RESUMO: O presente estudo dirige-se ao debate referente aos impactos provocados pelos instrumentos tecnológicos e seus respectivos efeitos nos diferentes ramos do Direito, em especial no âmbito criminal. Tal constatação surge a partir do notável processo de deslocamento dos delitos do plano físico para o informático. Para o desenvolvimento da presente pesquisa será utilizada a metodologia bibliográfica, além de sites que irão contribuir no enriquecimento do debate em torno do tema eleito em um primeiro momento. O estudo abordará o elo que liga o Direito a Tecnologia Em seguida será abordado o conflito no campo dos Direitos Fundamentais no plano virtual e, por fim, a discussão concernente aos reflexos da tecnologia na Seara Penal.
Palavra-Chave: Direito. Tecnologia. Seara Pena.
ABSTRACT: The present study addresses the debate regarding the impacts caused by technological instruments and their respective effects in the different branches of law, especially in the criminal sphere, this finding arises from the remarkable process of displacement of crimes from the physical to the computer, for the development of this research, the bibliographic methodology will be used, as well as sites that will contribute to the enrichment of the debate around the chosen theme, at first. The study will address the link that connects Law and technology; then the conflict in the field of Fundamental Rights in the virtual plan will be addressed and, finally, the discussion concerning the reflexes of technology in the Criminal field.
Keywords: Law. Technology. Criminal field.
INTRODUÇÃO
Não há como negar a influência que os instrumentos de matriz tecnológica desempenham em todos os campos sociais. O fenômeno da globalização simplifica o fluxo na propagação de informações viabilizando uma maior proximidade entre as pessoas sem que haja a necessidade de manter contato físico com elas. As redes sociais, por exemplo, ao lado dos demais aplicativos de comunicação em tempo real, são os principais responsáveis no processo de reinvenção das relações sociais. A globalização aproximou as mais diversas culturas e povos ao redor do mundo. O fluxo na economia ganhou uma maior dinamicidade, ou seja, a humanidade vem gradativamente superando cada vez mais barreiras, tanto no aspecto geográfico quanto social. Entretanto, devido à essa intensa transformação nos mecanismos informacionais, algumas figuras delituosas acabam ganhando existência fazendo com que o Estado tenha de se voltar à proteção dos mais variados bens jurídicos; nesse momento é que os institutos afetos ao Direito Penal são utilizados como forma de inibir a propagação desses delitos. É importante considerar que o Direito Penal possui, dentre suas funções, a de buscar regular a convivência pacífica em sociedade, conforme leciona Masson (2020):
O Direito penal tem como função a proteção dos bens jurídicos, isto é, valores ou interesses reconhecidos pelo direito e imprescindíveis à satisfação do indivíduo ou da sociedade? Apenas os interesses mais relevantes são erigidos à categoria de bens jurídicos penais, em face do caráter fragmentário e da subsidiariedade do Direito Penal. O legislador seleciona, em um Estado Democrático de Direito, os bens especialmente relevantes para a vida social e, por isso mesmo, merecedores da tutela penal. Ao Direito Penal é também reservado o controle social ou a preservação da paz pública, compreendida como a ordem que deve existir em determinada coletividade.
Desse modo, deve ser desmistificada a visão de que o Direito Penal é direcionado apenas para a punição sem levar em consideração seu caráter protetivo e pacificador das relações sociais.
1.O DIREITO E A TECNOLOGIA COMO ALIADOS NA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Em épocas remotas quando não se poderia dispor do aparato tecnológico da modernidade, a sociedade enfrentava uma maior variedade de entraves concernentes à comunicação. A interação, o que inevitavelmente acabava repercutindo em outras searas, tal fenômeno embaraçava, por exemplo, o fluxo econômico entre as grandes potências mundiais, além de inviabilizar as relações entre as pessoas. Felizmente, a natural evolução das épocas fizeram com que esse panorama fosse sendo modificado consideravelmente ao ponto de fazer com que a sociedade contemporânea passasse a aderir à novos comportamentos, novos costumes, uma nova ideologia, enfim, houve uma evidente transformação que transformou não apenas a própria tecnologia, como o Direito, atraindo a necessidade de que os operadores dessa ciência devem sempre estar em sintonia com todas as inovações que invadem o mundo jurídico. Nas palavras de Pinheiro (2021):
Com as mudanças ocorridas desde então, ingressamos na era do tempo real, do deslocamento virtual dos negócios, da quebra e paradigmas. Essa nova era traz transformações em vários segmentos da sociedade, não apenas transformações tecnológicas, mas mudanças de conceitos, métodos de trabalho é estruturas. O direito também é influenciado por essa nova realidade. A dinâmica da era da informação exige uma mudança mais profunda na própria forma como o Direito é exercido e pensado em sua prática cotidiana.
Assim, pode-se constatar a partir da afirmação, ora exposta, que a sociedade encontra-se a mercê da tecnologia em todos os aspectos, e com razão, visto que a tecnologia possui a capacidade de simplificar aquilo que naturalmente é tido como complexo. A tecnologia também é capaz de promover a produção dos mais variados serviços e atividades em um reduzido espaço de tempo, seja nas repartições particulares ou públicas, onde ainda nota-se uma grande carência. Nesse sentido disserta Brito (2013):
Muitas denominações estão sendo atribuídas ao atual estágio de evolução em que se encontra uma parcela da sociedade atual. A despeito do nome que se lhe dê, é inegável a mensagem de que hoje somos absolutamente dependentes das novas tecnologias da informação, em especial, a informática e a internet. Não há instituições financeiras sem computadores e Internet; a maioria dos serviços públicos necessita de uma central informalizada grande parte das grandes empresas se não todas elas possuem banco de dados para controle orçamentário; contábil, de estoques e de clientes. Os pequenos empreendimentos certamente estagnarão ou desaparecerão se não se adequarem à realidade em estudo.
Diante do que se afirma, não há nenhuma dificuldade em se compreender o grau de importância que norteia os mecanismos tecnológicos. Podemos citar sua incidência também nas relações trabalhistas, já que muitas das categorias de trabalho passaram a não mais exigir tanto do trabalhador que muitas vezes desempenhava um trabalho bastante rigoroso, e que exigia muito do seu físico, ou seja, essas inovações acabaram aumentando a eficácia laboral e minorando o rigor em seu desempenho, fazendo com que o ambiente de trabalho se tornasse dinâmico, conforme assevera Delgado (2019):
De outro lado, um processo de profunda renovação tecnológica, capitaneado pela microeletrônica, robotização e microinformática. Tais avanços da tecnologia agravavam a redução dos postos de trabalho em diversos segmentos econômicos, em especial na indústria, chegando a causar a ilusão de uma próxima sociedade sem trabalho. Além disso, criavam ou acentuavam formas de prestação laborativa (como o teletrabalho e o escritório em casa - home-office), que pareciam estranhas ao tradicional sistema de contratação e controle empregatícios.
Em acréscimo, essa renovação tecnológica, aplicada ao campo das comunicações, eliminava as antes impermeáveis barreiras do espaço e do tempo, estremado a competição capitalista no plano das diversas regiões do globo.
Em meio a esse quadro, ganha prestígio a reestruturação das estratégias a modelos clássicos de gestão empresarial, em torno dos quais se construíram as normas justrabalhistas:
Se essa inovação impactou as relações trabalhistas, certamente também refletiu nas relações consumeristas já que atualmente há uma maior proximidade entre o consumidor e o fornecedor que podem por intermédio desses instrumentos realizar negociações inclusive em tempo real. Como todo e qualquer instrumento, há o bônus assim como o ônus e com a tecnologia não seria diferente, é de conhecimento geral que esses artefatos permitem uma instantânea comunicação fazendo com que toda e qualquer informação possa chegar ao conhecimento das pessoas em curto espaço de tempo,e em decorrência dessa facilidade é que há o perigo de que a segurança dos dados pessoais dos indivíduos fique vulnerabilizado pondo em risco por exemplo,o sigilo bancário,fiscal,ou ainda a intimidade,a partir dessa ponto foi sendo edificada a ideia de se adotar medidas de proteção desses dados,assim é que incorporou-se no ordenamento jurídico a chamada Lei de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) que dentre seus objetivos dispõe sobre a proteção de dados em seu artigo 1° que assim dispõe: Art 1° - Esta lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais,inclusive nos meios digitais,por pessoa natural ou pessoa jurídica de Direito público ou privado com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.
O dispositivo em voga revela a preocupação do legislador em realizar uma abordagem atinente à proteção dessa categoria de direitos adotando, como parâmetro, os inúmeros casos de invasões de dispositivos informáticos onde dados pessoais são indevidamente divulgados. Portanto, o surgimento da presente legislação se deu em momento oportuno em decorrência da necessidade de coibir delitos que, não raras vezes, se dão em ambiente virtual. A Lei 13.709/2018 busca reforçar a ideia de proteção dos direitos fundamentais. Nesse sentido Tepedino, Frazão, Oliva (2019) elucidam que:
Os dados pessoais constituem importante aspecto da privacidade e também da personalidade dos indivíduos. Muito embora a Lei Geral de proteção de dados tenha sido recentemente promulgada, a privacidade do cidadão não esteve desamparada pelo ordenamento jurídico brasileiro, tal como é possível verificar não apenas do arcabouço legal anterior à LGPD, mas pela atuação dos tribunais superiores, de agências reguladoras (ANATEL) e por disposições da própria Constituição Federal.
Dessa maneira, a compressão que se pode extrair é a de que tanto o Direito quanto à tecnologia comporta-se de acordo com a época que estão inseridos, ou seja, ambos são sensíveis as mudanças que ocorrem na sociedade. Este é um dos aspectos que evidencia o elo entre aqueles, além disso, tanto um como o outro exercem poder de influência entre si em claro atendimento aos interesses sociais.
2.O TRATAMENTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO AMBIENTE VIRTUAL
O processo evolutivo dos mecanismos tecnológicos serviu de fundamento para que se faça uma reavaliação acerca da necessidade de proteção dos Direitos Fundamentais vigentes. Mais uma vez, não há como descartar a contribuição dos mecanismos tecnológicos nos mais variados setores sociais. Contudo, alguns Direitos Fundamentais acabaram inevitavelmente sendo atingidos conforme se verá a seguir.
O aprimoramento nas ferramentas tecnológicas fez com que as redes sociais impactassem diretamente no processo de interação social, não obstante, por intermédio das redes sociais, pessoas até então desconhecidas passam a criar um elo, uma proximidade, em outras palavras. O processo de interação social foi sendo reinventado, e de acordo com o grau de confiança que vai se formando entre as pessoas, é comum que passem a trocar informações de natureza íntima. Atento à essa realidade, os Tribunais Superiores, especialmente o STJ, em um recente julgado reconheceu passível de indenização a divulgação indevida de mensagens via WhatsApp. A presente matéria foi objeto de julgamento do Resp N° 1903273 sob relatoria da Ministra Nancy Andrighicom com seguinte manifestação:
A Constituição Federal assegura no Art 5°, XII, a inviolabilidade das comunicações telefônicas, com exceção das hipóteses previstas em lei para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Fala-se, nesse caso, em reserva legal qualificada, tendo em vista a imposição de parâmetros para a atuação do legislador infraconstitucional. O sigilo das comunicações é corolário da liberdade de expressão e, em última análise, visa a resguardar o direito à intimidade e à privacidade, consagrados nos planos constitucional (Art 5°, X A partir da leitura do voto, compreendemos que os Direitos Fundamentais não podem receber tratamento genérico, ou mesmo uma proteção deficiente, sob pena de se esvaziar o conteúdo destes, a própria Carta Magna ao elencá-los no rol em que se encontram teve como objetivo conferir uma proteção mais específica sobre eles, ademais, a existência dessa categoria de direitos serve como uma barreira face à atuação dos particulares e da própria atuação arbitrária do Estado.
Ainda no que tange ao debate atinente aos Direitos Fundamentais, é essencial a busca pela compatibilização entre os mesmos quando entram em colisão, já que inexiste hierarquia entre eles. Assim, no conflito entre o Direito de acesso à informação e o Direito de intimidade/privacidade, há de se analisar o caso concreto, pois ao passo que o direito de acesso à informação encontra limites na ordem jurídica, a intimidade também não pode ser alegada abusivamente. Nas lições de Lenza (2021):
Os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou ao magistrado no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição.
Como forma de pacificar o entendimento, ocorreu uma viragem jurisprudencial no âmbito do Supremo Tribunal Federal passando a possibilitar a relativização do Direito à intimidade em hipóteses cujo interesse público esteja em voga, ou seja, a alegação do direito de intimidade seria afastada se o interesse público estivesse em jogo. No R.E 1055-941, sob relatoria do Ministro Dias Toffolifixou:
É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil que define o lançamento do tributo com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instauradas e sujeitos a posterior controle jurisdicional.
Portanto, apesar do intenso debate acerca dos Direitos Fundamentais, deve ficar claro que todos estes devem ser tutelados sem qualquer distinção. No que se refere à sua relativização, esta deve ocorrer quando há necessidade de se buscar equilíbrio entre os direitos conflitantes.
3.A INFLUÊNCIA DOS INSTRUMENTOS TECNOLÓGICOS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Ao longo do presente estudo, muito se discutiu a respeito da notável influência que a tecnologia exerceu em face da sociedade e do Direito. Tudo aquilo que ocorre na sociedade possui um caráter decisivo na elaboração das normas que compõe o Direito, uma vez que estas se responsabilizam pela regulação da convivência social em caráter harmônico entre os indivíduos. Os comandos legais de natureza penal possuem, dentre suas facetas, um caráter repressivo comandado pelo Estado, especialmente diante da necessidade de salvaguardar os mais variados bens jurídicos, ou seja, a natureza repressiva das normas representa uma forma de reação aos comportamentos ilícitos praticados pelos particulares quando recaem sobre os bens jurídicos elencados pelas normas (vida, patrimônio, integridade física etc). Segundo aduz Jesus (2020):
O fato social é sempre o ponto de partida na formação da noção do Direito. O direito surge das necessidades fundamentais das sociedades humanas, que são reguladas por ele como condição essencial à sua própria sobrevivência. O fato social que se mostra contrário à norma de Direito forja o ilícito jurídico, cuja forma mais séria é o ilícito penal, que atenta contra os bens mais importantes da vida social. Contra a prática desses fatos o Estado estabelece sanções, procurando tornar invioláveis os bens que protege. Ao lado dessas sanções o Estado também fixa outras medidas com o objetivo de prevenir ou reprimir a ocorrência de fatos lesivos dos bens jurídicos dos cidadãos.
Por conseguinte, devemos compreender que a manifestação do Direito Penal deve ocorrer em caráter supletivo, ou seja, esse ramo só deve ser acionado quando os demais não forem suficientes para solucionar à lide. Isso se deve ao fato de que há uma certa “filtragem” entre as condutas que efetivamente podem oferecer perigo à sociedade e, a partir dessa seleção, é que o legislador decide pela inclusão ou exclusão de determinadas condutas no ordenamento jurídico.
Esse é um ponto de suma relevância na atuação legislativa, já que impede o “excesso legislativo”. Em outras palavras, isso impede o surgimento de tipos penais que na prática possuem pouca ou nenhuma eficácia. No que se refere à inovação legislativa, é forçoso concluir que o Direito Penal certamente é um dos ramos cuja atuação do legislador mais se faz presente. Todas as recentes inclusões e alterações no panorama legal reafirmam o comportamento ativo do legislador em relação aos novos tipos penais conforme se verá na sequência.
De acordo com a maneira com que as figuras criminosas vão se modificando na prática, a legislação vai se amoldando. Para tanto, visualiza-se as novidades inseridas no âmbito dos delitos patrimoniais, como é o caso do furto. A lei 14.155/2021 incrementou o parágrafo 4°-B no dispositivo legal prevendo a prática de furto por meio de dispositivos de natureza eletrônica e/ou informático.
Diante dessa premissa, é passível de conclusão que o considerável avanço no campo tecnológico facilitou o processo de migração dos delitos do ambiente físico para o virtual, dificultando a atuação do Estatal no processo de apuração.
Ainda na Seara dos delitos informáticos, é possível citar o Artigo 154-A do Código Penal que trata da invasão de dispositivos informáticos. O tipo penal surgiu após várias ocorrências de invasões, em especial no caso da atriz Carolina Dieckman, que teve divulgados alguns arquivos de cunho íntimo. Tal fato deu ensejo ao tipo penal citado com a seguinte redação:
Art.154-A:Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena-reclusão, de 1 (um) à 4 (quatro) anos, e multa.
Devidamente sublinhado, o dispositivo em tela sobreveio diante da necessidade de defender a intimidade das pessoas cujos dados não raras vezes são indevidamente expostos. Em alguns casos, essa divulgação acaba provocando danos sobre o bem jurídico de terceiros que de algum modo possuem uma ligação com a vítima principal. Para Bitencourt (2020):
A evolução dos tempos levou-nos à era cibernética, com todas as vantagens e desvantagens que essa evolução tecnológica pode proporcionar. Tem havido, em todo o mundo a criação de novos crimes cibernéticos, decorrentes da necessidade de ordenar, disciplinar e limitar o uso indevido da moderna e avançada tecnologia cibernética. Há muito o Brasil vem necessitando criminalizar a invasão da privacidade por meios informáticos, prática que tem acontecido diariamente, com maior ou menor repercussão; por isso, recusamo-nos a vincular a este ou àquele escândalo, como é muito do gosto do brasileiro.
O processo de reformulação no âmbito legislativo, apesar de ter atingido mais intensamente a Seara Criminal, também promoveu inserções em outros diplomas legais, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente. Infelizmente, é alarmante o número de notificações referentes aos delitos atinentes a divulgação e comercialização de pornografia infantil no campo virtual. Os agentes dessas condutas atuam na prática valendo-se da impossibilidade do menor seja ele criança ou adolescente de oferecer resistência diante das investidas criminosas, o que facilita ao agressor aproximar-se da vítima. Essa aproximação pode ocorrer, por exemplo, através das redes sociais ou ainda através de salas de jogos em espaço virtual. Ademais, é muito comum que sejam utilizados perfis falsos para conferir uma maior dificuldade no processo de identificação dos agentes. Nesse sentido, Da Silva (2016) alerta que:
Com efeito, pelas razões enunciadas, a Internet constitui terreno fértil para indivíduos que, recomenda-se atrás de uma identidade de utilizador falsa, pretendem contactar com menores de idade com o objetivo de praticar atos de cariz sexual. As vítimas, dada a inocência típica da idade o seu desconhecimento relativamente aos riscos inerentes à utilização da internet, ou mesmo motivadas por simples curiosidade, podem ser levadas a adaptar comportamentos que lhes são lesivos, nomeadamente no que diz respeito à sua exploração sexual. Os riscos da utilização da internet podem consistir na divulgação de imagens de menores com conteúdo sexual (pornografia infantil), oferta de serviços de prostituição, conversas de carácter sexual, exposição do menor a conteúdos pornográficos, devassa da vida privada, aliciamento/sedução do menor à participação do menor em situações de carácter erótico ou sexual (childgrooming), intimidação, cyberbullying e ciberstalking.
Em razão da necessidade de se ter um mecanismo voltado ao combate da pornografia infantil é que fora incrementado, no Estatuto da Criança e do Adolescente, o chamado “Agente Infiltrado” como uma via de atuação no processo de investigação dos agentes delituosos.
De igual modo, face aos danos provocados no menor, é imprescindível que ao se realizar a condução dos depoimentos deste seja seguido um rol de condutas para evitar a revitimização, uma vez que ao realizar o relato, inevitavelmente, a vítima acaba revivendo toda a experiência negativa. Sendo assim, a tomada de depoimento não pode ocorrer de forma constrangedora e nem pode ser executada em um ambiente cujo depoente se sinta intimidado. Nesses casos, utiliza -se a técnica do “depoimento sem dano”.
Por fim, e não menos importante, merece análise a recém inclusão no Código Penal do delito de “Stalking”. Baseado na necessidade de resguardar a liberdade de locomoção é que essa espécie criminal teve origem no ordenamento jurídico. Mais uma vez, a eclosão das redes sociais, bem como de outros aplicativos de comunicação em tempo real, fizeram com que a conduta de perseguição fosse criminalizada. O referido tipo penal caracteriza-se pela intensificada atuação do ofensor em atormentar a vítima pelos meios de que dispõem, e essa perseguição pode ter origem nas mais variadas situações do cotidiano. Em alguns casos, pode ser pelo rompimento de um relacionamento amoroso ou ainda nos casos de pessoas que se declaram “fãs” das chamadas figuras públicas. Em artigo produzido por Damásio de Jesus, ele assim se posiciona:
Não é raro que alguém, por amor ou desamor, por vingança ou inveja ou por outro motivo qualquer, passe a perseguir uma pessoa com habitualidade incansável. Repetidas cartas apaixonadas, e-mail, telegramas, bilhetes, mensagens na secretária eletrônica, recados por interposta pessoa ou por meio de rádio ou jornal tornam um inferno a vida da vítima, causando-lhe, no mínimo, perturbação emocional. A isso dá-se o nome de Stalking
Partindo da afirmação explanada, pode-se aferir que esse delito admite sua prática por mais de um meio a critério do agente, seja na presença física ou ainda pelos instrumentos de comunicação que na prática são mais comuns. Ademais, o ponto central dessa categoria delituosa encontra-se preenchido quando há uma reiteração no comportamento do agressor causando uma intimidação na vítima.
Como se sabe, esse delito pode perfeitamente ser direcionado para qualquer vítima, porém, na prática é muito comum que o delito seja mais direcionado à figura feminina. Não por menos, a Lei 14.132/21 inseriu no delito de “Stalking” a causa de aumento quando a conduta for direcionada contra à mulher.
Apesar da implementação desse delito na legislação penal, ainda há uma fragilidade no que tange à proteção da vítima, especialmente da mulher, o que faz com que devam ser desenvolvidas políticas públicas voltadas à esse público, apesar de todas as inovações representarem um grande avanço.
Com isso, concluímos que no mundo moderno, é falha toda e qualquer tentativa de desconsiderar os impactos positivos proporcionados pela tecnologia na sociedade e no Direito, porém, essa impactante evolução acabou atraindo a existência de alguns reflexos negativos devidamente abordados ao longo do presente estudo.
Com relação ao Direito Penal, é necessário que o Estado saiba manejar seus institutos, principalmente seu caráter subsidiário, pois apesar de ser um importante instrumento de controle social, não se pode admitir seu uso se houver um outro meio de solucionar à lide sob pena de esvaziar o próprio princípio da subsidiariedade.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto no presente estudo, foi possível identificar que os mecanismos de matriz tecnológica transformaram substancialmente a realidade social, e a presente constatação pode ser visualizada principalmente na maneira como ocorre a interação entre as pessoas na atual sociedade.
As ferramentas tecnológicas encontram-se desenvolvidas ao ponto de simplificar muitas das atividades humanas, o que gera um aproveitamento tanto no tempo, quanto na própria produção das atividades laborais.
Em se tratando de Direito Penal, constatamos um novo repertório de condutas delituosas que incidem sobre os mais variados bens jurídicos. Tal fator serviu de justificativa para que o Estado viesse a assumir a missão de preservar esses bens por meio de seus instrumentos. A atuação Estatal deve, portanto, ser suficiente não apenas para reprimir, como também para prevenir a propagação de delitos, uma vez que a atuação daquele não deve se restringir apenas no caráter punitivo senão também para proteger os indivíduos. E esses mesmos mecanismos tecnológicos, podem ser utilizados a serviço do Estado no combate à essas figuras delituosas que ganham uma nova roupagem.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, Decreto-lei 2848 de 07 de dezembro de 1941. Disponível em http://www.planalto.gov.br CCivil/Decreto-lei/Del2848htm. acesso em 22 de fevereiro de 2022
Cibercrime: O crime de pornografia infantil na internet, João Miguel Almeida da Silva, 2016, Dissertação de mestrado, Universidade de Coimbra
Cézar Roberto Bitencourt – coleção tratado de Direito Penal volume 2, 20° edição, São Paulo, Saraiva 2020
Curso de Direito do Trabalho, obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores, Maurício Godinho Delgado,18° edição, São Paulo,2019.
Direito Digital, Patrícia Peck Pinheiro, 7°edição revista, ampliada e atualizada, Saraiva jur, 2021.
Direito Constitucional esquematizado, Pedro Lenza, 25° edição Saraiva educação, 2021
Direito Penal Informático, Auriney Brito - São Paulo Saraiva, 2013
Direito Penal parte geral, vol. 1,37° edição Damásio de Jesus, atualização André Estefam, Saraiva educação, 2020
Direito Penal parte geral (arts 1° a 120°). Cleber Masson 14 edição, Rio de Janeiro: forense, São Paulo: Método, 2020
Lei geral de proteção de dados pessoais e suas repercussões no direito brasileiro, Ana Frazão, Gustavo Tepedino, Milena Donato Oliva, coordenação,1° edição São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2019
https//www.stj.jus.br/sites/portalp/páginas/decomunicação/notícias/divulgação-de-mensagens-do-Whatsapp-sem-autorização-pode-gerar-obrigação-de-indenizar
Bacharel em Direito pela Universidade UNIFACID Wyden. Advogado. Pós-graduado em Direito de Famílias e Sucessões pela Assembleia Legislativa do Piauí-Alepi . E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCISCO GUSTAVO ALVES ARAúJO, . A influência dos mecanismos tecnológicos e sua repercussão no Direito Penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2022, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58513/a-influncia-dos-mecanismos-tecnolgicos-e-sua-repercusso-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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