ANDRÉ DE PAULA VIANA.[1]
(orientador)
RESUMO: A violência contra as mulheres é considerada um problema de saúde pública, de direitos humanos, de segurança pública e de justiça, ocasionando um elevado número de homicídios e lesões corporais no Brasil, além de outros tipos de violência como moral e psicológica. As questões culturais como machismo, patriarcalismo e outros tipos de subjugação do gênero feminino ainda são os fatores mais determinantes nos casos de violência doméstica, que geralmente, tem devido à violência doméstica um motivo fútil. Nesse contexto, foram criados instrumentos de proteção e defesa da vítima como forma punição dos agressores, sendo a Lei Maria da Penha a legislação mais importante, que possibilita a decretação da prisão, além de aumentar as penas e outras medidas protetivas. Isso posto, o presente artigo destina-se a discorrer sobre os direitos assegurados na legislação em vigor, e principalmente debater sobre a questao do endurecimento da norma legal, provocando denúncias somente quando as lesões se tornam mais graves, colocando em risco a vida das mulheres. Dessa forma, não obstante haja avanços legislativos, a luta eficiente contra a violencia deve ser feita gradualmente por meio da educação, conscientização, entre outras medidas serem transpostas como medida de evolução social, que foi por séculos cultuada pela sociedade brasileira e encontra-se em um processo contínuo de aprimoramento.
Palavras-chave: Violencia doméstica; Lei Maria da Penha; Medidas protetivas.
ABSTRACT: Violence against women is considered a public health, human rights, public safety and justice problem, causing a high number of homicides and bodily injuries in Brazil, in addition to other types of violence such as moral and psychological. Cultural issues such as machismo, patriarchy and other types of subjugation of the female gender are still the most determining factors in cases of domestic violence, generally, domestic violence has a futile motive. In this context, instruments for the protection and defense of women were created as a form of punishment for aggressors, with the Maria da Penha Law being the most important legislation, which allows for the decree of imprisonment, in addition to increasing penalties and other protective measures. That said, this article is intended to discuss the rights guaranteed in the legislation in force, and mainly to debate the issue of the tightening of the legal norm, provoking complaints only when they become more serious, putting women's lives at risk. In this way, despite legislative advances, the efficient fight against violence must be done gradually through education, awareness, among other measures to be transposed as a measure of social evolution, which has been worshiped by Brazilian society for centuries and is now in an ongoing process of improvement.
Key-words: Domestic violence; Maria da Penha Law; Protective measures.
INTRODUÇÃO
De acordo com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (2011), elaborada pelo governo federal brasileiro, a violência doméstica contra a mulher é fenômeno complexo, que ultrapassa o ato de agressão em si. Possui raízes profundas no cenário brasileiro, tendo em vista o patriarcalismo histórico marcado pela subjugação do gênero feminino.
Nesse contexto, surgiu a Lei nº 11.340/2006, denominada como Lei Maria da Penha devido a um caso real de agressão física contra a mulher.
A norma é de fundamental relevância na contribuição da conscientização da população, considerando seu caráter protetivo e assistencial, sendo um estímulo para que as ofendidas denunciem seus agressores para as entidades competentes.
Apesar de a finalidade da lei ser a proteção da dignidade e física e psicológica da vítima com o encarceramento dos ofensores, a controvérsia transcende a punição pela privação de liberdade. Isso porque é possível observar na prática que o endurecimento legislativo tão somente não está relacionado a diminuição de agressões, mas acaba por provocar diminuição de denúncias.
A concretização se dá na prevenção, com a promoção de políticas públicas voltadas ao direito da mulher, bem como a conscientização da sociedade como um todo.
Pelo exposto, o presente trabalho se propõe a traçar ponderações sobre a (in)eficácia do endurecimento medidas protetivas contidas na Lei Maria da Penha no âmbito da violência doméstica e familiar em desfavor da mulher.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A LEGISLAÇÃO PROTETIVA
A violência doméstica contra a mulher, além de ser uma grave violação de direitos humanos (OPAS, 2020), possui caráter social e histórico, conquanto o debate a respeito do tema se intensifica nos dias atuais. No entanto, apesar de muito se falar de violência, a sociedade brasileira ainda se organiza a partir de um mito da não violência que mascara e denega uma cruel realidade no país (CHAUÍ, 2003).
Entende-se que é um problema que atinge a sociedade diariamente, sendo possível constatar a prevalencia frequente de ocorrências na mídia. Em função disso, o Brasil é um dos países com maior destaque no que se refere à violência doméstica, ocupando a 5ª posição, consoante a Organização das Nações Unidas – ONU (SANTOS et al., 2018)
Para que haja superação deste tipo de vioência, é imprescíndivel que haja mudança em todos os ambitos da sociedade (BIANCHINI, 2021). A consumação de legislações protetivas às mulheres - e penalizatórias aos agressores possui grande relevância na contribuição da conscientização da população, considerando seu caráter protetivo e assistencial, sendo um estímulo para que as ofendidas denunciem seus agressores para as entidades competentes.
Dias (2019) entende que o silêncio de mulheres que são atingidas pela violência diariamente origina-se do temor de sofrerem julgamentos da sociedade ou dos próprios familiares, fazendo com que as vítimas se sintam culpadas pela agressão sofrida sempre que o repertório legislativo criminal falha em garantir sua proteção.
Entre outros fatores, o silêncio também fundamenta-se no fato de que apesar de ter conseguido enfrentar diversos obstáculos advindos da diferença do gênero, como ingressar no mercado de trabalho, a mulher obteve sucesso em atingir a atribuição de provedora do lar, o que impôs ao homem o dever de assumir responsabilidades domésticas e de cuidado com os filhos. Justamente por isso, tal transformação permite o afastamento do parâmetro estabelecido anteriormente e, somado à resistência injustificada de permitir que o Estado interferisse nas relações domésticas, como esperado, trouxe muita insegurança e inúmeros conflitos (DIAS, 2019).
No Brasil, a temática torna-se conteúdo central das agendas feministas, especialmente no contexto de redemocratização (décadas de setenta a noventa). Especialmente preocupada com a violação cotidianamente suportada no âmbito privado das relações afetivas, evidenciou-se alguma oportunidade política de incorporação de discursos protetivos nas pautas governamentais, o que resultou, inicialmente, na aliança entre Estado e representantes de movimentos sociais, através da criação de órgãos institucionais voltados à prestação de serviços integrados na seara jurídica, psicológica e de orientação das vítima.
As autores Amancio e Bomfim (2020, p. 48), aduzem que mesmo após o advento da Lei nº 11.340/2006, a qual, com o escopo “de impedir a esse tipo de violência, instituiu uma série de medidas protetivas, a morte feminina em razão do gênero ainda se faz muito presente na sociedade”. Sendo assim, infere-se que apesar de o objetivo da lei ser a proteção da integridade física e psicológica da vítima com o encarceramento dos ofensores, a discussão transcende a punição pela privação de liberdade. Isso porque é possível observar na prática que o endurecimento legislativo tão somente não está relacionado a diminuição de agressões, mas acaba por provocar diminuição de denúncias.
Cerqueira et al. (2019) apontam que a efetividade depende da inovação em serviços protetivos, com a promoção de políticas públicas voltadas ao direito da mulher, além da conscientização da sociedade como um todo.
O magistrado o juiz e a autoridade policial, resguardadas as hipóteses estabelecidas na legislação, podem fixar diligências de urgência, exemplificando o afastamento do lar; proibição de chegar perto da vítima ou de frequentar determinados locais; suspensão de porte de armas (CUNHA, 2021).
Existem medidas que são voltadas a vitima, tais como encaminhamento dela e dos filhos para programas de tutela e afastamento da casa, sem que perca seus direitos em relação aos bens do casal.
Como muitas vezes a mulher subordina-se economicamente da pessoa que a agride, o juiz pode determinar, como medida protetiva, o pagamento de pensão alimentícia para a ofendida e/ou filhos/as.
Ademais, nas hipóteses de violencia cometida em âmbito conjugal (marido-mulher, companheiro-companheira, companheira-companheira), o juiz pode tomar providências para evitar que a pessoa que comete a violência se desfaça do patrimônio do casal e prejudique a divisão de bens em caso de separação.
Insta salientar que há ocorrencia deste delito independe de sua orientação sexual. A jurisprudência pátria vem admitindo a observancia destes preceitos normativos em casos de proteção em face da mulher trans (STJ, 2022).
Pode figurar no polo ativo os maridos, namorados, companheiros, que morem ou não na mesma moradia que a mulher; e até mesmo outros membros da família, como por exemplo, mãe, filho/a, neto/a, cunhado/a, desde que a vítima seja mulher (CUNHA, 2021).
Interessante mencionar que pode ocorrer inclusive entre pessoas que moram juntas ou frequentam a casa, mesmo sem ser parentes, a título exemplificativo a relaçao entre patrão/oa da empregada doméstica.
Pelo exposto, o presente trabalho se propõe a traçar considerações sobre a (in)eficácia do endurecimento medidas protetivas contidas na Lei Maria da Penha no âmbito da violência doméstica e familiar em desfavor da mulher.
2 A IMPORTANCIA DO TEMA NA ATUALIDADE
O debate do tema justifica-se pois atinge mulheres de inúmeras classes sociais e de diversas idades no Brasil, e devido sua proporção, esse tipo de crime demanda atenção, haja vista que os índices não negam a realidade.
Merece destaque o posicionamento da inspiradora da norma em debate:
É a cultura que faz com que o homem aprenda na sua casa que agredir é normal, porque viu seu pai agredindo sua mãe, seu avô agredindo sua avó e isso ser justificado como uma conduta natural. Por isso, temos agressões em todas as classes, juízes agressores, deputados agressores, médicos agressores. Enfim, todo e qualquer homem pode ter se tornado um agressor pela educação que recebeu (PENHA, 2016).
Por muito tempo a mulher que sofre a violência foi negligenciada, e com os avanços sociais, tornou-se imprescindível a edição de mecanismos legislativos destinados ao enfretamento desse problema. É o caso da Lei 11.340/2006, que será o enfoque desta pesquisa.
Deste modo, a violência de gênero representa não proporcionar possibilidade para fuga e as mulheres que experimentam essa situação de vulnerabilidade, mesmo que se empenhem grandiosamente, não são eficazes ao achar uma solução de emergência e reconstruir suas vidas, porque geralmente elas se sentem sozinhas e desamparadas, tendo somente o agressor como única testemunha do seu sofrimento (CARNEIRO, 2012).
Após uma árdua luta histórica alicerçada pelos movimentos de mulheres juntamente com a cooperação dos poderes públicos no enfrentamento ao combate a violência doméstica e familiar, ocasionado pelos altos índices de morte de mulheres no país. Além da pressão internacional, o Brasil sancionou a Lei 11.340/2006 com objetivo criar estratégias para impedir e prevenir a violência doméstica, nos termos do §8º do art.226 Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
A conceituação de violência está disposta no artigo 5º, da Lei 11.340/06, como sendo toda e qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause a mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de danos morais e patrimoniais.
Em verdade, a Lei Maria da Penha estabelece o início de uma nova era para as vítimas de violência doméstica, proporcionando-lhes a reaquisição resda dignidade, o respeito e o confiança dos operadores jurídicos.
Por esta razão, a Lei 11.340/2006, sob fundamento de normas de emergência, instituiu importantes modificações no âmbito juridico-criminal.
No que tange aos direitos fundamentais, os arts. 2° e 3° da Lei Maria da Penha enumeram direitos e garantias fundamentais inatos à pessoa humana que devem ser assegurados a toda e qualquer mulher (LIMA, 2020).
Lima (2020) prossegue e afirma que mesmo que pareça redundante o texto dos dispositivos, já que tais direitos seriam inerentes a todo e qualquer ser humano, seja ele do sexo masculino ou feminino, é importante destacar que isso se faz necessário pois historicamente, a construção dos direitos fundamentais ocorreu, inicialmente, com a exclusão da mulher. (LIMA, 2020)
3 NOVIDADES LEGISLATIVAS
A Lei nº 14.132/2021 incluiu o art. 147-A ao Código Penal, para prever a infração penal de perseguição, também conhecido como stalking, e revogou a contravenção de molestamento, prevista no art. 65 da Lei das Contravenções Penais, punindo de forma mais severa esse tipo de conduta.
O delito de perseguição, incluído pelo art. 147-A do CP, tutela a liberdade do indivíduo, caracterizando-se, a priori, como delito de perigo, vez que se revela como delito de passagem para diversos outros delitos. A conduta, conhecida por stalking, é a perseguição persistente, na qual o sujeito ativo pratica, reiteradamente, comportamentos ameaçadores sob o aspecto físico ou psicológico, contra alguém, ou ainda condutas invasivas e perturbadoras à
esfera da liberdade ou privacidade da vítima.
Tutela-se o ataque à liberdade individual com o desígnio de ameaçar alguém da prática de um mal injusto e grave tem o condão de perturbar sua paz, reduzindo sua faculdade de determinar-se de forma livre. A infração de perseguição, pelo motivo da elementar reiteradamente, é habitual, pois exige a reiteração dos atos por parte do sujeito ativo. Assim, não se consuma o delito com a mera prática de um ato, sendo imprescindível a habitualidade no comportamento a ponto de criar o temor ou perturbação da vítima.
A pena é aumentada da metade caso a conduta seja praticada fundamentando-se em questões de gênero.
Alem disso, foi publicada a Lei 14.188/21 que define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das diretrizes de combate da violência doméstica e familiar contra a mulher. Dentre outros pontos, a supracitada legislação inseriu o art. 147-B no Código Penal, que preve a infração denominada dano emocional à mulher.
De fato, a Lei nº 11.340/2006, a contar de sua elaboração, contempla a violência psicológica no art. 7º, inc. II. Entretanto, não havia no conjunto legislativo nacional um dispositivo penal incriminador singular para punir o sujeito que causasse ofensa psicológica contra a mulher.
Prevê a Lei 14.188/21 a punição da conduta que causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. Trata-se, assim, de tipo misto alternativo.
A conduta tipificada abrange não apenas as ações praticadas no contexto doméstico e familiar (art. 5º da Lei Maria da Penha), mas também outros âmbitos, como o estatal e o comunitário.
Quanto ao sujeito ativo, possui classificação de comum, havendo possibilidade de ser praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher). No que toca o sujeito passivo, cuida-se de crime próprio, devendo a vítima deve ser mulher, independentemente da faixa etária.
Outro ponto relevante é o fato de que o tipo não exige que a ofensa tenha sido cometida em detrimento de questão de gênero, ou seja, a questão de gênero presente nos casos de feminicídio e da lesão corporal do § 13 do art. 129, não é exigida no art. 147-B do CP.
Consoante o doutrinador Rogério Sanches Cunha (2021), à luz dos princípios norteadores do Direito Penal, bem como da tutela de bem juridicos relevantes, considera-se um delito de classificação material, que demanda, portanto, um resultado naturalístico consistente no “dano emocional” causado à mulher. A consumação do delito não exige prova da habitualidade, ou seja, não impõe a reiteração de condutas. A tentativa, embora de difícil ocorrência, é possível.
4.EFETIVIDADE OU LEGISLAÇÃO SIMBÓLICA?
A Lei Maria da Penha, no cenário da garantia de efetividade da autonomia da mulher possui uma interpretação conforme com os dizeres de Coutinho (2017):
“representa presença imprescindível da institucionalização e estabilização de uma “ordem” social, econômica, política e jurídica reveladora de um “sistema” jurídico. Exprime, nesse trilhar, a força da autoridade do Estado ao impor, em um dado tempo e espaço, um padrão de normatividade, caracterizado no dever ser pela coerção, pela imperatividade, pela inafastabilidade de seu comando. (COUTINHO, 2017, p. 90).
Oportuno esclarecer que a normatização de per si, representado como manifestação de rigidez, não é pressuposto necessário para sua concretização.
Por isso, afasta-se a ideia de que o ordenamento jurídico em debate se mostra com significativo valor de simbolismo, com dificuldades no campo da concretude.
Em termos jurídicos, Bourdieu (1989, p. 237) assevera que “o Direito é, indubitavelmente, a representação, por excelência, do poder simbólico, por ser a forma do discurso atuante, capaz de, por sua própria força, produzir efeitos”.
Destaca-se que há no Brasil uma significativa predileção pelas normas simbólicas, quais sejam, ausentes de efetividade, sem consolidar-se o texto normativo.
O idealizador da norma desenvolve redações de maneira imprudente com o escopo de proporcionar dissimulada vontade dos cidadãos, tal qual uma tática de isentar-se de suas reais competencias. Consequentemente, “diversas normas ausentes de concretude são elaboradas, ocasionando um inchaço da legislação simbólica e, notadamente ao ceticismo dos indivíduos no Estado e suas instituições” (LODI, 2012, p. 6).
O comportamento simbólico não se identifica pela imediatidade do cumprimento das respectivas necessidades, estando mais relacionada com a dificuldade da eliminação de divergências e interesses.
Mesmo na eventualidade de que seja uma norma que propõe revolução, sua concretização é carregada de aversidades e marcada como uma norma meramente simbólica. Para uns, as medidas protetivas garantidas pela lei, constantemente não são realmente concedidas; para outros, há carência de um enfrentamento preliminar do problema. Nas premissas de Noleto e Barbosa (2019, p. 4), ainda que encarada como de maneira positiva pelos indivíduos, o cumprimento do ordenamento jurídico trouxe resistência, já que a aceitação da ilegalidade e abuso “mascaram as relações de dominação do sistema patriarcal”.
Ora, se a concretização da norma na prática da sociedade é de maneira diminuta, tal fato ocorre principalmente devido à ausencia sua implementação integral, considerando que as estratégias de tutela e políticas públicas nela estabelecidos ainda não foram inteiramente efetivados, pelo fato da existencia de carências nas estruturas de poder do Brasil. O trecho a seguir representa a realidade com maestria:
Faltam ainda políticas públicas e instituições do Estado que garantam a concretização da norma. Embora não dependa de regulamentação, na prática, a efetivação da Lei tem se dado de maneira lenta e desigual. Em algumas localidades faltam casas-abrigo, centros de orientação e atendimento às vítimas, e centros de recuperação dos agressores, e mais, muitas vezes, as mulheres agredidas são orientadas, dentro da própria Delegacia, a não prestarem queixa contra seus agressores (CORTIZO; GOYENECHE, 2010, p. 108)
Campos e Correia (2012, p. 146) esclarecem que “somente a lei não é suficiente. Imprescindível que o Poder Judiciário desenvolva e concretize sua função típica de dizer direito e jus puniendi, atribuindo-se a tal poder a alegação das normas nacionais ou internacionais, capazes à elucidação dos problemas”.
Pode-se verificar que “o Brasil não possui estrutura necessária para garantir a segurança e vigilância pessoal da vítima, permitindo concluir que o Poder Público, em consonância com a sociedade, deve buscar mecanismos que possam garantir a real eficácia da norma (CARVALHO, 2017, p. 20).
Não obstante, o Estado ainda se mostra falho está relacionado à aplicação de uma fiscalização mais contundente, por parte da justiça, em detrimento daquelas vítimas que sofreram agressão e ainda continuam, de alguma forma, sofrendo ameaçadas. Tal falta de acompanhamento pelo órgão estatal não permite que o Estado saiba, por exemplo, se a distância determinada pelo juiz para que o agressor não se aproxime da vítima e seus familiares está sendo cumprida ou não. Nota-se que, na prática, faltam mecanismos que efetivamente proporcionem uma legítima proteção à vítima. No Brasil, o Estado peca e se omite quanto à fiscalização protetiva, deixando de utilizar o eficaz monitoramento como uma maneira de amenizar e inibir as ações dos potenciais agressores, visando, assim, garantir a efetivação das medidas protetivas em favor das mulheres. Enfim, é inegável o legado que o conjunto normativo trouxe para o ordenamento jurídico pátrio, contudo, também é clara a carência, ou mesmo a inércia do governo para implementar medidas que possam efetivar, na prática, a segurança necessária, aquela que a norma concede a todas as vítimas vulneráveis (SCHERNER et al., 2020).
O preceito secundário privativo de liberdade não resolve a raíz do problema, que demanda medidas extrapenais, ou seja, de caráter assistencialista. Por esta razão, a legislação penal brasileira fortalece o simbolismo, porque não há justiça restaurativa, levando em consideração que o cidadão retorna à sociedade ainda mais periogoso e sem auxílio (SANTOS, 2008).
Apesar de possuir um aspecto progressista e voltado à instrução, prevenção e orientação da violência, a Lei nº 11.340/06 carrega um discurso punitivista (CUNHA, 2021).
Isso posto, não obstante impressão de superior tutela ocasionada pela norma em questão, a violência contra a mulher em contexto familiar permanece sendo significativa, permitindo concluir que “mais uma vez o desempenho do legislador penal foi simbólico, elaborando uma norma falível na abordagem de conquistar seu real escopo que seria diminuir significativamente as vítimas e números de violência doméstica” (SANTOS, 2008, p. 18).
No entender de Machado e Elias (2016), o simbolismo age como resposta às reivindicações por mutações nominativas que priorizam a presença de fenômenos e produzem o juízo de valor correspondente no plano legal. Porém, há erros que depreciam as leituras dos episódios de violência doméstica e familiar. Nesse contexto. o sistema penal revela-se insuficiente e incapaz de agir sozinho na resolução deste problema social. Os referidos autores avaliam a principal lei protetiva como de “diminuta dimensão” cuja efetividade não vai além de uma configuração meramente simbólica.
O Brasil foi construído sob uma perspectiva sociedade machista, sexista e androcêntrica, baseada em um histórico de opressão, privação e dominação da vítima, e não obstante a evolução dos direitos femininos trazidos pela Constituição Federal e pela Lei Maria da Penha, as consequências dessa cultura ainda são amplamente perceptíveis para as vítimas dessa sociedade.
A Lei Maria da Penha é um instrumento importante de proteção, porém ainda não alcançou sua eficácia máxima, pois muitas mulheres ainda são humilhadas, violentadas, e mortas, além de sofrerem violência física, psicológica, sexual e social. Graças à cultura androcêntrica arraigada na sociedade, também permeia as instituições aplicadoras do direito, composto em sua grande maioria por pessoas do sexo masculino e brancas (SEVERI, 2016)
Malgrado os avanços da tutela dos direitos fundamentais e a proteção aos indivíduos ao longo da história, nota-se que o Brasil ainda está afastado do ideal, considerando que necessitaa, incontestavelmente, transformações significativas no comportamento dos indivíduos.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os delitos explanados exigem que a intenção do agente seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja derivado da sua condição de mulher. A criação do tipos penais protetores é um avanço legislativo e condizente com o Estado democrático de Direito. Não obstante os atos legislativos, a redução de problemas sociais que envolvem formas de discriminação contra as mulheres se mostra eficaz com ações efetivas do poder público no combate a violencia e redução das desigualdades existentes na sociedade.
O Direito Penal não pode ser transformado em um sistema de satisfação de expectativas e anseios da sociedade, sob pena de se transformar em um instituto desacreditado e ineficaz quanto à sua proposta original. Por conseguinte, o legislador, ao submeter determinados comportamentos à normatização penal, não pretende, propriamente, preveni-los ou mesmo reprimi-los, mas tão-só infundir e difundir, na comunidade, uma só impressão e uma falsa impressão de segurança jurídica
Não obstante a sanção penal contenha um caráter simbólico, no instante em que se reveste apenas desse simbolismo, sem obedecer aos princípios fundamentais do Direito Penal, bem como, sem atender as suas justas finalidades, resulta em um direito sem eficácia e concretude.
Por fim, o enfrentamento à violencia contra de gênero encontra amparo maior atuação estatal por intervenção de políticas públicas de conscientização e reeducação relativamente aos papéis sociais de gênero.
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