ELOISA DA SILVA COSTA
(orientadora)
RESUMO: Esta pesquisa apresenta discussões sobre o armamento civil, com apontamentos sobre a importância da compreensão da posse e porte de arma de fogo, mesmo que desmuniciada, pela evolução social, tendo em vista uma maior prática de aquisição de armas de fogo para proteção em casos de risco, mas também com premissas voltadas a considerações sobre os perigos de uma sociedade armamentista. Aponta-se, portanto, considerações sobre a posse e arma de fogo, trazendo a sua devida distinção. Também são feitos apontamentos quanto a posse de arma de fogo desmuniciada, pela compreensão também acerca do garantismo penal, conceituado por Ferrajoli e devidas considerações acerca do armamento civil, relativo a um perigo ou a sua eficácia, para a proteção de cidadãos ou para a redução da criminalidade. Conclui-se que, o uso indevido desse instrumento é uma prática criminosa, consoante os instrumentos legais. Aponta-se que, em casos que é permitida a posse da arma de fogo, há a necessidade da discussão quanto a tipificação penal acerca da posse de arma de fogo desmuniciada. Contudo, também foi apresentado que, é preciso que haja controle social por parte do Estado, para garantir o devido acesso aos que buscam o exercício do direito à liberdade, contudo, é preciso que hajam políticas de prevenção, para que o Brasil não se torne um cenário de incentivo a uma sociedade armamentista como a solução para os diversos problemas derivados das lacunas de políticas na área da segurança pública.
Palavras-chave: Arma de fogo. Armamento civil. Posse. Porte.
ABSTRACT: This research presents discussions about civilian weapons, with notes on the importance of understanding the possession and carrying of firearms, even if unequipped, by social evolution, in view of a greater practice of acquiring firearms for protection in cases of risk, but also with premises aimed at considering the dangers of an arms society. Therefore, considerations about possession and firearms are pointed out, bringing their due distinction. Notes are also made regarding the possession of unarmed firearms, for the understanding also about the criminal guarantee, conceptualized by Ferrajoli and due considerations about the civil armament, related to a danger or its effectiveness, for the protection of citizens or for the reduction of criminality. It is concluded that the misuse of this instrument is a criminal practice, according to the legal instruments. It is pointed out that, in cases where the possession of a firearm is allowed, there is a need to discuss the criminal classification about the possession of a firearm without ammunition. However, it was also presented that there must be social control on the part of the State, to guarantee due access to those who seek the exercise of the right to freedom, however, there must be prevention policies, so that Brazil does not become a scenario to encourage an arms society as the solution to the various problems arising from policy gaps in the area of public security.
Keywords: Firearm. Civil armament. Possession. size
Após o advento da Lei n. 10826/2003 foi retomada a discussão acerca da restrição quanto ao acesso de armas de fogo para a sociedade civil. O País já apresentava legislações e medidas atuantes na coibição do acesso de armas, mas essas medidas não estavam se mostrando eficazes para a redução da violência.
Silva (2015) aponta que, com o Referendo em 2005, em consulta da população acerca da vedação da comercialização de munições e armas no Brasil, representou uma grande reviravolta para a segurança pública embasada no desarmamento, pois, demonstrou uma desaprovação de uma média de 70% quanto a desaprovação da vedação.
Apresenta-se que, existem dois vieses que embasam toda a discussão: aqueles que são a favor e os que são contra. Os desarmamentistas apontam o pensamento acerca da não violência e que as armas são instrumentos que facilitam as mortes, pois, agravam crimes passionais, acidentes com menores e suicídios, sendo negado a população quanto ao acesso, o que traz a instrumentalização, por intermédio do Estado, de uma política de total submissão ao criminoso, com anseio para que assim não sejam realizadas ações maldosas.
O pensamento armamentista contrapõe sobre a liberação da aquisição de armas e munições pela sociedade civil, alegando que, desse modo, o cidadão possui meios de se defender e assim a criminalidade diminuirá, em razão da ameaça ao agressor quanto a possível vítima possuir um meio de defender sua integridade.
Nesse sentido, surge a discussão levantada aqui nesta pesquisa acerca da ineficácia do Estatuto do Desarmamento para a redução da criminalidade, como argumentado pelos apoiadores do armamento. Para isso, apresentam-se os resultados discutidos na próxima seção deste artigo.
No ano de 1989, Luigi Ferrajoli, magistrado e professor de Direito na Itália, por intermédio de suas pesquisas na área do Direito Penal, publicou direcionamento acerca do ordenamento jurídico. Em seu livro intitulado: “Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal”, nota-se uma nova visão acerca da devida efetivação na ótica jurídica do que se compreende por garantismo (GRETO, 2018).
Aponta-se que, em razão da influência de pensamento liberal, o autor baseou o seu entendimento de garantismo com base em pressupostos que fundamentaram o pensamento iluminista, portanto, entendimento da atuação do Estado de modo negativo. Isso porque, os pensadores iluministas se posicionaram quanto ao combate de excessos e arbitrariedades, notados na esfera penal, razão esta que o entendimento de liberdade em suas concepções é baseado na limitação do poder do Estado, por meio do comportamento omissivo, mediante a liberdade do indivíduo (STRECK, 2008). Nesse sentido, compreende-se que o garantismo visa a compreensão da tutela de liberdade do indivíduo em face de diversas formas arbitrárias de exercício do poder, com enfoque em práticas desvirtuosas na área penal (MATTOS, 2015).
Greco apresenta o seguinte entendimento:
Quanto à sua concepção de garantismo propriamente dita, Ferrajoli traça uma tabela na qual elenca dez axiomas, os quais formariam, em sua observância, um sistema penal perfeito, que deveriam atuar nos dois principais momentos do processo de criminalização, quais sejam, a prática legislativa (criminalização primária) e a aplicação da lei ao caso concreto (criminalização secundária). Os princípios são: 1) Nulla poena sine crimine, 2) Nullum crimen sine lege, 3) Nulla lex (poenalis) sine necessitate, 4) Nulla necessitas sine injuria, 5) Nulla injuria sine actione, 6) Nulla actio sine culpa, 7) Nulla culpa sine judicio, 8) Nullum judicium sine accusatione, 9) Nulla accusatio sine probatione, 10) Nulla probatio sine defensione (BARROS, 2018, p. 22).
Aponta-se ainda que, Ferrajoli (2014), há sistematização e relação entre os princípios. O grau de observação nos sistemas penais pode ter análise por intermédio de minimização sucessiva dos axiomas, o que gera um resumo de que, os sistemas penais podem ser caracterizados em nove ordens: 1) sem prova e defesa, resultado da subtração dos princípios do ônus da prova e do direito de defesa; 2) sem acusação separada, fruto da retirada dos princípios da imparcialidade do juiz e de sua separação da acusação; 3) sem culpabilidade, resultante da desnecessidade de intencionalidade do delito; 4) sem ação, que carece da garantia da materialidade da ação; 5) sem ofensa, privado da lesividade do fato; 6) sem necessidade, que não se atém ao princípio da economia do direito penal; 7) sem delito, que carece do primeiro axioma; 8) sem juízo, no qual se olvida a jurisdicionariedade e 9) sem lei, que não observa o princípio da legalidade (FERRAJOLI, 2014).
Parte então para o analisar como teoria do direito, no qual explica:
Neste sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantém separados o “ser” e o “dever ser” no direito; e, aliás, põe como questão teórica central a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentementes garantistas) e práticas operacionais (tendentementes antigarantistas). (FERRAJOLI, 2014, p. 786).
O garantismo surgiu como uma maneira de se fazer valer os direitos fundamentais elencados nas constituições criadas após tantas barbáries e desrespeitos para com o ser humano em especial aos mais desfavorecidos e desprotegidos. Os direitos fundamentais elencados na Constituição Federal são de suma importância para se manter a ordem de um país. E o princípio da legalidade é um dos princípios no qual Ferrajoli diz como essencial para ser manter a cordialidade e respeito entre a justiça e o cidadão.
O garantismo, juridicamente cria um sistema de proteção aos direitos do cidadão que seria imposto ao Estado. Ferrrajoli afirma que uma norma seria inválida se não estivesse de acordo com os direitos fundamentais elencados na Constituição Federal, afirmando ser equivocado o conceito de Kelsen.
Basicamente os princípios que fundam o garantismo são, o da retributividade, da necessidade, da lesividade, da materialidade, da culpabilidade, da juridicidade, do acusatório, do encargo da prova, do contraditório e o da legalidade, princípio esse que diz ser inviável cogitar a condenação de alguém e a imposição de respectiva penalidade se não houver expressa previsão legal, guardando esta a devida compatibilidade com o sistema constitucional vigente (GRECO, 2018).
Percebe-se que atualmente existem, basicamente, juristas defensores de um Direito Penal mais atuante e rigoroso, mesmo que isto acarrete a preterição de alguns direitos individuais quando houver interesse coletivo exigindo rápida e exemplar punição, enquanto há outros que se enfileiram na exigência de um Direito Repressivo mais humano, onde haja a efetiva sanção ao infrator, mas com critérios rígidos de respeito à dignidade da pessoa humana e que garantam um julgamento justo com ampla garantia dos direitos individuais, mesmo que estes venham a conflitar com o interesse estatal.
2.PORTE E POSSE DE ARMA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O ARMAMENTO CIVIL
Em decorrência do aumento generalizado dos riscos que o processo de evolução social ocasionou, naturalmente o sistema penal buscou alternativas legislativas objetivando, de alguma forma, frear os riscos que assolam a sociedade. Uma dessas alternativas foi tipificar algumas condutas análogas e afins aos delitos que correspondem atualmente à posse e o porte de arma de fogo.
A evolução da sociedade e a interação entre os povos proporcionada pelo avanço da tecnologia uniu os povos de diversos lugares e consequentemente trouxe para a sociedade divergências e conflitos oriundos das próprias relações humanas. Com a finalidade de solucionar esses conflitos e criar mecanismos que possam estruturar as relações humanos criaram-se diversos mecanismos legais a fim de impor limites e consequências aos atos considerados inapropriados para o ambiente social. Dentre as legislações existentes no Brasil para desempenhar esse papel, encontra-se a Lei nº 10.826, promulgada no dia 22 de dezembro de 2003 (MOREIRA, 2012).
Essa lei é conhecida popularmente como o Estatuto do Desarmamento e tem como finalidade regulamentar as questões referentes à utilização de armas de fogo em território nacional. Além da utilização, este instrumento normativo dispõe sobre os crimes praticados tendo como objeto as armas de fogo, assim como traz de forma expressa em seu preâmbulo da seguinte redação: “dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências” (BRASIL, 2003).
A matéria tratada pelo Código do Desarmamento é ampla e encontra-se tanto na esfera administrativa quanto na esfera criminal, uma vez que dispõe sobre o registro e comercialização da arma de fogo e também define os crimes praticados com a utilização desse objeto.
Um outro ponto que também é importante de ser relatado para a compreensão acerca dos vieses que envolvem o armamento civil são os tipos penais que estão ligados a posse e porte de arma de fogo. O Estatuto do Desarmamento foi responsável por delimitar, bem como também análise jurisprudencial. Com isso, é cabível a apresentação do teor dos artigos 12, 14 e também 16 do referido Estatuto. Esses artigos correspondentes ao delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido – art. 12; porte ilegal de arma de fogo permitido – art. 14 e o porte ou a posse de arma de fogo de uso irrestrito – conforme o art. 16, ao que, também é importante mencionar que a natureza do dileto pode ter impacto quanto a comprovação de ineficácia da arma.
Dentre os crimes previstos pelo Estatuto do Desarmamento encontra-se o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, trazido pelo art. 14, in verbis:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente (BRASIL, 2003).
Com uso de diversos verbos como adquirir, portar, ceder, possuir em depósito, mesmo que de forma gratuito, a manutenção sob vigilância, entre outros pontos, ao que concerne a arma de fogo, ou acessórios e munição, de uso permitido, mas sem a devida permissão ou em ofensa ao regulamento legal requerido para o porte do objeto. Aponta-se que, é preciso que se tenha mais do que o registro para que não decorra o tipo penal. Isso porque, o registro deve estar conforme as determinações legais em totalidade.
O tipo penal de uso de porte de arma de fogo de uso permitido é decorrente quando o portador mantém a arma com ele, o que difere do crime de posse, que é quando o mesmo a mantém em local como o seu trabalho ou residência. Ambos os delitos têm previsão no Estatuto do Desarmamento, porém, aponta-se apenas o crime de porte de arma de fogo de uso permitido. É preciso destacar que a arma, conforme o disposto legal é conforme a listagem de uso permitido, portanto, por motivos de brevidade, não serão abordados aspectos penais voltados para armas de fogo de uso não permitido. Aponta-se que, a arma de fogo, consoante o art. 3º, inciso XVII, do Decreto n. 3665/2000, é a que é permitido o uso para pessoas físicas e jurídicas em geral, conforme legislação do Exército (CAPEZ, 2014).
Estas armas possuem potencial ofensivo baixo, utilizadas para defesa pessoal e patrimonial. Armas de fogo curtas, longas raiadas, de alma lisa, de pressão por ação de gás comprimido ou por mola. Também são permitidas armas utilizadas em ações esportivas, que usem cartucho com pólvora de modo exclusivo e também são consideradas armas para uso industrial, com usufruto de projéteis anestésicos para finalidades veterinárias (BRASIL, 2000).
Desse modo, aquele que portar arma de modo ilegal ou contrário, existem também requisitos legais que, qualquer uma das armas listadas acima, acaba sendo considerado o crime de porte ilegal de arma de fogo, consoante previsão do art. 14, do Estatuto do Desarmamento.
O tipo penal do porte ilegal de arma de fogo, conforme a finalidade do Estatuto, é o de crime múltiplo, tendo em vista que apresenta diversas considerações verbais para a sua caracterização. O crime mencionado é um tipo alternativo, mediante a possibilidade verbal apresentada pelo Estatuto. Com isso, aquele que portar, adquirir, fornecer, transportar, ceder, entre outros, acabará por ser enquadrado em delito único, conforme princípio da alternatividade (CAPEZ, 2014).
O bem jurídico de proteção do delito em comento é a incolumidade pública, tendo em vista a proteção coletiva. É delito de perigo abstrato, pois há presunção absoluta da Lei de risco a ser sofrido pelo coletivo em face de quem porta arma de fogo sem a devida autorização para tal. Portanto, o mero porte da arma de fogo é uma ação que caracteriza o tipo penal. Não é preciso que seja efetivada uma situação de perigo, mas sim a presunção de que, com a posse sem autorização, há a possibilidade devida quanto a tal aspecto (SMANIO, 2016).
Por sua vez, o objeto material do crime apresentado é a arma de fogo em si. Isso porque, a posse de armas de uso proibido/restrito é considerado delito mais gravoso, conforme o art. 16 do Estatuto do Desarmamento; bem como porte de arma que houver raspagem de numeração ou qualquer outro tipo de identificação, o que é um delito diferenciado. É preciso apontar que, o porte de mais de uma arma de fogo é compreendido como uma situação única de perigo para o coletivo, portanto, somente será incidido um delito de porte de arma de fogo, desde que, todas as armas sejam de uso permitido (SMANIO, 2016).
Por se tratar de delito de perigo abstrato, conforme apontado anteriormente, a ocorrência dos elementos da tipificação penal já garante a consumação do crime, não sendo necessária uma exposição efetiva de outrem ao risco, para que o delito seja considerado consumado. Desse modo, não há a necessidade de avaliar o perigo real para a sociedade. A consumação é oriunda do agente portar arma de fogo de uso permitido sem possuir a devida autorização legal (ZUBEN, 2013).
Os delitos de posse e porte de armas de uso permitido e também de uso legal não são semelhantes. É preciso ainda separar o delito com a possibilidade de sua consideração com o porte de acessórios ou munição, mesmo sem a presença da arma. É preciso apontar que, essa transição deu origem a polêmica envolvendo vacatio legis de crimes previstos em nova Lei, pois, no artigo 30 apontava 180 dias como prazo após sua publicação para que fosse efetivado o texto legal. Contudo, a Lei de Armas disponibilizou no artigo 20 a tipificação penal teve sua vigência suspensa.
Conforme o exposto acima é possível observar a decisão da 1ª Turma Recursal do Distrito Federal que se posiciona da seguinte maneira:
HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ACÓRDAO DA EGRÉGIA PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DISTRITO FEDERAL QUE CONFIRMOU SENTENÇA CONDENATÓRIA POR INFRAÇÃO AO ART. 10 DA LEI 9.437/97 – PRETENSÂO AO RECONHECIMENTO DA ABOLITIO CRIMINIS – NÂO OCORRÊNCIA - POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO - ARTIGO 10 DA LEI 9.437/97 - DECRETO 5.123/2004 - PRAZO PARA REGULARIZAÇÃO. ARTIGO 12 DA LEI 10.823/2006 – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – “1. EMENTA - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA. VACATIO LEGISTEMPORÁRIA. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA. 1. Os artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento referem-se a possuidores e proprietários de armas de fogo. O artigo 29 e seu parágrafo único dispõem sobre a autorização para o porte de arma de fogo. Aos possuidores e proprietários a lei faculta, no artigo 30, a regularização, mediante comprovação da aquisição lícita, no prazo assinalado. O artigo 32 obriga, aos que não puderem demonstrar a aquisição lícita, a entrega da arma à Polícia Federal, no prazo que estipula. 2. O artigo 29 e seu parágrafo único, da Lei n. 10.826/2003, dizem respeito às pessoas autorizadas a portar armas de fogo. Dispõem sobre o término das autorizações já concedidas (caput) e a propósito da renovação (parágrafo único), desde que atendidas as condições estipuladas nos seus artigos 4º, 6º e 10. 3. O prazo legal estipulado para regularização das autorizações concedidas não configura vacatio legis, do que decorreria a abolitio criminis temporária, no que tange ao crime de porte de arma de fogo por pessoa não autorizada. 4. A vingarem as razões recursais, chegar-se-ia ao absurdo de admitir, no prazo fixado para regularização das autorizações, o porte de arma de fogo por pessoas e entidades não arroladas nos incisos I a IX do artigo 6º da Lei n. 10.826/2003. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (in Recurso em Habeas Corpus número 86681, DJ 24-02-2006, pág. 25, Relator Eros Grau).” 1.1 “ EMENTA HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO-OCORRÊNCIA. O prazo de cento e oitenta dias previsto nos artigos 30 e 32 da Lei n. 10.826/2003 é para que os possuidores e proprietários armas de fogo as regularizem ou as entreguem às autoridades. Somente as condutas típicas 'possuir ou ser proprietário' foram abolidas temporariamente. A vingar a tese de abolitio criminis temporária quanto ao porte ilegal, chegar-se-á ao absurdo de admitir que qualquer pessoa pode transitar livremente em público portando arma de fogo. Ordem denegada. (in Habeas Corpus número 88594, DJ 02-06-2006, pág. 44, Relator: Eros Grau). 2. “HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - DENÚNCIA QUE IMPUTA A PRÁTICA DO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA - FATO PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEI ANTERIOR - VACATIO LEGIS TEMPORALIS DECORRENTE DA REGULAMENTAÇÃO DO NOVO ESTATUTO DO DESARMAMENTO - ABOLITIO CRIMINIS - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVA TÍPICA - AGRAVAMENTO DA SANÇÃO - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM DENEGADA - UNÂNIME. Notadamente, o Estatuto do Desarmamento não descriminalizou o crime de posse de arma de fogo; pelo contrário, tornou a sanção mais severa ao aumentar a pena máxima em abstrato para 3 (três) anos de detenção. A abolitio criminis ocorre quando a Lei posterior deixa de considerar o fato criminoso, o que não ocorreu in casu, tendo em vista que houve até o agravamento da sanção. Verifica-se, pois, na hipótese, o princípio da continuidade normativa típica a tornar inviável a extinção da punibilidade do paciente por ter incorrido, em tese, no delito previsto no artigo 10 da Lei n 9.437/97.
(20050020095323HBC, Relator LECIR MANOEL DA LUZ, 1ª Turma Criminal, DJ 14/12/2005 p. 140). 3. Ordem denegada.
Verifica-se que mesmo a legislação cedendo um prazo de 180 dias, para a regularização da arma de fogo, a jurisprudência afirma que mesmo dentro deste prazo, o fato acima discutido continua sendo crime.
Para uma melhor ilustração de como está seguindo a aplicabilidade desse novo ordenamento, agora aperfeiçoado, sobre o porte de arma, cita-se a decisão da 5ª Turma do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO.ART. 14 DA LEI 10.826/2003. PORTE DE ARMA. AUSÊNCIA. TIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. RECURSO PROVIDO.1410.826I. O porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (incluído no tipo os acessórios e a munição) é crime comum, de mera conduta, isto é,independe da ocorrência de efetivo prejuízo para a sociedade, e de perigo abstrato, ou seja, o mau uso do artefato é presumido pelo tipo penal.II. Considera-se materialmente típica a conduta daquele que, mesmo sem portar arma de fogo, é surpreendido portando qualquer de seus acessórios ou munição.III. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(1191122 MG 2010/0073658-0, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 05/05/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2011).
Esta jurisprudência enfatiza o teor do artigo 14 da lei supracitada, mostrando a eficácia de suas modalidades, utilizando-se da espécie de crime de perigo abstrato. Verifica-se que neste crime, não há necessidade do perigo concretamente demonstrado, e sim pelo simples fato portar ou possuir. O artigo relatado estende-se não só a portar arma de fogo, mas também a portar seus acessórios ou munições.
Nesse ínterim, tem-se a importância quanto a exposição acerca da posse ilegal de arma. Inicialmente, o delito que trata da posse irregular de arma de fogo de uso permitido, teve como objetivo prever apenas as condutas que aferem possuir ou ter sob guarda, conforme disciplina do texto da legislação vigente:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa (BRASIL, 2003).
O referido artigo, também tratou de especificar a possibilidade de ocorrência do delito quando a arma for encontrada dentro da residência ou do local de trabalho, uma vez que o possuidor seja o titular ou responsável legal pelo estabelecimento comercial. No mais, frise-se que o registro assegura o direito à posse de arma, sendo assim, a ausência deste registo, por si só, já torna a posse irregular, configurando assim o cometimento do delito, pelo possuidor da arma de fogo.
Em seu artigo 16 o Estatuto do Desarmamento trouxe um novo tipo penal, que se destinava especialmente às condutas relacionadas às armas de fogo de uso restrito ou proibido, é o que se extrai da redação da aludida norma:
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa (BRASIL, 2003).
Mostra-se fundamental destacar que se trata de uma norma penal em branco, dado que as armas de uso restrito estão delimitadas no Decreto nº 3.665/2000, o qual aponta em seu artigo 3º, inciso LXXX, que armas, acessórios e munições de uso restrito e de uso proibido são sinônimos e, por serem de uso restrito, são controladas pelo exército e só podem ser utilizadas pelas forças armadas, ou quando autorizadas pelo exército, por algumas instituições de segurança, pessoas físicas ou pessoas jurídicas habilitadas. Já no artigo 16 do mesmo texto normativo é apresentado um rol taxativo que determina as armas, acessórios e munições de uso restrito. Convém indicar que o referido artigo prescreveu os mesmos núcleos previstos nos artigos 12 e 14, já destacados no presente trabalho, com uma nova circunstância que, neste caso, é a condição da arma de fogo ser de uso restrito ou proibido (ALMEIDA, 2017).
Para Nucci (2014), objeto material nestes crimes pode ser a arma, o acessório ou a munição. Cabe apontar que é indiferente em todas as tipificações para a ocorrência do crime se foi encontrado com o acusado: arma de fogo, acessório ou munição. De modo mais específico, para os efeitos da lei, arma de fogo é a arma que funciona por intermédio de deflagração de carga explosiva; acessório é todo apetrecho para a arma de fogo no qual a posse é regulada em lei, como por exemplo o silenciador; e munição consiste no artefato explosivo que pode ser deflagrado pelas armas de fogo, como o cartucho, que permite disparo do projétil de chumbo, ou, de outro turno, no caso de carregamento da arma pelo cano (antecarga), a pólvora, a bucha e o material utilizado como projétil também podem ser considerados munição.
É uma realidade cruel no Brasil quanto aos crimes violentos. Desse modo, é preciso que existam respostas para a sua redução. De certo modo, o desarmamento da população civil foi uma rápida resposta para essa situação. A criminalização se apresenta como um meio rápido para essas políticas gerais, mas talvez não seja a mais eficaz. O estudo de motivos e consequências desses atos ensejou em uma forma de compreensão crítica com deliberação para que seja alcançado o estado de segurança para a sociedade.
Ratis dispõe que:
No que se refere a incidência no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), 17.950 mil pessoas foram presas pelo porte ilegal de armas (art. 14 do Estatuto); 2.275 mil pessoas presas por disparo de arma de fogo (art. 15 do referido Estatuto); 11.507 mil pessoas presas pela posse ou porte de arma de fogo de uso restrito (art. 16 do Estatuto) e 383 pessoas presas por comércio ilegal de arma de fogo ou tráfico internacional de armas de fogo (art. 17 e 18 do Estatuto). Dessa forma, tem-se um total de 32.115 mil pessoas presas por violação dos dispositivos presentes no Estatuto do Desarmamento. Pode-se concluir que com entrada em vigor da Lei 10.826/03, houve um aumento do número de presidiários no Brasil. Através dos dados, é possível observar como esse percentual é relevante dentro dos presídios brasileiros e que na prática, poucas melhorias ocorreram após sua vigência (RATIS, 2018).
Com análise do Estatuto do Desarmamento, são nítidos os efeitos contrários a sua finalidade. Isso porque, é omissa a ação do Estado quanto a segurança que a população necessita, mas não ofertam pela segurança pública. Em face de toda a realidade violenta, com o advento da proibição de armas, nota-se o estado de refém do cidadão da criminalidade. É determinado pela Constituição Federal de 1988, os direitos fundamentais para o indivíduo em sociedade, como direito a honra, vida, dignidade e segurança, porquanto, normas que tragam insegurança para os cidadãos.
O teor do artigo 5º da Lei Maior aponta a garantia concedida a todos os cidadãos residentes no Brasil a inviolabilidade quanto aos seus direitos à liberdade, igualdade, vida, propriedade e segurança. É previsto no inciso X do artigo em comento que, é inviolável o direito a vida privada, honra e intimidade. Já no artigo 1º, item III, é garantido o princípio de dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
Nos termos do artigo 225 do Códex em comento, a qualidade de vida é concedida a todos em sociedade. Aponta-se que, o direito a liberdade, vida, dignidade, incolumidade física, propriedade, honra e segurança são considerados como bens jurídicos que são garantidos pela Constituição Federal, não existindo quaisquer dúvidas que esses direitos são invioláveis e intransponíveis.
Ratis ainda complementa que:
Os crimes violentos são uma realidade no Brasil e busca-se ao longo dos últimos anos alguma resposta para diminuí-los. Criminalizar, a exemplo do Estatuto do Desarmamento, não nos parece o método mais eficaz a seguir. No que se refere ao combate contra o crime organizado (aqui englobado o tráfico de drogas, o de seres humanos, exportação de armamento proibido e outros tipos de corrupção) é difícil vencê-lo através da punição individual do autor, porque a organização criminosa não se acaba e sua estrutura não é abalada (RATIS, 2018).
Mediante essa realidade, é notória a percepção que as armas de fogo não atuam como vetores de homicídios crescentes que são registrados no Brasil. Diante desses fatos é necessária a desenvoltura de políticas públicas preventivas. É um equívoco o pensamento que, o Estatuto do Desarmamento, com estabelecimento de uma relação direta entre o porte de armas e o comércio seria responsável para a diminuição da criminalidade.
É ainda preciso ressaltar que, os problemas derivados do armamento civil são iniciados com o aumento do quantitativo de armas em circulação Isso porque, com ampla liberação, a lógica de que mais armas disponíveis geram mais crimes é assertiva. Uma outra problemática é também a disponibilidade e facilidade para até o porte de arma de fogo, pois, existem estudos que apontam que o porte eleva risco de morte do agente proprietário.
Além dos riscos para os proprietários, existem também riscos diretos para os familiares do mesmo. Isso porque, existem diversos relatos e estudos que apontam a preocupação quanto a crescente de suicídios, feminicídios e mortes de crianças. As armas potencializam tragédias. Mesmo com o devido acompanhamento psicológico para quem tenha abalo emocional e psicológico, ainda há quem utilize essa ferramenta para se ferir ou acabam culminando em suicídio em momentos de crises depressivas ou ansiosas.
Por esse aspecto, é indicado que armas não sejam manuseadas em residências, não para diminuir o risco para jovens, mas também pelo aumento do índice de suicídios em população com mais de 25 anos. Não é possível saber das lutas internas até mesmo de quem está próximo, mas é possível trazer menos riscos, não expondo objetos mortais a aqueles que podem se ferir ou a outros.
Em muitos momentos, é inevitável que crianças se acidentem, pois a fase da infância é importante para o desenvolvimento. A vontade de aventuras e também a curiosidade infantil são aspectos que devem ser estimulados. Por isso é necessária a proteção a crianças e adolescentes para que acidentes não sejam fatais. A facilidade em achar objetos perigosos como armas de fogo é um dos fatores que resultaram em trágicas histórias em que crianças acharam armas escondidas e suas vidas foram ceifadas.
Um outro ponto que deve ser levado em consideração para os perigos do armamento civil é a violência contra a mulher. Para muitas mulheres que estão em situação de vulnerabilidade, suas residências e moradia com pais, namorados ou maridos agressores, não possuem a possibilidade de recorrer a outros meios. A ameaça é uma ação constante em lares violentos.
Pode-se imaginar que, armas em uma residência poderiam ser mecanismos de proteção para mulheres vítimas de violência doméstica. Porém, é preciso considerar os casos em que a vítima não consegue utilizar a arma. Muitos são os casos em que, a posse de uma arma torna uma agressão física em morte. Os índices de feminicídio são elevados em todo o mundo e é preciso considerar que o armamento civil pode ser um vetor para um aumento, ainda mais, exponencial.
É preciso também considerar que, nenhum dos países com política armamentista conseguiu solucionar a violência pública com o armamento civil. Essa não é a solução. É preciso que haja uma revisão no teor do Estatuto do Desarmamento para que possa existir um controle efetivo de armas de fogo. É preciso que sejam implementadas medidas de fiscalização e controle para que o teor do Estatuto do Desarmamento seja cabível a realidade brasileira.
Isso porque, o uso de armas de fogo no Brasil possui um alto índice. O controle de armas no País é para o controle dos índices de armamento, para a população e também para que seja possível controlar o armamento voltado para a criminalidade. Para que seja possível entender o controle de armas, é necessário apontar o que a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1995 apresentou como “segurança humana”, com a finalidade de compreender e proporcionar segurança e direitos da pessoa humana, em conjunto com a segurança estatal (BANDEIRA, 2019).
Consoante o site da Câmara dos Deputados, o controle de armas possui o objetivo de que aqueles que sejam posse ou porte de armas de fogo cumpram os requisitos básicos legais. É também uma tentativa para a redução e o controle do uso de armas no País.
É necessário aplicar o controle de arma de fogo em razão das inúmeras tragédias que são decorrentes também do tráfico de armas, para que seja possível combater o armamento criminoso. Considerando que a criminalização é ligada ao uso de armas, o controle é advindo do Estatuto, com a finalidade de assegurar que aqueles que não deveriam consigam a posse de uma arma de fogo.
É necessário também a análise da violência social. A observação de casos que estão relacionados a posse ou porte de arma, sob a égide de emoções e condições mentais de indivíduos é um fator a ser considerado na discussão deste artigo. Existe o posicionamento acerca da posse de armas para combater a violência, contudo, existem alegações acadêmicas e científicas que a violência é resultado de questões desigualdade social no País e ainda defendem que a posse de arma não é um meio cabível para solucionar a problemática da violência.
A violência que se menciona aqui tem a influência das diferenças de locais no Brasil, cultura, educação e costumes que o ser humano está cercado, aspectos aplicados para a construção de valores e a vivência social. Mediante essa consideração, não é a posse de arma que acabará com a violência. O cerne do problema é a desestrutura estatal em face do controle social.
É também cabível apresentar que a violência também é decorrente de valores do ser humano, assim como da sua psique, por conseguinte, impulsos gerados por uma situação podem gerar agressividade, portanto, as emoções são responsáveis pela reação a situações, especialmente estressoras e que podem desencadear homicídios ou lesões corporais.
A análise da emoção nesse contexto é cabível, pois, assim como mencionado anteriormente, existem muitas situações em que, o acesso a uma arma de fogo desencadeou situações de violência e violação a integridade e a vida humana. Portanto, traz-se o que Ekman aponta:
As emoções determinam nossa qualidade de vida. Elas acontecem em todos os relacionamentos que nos interessam: no trabalho, em nossas amizades, nas interações familiares e em relacionamentos íntimos. Podem salvar nossas vidas, mas, também, causar danos. Podem nos fazer agir de um modo que achamos realista e apropriado, mas também nos levar a agir de maneira extrema, causando arrependimento mais tarde (EKMAN, 2011, p. 13).
A facilidade para o acesso a uma arma de fogo é um vetor negativo para a violência. Isto posto, quanto maior o alcance para a posse de uma arma em uma residência, maiores são as chances em que circunstâncias de descargas emocionais gerem situações criminosas e que ferem a integridade física ou até mesmo ceifar a vida de alguém.
Conforme Ekman (2011), as emoções podem culminar em reações impróprias, com demonstrações emocionais de modo correto, mas com intensidade incorreta. Desse modo, aponta-se que o ser humano pode ser prejudicado pela emoção errada, mas também pela emoção com extrema intensidade, o que pode ser uma perigosa combinação com a posse de arma de fogo. A raiva é uma emoção que desencadeia diversas ações em que retiram a lógica do indivíduo e a sua consideração ao que é certo e errado, ao lícito e ao ilícito.
O maior perigo da raiva é quando o ser humano está inserido em uma situação constrangedora. Uma situação pode ser agravada rapidamente, sem que o indivíduo perceba ou que possa agir com controle, sendo então suas ações voltadas e guiadas pelo sentimento. A ação feita pelo comando da raiva pode gerar uma conduta inconsciente e inconsequente.
As pessoas se arrependem do que disseram em um momento de raiva. Em seu pedido de desculpas, explicam que estavam dominadas pelo sentimento e postulam que o que disseram não foi exatamente o que queriam dizer; suas atitudes e crenças verdadeiras foram distorcidas pelo poder dessa emoção. A frase “perdi a cabeça”, facilmente enquanto resta um traço de raia e podem não desfazer o dano cometido. Quando se trata de uma questão de palavras em momentos errados o dano não chega a ser tão gravoso, e se falarmos no dano que pode ser causado na hora da raiva se o indivíduo esta com uma arma de fogo em mãos? O dano pode ser reparável? (EKMAN, 2011, p. 130).
Quando há a junção da raiva, como emoção, e a possa de arma de fogo, podem ser desencadeadas com maior facilidade, situações de lesões, de diversos níveis de gravidade, que podem ser irreparáveis e até mesmo, homicídios, que podem, pela ação ter sido gerada pela raiva, resultar em arrependimento posterior ou até imediato. Nesse mesmo sentido, foi conduzido um estudo intitulado Emotion and Aggressive Intergroup Cognitions: The ANCODI Hypothesis, por Matsumoto, Hwang e Frank (2017), ao qual apontaram que a raiva é um sentimento que pode ser considerado como um dos maiores vetores para a violência. Os autores apontam que:
A raiva vem sendo relacionada com ações normativas sociais, como a participação em demonstrações, concordar com posicionamentos ou participações diversas na desobediência de atos civis, com isso, seu conteúdo é relacionado com ações não-normativa, como sabotagem, violência ou terrorismo (MATSUMOTO; HWANG; FRANK, 2017, p.1; tradução nossa).
As emoções, além da raiva, podem ser significativos vetores de violência. É cabível apontar que, quando se menciona violência, esta é abrangente em diversas questões. Contudo, se houver a relação da violência com a fácil acessibilidade de armas de fogo, há um aumento significativo de risco para a sociedade.
Além disso, é preciso apontar também que o instituto da violenta emoção, ao qual representa que, os indivíduos podem agir com base em emoções em situações extremas. Em conformidade com Lenza (2013), é uma situação em que o indivíduo está significativamente alterado, que não “mede suas ações”, o que diverge de ações que seriam o resultado de um estado emocional neutro.
Desse modo, consoante o posicionamento doutrinário desfavorável ao armamento civil, a afirmação que o armamento combaterá a criminalidade é vaga. Isso porque, não basta que o indivíduo esteja armado para autoproteção, pois, essa prerrogativa pode desencadear tragédias de ordem culposa ou dolosa. Um exemplo desse aspecto é quanto as inúmeras tragédias que foram decorrentes pela arma de fogo guardada em residência.
Em especial os casos que envolvem crianças são inúmeros, consoante estudo realizado por Pinho, Rodrigues e Estarque (2019), ao que apontaram que, em média, as ocorrências registradas são de a cada três dias, uma criança dá entrada no hospital em função de acidentes domésticos e por tragédias de arma de fogo. Com isso, o Ministério da Saúde apontou que, entre 2015 a 2018, houve 618 internações de crianças de até 14 anos, motivadas por armas de fogo.
Em função a todos os pontos levantados aqui, o armamento é necessário para o devido combate a criminalidade e também para a defesa da sociedade. Portanto, o armamento civil, especialmente para quem deseja a posse ou porte para uso indevido, sem a aplicação de controle, é uma circunstância que deve ser observada pelo Estado.
A pesquisa demonstrou que a norma infraconstitucional responsável pelo controle de armas para a redução das taxas de criminalidade não apresenta eficácia para este objetivo, tendo em vista as diversas limitações que a Lei possui quanto a compra e o porte de armas, ensejando em privação do cidadão quanto ao exercício de sua legítima defesa em face de estado de insegurança pública.
As armas de fogo fazem parte da vida humana desde os primórdios. São responsáveis por regulação de conduta de vidas em sociedade, pois, para o cumprimento e execução dos dizeres legais, é preciso que existam meios de coação em casos de infratores desafiarem os preceitos da Lei em casos de insubordinação.
Para a realidade do Brasil, o porte e posse de armas pode ser verificar que é realizado por um seleto grupo de indivíduos, com sua aquisição conforme a Lei, sendo um número ainda mais seleto que possuem a prerrogativa de porte. Ademais, é restrita a aquisição de munições, o que enseja em lacunas quanto a melhorias técnicas para o uso de armas de fogo pela sociedade civil.
Registra-se que, esta pesquisa não visa o incentivo para a posse e porte de armas de modo irresponsável, nem mesmo a repetição e recompensa de qualquer agressão que seja sofria, pois, sugere-se pelo uso em extremos casos de necessidade, apenas para a defesa, mas sempre buscando a segurança.
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Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade Brasil, Campus de Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Larissa Barbieri de. Armamento civil: eficaz ou perigoso? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58372/armamento-civil-eficaz-ou-perigoso. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
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Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
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