RESUMO: Este estudo teve por escopo analisar a importância do Acordo de Não Persecução Penal, incluído no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei nº 13.964/2019, também conhecida como Pacote Anticrime, que incluiu o art. 28-A no Código de Processo Penal Brasileiro, tratando-se de medida despenalizada, sendo negociado entre o acusado e o Ministério Público. Referido instituto objetiva desafogar o judiciário das demandas criminais, com a finalidade de garantir maior celeridade e efetividade do poder judiciário. Utilizou-se, portanto, a metodologia do estudo descritivo analítico e hipotético dedutivo, o presente estudo visa explanar a história da justiça negociada no Brasil, os requisitos para a concessão do acordo, suas vedações, condições impostas ao investigado e a sua constitucionalidade, utilizando, para tanto, artigos e sítios eletrônicos, bem como a legislação vigente, portanto, trata-se de pesquisa bibliográfica documental.
Palavras-chave: Acordo de não persecução penal. Ministério Público. Pacote Anticrime.
ABSTRACT: This study aimed to analyze the importance of the Criminal Non-Persecution Agreement, included in the Brazilian legal system through Law No. 28-A in the Brazilian Criminal Procedure Code, in the case of a decriminalized measure, being negotiated between the accused and the Public Ministry. Said institute aims to relieve the judiciary of criminal claims, in order to ensure greater speed and effectiveness of the judiciary. Therefore, the methodology of the descriptive analytical and hypothetical deductive study was used, the present study aims to explain the history of negotiated justice in Brazil, the requirements for granting the agreement, its prohibitions, conditions imposed on the investigated and its constitutionality, using, for this purpose, articles and electronic sites, as well as the current legislation, therefore, it is a documentary bibliographic research.
Keywords: Criminal non-prosecution agreement. Public ministry. Anti-Crime Pack.
Sumário: Introdução. 1. Acordo de não persecução penal. 1.1 Análise histórica. 1.2 Requisitos para concessão do acordo de não persecução penal. 1.2.1 Não estar em situação de arquivamento. 1.2.2 Tempo de pena. 1.2.3 Confissão. 1.2.4 Não haver violência ou grave ameaça. 1.2.5 Acordo como meio de reprovação do delito. 1.3 Das vedações do ANPP e das condições impostas ao investigado. 1.4 Procedimentos do acordo de não persecução penal. 1.4.1 Das tratativas, da celebração, da rejeição, da homologação, do descumprimento e do cumprimento integral do ANPP. 1.5 Princípios fundamentadores do ANPP. 2. Da constitucionalidade do ANPP. Considerações Finais. Referências.
O acordo de não persecução penal foi previsto inicialmente a partir da Resolução 181/2017 elaborada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, tendo sido alterada pela Resolução 183/2018, e incluído no Código de Processo Penal (CPP) através do art. 28-A, pela Lei nº 13.964/2019, conhecida por Pacote Anticrime, mas a constitucionalidade do acordo foi questionada na ADI 5.790 e 5.793.
Referida lei é considerada uma espécie de medida despenalizadora, devendo ser negociada entre o Ministério Público e o investigado, objetivando desafogar o poder judiciário das demandas judiciais, buscando maior celeridade e efetividade no processo penal, garantindo o devido processo legal para resolver lides cuja penalidade da conduta criminosa não seja superior ao período de 4 anos, e desde que não tenha sido cometido com uso de violência e grave ameaça.
Considerando o aumento de demandas judiciais, o acordo de não persecução penal proporciona a oportunidade do investigado não ser denunciado, desde que cumpra as condições determinadas pelo Ministério Público, trazendo uma inovação no âmbito jurídico, sendo considerada, por oportuno, como método eficaz de resolução de conflitos da seara criminal, trazendo consigo a proteção dos princípios constitucionais e eficácia na aplicação das penas de crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando, por conseguinte, o cabimento de penalidade alternativa.
A pesquisa justifica-se pela relevância da aplicação do instituto, logo que o acordo é realizado entre o Ministério Público e o investigado, cabendo ao juiz apenas a homologação do acordo, portanto torna-se relevante o estudo, pois trata-se de importante alteração nas demandas judiciais criminais, podendo ser, nas hipóteses de seu cabimento, peça chave para que haja uma conclusão processual.
1 ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP
O acordo de não persecução penal é um instituto que busca a justiça negociada no processo penal brasileiro. Sua propositura cabe ao Ministério Público ou ao investigado, desde que cumpridos os requisitos exigidos. Após as negociações serem realizadas, o acordo deverá ser encaminhado para análise do juiz, para conferência acerca do cabimento e das condições propostas.
De acordo com Cunha (2020, p. 127),
Ajuste obrigacional celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado. (CUNHA, 2020 p.127)
Segundo Lima (2020), o acordo é uma alternativa eficaz para a solução de conflitos processuais, que traz benefícios ao acusado, à vítima, e ao sistema judiciário.
Conforme Cabral (2019) o acordo é
Uma das alternativas mais promissoras para tornar o sistema mais eficiente e adequado repousa na implementação de um modelo de acordo no âmbito criminal. Com isso, seria estabelecido um sistema com a eleição inteligente de prioridades, levando oara julgamento plenário somente aqueles casos mais graves. Para os demais casos, de pequena e média gravidades, restaria a possibilidade da celebração de acordos que evitariam o full trial. (CABRAL, 2019, p. 18)
Lima (2019, p. 200), conceitua o acordo:
Cuida-se de negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente, celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor –, que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso com o Parquet de promover o arquivamento do feito, caso a avença seja integralmente cumprida.
O autor ainda justifica a criação do acordo:
a) a exigência de soluções alternativas no processo penal que possibilitem celeridade na resolução de casos menos graves;
b) a priorização de recursos financeiros e humanos do Ministério Público e do Poder Judiciário para processamento e julgamento dos casos mais graves e
c) a minoração dos efeitos deletérios de uma condenação judicial, com a redução dos efeitos sociais prejudiciais da pena e redução do contingente dos estabelecimentos prisionais. (LIMA, 2020, p. 275)
Sanches (2020, p. 17) destaca que o acordo é um
Um ajuste obrigacional entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente homologado pelo juiz, no qual o investigado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado.
Segundo Cunha (2020), a criação do acordo de não persecução penal se deu através da Resolução 181/2017, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), tendo sido alterada pela Resolução 183/2018, e incluído no Código de Processo Penal (CPP) através do art. 28-A, mas a constitucionalidade do acordo foi questionada na ADI 5.790 e 5.793.
A Associação de magistrados Brasileiros, que questionou a constitucionalidade através da ADI 5.790, o fez pois, conforme Cunha (2020),
A despeito de agora haver a submissão ao Poder Judiciário do acordo firmado, é inegável que diante da inexistência de lei dispondo sobre ela, resultará uma insegurança jurídica em tamanho, diante da possibilidade de magistrados recusarem ou aceitarem esses acordos, com base exclusivamente no fato de a Resolução não poder dispor sobre a matéria sem prévia previsão legal. (CUNHA, 2020 p.126).
Depreende-se, que o Poder Judiciário não pode negar o acordo de não persecução penal, se a conduta se enquadrar no previsto no art. 28-A do CPP.
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (BRASIL, 1941)
Sob outra perspectiva, conforme art. 28-A, § 2º do mesmo diploma legal, o acordo não acontecerá nos casos em que
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. (BRASIL, 1941)
Em se tratando da ADI 5.793, interposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, afirma que o acordo fere o princípio da reserva legal e da segurança jurídica, e que referido acordo excede o poder conferido ao Ministério Público.
Dessa forma, no ano de 2019, foi promulgada a Lei 13.964, denominada Pacote Anticrime, que dispõe sobre a justiça negociada, a transação penal e a suspensão condicional do processo.
Assim, o acordo é de cunho de política criminal, e não de direito processual, sendo considerado como negócio jurídico de natureza extrajudicial, consubstanciando, portanto, políticas criminais do titular da ação penal e do Ministério Público.
Na sistemática adotado pelo art. 18 da Resolução 181/2017 do CNMP, cuida se de negócio jurídico de natureza extrajudicial, necessariamente homologado pelo juízo competente, celebrado entre o Ministério Público e o autor do fato delituoso – devidamente assistido por seu defensor – que confessa formal e circunstanciadamente a prática do delito, sujeitando-se ao cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, em troca do compromisso do Parquet de promover o arquivamento do feito, caso a avença seja integralmente cumprida. (LIMA, 2020, p.274).
Assim, o acordo traz benefícios ao judiciário brasileiro, proporcionando resolução eficaz nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo, tornando-se um instrumento benéfico de despenalização e agilidade processual.
Acerca das vantagens, Cabral (2017) explica que
“A Resolução 181/17 busca tão somente aplicar os princípios constitucionais da eficiência (CF, artigo 37, caput); da proporcionalidade (CF, artigo 5º, LIV); da celeridade (CF, artigo 5º, LXXVIII) e do acusatório (CF, artigo 129, I, VI e VI). Nesse sentido, Barja de Quiroga afirma que o “princípio da oportunidade encontra-se fundado em razões de igualdade, pois corrige as desigualdades do processo de seleção; em razões de eficácia, dado que permite excluir causas carentes de importância, que impedem que o sistema penal se ocupe de assuntos mais graves; em razões derivadas da atual concepção de pena, já que o princípio da legalidade entendido em sentido estrito (excludente da oportunidade), somente conjuga uma teoria retributivista de pena” Barja de Quiroga. Tratado de Derecho Penal, Tomo I, p. 470). (CABRAL, 2017).
Em se tratando de desvantagens, no que se refere ao acordo ser tratado como política criminal, Morais (2018) assevera que:
Exsurgem desse raciocínio dois problemas. Primeiro, considerar que a decisão do investigado em não se submeter ao processo criminal e cumprir imediatamente sanção penal trate-se apenas de uma questão de política criminal é uma argumento frágil. Se por um lado a utilização do acordo pode vir a ser, se bem utilizado, instrumento de política criminal, seu conteúdo, isto é, o objeto sobre o qual as partes transacionam (pena imediata sem processo), é evidentemente processual penal. Outro equívoco é supor que a existência de eficácia normativa primária das resoluções do CNMP, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12[4], permita que o órgão regulamente qualquer matéria uma vez que, inquestionavelmente, não se encontra entre as atribuições do CNMP estampadas no artigo 130-A, parágrafo 2º, da CF/88 normatizar sobre política criminal. (MORAIS, 2018)
1.2 REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
Para que o acordo de não persecução penal seja celebrado, é necessário observar os requisitos dispostos no art. 28-A do Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente [...]
Considerando o rol de requisitos, expor-se-á considerações acerca do tema.
1.2.1 Não estar em situação de arquivamento
O cabimento do acordo, assim como a transação penal, só será possível se não estiver em situação de arquivamento (CUNHA, 2018)
O acordo de não persecução penal não pode ser considerado uma alternativa ao pedido de arquivamento, sendo indispensável a presença do fumus comissi delict. Compreende-se por fumus comissi delicti a confirmação da existência de um crime e dos indícios suficientes de autoria. (LOPES JR, 2019, p. 942)
Conforme ensinamento de Cunha (2018), é imposto um limite objetivo acerca do tempo de pena que restringe a aplicação do acordo para as infrações com penas superiores a 4 (quatro) anos.
A opção mínima inferior a 4 anos foi a constatação de que nos crimes sem violência ou grave ameaça os juízes brasileiros condenam na pena mínima, portanto, pena inferior a 4 anos sempre será substituída por pena alternativa. (DIRCEU, 2019, p. 53)
Faz-se necessário observar as causas de diminuição e aumento de pena previstas na Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público.
Para a formalização do acordo é imprescindível que haja a confissão simples ou qualificada do acusado. De acordo com Queiroz (2020)
Para efeito do acordo, não necessariamente para outros fins (v.g., reconhecimento da atenuante da confissão espontânea), temos que somente a confissão simples permite a realização do ANPP. Ou seja, confissão formal e circunstanciada (a lei fala, em verdade, de confissão circunstancial) deve ser entendida como confissão simples. Confissão formal e circunstanciada é, portanto, uma confissão simples e voluntária em que o investigado menciona o essencial da infração cometida, narrando a motivação e as circunstâncias juridicamente relevantes. A lei exige que seja circunstanciada inclusive para a aferição judicial de sua consistência e verossimilhança.
No acordo de não persecução penal, a confissão tem como um de seus objetivos impedir que um acordo seja celebrado por pessoa cujas provas não indicam ou convirjam para a sua participação no delito. A confissão, portanto, deve fortalecer o conjunto probatório do procedimento investigatório, para que, juntamente com os demais elementos de prova, seja assegurado a realização do acordo por quem de fato praticou o delito. (SOUZA, 2018, p. 153)
Dessa forma, quando a confissão é simples, o investigado apenas confessará a infração, sem complementar a defesa. Já se a confissão for qualificada, ele deve confessar a infração e alegar excludente de ilicitude, culpabilidade ou tipicidade.
Assim, a confissão não será usada como prova, pois,
(...) apesar de pressupor sua confissão, não há reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido processo legal. (SANCHES, 2020, p. 129
1.2.4 Não haver violência ou grave ameaça na infração cometida
O art. 28-A do CPP proíbe que o acordo seja celebrado se a violência ou grave ameaça for cometida de forma culposa contra coisa ou pessoa. Assim,
Enunciado nº 72 do CAOCRIM - MPSP9: É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, pois, nesses delitos, a violência não está na conduta, mas no resultado não querido ou não aceito pelo agente, incumbindo ao órgão de execução analisar as particularidades do caso concreto. Enunciado nº 23 do GNCCRIM10: É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar de previsível.
A violência reside no emprego de força contra a vítima, cerceando a sua liberdade de ação e não só de vontade, bastando para caracterizá-la a lesão corporal leve ou as vias de fato. A violência pode ser classificada em própria (real), quando há o emprego de força física, ou imprópria, quando o agente se utilize de outro meio para reduzir a resistência da vítima. (OLIVEIRA, 2018, online)
1.2.5 Acordo como meio de reprovação do delito
Conforme ensinamento de Cabral (2020), esse requisito é ato discricionário do Ministério Público, e é sua função analisar se apenas o acordo é suficiente para reprovar o delito, considerando a personalidade do infrator e as circunstâncias do fato.
1.3 DAS VEDAÇÕES DO ANPP E DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS AO INVESTIGADO
A Resolução 181 do CNMP trouxe hipóteses de cabimento e de vedações do ANPP, portanto, cabe a transcrição do art. 18, § 1º
§ 1º Não se admitirá a proposta nos casos em que:
I – for cabível a transação penal, nos termos da lei;
II – o dano causado for superior a vinte salários mínimos ou a parâmetro econômico diverso definido pelo respectivo órgão de revisão, nos termos da regulamentação local;
III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei nº 9.099/95;
IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal;
V – o delito for hediondo ou equiparado e nos casos de incidência da Lei nº 11.340, RESOLUÇÃO Nº 181, DE 7 DE AGOSTO DE 2017. 16/20 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO de 7 de agosto de 2006;
VI – a celebração do acordo não atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. (BRASIL, 2017)
Ou seja, caso caiba transação penal, é afastada a celebração do ANPP:
Essas vedações são justificáveis dentro da estruturação sistemática da legislação penal, pois, a prevalência da transação penal em relação ao acordo de não persecução penal decorre de ser a transação penal instituto despenalizador mais benéfico, com menos requisitos e menores consequências, por incidir nas infrações de pequeno potencial ofensivo, dentro da disciplina da Lei dos Juizados Especiais. (EL TASSE, 2020, online)
Tratando-se do inciso II, Barros e Romaniuc (2019) afirmam que o valor do dano não pode ser superior a 20 salários mínimos.
Havendo então a reparação do dano, não há nenhum sentido em estabelecer um teto impeditivo do acordo de não persecução penal. Todavia, havendo um teto, deveria haver uniformidade em todo o território nacional. (JÚNIOR, 2019, p. 340)
Caso ocorra alguma das hipóteses dispostas no § 2º do art. 76 da Lei nº 9.099/95, será vedado o acordo ao acusado:
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
Assim,
Com o Direito Penal de autor surge o denominado tipo de autor, pelo qual o criminalizado é a personalidade, e não a conduta. A tipologia etiológica tem por fim último detectar os autores sem que seja preciso esperar o acontecimento da conduta. Ou seja, não se coíbe o subtrair coisa alheia móvel, mas ser ladrão; não se proíbe matar, mas ser homicida, etc. Não se despreza o fato, o qual, no entanto, tem apenas significação sintomática: presta-se apenas como ponto de partida ou como pressuposto da aplicação penal. Nela também se possibilita a criminalização da má vida ou estado perigoso, independentemente da ocorrência do delito, por meio da seleção de indivíduos portadores de determinados caracteres estereotipados: vagabundos, prostitutas, dependentes tóxicos, jogadores, ébrios, etc. Ou, também, a aplicação de penas pós-delituais, em função de determinadas características do autor, por meio de tipos normativos de autor: reincidentes, habituais, profissionais, etc. (BRUNONI, 2019, online)
A aplicação será vedada, também, quando o decurso do prazo resultar prescrição penal. Nesse sentido,
Tendo em vista que as hipóteses de suspensão e interrupção do prazo prescricional devem constar expressamente na lei, uma vez que são prejudicais ao autor do fato delitivo (demandando esta espécie normativa), o acordo, portanto, não obsta o transcurso normal do lapso temporal para fins de prescrição. (BARROS; ROMANIUC, 2019, p. 74)
Não caberá o acordo quando o crime cometido for hediondo ou equiparado, e na circunstância de violência doméstica. Assim,
E é essa condição (vulnerabilidade) que justifica o tratamento diferenciado que a Lei Maria da penha reservou às mulheres (não todas, mas as que se encontram em situação de violência no contexto doméstico, familiar ou em uma relação íntima de afeto). Recusar essas circunstâncias representa a negação da própria motivação da Lei Maria da Penha como de ação afirmativa. (BIANCHINI, 2019. p. 21)
Para finalizar, o acordo será vedado quando ele, por si só, não for suficiente para que seja prevenido o crime.
A prevenção penal se biparte em dois grandes segmentos, quais sejam prevenção geral e prevenção especial. Enquanto a prevenção geral lida com um aspecto genérico do Direito Penal, voltado a toda sociedade, a prevenção especial visa tão somente aquele indivíduo que violou norma penal, no caso concreto. (BARROS, 2019, p. 76)
Ante o brevemente exposto, resta evidente que o ANPP possui natureza seletiva, e pode ser aplicado apenas aos crimes de menor potencial ofensivo, sendo considerado, portanto, ferramenta da justiça restaurativa.
1.4 PROCEDIMENTOS DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
1.4.1 Das tratativas, da celebração, da rejeição, da homologação, do descumprimento e do cumprimento integral do ANPP
De acordo com o art. 28-A, § 3º, “O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.”
Caso o crime tenha sido cometido em concurso de agentes, o acordo pode ser aplicado aos todos os agentes e partícipes ou apenas a alguns, não havendo impedimentos caso apenas um receba a proposta. Entretanto, a cota acompanhante da denúncia que consta a não aceitação da proposta, deve ser fundamentada.
Conforme o art. 28-A, considerando os termos “arquivamento e investigado”, extrai-se que o acordo deve ser celebrado antes de haver denúncia, ou seja, na fase extrajudicial.
Após o encerramento das tratativas, uma audiência deverá ser marcada, e o magistrado deve fiscalizar se há legalidade no acordo, bem como se há voluntariedade do investigado. Caso o juiz identifique que o acordo não atenda os requisitos legais, ele pode recusar a homologação do acordo, devolvendo, então, os autos ao Ministério Público para a complementação das investigações ou oferecimento de denúncia da vítima. Caso haja a rejeição da homologação, pode, o Ministério Público ou o investigado, interpor recurso. Na outra banda, sendo o acordo homologado, haverá suspensão do prazo prescricional e os autos serão devolvidos ao Ministério Público para que seja iniciada a execução pelo juízo de execuções penais, ou seja, o acordo deve ser homologado pelo juiz de garantia e executado pelo juiz de execução. (BRASIL, 1941).
A homologação do acordo de não persecução penal, a ser realizada pelo juiz competente, é ato judicial de natureza declaratória, cujo conteúdo analisará apenas a voluntariedade e a legalidade da medida, não cabendo ao magistrado proceder a um juízo quanto ao mérito/conteúdo do acordo, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade, atributo que lhe é indispensável no sistema acusatório. (GNCCRIM, 2019)
Caso o investigado descumpra as condições homologadas, o Ministério Público deve fazer a comunicação ao juízo da execução, para rescindir o acordo, e posteriormente, encaminhar os autos para o juiz das garantias, para que seja oferecida denúncia, logo que a rescisão não pode acontecer de forma unilateral, há a necessidade de haver decisão judicial, sendo assegurado o contraditório. Assim, caso haja a rescisão do acordo, o prazo prescricional volta a correr. (QUEIROZ, 2020)
Assim, o descumprimento do acordo serve como justificativa para que o Ministério Público não ofereça suspensão condicional do processo.
Entretanto, sendo cumprida as condições homologadas no acordo, e tendo seu cumprimento integral sido concluído, o juízo competente declarará a extinção da punibilidade. Ademais, o cumprimento integral do ANPP garante que o ato infracional não conste na certidão de antecedentes criminais, mas impede que o investigado não receba novos acordos, transações penais ou seja beneficiado com a suspensão condicional do processo pelo prazo de cinco anos. (BRASIL, 1941)
1.5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTADORES DO ANPP
Para que o acordo seja pleno e legítimo, é necessário que atenda algumas normativas. (BARROS; ROMANIUC, 2019).
A morosidade da justiça brasileira traz prejuízos ao acusado e à sociedade que clama por justiça, portanto, há o princípio constitucional da celeridade processual. (BRANDALISE, 2006). De acordo com Barros e Romaniuc (2019), o legislador brasileiro eterniza a lide devido ao atraso dos pensamentos dos doutrinadores brasileiros.
O funcionalismo é atualmente a corrente dominante no mundo, menos no Brasil, e defende que apenas atos penais relevantes e com impacto social devem ser priorizados e processados, mudando com a visão automatizada do finalismo que ainda vigora no Brasil. O funcionalismo propõe punir menos, mas punir melhor, e com impacto social, o que acaba inibindo a criminalidade, em vez do atual sistema caótico e sem racionalidade, que leva o direito penal ao descrédito. (MELO, 2019, p. 89)
Dessa forma, objetivando resolver as lides de forma célere, é cabível a realização do ANPP, desde que os requisitos definidos pelo ordenamento jurídico sejam cumpridos.
O segundo princípio elencado nesse tópico é o da efetividade. Sabendo que a norma penal e processual penal do nosso ordenamento jurídico é antiga, ela traz óbice à efetividade processual. (BARROS; ROMANIUC, 2019).
Nesse sentido, Ribeiro (2006, p. 153) explica que
Pode-se dizer que a Constituição Federal assegura muito mais do que a mera formulação de pedido ao Poder Judiciário, assegura um acesso efetivo à ordem jurídica justa. (...) É evidente que quando se emprega o termo efetividade no processo quer traduzir uma preocupação com a eficiência da lei processual, com sua aptidão para gerar os efeitos que dela é normal esperar.
Considerando a necessidade de evitar desperdícios na condução do processo, há o princípio da economia processual, que objetiva evitar a burocratização processual, demonstrando a desnecessidade de deflagração de processos em situações desnecessárias. (SOUZA, 2018)
Assim, Boschi (2010, p. 134) explana que
A flexibilização do princípio da obrigatoriedade, ou, ainda mais radicalmente, a instituição do princípio da oportunidade da ação penal pública entre nós, desde que, observada a recomendação de Roxin, o Ministério Público estabelecesse uma política de persecução penal, daria melhores condições para a Instituição priorizar a atividade na punição dos fatos que causam maior lesividade social e ao mesmo tempo propiciaria o alívio das pautas judiciárias de direito administrativo.
Para finalizar, é necessário observar os tratados internacionais da Convenção Europeia e o da Convenção Americana de Direitos Humanos, que, devido a Resolução 45/110 as Assembleia Geral das Nações Unidas, dispôs acerca da imprescindibilidade de serem implementadas medidas alternativas antes do início da tramitação processual. Conforme Conselho Nacional de Justiça (2019, p. 17),
Sempre que adequado e compatível com o sistema jurídico, a polícia, o Ministério Público ou outros serviços encarregados da justiça criminal podem retirar os procedimentos contra o infrator se considerarem que não é necessário recorrer a um processo judicial com vista à proteção da sociedade, à prevenção do crime ou à promoção do respeito pela lei ou pelos direitos das vítimas. Para a decisão sobre a adequação da retirada ou determinação dos procedimentos deve-se desenvolver um conjunto de critérios estabelecidos dentro de cada sistema legal. Para infrações menores o promotor pode impor medidas não privativas de liberdade, se apropriado. (CNJ, 2016, online)
Ante o exposto, resta claro que o acordo de não persecução penal traz avanços na qualidade do sistema judiciário brasileiro.
2. DA CONSTITUCIONALIDADE DO ANPP
A constitucionalidade do acordo de não persecução penal é questionada pois exige a confissão do investigado como requisito necessário para sua homologação, violando, dessa forma, o princípio de presunção de inocência. Nesse sentido, Cunha (2020, p. 138), explica que
apesar de pressupor sua confissão, não há reconhecimento expresso de culpa pelo investigado. Há, se tanto, ima admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica, a culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda devido processo legal.
Acerca da confissão, Soares, Borri e Battini (2020, p. 219), esclarecem que
No tocante a situação de descumprimento do acordo, verifica-se que a matéria necessariamente precisa ser conjugada com a aprovação completa da lei, visto que, de acordo com o juiz das garantias e suas regulamentações (art. 3º-B a 3º- F, CPP), o inquérito policial não mais acompanharia o processo-crime, de modo que a confissão ficaria naturalmente excluída da fase de instrução, não se podendo utilizar da declaração do acusado para proferimento de sentença (art. 3º-C, §3º, CPP).
Dessa forma, é sabido que os direitos fundamentais são irrenunciáveis, sendo que o titular do direito não pode dispor dele, mas, desde que não esteja ferindo a dignidade da pessoa humana, pode deixar de exercê-lo (LENZA, 2012, p. 963). Assim, o princípio da presunção da inocência não se chocará com o direito do investigado, caso ele opte por escolher melhor estratégia de defesa, ao confessar, tornando-o, portanto, constitucional.
Ante o exposto, resta evidente que o acordo de não persecução penal é um instituto benéfico para o judiciário brasileiro, que consiste na celebração de um acordo entre o investigado e o Ministério Público, cabendo ao juízo das garantias apenas sua homologação e ao juízo da execução, o cumprimento de sua execução.
O desenvolvimento da pesquisa possibilitou análise dos objetivos do acordo, os requisitos para sua concessão, as vedações acerca do cabimento e as condições impostas ao investigado, os procedimentos e princípios do acordo, bem como a sua constitucionalidade.
Dessa forma, o acordo de não persecução penal possui grande potencial de tornar-se uma ferramenta constitucional que será usada para benefício do poder judiciário, trazendo a oportunidade de resolução dos casos de menor potencial ofensivo de forma célere e econômica. Contudo, por ser matéria relativamente nova na ordem jurídica, ainda há situações a serem esclarecidas sobre referido instituto.
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acadêmico do curso de Direito da Unirg - Universidade de Gurupi. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORIZAR COELHO JúNIOR, . Acordo de Não Persecução Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58334/acordo-de-no-persecuo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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