RESUMO: O presente artigo tem por foco a análise da “Aplicação da Retroatividade da Lei Penal Benéfica aos Casos Concretos Anteriores à Vigência da Lei que Prevê o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP)”. Na realização da pesquisa usou-se o método dedutivo e a metodologia qualitativa de revisão bibliográfica. Foram abordados os aspectos históricos, normativos e legais do ANPP, que surgiu formalmente no ordenamento jurídico pátrio com a promulgação da Lei nº 13.964/2019. Também foi analisada as implicações e a incidência efetiva no cenário jurídico pátrio do mandamento constitucional contido no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, notadamente nos casos envolvendo lei processual penal hibrida (materialmente penal). E, foi feita a análise minuciosa da “Retroatividade Penal Benéfica aos Casos anteriores à vigência da lei que prevê o ANPP – na Doutrina, no Ministério Público (MPF e MPDFT) e na Jurisprudência (TJDFT, STJ e STF)”.
PALAVRAS-CHAVE: Acordo de Não Persecução Penal. ANPP. Retroatividade Penal Benéfica. Irretroatividade Penal Maléfica.
ABSTRACT: The main focus of this article is the analysis of the “Application of the Retroactivity of the Beneficial Criminal Law to Concrete Cases Prior to the Effectiveness of the Law that Provides for the Criminal Non-Persecution Agreement (ANPP)”. In carrying out the research, the deductive method and the qualitative methodology of literature review were used. The historical, normative and legal aspects of the ANPP were briefly addressed, which formally emerged in the national legal system with the enactment of Law No. 13.964/2019. It was also analyzed the implications and the effective incidence in the national legal scenario of the constitutional commandment contained in art. 5, item XL, of the Federal Constitution: "the criminal law will not retroact, except to benefit the defendant, notably in cases involving hybrid criminal procedural law (materially criminal). prior to the validity of the law that provides for the ANPP – in the Doctrine, in the Public Ministry (MPF and MPDFT) and in the Jurisprudence (TJDFT, STJ and STF)”.
KEYSWORS: Non-Persecution Agreement. ANPP Beneficial Criminal Retroactivity. Maleficent Criminal Non-Retroactivity.
SUMÁRIO: Introdução. 2 ANPP: Aspectos Históricos, Constitucionais e Legais. 3 ANPP: Conceito, Natureza jurídica e Requisitos Legais. 4 A Constituição e Aplicação da Lei de Natureza Penal no Tempo. 4.1 Irretroatividade Maléfica versus a Retroatividade da Lei Penal Híbrida. 5 A Aplicação da Norma Constitucional da Retroatividade Penal Benéfica, na Doutrina, no Ministério Público e na Jurisprudência. 5.1 Na Doutrina. 5.2 No Ministério Público (MPF e MPDFT). 5.3 Na Jurisprudência (TJDFT, STJ e STF). 5.3.1 TJDFT. 5.3.2 STJ. 5.3.3 STF. 5.3.3.1 A Repercussão Geral do HC n. 185.913/DF, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Considerações Finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
No dia 24 de dezembro de 2019, a Lei nº 13.964, conhecida como “Pacote Anticrime” foi sancionada e após decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial, entrou em vigor, promovendo uma série de alterações na legislação penal e processual penal, com o intuito de aumentar a eficácia e eficiência da Justiça brasileira. Dentre as referidas alterações, está a previsão formal do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), instituído no artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP).
Todavia, o ANPP teve origem dois anos antes, no artigo 18 da Resolução nº 181/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O objetivo central do ANPP é oferecer celeridade e uma “solução alternativa, via consenso” para os casos menos graves (pequena e média gravidade), visando permitir que o Ministério Público (MP) e o Poder Judiciário destinem seus recursos financeiros e humanos para os casos mais graves (ex.: homicídios, estupros, latrocínios, crimes envolvendo organizações criminosas).
Indubitavelmente, ANPP tem potencial para efetivamente desafogar o sobrecarregado sistema carcerário brasileiro. Por outro lado, o ANPP também é benéfico aos autores de crime, visto que após aceitarem e cumprirem o acordo proposto pelo MP, terão a punibilidade extinta, evitando assim a estigmatização oriunda do processo e da eventual condenação criminal.
Nada obstante, os inegáveis avanços trazidos pelo acordo, a doutrina, o Ministério Público e a jurisprudência divergem sobre alguns pontos do ANPP, dentre eles “o limite temporal para a aplicação retroativa do instituto”. Nesse contexto, a pergunta que se pretende responder ao final do ensaio é “qual limite temporal de aplicação retroativa do acordo de não persecução penal aos processos que já estavam em curso quando da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, segundo a Doutrina, o Ministério Público (MPF e MPDFT) e a Jurisprudência (TJDFT, STJ e STF)”? Seria até o recebimento da denúncia? Até a prolação da sentença? Sem limite temporal, portanto até mesmo após o trânsito em julgado?
Registre-se, por oportuno, que a celeuma gravita apenas em torno dos casos envolvendo crimes praticados antes da vigência da lei que trouxe o ANPP formalmente ao cenário jurídico brasileiro. Pois, para os fatos criminosos praticados após a vigência da referida lei não há discussão, aplica-se a lei nova mais benéfica sempre.
O tema da pesquisa é atual e relevante, especialmente, porque a depender do entendimento prevalecente no caso, o autor vai sofrer o processo penal, suas implicações e trágicas consequências (prisão, condenação criminal, reincidência) ou terá a oportunidade de realizar o ANPP, cumpri-lo, ver extinta a sua punibilidade, e por conseguinte, continuar primário para todos efeitos legais.
A pesquisa utilizou-se do método dedutivo e da metodologia de análise qualitativa, por meio da revisão de obras (livros, artigos, etc.) sobre o tema abordado e outros que lhe são correlatos, bem como de análise crítica de Jurisprudência e manifestações judiciais abordando a temática examinada. Os resultados da pesquisa foram subdivididos e apresentados da seguinte forma: Aspectos Históricos, Constitucionais e Legais, Conceito, Natureza jurídica e Requisitos Legais do ANPP; A Constituição e Aplicação da Lei de Natureza Penal no Tempo; Irretroatividade Maléfica versus a Retroatividade da Lei Penal Híbrida; A Aplicação ao ANPP da Norma Constitucional da Retroatividade Penal Benéfica, na Doutrina, no Ministério Público e na Jurisprudência; e, a Repercussão Geral do HC n. 185.913/DF, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que tem como objeto a Retroatividade do ANPP.
2 ANPP: Aspectos Históricos, Constitucionais e Legais
O processo penal brasileiro é regido pelo formalismo dos atos processuais, porém, a grande demanda ao Poder Judiciário e sua consequente lentidão para a resolução de processos promoveu a necessidade de se buscar maior eficácia na atuação concreta do sistema penal (MARTINELLI, SILVA, 2020, p. 52/54). Dessa necessidade tem ganhado força no ordenamento jurídico brasileiro, o denominado Direito Penal e Processual Penal consensual, que é caracterizado pela utilização de institutos alternativos ao processo penal e à aplicação da sanção penal .
Nesse contexto, indubitavelmente há de se reconhecer o papel fundamental e pioneiro exercido pela Lei nº 9.099/1995, que foi o pontapé inicial para o chamado “direito penal consensual despenalizador”. Após as modalidades de “justiça acordada” contidas na Lei nº 9.099/1995, surgiram várias leis contendo facetas de acordo criminal, tais como a Lei nº 10.409/2002, que estabeleceu procedimentos para os crimes envolvendo drogas; a Lei nº 9.807/1999, que dispôs sobre a proteção de testemunhas; a Lei nº 12.529/2011, que inaugurou o acordo de leniência, e a Lei nº12.850/2013, que estabeleceu a delação premiada para casos envolvendo crime organizado. Nas referidas leis, há a previsão de acordo penal com a incidência de causa de diminuição de pena (CABRAL, 2020, p. 36/42).
Posteriormente, surgiu a Resolução nº 181/2017, emitida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que regulamentou em seu art. 18, o ANPP, sem o devido amparo na legislação processual penal até então. No ano seguinte, a referida resolução teve seu texto alterado pela Resolução nº 183/2018.
Bem e Martinelli explicam que muito se discutiu, quando do surgimento da referida resolução, sobre sua possível inconstitucionalidade, pois, uma atribuição ministerial (art. 129,1, CF) foi excepcionada por instrumental extralegal. Porém, enfatizam que a discussão se encerrou com a promulgação da Lei n° 13.964/2019, que revogou a Resolução n° 183/2018 do CNMP (2020, p. 77/116).
Cabral pontua que quando o CNMP criou, por meio de Resolução, o ANPP, foi com o claro objetivo de ampliar o emprego do consenso na persecução penal, sendo a consequência previsível, a posterior aprovação de lei nesse sentido, pelo Congresso Nacional. O que efetivamente acabou acontecendo com a edição da Lei nº 13.964/2019, que incluiu o art. 28-A, CPP, implementando formalmente o ANPP no Ordenamento Jurídico Pátrio. Exatamente como já tinha ocorrido anteriormente na França e na Alemanha (2020, p. 36/42).
3 ANPP: Conceito, Natureza jurídica e Requisitos Legais
Bizotto e Silva conceituam o ANPP como um instrumento legal que permite às partes afastarem a investigação criminal e, excepcionalmente, o processo em andamento. “Resolvendo” assim, o caso penal, mediante contrapartidas da acusação (não promoção da ação penal) e do investigado/acusado (submissão à condições legais impostas concretamente), por intermédio, de uma avença com a necessária apreciação e homologação judicial (2020, p. 18/19)
Já para Barros e Romaniuc, o ANPP é um instrumento jurídico extraprocessual que visa, na esteira de uma política criminal de descarcerização, a realização de acordos bilaterais entre o Ministério Público e o perpetrador de ilícitos penais para que cumpra determinadas medidas, sem a necessidade de sofrer todas as mazelas que o processo criminal tradicional pode acarretar. Antecipando, portanto uma realidade inevitável em delitos mais brandos, cuja sanção penal seja relativamente pequena, evitando-se toda a tramitação processual tradicional por meio da aplicação imediata de medidas alternativas (2020, p. 304/313).
Messias conceitua o ANPP como o ajuste em procedimento que apura crime de média gravidade, isto é, com pena mínima inferior a quatro anos, praticado sem violência ou grave ameaça (ex.: uso de documento falso, furto qualificado, embriaguez ao volante), realizado entre o membro do Ministério Público e o investigado, no qual sejam pactuadas condições (e não penas), com a obrigatória homologação judicial (2020).
Gordilho e Silva definem o ANPP como um negócio jurídico pré-processual celebrado entre o parquet e o ofensor, apto a promover o arquivamento definitivo da investigação mediante homologação judicial, desde que cumpridas pelo investigado certas obrigações restritivas de direitos. É uma técnica de desjudicialização a ser utilizada pelas instâncias formais de controle visando solucionar conflitos jurídico-penais em momento anterior à instauração do processo penal ordinário, fora, portanto, do sistema clássico de aplicação da Justiça Penal. Representa a concretização do movimento de descarcerização, otimizando tempo e recursos do Ministério Público e do Poder Judiciário, que passam, ao menos em tese, a ter tempo para resolver eficazmente crimes mais graves, que aviltem bens jurídicos mais importantes. (GORDILHO e SILVA, 2020, p. 99-120).
Cabral ensina que a natureza jurídica do ANPP é de um negócio jurídico que consubstancia a política criminal do titular da ação penal pública na persecução dos delitos, negócio esse no qual há um consenso, um acordo de vontades, em que o investigado voluntariamente concorda em prestar serviços à comunidade ou pagar prestação pecuniária (ou cumprir outro requisito previsto na lei ou estipulado pelo Ministério Público, em troca do compromisso do Ministério Público de não promover a ação penal e de pugnar pela extinção da punibilidade, caso a avença seja integralmente cumprida. Destacando ainda que no aludido acordo: (i) não há imperatividade nas condições, de modo que não podem elas ser consideradas como penas ou "quase-penas"; e, (ii) as condições têm natureza negocial e somente podem ser avençadas pelo Ministério Público quando efetivamente se cumprirem as finalidades preventivas da pena, do contrário não será firmado (2020, p. 84/88).
Barros e Romaniuc, sobre a natureza jurídica do ANPP, afirmam que se trata de um meio para se chegar a um fim específico, qual seja, o “arquivamento das investigações”, finalizando-as. Portanto, o ANPP tem natureza jurídica de arquivamento condicionado, vez que cumpridas as condições explicitadas nas cláusulas do negócio jurídico extraprocessual, o desfecho será apenas um “o arquivamento das investigações”. O aludido arquivamento é condicionado às cláusulas do acordo celebrado entre Ministério Público e o autor do delito, efetivado fora da relação jurídico-processual (2020, p. 304/313).
O art. 28-A do CPP traz expressamente o regramento do ANPP, no qual está incluso os requisitos objetivos e subjetivos para a sua concessão. O referido dispositivo também traz a possibilidade de o Ministério Público eleger condição extralegal, para, cumulativamente, ser ajustada em proposta alternativa de acordo. Cumprida as condições, será extinta a punibilidade. Entretanto, descumprida qualquer das condições, o representante do Ministério Público, estadual ou federal, deverá oferecer a denúncia, visto que já formou opinião pelo delito, pois, do contrário, o ANPP nem teria sido oferecido e a investigação preliminar estaria arquivada (Bem e Martinelli, 2020. p. 77/116).
São requisitos legais objetivos (vinculado ao fato) do ANPP, nos termos do art. 28-A do CPP: i) pena mínima cominada ao delito (pena mínima inferior a 4 anos); ii) ausência de emprego de violência e grave ameaça no cometimento do delito; iii) necessidade do cumprimento das funções político-criminais; iv) não envolver delito passível de transação penal; v) não tenha sido cometido no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor; e, vi) a investigação criminal deve estar madura para o oferecimento de denúncia, não sendo, portanto, caso de arquivamento.
O referido dispositivo legal estabelece ainda que o autor do delito além dos requisitos objetivos, deve também cumprir determinados requisitos subjetivos (condições pessoais vinculadas ao autor), para que possa ser beneficiado pelo ANPP, quais sejam: i) não poderá ser criminoso reincidente, habitual, reiterado ou profissional; ii) não ter celebrado ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo nos últimos 5 anos (período depurador), e; iii) deverá realizar confissão formal e circunstanciada da prática do delito.
4 A Constituição e Aplicação da Lei de Natureza Penal no Tempo
Caetano destaca que a Constituição funda o poder político estatal, regulando e limitando o seu exercício, justificando a coação física legítima exclusivamente pelo Estado. Isso porque, o poder estatal político, como autoridade de domínio, para alcançar os seus fins, define um direito comum oponível a todos os membros da sociedade, correspondendo-lhe a monopolização dos meios coercitivos, ou seja, o jus puniendi, que, posteriormente, mediante as leis terá o uso autorizado em condições precisamente definidas e com limites traçados rigorosamente, a constranger os integrantes da sociedade à obrigatória observância das normas jurídicas (2006, p. 9).
Destarte, a Constituição é a estrutura fundante do Direito Penal, visto ser a ordem político-jurídica fundamental com suas indicações axiológico normativas (princípios, valores e ideias nucleares fundantes), conferindo legitimidade ao Direito Penal, justificando-o e habilitando-o para certos atos coercitivos aos quais o ordenamento jurídico prescreve condições, requisitos e limites (PELUSO, 2013, p. 39).
Em razão da carga restritiva de direitos que contém, o Direito Penal, como faceta indissolúvel e expressão do monopólio do poder estatal, afigura-se o meio jurídico coercitivo mais importante, severo e violento de que dispõe o Estado para garantir que as pessoas obedeçam suas normas, sob a constante ameaça de perda da liberdade, através das sanções penais (penas e medidas de segurança). Exatamente, por essa carga restritiva e sancionatória que o Direito Penal possui é que ele deve ser limitado e constantemente fiscalizado e ter seu conteúdo revisto, sob pena, de se tornar constitucionalmente ilegítimo (Ibid., p. 41/42).
Nesse prisma, a Carta Magna impõe um conjunto de limites formais e materiais ao Direito Penal, através de determinados valores, princípios e regras jurídicas, que constituem um dos componentes essenciais da decisão. Tais limitações constitucionais objetivam controlar o exercício do Direito Penal, bem como os possíveis abusos em seu uso pelo Estado, quando desrespeita os direitos e liberdades fundamentais do homem (op. cit.).
Nelson Hungria, quanto à aplicação da lei penal no tempo e a retroatividade penal benéfica destaca que a retroatividade não se encontra expressa nos textos do Direito Romano, tampouco do Direito Canônico, sendo somente na Idade Média com Malumbrano, que surgiu sua teorização inicial (século XIV), posteriormente desenvolvida por Farinacio (século XVII), com a seguinte premissa: "(....) As penalidades devem ser observadas no momento da sentença, portanto, a punição da nova lei, constituição ou estatuto será imposta mesmo por crimes passados não punidos (....)" (1953, p. 106).
Taipa de Carvalho, em acréscimo, aduz que a estreia da retroatividade benéfica codificada, foi no “Código Penal Francês de 1791”, o que foi consequência do triunfo do movimento codificador presente na Revolução Francesa. Depois a “retroatividade benéfica” foi desenvolvida pelo Código Napoleônico (1810), passando a partir daí a habitar frequentemente os códigos penais (1990, p. 64/65).
Fragoso, realça que no Brasil, a primeira aparição positivada da retroatividade penal benéfica ocorreu em 1830, no art. 309 do Código Criminal do Império, que a limitava à aplicação da pena mais favorável e mediante a intangibilidade da coisa julgada. Posteriormente, aparece no art. 3º do Código Penal de 1890, já sem a limitação da res judicata e, no art. 2º do Código Penal de 1940, que autorizava a retroatividade benéfica na hipótese de qualquer favorecimento ao acusado (favor rei), mas apenas aos casos não definitivamente julgados, e a retroatividade benéfica nas hipóteses de abolitio criminis e de penas mais favoráveis, aqui sem a limitação da coisa julgada. Essa última redação foi modificada pela Lei nº 7.209/1984, que estendeu a retroatividade penal a qualquer situação mais benéfica ao agente, independentemente da existência da coisa julgada, o que permanece vigente até os dias atuais (1990, p. 100/101).
Prado leciona que a questão da sucessão de leis penais está intimamente ligada aos princípios que regulam a vigência da lei penal no tempo. Isso porque, o conflito temporal de normas pressupõe uma sequência de leis penais e rege-se pelo princípio constitucional da irretroatividade (art. 5.º, XL, CF), com a aplicação da lei vigente no momento da prática do fato punível – tempus regit actum, afirmando-se a anterioridade da lei penal e a exigência de segurança jurídica (2021, p. 261/263).
Peluso, sobre a aplicação da lei no tempo, afirma que em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, a lei penal que resultar benefício ao réu retroagirá para atos praticados antes de sua entrada em vigor. Trata-se de imperativo do ordenamento jurídico. Isso porque, o tempo é elemento intrínseco e indissociável da existência humana e, pois, de todas as coisas a ela ligadas, dentre elas o Direito, enquanto produto do obrar humano (2013, p. 20/23).
Refletindo ainda que, assim como os homens, o Direito nasce, vive, modifica-se e perece, daí a questão temporal ter importância diferenciada ante as suas possíveis consequências, exatamente por isso a “questão da aplicação da lei penal no tempo” ser objeto de estudo e de regulação normativa, especialmente, a sucessão de leis penais. Notadamente, em um país como o Brasil, em que a atividade legiferante é patologicamente incessante e não raramente atécnica (Ibid., p. 23/25).
4.1 Irretroatividade Maléfica versus a Retroatividade da Lei Penal Híbrida
Peluso leciona que a regra da irretroatividade da lei penal desfavorável está umbilical e vitalmente ligada à ideia de dignidade da pessoa humana, a impedir sua instrumentalização político-jurídica, protegendo consequentemente a liberdade (lus Uberiatis) que, de modo essencial, define essa dignidade, razão pela qual é entendimento dominante, tanto na doutrina constitucional como na penal, que a irretroatividade penal é direito fundamental da pessoa humana, verdadeira pedra angular de todo Estado Democrático de Direito (2013, p. 75/78).
Taipa de Carvalho afirma que uma concepção humanista da política criminal verá na irretroatividade penal in pejus, sempre e independentemente de sua fundamentação política, um de seus princípios fundamentais, pois não se deve esquecer que o Direito Penal só se pode justificar no postulado antropológico da liberdade. Ainda que a originária e histórica fundamentação jurídico-política da irretroatividade tenha se firmado em um contexto histórico ideológico bem determinado, não se caracterizou como uma superficial fundamentação político-ideológica, com toda a relatividade e transitoriedade que isso implicaria. Peremptoriamente, transcendeu essa contingência histórica na medida em que deflui da dignidade humana e dos seus correlatos direitos naturais, pois os mais elevados e perenes valores descobrem-se e reconhecem-se na nebulosidade do circunstancial histórico conatural à pessoa e ao Estado de Direito (1990, p. 46/49).
Hassemer, sobre a irretroatividade da lei penal maléfica, aduz que uma lei mais gravosa que pretenda ser aplicável a um caso que tenha ocorrido antes de sua vigência, é um fantasma do Estado policial. A objeção mais suave que contra ela se pode fazer é que uma lei desta classe não pode cumprir sua função como norma de determinação, logo as leis e tudo o mais só podem determinar o comportamento futuro, não influi mais sobre o passado, em regra (1989, p. 320).
Afirmando ainda que o núcleo da proibição da retroatividade maléfica é a proteção da confiança de todos em que os limites da liberdade estão marcados de antemão de um modo vinculante e podem ser lidos em qualquer momento nas leis. Esta vinculação e a possibilidade de leitura se destruiriam se o legislador, com uma intervenção rápida no comportamento, pudesse criminalizá-lo post festum (Ibid.).
Peluso, sobre a retroatividade benéfica afirma que a regra quanto à lei penal, é a de sua irretroatividade, enquanto corolário do princípio constitucional da legalidade. Entretanto, junto a tal regramento, há a possibilidade da aplicação retroativa da lei penal, desde que esta apresente efeitos jurídicos benéficos aos cidadãos (retroatividade in mellius). Tal regra possibilita conferir efeitos presentes a fatos ocorridos no passado, modificando, se preciso for, situações jurídicas já consolidadas, sob a égide de lei diversa. Essa retroação da norma, provocadora de inovações no cenário penal somente pode ocorrer quando auxiliar, proteger e melhorar a situação do réu ou sentenciado (2013, p. 41/42).
Lopes Júnior esclarece que a doutrina tradicional ensina que o processo penal é guiado pelo Princípio da Imediatidade (art. 2º do CPP), de modo que as normas processuais penais teriam aplicação imediata, independentemente de serem benéficas ou prejudiciais ao réu, tão logo passasse a vacatio legis, sem prejudicar, contudo, os atos já praticados, eis que não retroagiria jamais (2021, p. 45/49).
Explicando ainda que, a doutrina tem recorrido sempre à clássica distinção entre as leis puras, processuais penais puras e mistas. Nesse cenário, a lei penal pura é aquela que disciplina o poder punitivo estatal, dispondo sobre o conteúdo material do processo, ou seja, sobre o Direito Penal, tipificando delitos, e fixando penas máxima e mínima, regime de cumprimento, etc. Para esse tipo de lei, valem as regras do Direito Penal, ou seja, em linhas gerais, a retroatividade da lei penal mais benigna e irretroatividade da lei mais gravosa (Ibid.).
A lei processual penal pura, por sua vez, regula o início, desenvolvimento, fim do processo e os diferentes institutos processuais (ex.: perícias, rol de testemunhas, forma de realizar atos processuais, ritos, etc. Para essas normas vale o princípio da imediatidade, onde a lei será aplicada a partir dali, sem efeito retroativo e sem que se questione se mais gravosa ou não ao réu. Assim, se, por exemplo, no curso do Processo Penal surgir uma nova lei exigindo que as perícias sejam feitas por três peritos oficiais, quando a lei anterior exigia apenas dois, deve-se questionar: “a perícia já foi realizada?” Se não foi, quando for levada a cabo, deverá sê-lo segundo a regra nova, porém, se já foi praticada, vale a regra vigente no momento de sua realização. Para essa modalidade de lei, a lei nova não retroage (Op. cit.).
Lopes Júnior explica, por derradeiro, que existe também a modalidade composta pelas leis mistas, ou seja, aquelas que possuem caracteres penais e processuais. Nesse caso, aplica-se a regra do Direito Penal, ou seja, a lei mais benigna é retroativa e a mais gravosa não. Tais normas disciplinam um ato realizado no processo, mas, na verdade, dizem respeito ao poder punitivo, à liberdade, à extinção da punibilidade, etc. (ex.: as normas que regulam a representação, a ação penal, a queixa-crime, o perdão, a renúncia, a perempção e o ANPP). (2021, p. 45/49).
Prado ensina que a irretroatividade da lei penal consubstancia a garantia e a estabilidade do ordenamento jurídico, sem o qual não haveria condição preliminar de ordem e firmeza nas relações sociais e de segurança dos direitos individuais. Pontuando que a vedação da retroatividade in pejus tem duas origens independentes. A primeira, de cunho publicista, decisivo para a entrada em vigor da lei, que é o reconhecimento de uma esfera individual de presciência estatal, pois “ninguém pode ser sancionado penalmente em relação a um fato que na época de sua realização era irrelevante para o Direito Penal”. A segunda, de ordem político-criminal consubstancia-se na falta de sentido de uma pena retroativamente aplicada, visto que não há compensação de culpabilidade, porque não se vincula a culpabilidade alguma e tampouco pode operar em sentido preventivo, visto que ao tempo da ação inexistia a coação inibitória da cominação penal (2021, p. 261/263).
Destarte, como exceção à regra da não retroatividade desfavorável emerge o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Isso com base não só em razões humanitárias (humanitatis causa), de liberdade (favor libertatis), de justiça, de equidade ou de igualdade de tratamento, mas, sobretudo, considerando que a pena mais leve da lei nova é justa e a mais severa da lei revogada é desnecessária. Assim, a retroatividade desta se funda numa atenuação da valoração ético-social do fato, em consonância com a antiga formulação “favorabilia sunt amplianda odiosa sunt restringenda”. (Ibid.).
Todavia, se a lei posterior (lei nova) deixa de considerar infração penal fato incriminado pela lei anterior ocorrerá a abolitio criminis (art. 2.º, caput, CP), causa extintiva de punibilidade (art. 107, III, CP). Se como lex mitior favorece de qualquer modo o réu, é sempre retroativa (art. 2.º, parágrafo único, CP). Se anterior, continua a gerar efeitos após ter sido revogada, isto é, seus efeitos perduram no tempo, ainda que cessada sua vigência formal (princípio da ultratividade). (Op. Cit.).
Em suma, a lei penal mais benéfica é a única que tem extra-atividade e é retroativa quando posterior e ultrativa quando anterior. A Contrario sensu, assenta-se a regra da não extra-atividade das leis penais mais gravosas. Portanto, quando a lei posterior (lei nova) incrimina fato não previsto na anterior, vale o princípio da irretroatividade. Todavia, quando a lei posterior descrimina fato anteriormente punível, vale o princípio da retroatividade favorável (abolitio criminis). Porém, quando a lei posterior pune o mesmo fato mais gravemente que a anterior, vale o princípio da ultratividade. Por derradeiro, quando a lei posterior beneficia de qualquer forma o agente, vale o princípio da retroatividade favorável (PRADO, 2021, p. 261/263).
Prado explica ainda que para a determinação da lei penal mais favorável, deve-se realizar um exame cuidadoso do efeito da aplicação das leis – anterior e posterior, e utilizar-se da que se apresente, in concreto, como a mais benigna ao réu. Acentua-se que esse caráter deve ser considerado em relação ao agente e à situação judicial concreta em que se encontre. Isso porque, uma lei pode favorecê-lo, pela diferente configuração do delito – crime ou contravenção, elementos constitutivos, acidentais; pela diferente configuração de suas formas – tentativa, participação, reincidência; pela diferente determinação da gravidade da lesão jurídica; pela diferente determinação das condições positivas ou negativas da punibilidade; pela diferente determinação da espécie e duração da pena e dos efeitos penais (Op. Cit.).
Queiroz e Vieira afirmam que a irretroatividade da lei penal deve também compreender a lei processual penal, a despeito do que dispõe o art. 2° do CPP, que determina, como regra, a aplicação imediata da norma, vez que o referido dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição Federal . Assim, sempre que a nova lei processual for prejudicial ao réu ou menos benéfica, seja pela diminuição de garantias, seja pela adoção de critérios menos rígidos para a decretação de prisões cautelares ou para concessão de benefícios legais, etc., tal norma limitar-se-á a reger os processos relativos às infrações penais consumadas após a sua entrada em vigor e jamais retroagirá para prejudicar o réu (2022).
Todavia, quando se estiver diante de normas meramente procedimentais, que não impliquem aumento ou diminuição de garantias, como ocorre, por exemplo, com regras que alteram tão só o processamento dos recursos, a forma de expedição ou cumprimento de cartas precatórias/rogatórias, estas terão aplicação imediata (CPP, art. 2º), incidindo a regra, porquanto deverão alcançar o processo no estado em que se encontra e respeitar os atos validamente praticados (Ibid.).
Cirino dos Santos, a seu turno, afirma que o princípio constitucional da lei penal mais favorável condiciona a legalidade processual penal, sob dois aspectos, o primado do “direito penal substancial”, que determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação (assim como aos subsistemas de indiciamento e de execução penal), porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva; e, o primado do gênero “lei penal”, que abrange as espécies lei penal material e lei penal processual, regidas pelo mesmo princípio fundamental (2006, p. 53).
Queiroz e Vieira, nesse cenário, ponderam que o princípio da imediatidade segue tendo plena aplicação nos casos de leis meramente procedimentais (efetivamente processuais penais), de conteúdo neutro (a ser aferido no caso concreto), na medida em que não geram gravame para a defesa. Sendo necessário, portanto analisar o caso concreto, pois não há possibilidade de criar-se uma estrutura teórica que dê conta da diversidade e complexidade que a realidade processual pode produzir (Op. Cit.).
Nesse jaez, Lopes Júnior explica que a nova disciplina da ação penal no crime de estelionato (art. 171, § 5º, do CP), trazida pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade da ação penal, afigura-se exemplo prático e atual de “lei processual de natureza mista/híbrida (materialmente penal)”, já que tem potencial efetivo para repercutir na liberdade do acusado (2021, p. 45/49). Observe-se que, o novo requisito exigido para a ação penal, senão satisfeito, resultará na extinção de punibilidade do agente.
Asseverando ser óbvio que a referida lei é mais benigna e deve retroagir, cabendo aos juízes e tribunais, a depender da instância que o processo esteja no caso examinado, suspender o feito e intimar a vítima para que se manifeste. Aplicando-se diante da omissão existente na lei, o prazo de 30 dias, previsto na Lei n. 9.099/1995 (art. 91), que começará a contar da data em que a vítima for intimada sobre a necessidade de representação para o prosseguimento da persecução penal. Sendo assim, se a vítima representar no aludido prazo, o feito prossegue, se não representar (deixar passar o prazo) ou se manifestar expressamente no sentido de renunciar ao direito de representar, ocorrerá a extinção da punibilidade do art. 107, IV do CP (Ibid.).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou divergência quanto à possibilidade de a nova regulamentação (Lei n. 13.964/2019 - Pacote Anticrime), que alterou a disciplina do crime de estelionato, retroagir a fatos anteriores à sua vigência. A 5a Turma decidiu que a aludida norma não retroage para ações penais já instauradas, como decidido no Habeas Corpus nº 573.093/SC.
Distintamente, a 6a Turma se posicionou no sentido de que deve ser concedido prazo para a vítima se manifestar sobre a representação, mesmo para ações penais que já estejam em andamento, conforme decidido no Habeas Corpus nº 583.837/SC. Contudo, ao uniformizar a divergência, a 3ª Seção do STJ adotou a posição da 5ª Turma, menos abrangente e que evita que processos já em curso sejam afetados. Venceu o voto divergente do Ministro Ribeiro Dantas, que coincide com a posição adotada pela 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Cabe realçar que os Ministros do STF também divergem entre si sobre a referida temática. Inclusive, no dia 13 de outubro de 2020, no bojo do Habeas Corpus nº 187.341/SP, a 1a Turma, por unanimidade, acompanhando o voto do Relator, o Ministro Alexandre de Moraes, decidiu, que a norma só deve retroagir para beneficiar o réu nas hipóteses em que a ação penal ainda não tiver se iniciado.
Em seu voto vencedor, o Ministro Alexandre de Moraes, fundamenta sua decisão, afirmando que em face da natureza mista (penal/processual) da norma prevista no § 5º do artigo 171 do Código Penal, sua aplicação retroativa será obrigatória em todas as hipóteses onde ainda não tiver sido oferecida a denúncia pelo Ministério Público, independentemente do momento da prática da infração penal, nos termos do artigo 2º do CPP, por tratar-se de verdadeira “condição de procedibilidade da ação penal” (Ibid.)
Afirmando ser inaplicável a retroatividade do § 5º do artigo 171 do Código Penal, às hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/19, uma vez que naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo (Op. Cit.).
Todavia, mais recentemente a 2a Turma do STF, no bojo do Habeas Corpus nº 180421/SP, também por unanimidade, acompanhando o voto do Relator, o Ministro Edson Fachin decidiu que a norma deve retroagir até o trânsito em julgado em benefício do réu, por se tratar de norma de natureza mista (material e processual).
O Ministro Edson Fachin, em seu voto, explanou que diferentemente das normas processuais puras, orientadas pela regra do artigo 2º do CPP (segundo o qual lei processual penal não invalida os atos realizados sob a vigência da lei anterior), as normas mistas quando favoráveis ao réu, devem ser aplicadas de maneira retroativa, alcançando fatos do passado, enquanto a ação penal estiver em curso, regra que está em consonância com o regramento constitucional segundo o qual a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu" (Ibid.).
Arrematando que, a expressão “lei penal” prevista no artigo 5º da Constituição Federal, deve ser interpretada para abranger tanto as leis penais em sentido estrito quanto as leis penais processuais. Em vista disso, a aplicação da norma mais favorável ao réu não pode ser um ato condicionado à regulação legislativa, sendo o caso de se intimar a vítima para que diga se tem interesse no prosseguimento da ação no prazo legal de 30 dias (Op. Cit.).
Interessante pontuar que mesmo avançando, o entendimento em relação a 1ª turma, que não admite que a norma mais benéfica retroaja se já oferecida a denúncia, a 2ª Turma apesar de admitir a retroação da norma mais benéfica ao réu, novamente estipula um marco temporal que não existe no mandamento constitucional que ordena que a lei retroaja para beneficiar o réu, ao estipular que “a norma não retroagirá se já transitada em julgado a decisão penal que julgou o caso concreto”.
Feito o exame do mandamento constitucional contido no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal: "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” e sua respectiva incidência sobre as normas penais híbridas, no capítulo seguinte será analisada “A Aplicação da Retroatividade da Lei Penal Benéfica aos Casos Concretos Anteriores à Vigência da Lei que Prevê o ANPP”.
5 A Aplicação da Norma Constitucional da Retroatividade Penal Benéfica, na Doutrina, no Ministério Público e na Jurisprudência
5.1 Na Doutrina
Bizotto e Silva defendem que o ANPP deve ser aplicado também para as ações penais em curso, portanto quando já recebida a denúncia, desde que não tenha ocorrido o trânsito em julgado. Ressaltando ainda que por ter o ANPP potencial para neutralizar os efeitos negativos de cunho penal e processual penal, trata-se de situação benéfica ao acusado, que no passado não dispunha desta opção mas agora terá direito e oportunidade de contar com o benefício que, cumprido na sua totalidade, exigirá ato jurisdicional revogatório das etapas precedentes, desde o recebimento da denúncia (2020, p. 84).
Lopes Junior, a seu turno, entende que a lei processual penal pode retroagir quando para benefício do réu, distinguindo as normas meramente processuais daquelas que são materiais ou mistas, ou seja, versam sobre matéria penal e processual penal. O art. 28-A, § 13º do CPP, criou uma causa de extinção da punibilidade, caracterizando norma de natureza mista, devendo retroagir para beneficiar o autor da prática penal pois, por óbvio, o ANPP é mais benéfico do que uma potencial condenação criminal. Cabível, porém, apenas para processos em curso na data da entrada em vigor da Lei nº13.964/2019, com denúncia já recebida, mas sem sentença prolatada (2020, p. 116).
Mazloum, em perspectiva assemelhada, pontua que é iniludível a natureza híbrida da norma que introduziu o ANPP, pois detém conteúdo material e processual, tratando-se de inequívoco programa estatal de despenalização, que deve ter aplicação alargada nos moldes previstos no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal. Incidindo, inclusive, sobre os processos criminais em curso. Cabendo ao Estado abrir ao réu a oportunidade de ter sua punibilidade extinta mediante a proposição do ANPP (2021).
Santos e Eberhardte, seguindo a linha do TJDFT, STJ e da esmagadora maioria das decisões do STF, entendem que o ANPP devem retroagir e ser aplicado apenas naqueles processos em que não há denúncia recebida, pois do contrário se retroagiria para um momento pré-processual e prejudicial ao deslinde do feito, pois, na prática poderia ocorrer uma dilação na solução do caso concreto. Mas, ofertado e aceito o acordo, qualquer descumprimento ocasionará em uma nova regressão, iniciando tudo novamente, o que contraria o princípio da celeridade e geraria o excesso e a demora no deslinde dos processos criminais, exatamente o que se pretendeu combater com a implantação do ANPP (2022).
Já Martinelli e Silva possuem tese distinta, afirmando que o ANPP deve retroagir mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que ainda não passados 5 anos da data da extinção da pena, vez que não teria mais utilidade a retroatividade benéfica, pois, passado esse lapso temporal, o réu volta a ser primário para todos os fins legais, inclusive podendo receber benefícios como transação penal e ANPP (2020, p. 52/54).
Wunderlich et al, inovam, pois indicam “a data do interrogatório do acusado”, como o lapso temporal limite para que ocorra o oferecimento do ANPP retroativamente. Afirmando que, diante do amplo espectro de abrangência do instituto, que afeta milhares de ações judiciais que estão em curso, se for do interesse do acusado e do Ministério Público, é possível o oferecimento do acordo de não continuidade da ação penal ainda que a denúncia já tenha sido oferecida e, inclusive, em casos já sentenciados. A norma deve retroagir, sendo vedada a proibição por meio de criações de enunciados e orientações – pois há que se ter presente sua natureza essencialmente material, além do que não há restrição objetiva na lei à retroação. Nos casos de infrações praticadas após a vigência da Lei Anticrime, o recebimento da denúncia será efetivamente o limite temporal para a proposta do acordo. Contudo, acreditamos ser possível a realização do acordo até o interrogatório do acusado, antes do proferimento de sentença, uma vez que a finalidade da lei é a criação de um novo e amplo espaço de consenso no processo penal, o que enseja flexibilização de lapsos temporais – discussão essa que poderá ganhar espaço e força se houver inclinação ao entendimento de ser o ANPP direito público subjetivo do réu. (et al, 2020).
Nucci, por sua vez, posiciona-se favoravelmente à retroatividade sem limites temporais não previstos pela Constituição Federal, destacando que, como regra, as leis (penais ou não) não podem retroagir para atingir fatos ocorridos no passado, como forma de garantir a segurança jurídica, vez que as leis são editadas para abranger fatos futuros. No entanto, tratando-se de leis penais favoráveis ao réu ou ao condenado, a Constituição Federal autoriza a sua retroatividade, logo podem ser aplicadas inclusive a casos já julgados, que deverão ser revistos (art. 5º, inciso XL, CF), de forma a amoldar a condenação à lei nova, benéfica ao acusado (2019, p. 93).
Betta afirma que a justificativa de que “causaria um colapso no sistema criminal permitir ANPP, em qualquer fase processual”, é inadmissível. Pois, ceifa a concretização de um Direito e Garantia Individual Fundamental previsto na Constituição da República, fulminando o vetor maior da Constituição Federal, a Dignidade da Pessoa Humana, dando primazia a questões procedimentais e burocráticas em prejuízo à figura do Cidadão. Tratando-se, portanto, de “justificativa precipitada e sem respaldo técnico e estatístico” (2022).
Aduzindo ainda que sabe-se que é grande a quantidade de processos em curso que podem ser objeto de formulação de ANPP, mas que jamais isso deverá servir de justificativa para a não efetivação dos acordos, pelo contrário, o resultado final será mais economicidade e eficiência e não o contrário, vez que, evita a continuidade de processos em curso, possíveis recursos, etc., descongestionando com isso o saturado sistema. Daí não ser legitimo barrar a aplicabilidade de um Direito Fundamental Constitucional, ainda mais sem o devido respaldo técnico comprovado.
Por derradeiro, Betta chama à atenção para o exemplo, explicando que Tício, ao contrário de Mélvio, e somente pelo fator temporal, teve oportunizado o ANPP, o que lhe proporcionou a manutenção de sua primariedade e uma situação bem mais amena na resposta penal. Efetivamente, o entendimento de limitar temporalmente a Retroatividade da Norma Penal mais Benéfica, gerou uma gritante e injusta desigualdade (2022).
Nesse cenário, Roberto afirma que há expressa regra constitucional insculpida no art. 5°, inc. XL, determinando que leis que impõe sanções mais severas, se abrandadas depois por lei mais benigna, deve dar tratamento isonômico a todos seus destinatários (2007, p. 105). Destacando que, a Convenção Americana de Direitos Humanos afirma, em seu art. 9°, o seguinte: "Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que no momento em que foram cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave do que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado”. (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2022).
Aduzindo que se a jurisprudência com seu conjunto reiterado de interpretação normativa, perceber que a situação anterior se mostrava desproporcional e diacrônica com o sentido justo desejado pela Sociedade, por obediência à isonomia, deverá aplicar nova teoria, redimensionando seu contexto para reavivar a igualdade e, por conseguinte, a justiça. A inovação legislativa, em benefício do réu, naturalmente retroage. Assim, se o sentido da lei, tal como definido nas instâncias constitucionalmente competentes para a interpretação, é aperfeiçoado, e da nova leitura jurisprudencial resulta benefício aos réus, ou aos condenados, revela-se impositiva a revisão dos julgados (ROBERTO, 2007, p. 182/186).
Afirmando ainda que a busca da certeza da justiça é incessante e não encontra limite nem mesmo na segurança jurídica da coisa julgada, em face da possibilidade de se rever a decisão condenatória a qualquer tempo. Assim, o primado da legislação penal está baseado sempre na perspectiva de se dotar o seio social da ideia perene de que a liberdade, em sua vertente de direito individual fundamental, prevalecerá sobre qualquer outro valor fundante que a ela se contrapuser de forma inadequada. Para tanto, necessário se faz garantir que a aplicação da lei penal possa se sujeitar a revisões, aprimorando sua interpretação para uma equivalência que se direcione a exprimir o seu real conteúdo, sem distorções ou divagações, revestindo os fatos com a exatidão normativa capaz de dar o equilíbrio necessário entre o dever ser e o "ser", quando houver a necessária colidência do campo abstrato com o concretismo fático que o reclama (Ibid., p. 193).
Ao fim ressalta que mesmo se ocorresse a aplicação retroativa do sentido mais benéfico da norma e o fato produzisse o colapso do sistema judicial, ante o volume de pretensões a serem deduzidas nos pretórios. Certo é que ao Estado incumbe providenciar os serviços de infraestrutura para o atendimento das novas demandas e não simplesmente negar eficácia a regramento constitucional com base na impossibilidade de se atender aos novos reclamos legítimos oriundos da interpretação normativa mais escorreita (Op. Cit., p. 228/229).
5.2 No Ministério Público (MPF e MPDFT)
Inicialmente, urge mencionar que, recentemente, no dia 10 de janeiro de 2022, nos autos do RHC nº 209955/SC (0318237-54.2020.3.00.0000), em trâmite no STF, sob a Relatoria do Min. Dias Tofolli, o Subprocurador Geral da República, Wagner Natal Batista, emitiu parecer defendendo que “o ANPP não pode ser firmado após a condenação, “devendo ser estabelecido o ato de recebimento da denúncia como marco limitador da sua viabilidade”. A referida manifestação ocorreu no bojo de recurso que buscava “a aplicação da retroatividade penal benéfica do ANPP mesmo depois de recebida a denúncia, após a sentença, em fase recursal, e até mesmo depois do trânsito em julgado”. Para o referido Subprocurador, o pleito não deveria ser acolhido, porque a finalidade do ANPP seria evitar o início do processo que ocorre com o recebimento da denúncia.
Destacando que o entendimento do STF é o de que a Lei 13.964/2019, no ponto em que institui o ANPP, pode ser considerada lei penal de natureza híbrida, pois, tem natureza processual ao estabelecer a possibilidade de composição entre as partes, para evitar a instauração da ação penal, e natureza material, com previsão de extinção da punibilidade de quem cumpre os deveres estabelecidos pelo acordo.
Afirmando ainda que, de acordo com o STF, o artigo 28-A do CPP evidencia que a possibilidade de ANPP se esgota na fase anterior ao recebimento da denúncia, vez que o aludido dispositivo se refere a investigado (e não a réu), menciona juiz das garantias (que não atua na instrução processual), e principalmente, porque “a consequência do descumprimento ou da não homologação é exatamente inaugurar a fase de oferta e de recebimento da denúncia”. (BRASIL. STF. RHC: 209955/SC).
Na mesma linha, é o Teor do Enunciado nº 102, XII, da Câmara de Coordenação e Revisão Criminais Reunidas/MPDFT, de 16 de dezembro de 2020: “(…) Em razão de sua natureza penal e processual, cabe o acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia (...)”. (BRASIL, MPDFT, 2020).
Posicionamento distinto possui a 2ª Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF), conforme visto no Enunciado nº 98/2020, aprovado na 184ª Sessão Virtual de Coordenação, de 09/06/2020, afirmando ser cabível o oferecimento do ANPP, mesmo se já oferecida a denúncia, porém tão somente até o trânsito em julgado (BRASIL, MPF, 2020 – grifei).
Todavia, sabe-se que, sem embargo, se reconheça a importância dos enunciados dos diversos ramos do Ministério Público, pois funcionam como norte orientador aos integrantes da instituição, não se pode perder de vista que a Constituição prevê a independência funcional como princípio institucional do Ministério Público (art. 128, § 1º), ao mesmo tempo em que lhe atribui deveres ligados à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput).
Sendo inegável que a independência funcional faz parte da nobreza da instituição do Ministério Público, e sem ela os órgãos do Ministério Público nada mais seriam que meros funcionários subordinados ou hierarquizados, o que é inaceitável, pois os membros do Ministério Público só devem estar subordinados ao Ordenamento Jurídico vigente, que esteja conforme os princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal (MAZILLI, 1995).
5.3 Na Jurisprudência (TJDFT, STJ e STF)
5.3.1 TJDFT
Visando ilustrar o entendimento de um Tribunal Estadual sobre a Retroatividade Penal Benéfica do ANPP, optou-se por colacionar e analisar julgados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT, conforme se verá adiante e, do respectivo Ministério Público que atua em seu âmbito, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT (vide item 3.1.2).
Pesquisando no Sítio Eletrônico do TJDFT, vários julgados tratando do assunto em análise foram localizados, porém como todos possuíam o mesmo entendimento de que “aplica-se o ANPP de forma retroativa apenas se ainda não recebida a denúncia”, abaixo foi colacionado apenas um julgado para ilustrar o posicionamento do TJDFT (BRASIL. TJDFT. Acórdão 1379331).
Da análise dos julgados encontrados, percebe-se que os desembargadores do TJDFT justificam a negativa de aplicação do ANPP nas ações em curso pautados na premissa de que oferecer ANPP em ações penais já iniciadas seria uma afronta à finalidade primordial do instituto, qual seja, evitar o processo penal, desafogando a máquina judiciária.
Assim, iniciada a persecução penal em Juízo, com o recebimento da denúncia, operar-se-ia a preclusão para oferecimento do acordo. Ao que tudo indica, os magistrados do TJDFT, como a esmagadora maioria dos pertencentes aos demais tribunais pátrios, preterem regra expressa constitucional, sob a justificativa de estarem seguindo os fins e objetivos da Lei que previu o ANPP.
5.3.2 STJ
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento é no sentido de que o ANPP só pode retroagir até o recebimento da denúncia. Inclusive, recentemente, por maioria, no bojo do HC 628647, a Sexta Turma do STJ estabeleceu que é possível a aplicação retroativa do ANPP, introduzido pelo Pacote Anticrime, desde que a denúncia não tenha sido recebida. Para o colegiado, uma vez iniciada a persecução penal em juízo, não há como retroceder no andamento processual. Com esse entendimento, os ministros negaram o pedido da Defensoria Pública de Santa Catarina para que fosse oferecido o ANPP, a um homem preso em flagrante por portar armamentos e munições de uso restrito, antes de a nova lei entrar em vigor (BRASIL. STJ, AgRg no HC: 628647/SC).
O réu foi condenado a três anos de reclusão no regime inicial aberto, bem como ao pagamento de dez dias-multa, e a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito. Segundo a Ministra Laurita Vaz (voto vencedor): "por mais que se trate de norma de conteúdo híbrido, mais favorável ao réu – o que não se discute –, o deslinde da controvérsia deve passar pela ponderação dos princípios tempus regit actum e da retroatividade da lei penal benéfica, sem perder de vista a essência da inovação legislativa em questão e o momento processual adequado para sua incidência" (Ibid.).
Para a Ministra infere-se do artigo 28-A do CPP, que o propósito do ANPP é poupar o agente do delito e o aparelho estatal do desgaste inerente à instauração do processo-crime, abrindo a possibilidade de o membro do Ministério Público oferecer condições para o investigado (e não acusado) não ser processado, desde que atendidos os requisitos legais. Além disso, o benefício a ser eventualmente ofertado ao agente sobre o qual há, em tese, justa causa para o oferecimento de denúncia se aplica ainda na fase pré-processual, com o claro objetivo de mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal (Op. cit.).
Sendo a consequência jurídica do descumprimento ou da não homologação do acordo é exatamente a retomada do curso do processo, com o oferecimento da denúncia, como previsto nos parágrafos 8º e 10º do artigo 28-A do CPP. Concluindo que: “se a lei nova mais benéfica deve retroagir para alcançar crimes cometidos antes da sua entrada em vigor, por outro lado, há de se considerar o momento processual adequado para a sua incidência, sob pena de desvirtuamento do instituto despenalizador” (BRASIL. STJ. AgRg no HC: 628647/SC).
Ao analisar as razões de decidir dos Ministros do STJ, via de regra, percebe-se que as justificativas para não aplicar o ANPP retroativamente, quando já recebida a denúncia, não estão pautadas em critérios de natureza constitucional ou infraconstitucional. O que nota-se é a presença de uma verdadeira ginástica visando encontrar fundamento para o que já se decidiu e pretende-se ver ocorrer na prática.
O STF tem encampado o entendimento do STJ de que a retroatividade do ANPP só se aplica aos casos em que os fatos foram praticados antes de sua vigência, se no processo em curso ainda não tiver sido recebida a denúncia. Ao pesquisar no Sítio Eletrônico do STF, diversas são as decisões nesse sentido (HC 206876 AgR, ARE: 1344247/PR, etc.).
Quanto ao posicionamento da Suprema Corte sobre a temática em exame, imprescindível destacar a decisão unânime da 1ª Turma, no julgamento ocorrido em novembro de 2020, no HC nº 191464 AgRg, de Relatoria do Ministro Roberto Barroso, pois o referido julgado e sua respectiva fundamentação, tem sido repetidamente citados pelos Ministros da Corte Suprema para negar provimento à várias demandas com a mesma temática. A seguir estão colacionadas a ementa do referido julgado e logo depois as principais razões de decidir do Ministro Roberto Barroso, que teve seu voto seguido pelos demais ministros no citado julgamento (BRASIL. STF. HC: 191464/SC).)
No bojo de seu voto, o Ministro Roberto Barroso afirma que a leitura do art. 28-A do CPP evidencia que a possibilidade de composição se esgota na fase anterior ao recebimento da denúncia. Não apenas porque o dispositivo se refere a investigado (e não réu), a juiz das garantias (que não atua na instrução processual), mas sobretudo porque a consequência do descumprimento ou da não homologação é especificamente inaugurar a fase de oferta e de recebimento da denúncia (art. 28-A, § 8º e §10º) (BRASIL, STF. HC: 191464/SC).
O Ministro aduz ainda que o ANPP foi instituído por lei penal híbrida, de direito material e processual e que, as leis penais dessa natureza subordinaram-se à retroatividade penal benéfica e ao tempus regit actum, logo como o ANPP se esgota na etapa pré-processual, o recebimento da denúncia é marco limitador da sua viabilidade, assim a retroatividade penal benéfica incidiria para autorizar a aplicação do ANPP para fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia (Ibid.).
E, segue explicando que a retroatividade penal benéfica sem limite temporal ensejaria um colapso no sistema criminal ao admitir a instauração da discussão sobre a oferta do ANPP inclusive para sentenças transitadas em julgado, vez que faria com que praticamente todos os processos – em curso, julgados, em fase recursal, em cumprimento de pena, fossem encaminhados ao titular da ação penal para que avaliasse a situação do réu/sentenciado. O que seria inaceitável, se considerado o propósito do ANPP, de impedir o início da ação penal, e da máxima de que não devem ser restauradas etapas da persecução penal já efetivadas em conformidade com as leis processuais vigentes (Op. cit.).
O Ministro Luiz Barroso parece ter feito papel de legislador, vez que “criou diferenciações entre a norma processual tradicional (sem efeitos penais) e a norma processual de natureza penal (com efeitos penais)”, afirmando que essas últimas se submetem à “retroatividade penal benéfica e ao tempus regit actum”. De fato, acabou criando uma interpretação restritiva que parece ser incompatível com a Constituição Federal e que sequer tem amparo na lei que criou o ANPP.
Interessante pontuar que as decisões que se seguiram no STF quando não mencionam a citada decisão do Ministro Roberto Barroso para justificar “o não reconhecimento da retroatividade benéfica do ANPP, se já oferecida a denúncia”, utilizam-se de justificativas genéricas que perpassam pela necessidade de não gerar mais carga de trabalho, atenção à política criminal vigente, não burla da ordem e marcha processual, dentre outras (vide: ARE 1340184 – Relator: Min. Luiz Fux; HC 206660 – Relator: Min. Lewandowski; HC 206734 – Relator: Min. Nunes Marques; RHC 207255 – Relatora: Min. Rosa Weber; RHC 208515 – Min. Carmen Lúcia; HC 209286 – Min. Dias Toffoli; RHC 209675 – Min. Alexandre de Moraes).
5.3.3.1 A Repercussão Geral do HC n. 185.913/DF, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes
Conforme já se destacou, o STF tem encampado o entendimento do STJ de que a retroatividade do ANPP só se aplica aos casos em que os fatos foram praticados antes de sua vigência, se no processo em curso ainda não tiver sido recebida a denúncia. Todavia, no dia 22 de setembro de 2020, o Ministro Gilmar Mendes, afetou o HC 185.913/DF, ao Plenário, para fins de “abstrativização” do tema (sistemática da repercussão geral), visando resolver a celeuma, delimitando as seguintes questões a serem decididas pelo plenário: i) O ANPP pode ser oferecido em processos em curso, quando do surgimento da Lei 13.964/19? ii) Qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? (iii) É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado? (...)”. (BETTA, 2022).
O Ministro Gilmar Mendes já adiantou seu voto, apresentando a seguinte tese "É cabível o acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento (ainda não transitados em julgado) quando da entrada em vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento. Ao órgão acusatório cabe manifestar-se motivadamente sobre a viabilidade de proposta, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle, nos termos do artigo 28-A, §14, do CPP". Como visto, mesmo avançando o entendimento, se comparado com os anteriores do STF e STJ, o Ministro apesar de admitir “a aplicação retroativa do ANPP, mesmo já recebida a denúncia”, acabou por estipular outro marco limitativo, qual seja “o trânsito em julgado” (MENDES, 2022).
Indiscutível que, enquanto não resolvida a questão definitivamente pelo Plenário do STF, permanecerá a insegurança na prática diária de formulação e celebração dos referidos acordos, persistindo violações, notadamente à isonomia e à legalidade, já que não há garantia de que, indivíduos que respondem processos por crimes idênticos, terão a mesma oportunidade de oferta do ANPP (MEDEIROS, 2022).
A divergência dos Tribunais Pátrios, ora ao decretar aplicável o ANPP de forma retroativa ora ao limitar essa retroação até o recebimento da denúncia ou até a coisa julgada, gera profunda insegurança jurídica, pois em situações análogas o direito está sendo aplicado de forma distinta, o que é inadmissível, vez que viola direitos e garantias constitucionais, notadamente o Direito à Igualdade e Dignidade da Pessoa Humana, representando verdadeiro excesso do Poder Punitivo Estatal.
Nesse sentido, Rodrigo Roing, sobre os excessos do Poder Punitivo, alerta que ao se construir discursos jurídicos contra hegemônicos, ganha-se o estigma de idealista, radical, “defensor de bandido” e outros adjetivos impublicáveis. Porém, ressalta que não se deve temer adjetivações, vez que esses ataques decorrem de outra certeza, qual seja “são tempos difíceis para os direitos humanos, notadamente na Seara Criminal, pois tais direitos são vistos como verdadeiras heresias pela cultura penal pós-moderna, cultura esta midiática, populista, paradoxalmente legitimada e defendida pelos alvos preferidos do sistema penal (preto, pobre, favelado, etc.). Exatamente, pela falta de educação, informação, enfim, acesso aos direitos básicos, os menos favorecidos, seguem cegos e sequer percebem o risco que a flexibilização de princípios e garantias constitucionais produz à própria democracia” (2021, p. 15).
Com efeito, tem-se que a superação da regra constitucional da Retroatividade Penal Benéfica só poderia ser admitida ante razões constitucionais suficientemente fortes para tanto, seja na própria finalidade subjacente à regra, seja nos valores e princípios constitucionais superiores a ela e que envolvam a sua hipótese de fato (PELUSO, 2013, p. 236). O que não parece ser o caso, basta avaliar as justificativas dos magistrados ao negar aplicação plena da retroatividade penal benéfica ao ANPP, pois as fundamentações não tem envergadura constitucional, pautam-se basicamente na premissa de evitar o aumento da já enorme carga de trabalho do Poder Judiciário e do Ministério Público, que teria que reanalisar inúmeros processos para avaliar o cabimento do ANPP.
Sabe-se, porém, que tal justificativa não deveria prevalecer se contrastada com princípios e regras constitucionais bem mais importantes, tais como o direito à aplicação da lei mais benéfica (retroatividade benéfica), à igualdade, à liberdade e, por conseguinte, à dignidade da pessoa humana. Veja que, a depender do entendimento, o imputado vai sofrer o processo penal, suas implicações e trágicas consequências ou terá a oportunidade de realizar o ANPP, cumpri-lo, ver extinta a sua punibilidade, e por conseguinte, continuar primário para todos efeitos legais.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância do ANPP no cenário jurídico atual é inegável, sobretudo em razão de seu enorme potencial para otimizar o funcionamento da Justiça Criminal, oferecendo celeridade na tramitação dos feitos, por ser solução alternativa mais rápida e efetiva para os crimes de pequeno e médio potencial ofensivo (praticados sem violência ou grave ameaça às pessoas), via acordo com efetiva participação das vítimas, onde há obrigações apresentadas pelo Ministério Público, que se aceitas e cumpridas, a ação penal não é iniciada (denúncia não é oferecida) e a punibilidade do beneficiário do acordo é extinta.
Sabe-se perfeitamente que o ANPP, por si só, não é suficiente para resolver todos os graves problemas da Justiça Penal Brasileira, nem é sua pretensão, porém, indubitável que com a redução da carga de trabalho, o Ministério Público e Poder Judiciário terão mais tempo, recursos humanos e financeiros para destinar à resolução dos processos envolvendo crimes mais graves, que efetivamente colocam em risco a paz social (ex.: homicídios, latrocínios, organizações criminosas, corrupção, desvio de dinheiro público, lavagem de dinheiro, etc.).
Todavia, a aplicação prática do ANPP trouxe consigo divergências sobre qual seria o marco temporal limite para o seu oferecimento ao imputado, nos casos de crimes cometidos antes da vigência da lei que o formalizou oficialmente no Ordenamento Jurídico Pátrio. Surgindo várias teses, com diferentes marcos temporais, destacando-se as seguintes: i) até o recebimento da denúncia; ii) até a sentença condenatória transitada em julgado; e, iii) a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado.
No decorrer da pesquisa foram abordados variados posicionamentos doutrinários, notadamente “os favoráveis à retroatividade penal benéfica mesmo após o trânsito em julgado”, por ser a tese que parece mais conforme à Constituição Federal. Já na Jurisprudência, diversos julgados foram analisados, restando constatado que a esmagadora maioria (praticamente unânime) é formada por posicionamentos no sentido da “retroatividade do ANPP apenas até o recebimento da denúncia”. Logo, é notório que esse é o posicionamento que tem prevalecido nos Tribunais Brasileiros.
Quanto ao posicionamento do Ministério Público sobre a questão foram abordados os entendimentos do MPF e MPDFT, dentre os quais, destacou-se o recente Parecer do Sub-Procurador Geral da República Wagner Natal Batista, emitido no dia 10 de janeiro de 2022, nos autos do RHC 209955/SC (0318237-54.2020.3.00.0000 - Relatoria do Min. Dias Tofolli), em trâmite no STF, no sentido de que “o ANPP não pode ser firmado após a condenação, devendo ser estabelecido o ato de recebimento da denúncia como marco limitador da sua viabilidade” (MPF, 2020).
Enfatizou-se que na mesma linha é o Teor do Enunciado nº 102, inciso XII, da Câmara de Coordenação e Revisão Criminais Reunidas/MPDFT, de 16 de dezembro de 2020: “(…) Em razão de sua natureza penal e processual, cabe o acordo de não persecução penal para fatos ocorridos antes da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia (...)”. (MPDFT, 2020). Mas, que distinto é o posicionamento da 2ª Câmara Criminal do MPF, expresso no Enunciado nº 98/2020, aprovado na 184ª Sessão Virtual de Coordenação, de 09/06/2020, afirmando “ser cabível o oferecimento do ANPP, mesmo se já oferecida a denúncia, porém tão somente até o trânsito em julgado”(MPF, 2020).
Nada obstante, se reconheça a importância dos enunciados dos diversos ramos do Ministério Público, pois funcionam como norte orientador aos integrantes da instituição, não se pode perder de vista que eles não são vinculativos, visto que, a Constituição prevê a independência funcional como princípio institucional do Ministério Público, ao mesmo tempo em que lhe atribui deveres ligados à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput e §1º).
Deveras, a independência funcional faz parte da nobreza da instituição do Ministério Público, e sem ela seus órgãos nada mais seriam que meros funcionários subordinados ou hierarquizados, o que é inaceitável, pois os membros do Ministério Público só devem estar subordinados ao Ordenamento Jurídico vigente, e desde que este esteja conforme os princípios e as garantias fundamentais previstos na Constituição Federal (MAZILLI, 1995).
Destacou-se também que no dia 22 de setembro de 2020, o Ministro Gilmar Mendes, afetou o HC 185.913, ao Plenário do STF, para fins de “abstrativização” do tema em estudo, conforme a Sistemática da Repercussão geral, visando resolver a celeuma, delimitando as seguintes questões a serem decididas pelo plenário: i) o ANPP pode ser oferecido em processos em curso, quando do surgimento da Lei 13.964/19? ii) qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? e, (iii) é possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado? (...)” (BETTA, 2022).
O Ministro Gilmar Mendes já adiantou seu voto apresentando a seguinte tese "É cabível o acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento (ainda não transitados em julgado) quando da entrada em vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento. Ao órgão acusatório cabe manifestar-se motivadamente sobre a viabilidade de proposta, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle, nos termos do artigo 28-A, §14, do CPP". Como visto, mesmo avançando o entendimento, se comparado com os anteriores do STF e STJ, o Ministro apesar de admitir “a aplicação retroativa do ANPP, mesmo já recebida a denúncia”, acabou por estipular outro marco limitativo, qual seja “antes do trânsito em julgado” (MENDES, 2022).
Nesse sentido, Rodrigo Roing, sobre os excessos do Poder Punitivo, alerta que ao se construir discursos jurídicos contra hegemônicos, não populistas e não demagogos, ganha-se o estigma de idealista, radical, “defensor de bandido” e outros adjetivos impublicáveis. Todavia, ressalta que não se deve temer adjetivações, vez que esses ataques decorrem da seguinte certeza “são tempos difíceis para os direitos humanos, notadamente na Seara Criminal, pois tais direitos são vistos como verdadeiras heresias pela cultura penal pós-moderna, cultura esta midiática, populista, paradoxalmente legitimada e defendida pelos alvos preferidos do sistema penal (preto, pobre, favelado, etc.). Exatamente, pela falta de educação, informação, enfim, acesso aos direitos básicos, os menos favorecidos, seguem cegos e sequer percebem o risco que a flexibilização de princípios e garantias constitucionais produz à própria democracia” (2021, p. 15).
Não obstante, certo é que enquanto não resolvida a questão em definitivo pelo Plenário do STF, no julgamento do HC 185.913/DF, permanece a insegurança na prática diária de formulação e celebração de ANPPs, persistindo violações, notadamente à isonomia, já que não há garantia de que, indivíduos que respondem processos por crimes idênticos, terão a mesma oportunidade de realizar acordo (MEDEIROS, 2022).
Tem-se que a superação da regra constitucional da retroatividade penal benéfica só poderia ser admitida ante razões constitucionais suficientemente fortes para tanto, seja na própria finalidade subjacente à regra, seja nos valores e princípios constitucionais superiores a ela e que envolvam a sua hipótese de fato (PELUSO, 2013, p. 236).
Todavia, não parece ser o caso, basta analisar as justificativas dos magistrados ao negar a aplicação plena da retroatividade ao ANPP, para notar que elas não aparentam ter embasamento constitucional, pautam-se, basicamente nas premissas de que: i) não era o objetivo da lei que previu o ANPP fazê-lo incidir sobre processos em curso, e sim evitar o início do processo; e, ii) aplicar o ANPP para processos em curso ou findos provocaria o aumento da já enorme carga de trabalho do Poder Judiciário e do Ministério Público, que teriam que reanalisar inúmeros processos para avaliar o cabimento do ANPP.
As referidas justificativas, tendo por base tudo que se abordou ao longo da pesquisa, não parecem prevalecer sobre os princípios e regras constitucionais incidentes sobre a questão, quais sejam: i) o direito à aplicação da lei penal mais benéfica (retroatividade benéfica); ii) o direito à igualdade; iii) o direito à liberdade; iv) à dignidade da pessoa humana, etc. Sobretudo, porque a depender do entendimento, o imputado vai sofrer o processo penal, suas implicações e trágicas consequências ou terá a oportunidade de realizar o ANPP, cumpri-lo, ver extinta a sua punibilidade, e por conseguinte, continuar primário para todos efeitos legais.
A justificativa de que causaria um colapso no sistema criminal permitir o ANPP, em qualquer fase processual, não aparenta conformidade constitucional, visto que ceifa a concretização de Direitos e Garantias Individuais Fundamentais previstos na Constituição da República (direito à lei penal mais benéfica, à tratamento igualitário, etc.), fulminando o vetor maior da Constituição Federal “a Dignidade da Pessoa Humana”, dando primazia à questões procedimentais e burocráticas em prejuízo ao Cidadão. (BETTA, 2022).
Sabe-se que é grande a quantidade de processos em curso que podem ser objeto de formulação de ANPP, mas que jamais isso deverá servir de justificativa para a não efetivação dos acordos, pelo contrário, o resultado final será mais economicidade e eficiência e não o contrário, vez que, evita a continuidade de processos em curso, possíveis recursos, etc., descongestionando com isso o saturado sistema. Em vista disso, é ilegítimo barrar a aplicabilidade de um Direito expresso na Carta Magna, sem justificativa de envergadura constitucional (Ibid.).
Destarte, mesmo que ocorresse para todos e em escala a aplicação retroativa do sentido mais benéfico da norma e, o fato produzisse o colapso do sistema judicial, ante o volume de pretensões a serem deduzidas nos pretórios, cabe ao Estado providenciar os serviços de infraestrutura para o atendimento das novas demandas e não simplesmente negar eficácia a regramento constitucional com base na impossibilidade de se atender aos novos reclamos legítimos oriundos da interpretação normativa conforme a Constituição Federal vigente (ROBERTO, 2007).
Vislumbra-se que no Julgamento do HC 185.913/DF, sob o regime de Repercussão Geral, marcado para ocorrer no dia 18 de maio de 2022, o STF pacifique a questão, colocando fim à celeuma que tem vigorado desde a edição da Lei nº 13.964/2019, que disciplinou formalmente o ANPP no Ordenamento Jurídico Pátrio. Quem sabe indo mais além do que o proposto pelo Ministro Gilmar Mendes (retroatividade penal benéfica até o trânsito em julgado), e na vanguarda sobre o tema, firme Interpretação Conforme a Constituição para determinar “A Aplicação da Retroatividade da Lei Penal Benéfica nos Casos Concretos Anteriores à Vigência da Lei que Prevê o ANPP, mesmo se já recebida a denúncia ou com decisão condenatória definitiva transitada em julgado”, com fulcro no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal c/c art. 2º, parágrafo único, do Código Penal”.
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Especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Analista do MPU/Direito. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Sara Antônia Ferreira. A aplicação da retroatividade penal benéfica ao acordo de não persecução penal: na doutrina, no ministério público e na jurisprudência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2022, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58437/a-aplicao-da-retroatividade-penal-benfica-ao-acordo-de-no-persecuo-penal-na-doutrina-no-ministrio-pblico-e-na-jurisprudncia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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