dirigida de forma mais ampla às seguintes atividades, que incluem, além do apoio a serviços especializados, a qualificação de agentes públicos na área de prevenção e assistência, o estabelecimento de normas e padrões de atendimento, o aperfeiçoamento da legislação, a promoção de redes de serviços, o apoio a projetos educacionais e culturais para a prevenção da violência e a melhoria do acesso das mulheres à justiça (BRASIL, 2018).
Neste contexto, além do Pacto Nacional e das políticas contra a violência, a adoção da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, em 2005, podem ser citadas como passos importantes no fortalecimento da rede contra o abuso a mulher e da rede de assistência às mulheres vítimas de violência. Assim, conforme esta legislação
A Lei Maria da Penha estabelece, como estratégia de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, que "a assistência à mulher em situações de violência doméstica e familiar deve ser prestada de forma clara e de acordo com os princípios e diretrizes estabelecidos na Lei Orgânica de Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, além de outras normas e políticas de proteção pública, bem como em situações de emergência, quando necessário" (BRASIL, 2006, Artigo 9).
Além disso, a lei prevê a criação de serviços especializados para acompanhar casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, tais como: centros de apoio à mulher; abrigos; núcleos de defesa pública; serviços de saúde especializados e centros forenses, centros de justiça de defesa pública, centros de assistência social; centros de assistência social para vítimas de violência doméstica, Centros de educação e reabilitação de espancadores, Centros para o julgamento e educação de espancadores (todos no Artigo 35) e tribunais de violência doméstica e familiar contra a mulher (BRASIL, 2006, Artigo 29).
Nesse ínterim, Heilborn (2019), destaca que como norma legal, a projeção da criação de serviços especializados reforça a responsabilidade dos governos (particularmente o Estado e os municípios) na implementação de políticas públicas de combate ao abuso contra a mulher e formaliza a necessidade de uma rede coordenada e intersetorial para ajudar as mulheres em situações de violência.
Para tanto, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, foi criada pela SPM em 2005, para informar as mulheres em situações de violência sobre seus direitos e os serviços disponíveis para responder às suas solicitações. A central é um número público acessível gratuitamente às mulheres em todo o país, representando assim um importante passo em frente na divulgação e acessibilidade dos serviços da rede de apoio às mulheres.
De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: "é responsabilidade do escritório central encaminhar as mulheres à rede de serviços mais próxima, assim como fornecer informações sobre outros serviços disponíveis para combater a violência" (BRASIL, 2007a). Assim, a criação do Central de Assistência à Mulher representa a criação de um novo elo na rede de apoio à mulher em situações de violência, além de serviços como abrigos, centros de referência de assistência à mulher e delegacias de polícia.
Diante disso, além de aumentar a visibilidade dos serviços da rede de assistência para o público em geral e para mulheres em situação de violência, e servir como porta de entrada para os outros serviços da rede, a central de informação também serve como uma ferramenta de monitoramento para cada uma dessas instituições públicas, é uma importante fonte de informação sobre a qualidade da assistência prestada em serviços especializados e não especializados, e contribui para a avaliação das políticas públicas contra a violência.
Ainda ao que concerne a criação e fortalecimento da rede de atendimento à mulher em situação de violência, é importante notar a mudança de sua conceituação, com o nome adotado em 2010 sublinhando seu significado mais amplo: Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Assim, a crescente complexidade da rede de assistência e o surgimento de novos parceiros exigiu uma revisão de sua conceituação para incluir atores sociais que antes não eram considerados no combate à violência contra a mulher, tais como: agências de políticas para mulheres, serviços de treinamento e prestação de contas para agressores, coordenadores das DEAMs, centros de gênero em ministérios, centros antitráfico, etc (HEILBORN, 2019).
Essas agências e serviços, embora não estejam diretamente envolvidos na assistência às mulheres em situações de violência (e portanto não constituem uma rede de apoio), desempenham um papel importante no combate e prevenção da violência e na garantia dos direitos das mulheres, e fazem parte da rede de combate à violência contra a mulher, que inclui não apenas os serviços responsáveis pela assistência, mas também as agências governamentais e não governamentais que formulam, tributam e implementam políticas para as mulheres, universidades, movimentos de mulheres, etc.
Ao final deste estudo, observou-se que a violência contra a mulher é um fenômeno de múltiplas causas motivadas pela própria sociedade ao longo dos séculos. É o resultado de anos de opressão da mulher e de uma cultura machista herdada do patriarcado, assim como da negligência do Estado e da própria sociedade, que contribuem para a generalização da violência doméstica e familiar no Brasil.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência contra a mulher um problema de saúde pública devido a suas graves consequências e alta prevalência em todas as classes sociais e regiões. É um mal que afeta toda a sociedade porque o que se vivencia no ambiente familiar se reproduz no meio social e, portanto, a intervenção pública na esfera privada nestes casos é uma garantia dos direitos da mulher.
A Lei Maria da Penha é um instrumento importante na luta contra a violência à mulher em nosso país, mas no que diz respeito à violência psicológica, a lei ainda precisa de desenvolvimento jurídico. Poder-se-ia dizer que a sociedade como um todo subestima este tipo de violência porque não há muitos casos relacionados a ela no sistema judiciário brasileiro.
É importante ressaltar que a violência não pode ser erradicada pela simples adoção de uma norma legal se os princípios nela contidos não forem internalizados individual e coletivamente na sociedade. Por este motivo, homens e mulheres devem participar deste processo através da educação, da promoção de debates sobre gênero, igualdade e respeito e da implementação de políticas públicas eficazes para prevenir e combater as violações de direitos.
É crucial desenvolver ações conjuntas que contribuam para enfrentar a violência contra a mulher através de interpretações que vão além daquelas previstas por lei, para receber a punição digna e aos pés do crime cometido, uma vez que a violência psicológica é de fato considerada um crime de dano físico contra o cônjuge da vítima.
Pode-se dizer que a violência psicológica contra a mulher é tão ou mais prejudicial que a violência física porque, como foi estabelecido ao longo deste estudo, em muitos casos este tipo de agressão deixa marcas no corpo físico que geralmente são irreparáveis por um longo período de tempo, o que a caracteriza como um crime de lesão corporal.
Portanto, o mundo deve mudar, e com ele as ideias sexistas da sociedade. Novos conceitos de justiça devem ser criados para que as mulheres possam seguir um procedimento legal adequado e sentirem-se apoiadas em seus esforços, confiantes de que a violência psicológica que sofrem é de fato muito grave e deve ser tratada com respeito e determinação para que um dia, quem sabe, ela possa desaparecer da sociedade como um todo.
Por fim, para o que este trabalho se propôs, a saber, realizar uma análise acerca dos aspectos sociais e jurídicos da violência psicológica à luz da Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006, descrever as formas de violência contra a mulher, discutindo em especial a violência psicológica, a partir de uma análise do art. 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006. Desse modo, foi necessário analisar os principais problemas que esse tipo de violência causa, tanto no âmbito psicológico como físico e assim ressaltar o papel fundamental das redes de apoio frente ao trabalho realizado com mulheres vítimas de violência psicológica, considera-se que os mesmos foram contemplados por meio da metodologia adotada proposta como um estudo bibliográfico e exploratório fundamentado em leituras de doutrinas, jurisprudências e leis referentes ao tema.
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Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
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