FÁBIO ARAÚJO SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo discorreu sobre a possibilidade da condenação baseada apenas na palavra da vítima nos crimes contra a dignidade sexual. O problema principal do estudo é: pode o acusado em sede de crime praticado contra a dignidade sexual ser condenado exclusivamente em razão da palavra da vítima?. Desse modo, foram abordadas as matérias de direito penal, processo penal e constitucional. A técnica de pesquisa empregada foi a bibliográfica. Foram utilizados livros, artigos e jurisprudências neste estudo. Concluiu-se que, sim, é possível a condenação do acusado baseada na palavra da vítima, desde que esteja em consonância com as demais provas, uma vez que esta palavra possui grande relevância no processo penal.
Palavras-chave: Provas criminais. Crimes sexuais. Fragilidade da condenação. Palavra da vítima.
ABSTRACT: This article discussed the possibility of conviction based only on the victim's word in crimes against sexual dignity. The main problem of the study is: can the accused in the context of a crime committed against sexual dignity be condemned exclusively on the basis of the victim's word?. In this way, matters of criminal law, criminal and constitutional procedure were addressed. The research technique used was bibliographic. Books, articles and jurisprudence were used in this study. It was concluded that, yes, it is possible to condemn the accused based on the victim's word, as long as it is in line with the other evidence, since this word has great relevance in the criminal process.
Keywords: Criminal evidence. Sex crimes. Fragility of condemnation. Victim's word.
Sumário: 1. Introdução. 2. Dos crimes contra a dignidade sexual. 3. A valoração da palavra da vítima nos crimes contra a dignidade sexual. 4. Síndrome da mulher de Potifar. 5. Do livre convencimento do juiz. 6. Meios de prova. 6.1 Da acareação. 6.2 Da prova pericial. 6.3 Da prova documental. 7. Entendimento dos Tribunais quando não há outro meio de prova senão a palavra da vítima. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei n. 12.015/2009, sobreveio inovações, alterações e revogações, sobretudo no tocante aos crimes contra a dignidade sexual.
O artigo 213 do CP dispõe que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, configura o crime de estupro.
Nota-se que a conduta de “constranger alguém” não se limitou apenas aos homens, se estendendo também às mulheres. Ademais, a prática de atos libidinosos diferentes da conjunção carnal, que antes definia o crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal), fora revogado.
Desse modo, basta o agente (homem ou mulher) mediante violência ou grave ameaça, seja qual for o sexo, constranger outrem para a prática do ato libidinoso, incorrerá no crime de estupro.
Em relação ao estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A, do Código Penal, o que se busca proteger é a dignidade da pessoa humana, uma vez que proíbe a prática de relação sexual ou atos libidinosos com menor de 14(quatorze) anos, ou com alguém que não tenha o necessário discernimento para o ato.
Quanto ao crime de violação sexual mediante fraude, previsto no art. 215, do Código Penal, a principal diferença entre o estupro é que a vítima acaba aceitando ter uma relação sexual com o agente, embora sua vontade esteja viciada por uma fraude ou qualquer outro artifício que não a faça perceber o erro.
Há ainda os crimes de importunação sexual e assédio sexual. No primeiro, veda expressamente a prática daquele que visa satisfazer a própria lascívia ou de outrem por meio de ato libidinoso, sem a sua anuência. Já no segundo, o agente, prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, constrange o subordinado para obter vantagem ou favorecimento sexual.
Desse modo, é inserida carga valorativa pessoal do depoimento da vítima, que na maior parte das vezes se trata de única prova no processo.
Partindo dessa premissa que se atribui grande destaque na palavra da vítima no processo penal, referente às declarações prestadas sobre crimes praticados contra a dignidade sexual.
Entretanto, há diversos riscos em condenar o agente com base apenas na palavra da vítima, que podem ser inestimáveis e irreparáveis.
2. DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
Greco (2017) leciona que a lei defende o direito à liberdade de qualquer pessoa sobre seu próprio corpo. Assim, o estupro alcança a liberdade sexual, atacando a dignidade da pessoa e causando desrespeito ao seu direito.
Nos termos do art. 213, do Código Penal, ocorre o crime de estupro quando o agente constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Desse modo, é imprescindível haver o constrangimento da vítima mediante violência ou grave ameaça no intuito de praticar relações sexuais para a configuração do crime, pois na ausência destes núcleos o fato é atípico, tendo em vista que o ato é consentido de forma presumida. Quanto ao ‘outro ato libidinoso’, “estão contidos todos os atos de natureza sexual, que não a conjunção carnal, mas que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente” (GRECO, 2017, p. 1.126).
Quanto ao crime de estupro de vulnerável, este é caracterizado quando há conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14(quatorze) anos, ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Vejamos:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Capez (2018) ensina que a conjunção carnal, trata-se da penetração completa ou incompleta do pênis na vagina; quanto ao ato libidinoso, são outras formas que levam a efetivação do ato sexual, não sendo a conjunção carnal, porém visando satisfazer a lascívia do agente.
Bittencourt (2012) ressalta que há a desnecessidade de a vítima prolongar a resistência até seu desfalecimento, contudo, exige que realmente não haja a vontade de efetivar o ato sexual e que resista de forma pura.
O autor menciona ainda que o delito de estupro apenas é possível na modalidade dolosa, não existindo previsão na modalidade culposa. É indispensável a presença de dois elementos, ou seja, a consciência e a vontade de praticar o ato.
Em síntese, somente é cabível a tentativa quando o agente iniciou a execução do delito, mas que não se consumou por circunstâncias alheias do agente. “Assim, para a ocorrência da tentativa, basta que o agente tenha ameaçado gravemente a vítima com o fim inequívoco de constrangê-la à conjunção carnal ou a atos libidinosos” (BITENCOURT, 2012, p. 120).
No entanto, Capez (2018) entende que, caso o agente desista voluntariamente, este responderá pelos atos já praticados.
Vale ressaltar por oportuno que o crime de estupro é hediondo, conforme redação expressa do art. 1º, incisos V e VI, da Lei n. 8.072/90:
Art. 1º: São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: V - estupro (art. 213, caput e §§ 1 º e 2 º); VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1 º, 2 º, 3 º e 4 º).
Nesse sentido o crime de estupro recebe tratamento mais rigoroso, uma vez que a hediondez resulta da gravidade que o crime proporciona em desfavor da liberdade sexual da vítima.
Ademais, há outras modalidades de crimes contra a dignidade sexual, senão vejamos:
Violação sexual mediante fraude
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Importunação sexual
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Assédio sexual
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
Como se vê, dentre os principais crimes contra a dignidade sexual estão: estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude, assédio sexual e importunação sexual.
3. A VALORAÇÃO DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
Em que pese o especial valor probatório conferido à palavra das vítimas nos crimes cometidos contra a dignidade sexual, há muitas vezes ausência de vestígios que levam à materialidade ou à autoria do delito.
Contudo, a legislação vigente assegura que para o indivíduo ser condenado, é imprescindível a ocorrência de toda a investigação referente aos fatos, fazendo com que os indícios de materialidade e autoria sejam comprovados:
Evidentemente, para que o sujeito ativo que praticou crimes contra a dignidade sexual seja condenado, é indispensável a comprovação da autoria e materialidade do delito, para que assim o magistrado possa avaliar as provas e julgar a ação procedente ou improcedente, aplicando-se o direito ao caso concreto (GRECO FILHO, 2013, p. 228).
A perversidade destes crimes é inigualável e por tais razões devem ser averiguados rigorosamente. Caso o magistrado decida julgar pela condenação, todas as dúvidas levantadas no processo devem ser sanadas, ante a irreversibilidade dos danos no caso de falsa imputação.
Tendo em vista que nos crimes sexuais geralmente não há vestígios, devido ao perecimento das provas com o passar do tempo, bem como os aspectos físicos dos indivíduos, é indispensável que a palavra da vítima esteja em sintonia com as demais provas constantes dos autos, para que seja alcançada a veracidade e coerência.
É possível a ausência de verdade na palavra da vítima, acarretando na lastimável condenação de pessoa inocente, uma vez que geralmente os crimes de natureza sexual são cometidos clandestinamente, dificultando a percepção da vítima acerca do reconhecimento do acusado.
Nos termos do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988:
Art. 5º, inciso LVII - Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Nesse sentido, o dano causado ao inocente é irreparável, uma vez que é condenado de forma injusta, visto como um praticante dos mais repugnantes delitos, de modo que este indivíduo sempre será reputado como abusador sexual.
Portanto, são indispensáveis as garantias constitucionais do acusado para que não sofra injustiças. Desse modo, para averiguar a credibilidade da palavra do ofendido na esfera penal, especialmente nos crimes sexuais, surge a teoria da Síndrome da Mulher de Potifar.
4. SÍNDROME DA MULHER DE POTIFAR
A síndrome da mulher de Potifar retrata a imagem de uma mulher que, após ser rejeitava por algum indivíduo, com o propósito de punir a pessoa que a rejeitou, efetua denunciação caluniosa, conforme se vê em Gênesis, capítulo 39, da Bíblia Sagrada, a qual descreve a história de José, filho de Jacó.
A história relata acerca do personagem José, muito querido por seu pai Jacó, que desperta inveja entre seus demais irmãos, que acabam o vendendo para escravos israelitas. Após isso, é revendido a um grupo egípcio de nome Potifar. José, conhecido por ser um homem bastante religioso, em pouco tempo conquistou a confiança de Potifar, e passou a gerenciar seu patrimônio.
Entretanto, José passou a ser admirado pela esposa de Potifar, que insistia em manter relação extraconjugal com ele. Após as recusas de José, a mulher sentiu-se rejeitada e procurou se vingar. Para isso, imputou a José o crime de tentativa de estupro. Assim, José foi colocado com os outros detentos.
Conforme se vê, por meio deste fato bíblico surgiu na esfera penal a teoria da Síndrome da Mulher de Potifar, que possibilita ao agente que tenha uma melhor e cautelosa análise sobre seu caso concreto, quando há risco de condenação baseada exclusivamente na palavra da vítima.
Nesse sentido leciona Rogério Greco:
Mediante a chamada síndrome da mulher de Potifar, o julgador deverá ter a sensibilidade necessária para apurar se os fatos relatados pela vítima são verdadeiros, ou seja, comprovar a verossimilhança de sua palavra, haja vista que contradiz com a negativa do agente. A falta de credibilidade da vítima poderá, portanto, conduzir à absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório (GRECO, 2011, p. 482).
Observa-se que o objetivo deste amparo não é isentar o agente do crime, porém mostrar que há casos em que a vítima, movida por rejeição, desprezo ou ciúmes, pode criar um fato definido como crime para prejudicar o indivíduo que não aceitou satisfazer seus desejos sexuais.
Greco (2013) assevera ainda que “a falta de credibilidade da vítima, poderá, portanto, conduzir a absolvição do acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para um decreto condenatório”.
A tutela em questão não visa retirar a relevância do valor probatório da palavra da vítima nos crimes que envolvem a dignidade sexual, mas não condenar o agente por ato que não praticou, sendo imprescindível a análise do conjunto probatório com a devida cautela.
5. DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ
Em sede de processo penal, há maior liberdade por parte do juiz ao proferir suas decisões, uma vez que formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Vale ressaltar por oportuno que o juiz deve obedecer alguns preceitos constitucionais, que estão previstos no art. 93, inciso IX, da CF/88:
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Desse modo, em que pese o juiz possuir a liberdade de formar sua convicção pela livre apreciação das provas produzidas em instrução judicial, é imprescindível observar os requisitos expressos do art. 93, inciso IX, da CF/88.
. MEIOS DE PROVA
As provas estão previstas no Código de Processo Penal, contudo, vigora no ordenamento jurídico o princípio da liberdade probatória, uma vez que não sendo vedado por lei, é admitido qualquer meio.
São previstos como meios probatórios: interrogatório, confissão, inquirição de testemunhas, exame de corpo de delito, tomada ou declarações do ofendido, reconhecimento de pessoas e coisas, acareação, documentos, bem como os indícios e a busca e apreensão.
6.1 DA ACAREAÇÃO
A acareação trata-se de um procedimento no qual o objetivo é apurar a verdade real, através do confronto entre partes, testemunhas ou outros participantes de processo, que prestaram informações prévias divergentes.
Desse modo, tendo em vista que a palavra da vítima não é absoluta, poderá ser confrontada pelo acusado ou pelas testemunhas por meio da acareação.
Tal procedimento está disciplinado no art. 229 do Código Penal. Vejamos:
Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.
Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.
Portanto, caso os depoimentos forem divergentes entre o acusado e a vítima em pontos relevantes do processo, qualquer das partes poderá requerer a acareação, bem como ser determinada de ofício pelo juiz.
6.2 DA PROVA PERICIAL
O art. 158, do Código de Processo Penal, dispõe que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
No entanto, em sua ausência, poderá ser suprido por meio de prova testemunhal, conforme redação expressa do art. 167, do Código de Processo Penal:
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Como se vê, a prova por meio de laudo pericial se perde quando inviável sua realização. Todavia, esta alegação não poderá ser utilizada como fato caracterizador de ausência de materialidade, motivo pelo qual prevalece a palavra da vítima, bem como os depoimentos testemunhais como prova.
6.3 DA PROVA DOCUMENTAL
As provas documentais estão previstas nos artigos 231 a 238 do Código Penal, as quais evidenciam por meio de documentos a veracidade dos fatos:
Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo.
Art. 232. Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.
Parágrafo único. À fotografia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original.
Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo.
Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.
Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível.
Art. 235. A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial, quando contestada a sua autenticidade.
Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade.
Art. 237. As públicas-formas só terão valor quando conferidas com o original, em presença da autoridade.
Art. 238. Os documentos originais, juntos a processo findo, quando não exista motivo relevante que justifique a sua conservação nos autos, poderão, mediante requerimento, e ouvido o Ministério Público, ser entregues à parte que os produziu, ficando traslado nos autos.
Portanto, a prova documental se trata de uma das mais confiáveis em sede de processo penal, tendo em vista que é mais fiel, contudo, é possível ser refutada em juízo.
7. ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS QUANDO NÃO HÁ OUTRO MEIO DE PROVA SENÃO A PALAVRA DA VÍTIMA
Após a Lei n. 12.015/09 entrar em vigor, trouxe consigo significativas alterações, fazendo com que os crimes sexuais possam ser exercidos de várias formas e meios.
É cediço que a jurisprudência admite a condenação do acusado por meio da palavra da vítima, devendo, portanto, estar em conformidade com as demais provas constantes dos autos, inclusive sendo necessário haver ausência de indícios que possam levar a uma injusta imputação.
Percebe-se que o nobre magistrado deve analisar de forma criteriosa a personalidade da vítima e também as declarações do acusado, para que seja possível um julgamento justo.
Mirabete (2011, p.1.343/1.344) levando em consideração a jurisprudência do TJSP, cita:
Embora verdadeiro o argumento de que a palavra da vítima, em crimes sexuais, tem relevância especial, não deve, contudo, ser recebida sem reservas, quando outros elementos probatórios se apresentam em conflitos com suas declarações. Assim, existindo duvida, ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve, naturalmente, ser resolvida em favor do acusado, pelo que merece provimento seu apelo, para absolvê-lo por falta de provas).
Desse modo, caso as provas colhidas forem duvidosas, ou seja, divergentes ou incoerentes, devem ser inadmissíveis, sendo de rigor a absolvição do agente, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal:
Art. 386. O juiz absolverá o acusado, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(...) VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Nesse sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO. PALAVRA DA VÍTIMA ISOLADA. PODER PROBANTE INSUFICIÊNTE - AUSÊNCIA DE PROVAS SÓLIDAS E IRREFUTÁVEIS DE AUTORIA. DÚVIDA MAIS DO QUE RAZOÁVEL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. 1. Nos crimes de estupro a palavra da vítima possui especial relevância desde que esteja harmônica com as demais provas dos autos, o que não ocorre na espécie. 2. Cabe ao Ministério Público, como parte e acusação, trazer para o processo judicial as provas necessárias e aptas para afastar, além de qualquer dúvida razoável, a inocência do acusado, fazendo-se emergir do conjunto probatório a sua indiscutível culpa; assim, não se desincumbindo desse ônus processual, impossível se torna a condenação. 3. A inexistência de prova inconteste de autoria impõe severa dúvida no espírito do julgador, impedindo a edição de um decreto condenatório, em razão da aplicação do princípio processual do "in dubio pro reo". Precedentes. 4. Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida. (TJ-TO - APR: 00013546320198272719, Relator: ADOLFO AMARO MENDES, Data de Julgamento: 13/04/2021, TURMAS DAS CAMARAS CRIMINAIS, Data de Publicação: 2021-04-27T00:00:00).
Portanto, a palavra da vítima, em crimes de natureza sexual, se trata de excelente meio de prova, mas por si só, não é suficiente para autorizar a condenação do acusado, quando incoerente com as demais provas do processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho concluiu que nos crimes contra a dignidade sexual é possível a condenação do acusado baseada na palavra da vítima, porquanto os delitos desta natureza são praticados na clandestinidade, dificultando a presença de testemunhas.
Foi possível perceber que a palavra da vítima possui grande valor no processo penal. Contudo, nem sempre o depoimento está pautado na veracidade, tendo em vista que esta imputação pode ser motivada com intuito de prejudicar o acusado.
Nessa perspectiva, esse estudo trouxe uma breve reflexão teórica de que é imprescindível que a palavra da vítima seja colhida de forma minuciosa, devendo estar firme, coerente e harmônica com as demais provas produzidas, para não ocorrer injustiças.
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DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 9. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016.
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[1] Advogado e Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected].
Bacharelando em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MILHOMEM, José Neto Botelho. A fragilidade da condenação em crimes contra a dignidade sexual baseada somente na palavra da vítima Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58331/a-fragilidade-da-condenao-em-crimes-contra-a-dignidade-sexual-baseada-somente-na-palavra-da-vtima. Acesso em: 22 nov 2024.
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