LUCIMARA ANDREIA MOREIRA RADDATZ
(orientadora)
RESUMO: Os Tribunais de Contas têm papel fundamental no contexto democrático, pois são responsáveis pelo auxílio no controle externo das contas públicas, feito em conjunto com o Poder Legislativo e garantem o cumprimento da lei e a aplicação corretas dos recursos do erário nas finalidades públicas, sendo que a problemática do presente artigo reside no papel das Ouvidorias dos Tribunais de Contas, como responsáveis pela aproximação entre o controle externo, feito por este e o controle social, realizado pela sociedade civil e cuja justificativa reflete no cenário da gestão democrática dos recursos públicos. O objetivo geral da presente pesquisa é explorar os conceitos e formas de controle externo e social. Já em relação ao objetivo específico, busca-se explicar a importância da aproximação dos controles externo e social, a partir do papel das Ouvidorias nos Tribunais de Contas como instrumentos de controle democrático dos recursos públicos no Brasil. A metodologia utilizada no presente trabalho científico foi o método dedutivo, a partir de uma análise qualitativa, partindo de um ponto amplo e geral em direção a um ponto específico sobre o tema abordado, por meio da revisão bibliográfica crítica.
Palavras-chaves: Gestão Eficiente dos Recursos Públicos. Democracia Semi-participativa. Princípio da Transparência. Princípio da Eficiência.
ABSTRACT: The Audit Courts have a fundamental role in the democratic context, as they are responsible for assisting in the external control of public accounts, done jointly with the Legislative Branch and ensure compliance with the law and the correct application of the resources of the Treasury in public purposes, and the problem of this article lies in the role of the Ombudsman of the Audit Courts, as responsible for the approximation between external control, made by this and social control, carried out by civil society and whose justification reflects in the scenario of democratic management of public resources. The general objective of this research is to explore the concepts and forms of external and social control. In relation to the specific objective, it seeks to explain the importance of the approximation of external and social controls, from the role of the Ombudsman in the Audit Courts as instruments of democratic control of public resources in Brazil. The methodology used in this scientific work was the deductive method, based on a qualitative analysis, starting from a broad and general point towards a specific point on the theme addressed, through the critical literature review.
Key-words: Efficient Management of Public Resources. Semi-participatory Democracy. Principle of Transparency. Principle of Efficiency.
SUMÁRIO 1. Introdução. 2. O Controle Externo dos Tribunais de Contas e o Controle Social no Brasil: Conceitos e suas Formas de Exercício. 2.1 O Controle Externo na Gestão Eficiente dos Recursos 2.2. O Conceito de Controle Social como Participação do Cidadão na Gestão Eficiente dos Recursos Públicos. 3. Os Instrumentos de Controle Social na Gestão Eficiente dos Recursos Públicos da Democracia Brasileira. 4. As Ouvidorias dos Tribunais de Contas como Ferramenta de Fomento ao Controle Social Democrático no Brasil. 4.1. Um Breve Histórico a Respeito da Origem e Surgimento das Ouvidorias dos Tribunais e Conselhos de Contas no Brasil. 4.2. A Aproximação entre Controle Externo e Controle Social pelas Ouvidorias dos Tribunais de Contas na Fiscalização da Gestão Eficiente dos Recursos Públicos. 5. Conclusão. Referências.
Os tribunais de contas, no Brasil, têm papel essencial para o controle externo da Administração Pública, junto ao Poder Legislativo, de modo que este controle externo objetiva averiguar a observância dos princípios e normas constitucionais na seara da atuação administrativa, a qual visa o interesse público e, assim, faz-se necessário um controle que vai além de uma análise de documentos fornecidos em uma prestação de contas do agente público responsável, mas também investigações, auditorias próprias dos Tribunais de Contas e sistemas contábeis de alimentação obrigatória pelos administradores da máquina pública com vistas à promoção dos princípios da transparência, da legalidade e da gestão eficiente dos recursos públicos.
Para além da fiscalização da gestão eficiente dos recursos públicos pelo Poder Legislativo, em conjunto com os Tribunais de Contas, faz-se importante a participação popular no controle das contas públicas como instrumento de fortalecimento da Democracia e da gestão democrática dos recursos do Erário, por meio do controle social exercido junto às ouvidorias dos Tribunais de Contas cujo mecanismo foi desenvolvido para fortalecer a participação do cidadão nas tomadas das contas públicas.
Nota-se a necessidade de uma sociedade civil mais ativa e atenta à gestão eficiente dos recursos públicos por parte de seus administradores, a qual justifica a elaboração do presente artigo bem como a importância de que essa conheça os meios disponibilizados para a fiscalização dessa prestação de contas, a partir das ouvidorias dos Tribunais de Contas, inclusive pelos próprios órgãos de controle externo, especialmente os Tribunais de Contas.
O objetivo geral da presente pesquisa é explorar os conceitos e formas de controle externo e social. Já em relação ao objetivo específico, busca-se explicar a importância da aproximação dos controles externo e social, a partir do papel das Ouvidorias nos Tribunais de Contas como instrumentos de controle democrático dos recursos públicos no Brasil.
A metodologia utilizada no presente trabalho científico foi o método dedutivo, a partir de uma análise qualitativa, partindo de um ponto amplo e geral em direção a um ponto específico sobre o tema abordado, por meio da revisão bibliográfica crítica, com base na legislação de regência, notadamente a Constituição Federal de 1988, além da Lei nº 8.443/1992, bem como em doutrinas de Direito Constitucional e Direito Administrativo, assim como artigos científicos em matéria de Direito Administrativo e de decisões dos Tribunais Superiores, notadamente do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
2 O CONTROLE EXTERNO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS E O CONTROLE SOCIAL NO BRASIL: CONCEITOS E SUAS FORMAS DE EXERCÍCIO
No ordenamento jurídico brasileiro, há a previsão de controle dos recursos públicos por meio da fiscalização exercida pelos Poderes da República, os quais realizam o denominado controle interno, a partir da atividade administrativa de levantamento do balanço contábil, financeiro e orçamentário das despesas do próprio órgão, eventuais contratos administrativos, licitações e atividades típicas de seu organograma funcional, além do controle externo, exercido pelo Poder Legislativo e pelos Tribunais de Contas. (BRASIL, 2017).
O controle interno dos recursos públicos, conquanto não seja objeto de estudo do presente artigo científico, é relevante que seja explicitado seu conceito e distinção para com o controle externo (este sim objeto de estudo da presente pesquisa), de modo que aquele encontra respaldo no texto constitucional, bem como na legislação infraconstitucional, sendo importante instrumento democrático de fiscalização das atividades estatais. (PIETRO, 2019).
Cada Poder fiscaliza a destinação dos recursos públicos e o exercício de suas atividades na consecução dos interesses da coletividade, com mecanismos de controle interno que realizam a gestão e aplicação do Erário na promoção das necessidades da coletividade e do próprio órgão estatal responsável por este mandamento constitucional.
A regra é aplicável a nível estadual, conforme previsão nos arts. 25, §1º, c/c art. 74, incisos I a IV, todos da Constituição Federal de 1988, além do Distrito Federal, consoante art. 32, §1º c/c art. 74, incisos I a IV, todos do texto constitucional e, a nível municipal, nos moldes dos art. 31, caput c/c art. 74, incisos I a IV, todos da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).
Logo, o texto constitucional garante a previsão do controle interno em todos os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), bem como em todos os níveis (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para o gerenciamento, aplicação, destinação e cumprimento dos interesses coletivos, a partir da utilização pelo Estado, lato sensu, dos recursos públicos nas finalidades coletivas.
Além disso, o já mencionado art. 70, caput, do texto constitucional traz ainda o controle externo, exercido pelo Congresso Nacional, explicitando, ainda, ser este controle da natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial de todos os entes da Administração Pública Direita, ou seja, os entes políticos (União, Estados-membros, Distrito Federal, Municípios e seus órgãos), bem como da Administração Pública Indireta (Autarquias Públicas, Fundações Públicas, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e as subsidiárias destas duas últimas entidades). (PÍTSICA, 2011).
Oportuno, desse modo, citar novamente o dispositivo, com destaque para a previsão que aduz sobre o controle externo, esculpida no art. 70, caput, da Constituição Federal de 1988, bem como do art. 71, notadamente incisos II, VI e VII, também do texto constitucional, a qual prevê que o controle externo será exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, a fim de verificar a legitimidade e regularidade das contas públicas, bem como sua legalidade (BRASIL, 1988).
O controle externo, a nível federal, será exercido pelo Congresso Nacional (Poder Legislativo Federal), com o auxílio do Tribunal de Contas da União, o qual deverá, dentre outras funções constitucionalmente estabelecidas, prestar fiscalizar as contas públicas, bem como prestar contas de suas atividades fiscalizatórias dos recursos públicos e das contas dos administradores e pessoas jurídicas de direito público que realizam atividades, a partir da gestão do Erário para o Congresso Nacional.
Em razão do Princípio da Simetria, o qual se traduz na possibilidade de aplicação dos dispositivos constitucionais da Constituição Federal de 1988 às demais Constituições do Estado e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, conforme se extrai da leitura do art. 75, caput da Constituição Federal de 1988, este ilustra clara reproduz do princípio mencionado. (MASSON, 2020).
Para ilustrar, cita-se o art. 75, caput da Constituição Federal de 1988, o qual prevê: “Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. ” (BRASIL, 1988).
Por conta desse dispositivo, há controle externo nos Estados-membros, pelas Assembleias Legislativas, mediante auxílio dos Tribunais de Contas Estaduais, bem como no Distrito Federal, com a Câmara Legislativa do Distrito Federal e o Tribunal de Contas do Distrito Federal e nos Municípios, com os antigos Tribunais ou Conselhos de Contas Municipais. (ELIAS, 2011).
Note-se que, conforme dicção expressa no art. 31, §4º da Constituição Federal de 1988 “É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais”, de modo que apenas os já existentes Tribunais de Contas Municipais poderão ter exercício na fiscalização dos recursos públicos, sendo vedada a criação pelos Municípios de novos Conselhos ou Tribunais de Contas. (BRASIL, 1988).
Fica clara a existência de diferenças entre o controle interno e o controle externo, visto que o segundo é exercido pelo Poder Legislativo, a nível federal, estadual, distrital e municipal, em parceria com os Tribunais de Contas da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, realizando o controle e fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Erário e das atividades estatais de cada órgão e entidade da Administração Pública Direta e Indireta.
2.1 O controle externo na gestão eficiente dos recursos
Os Tribunais de Contas auxiliam o Poder Legislativo na fiscalização das contas públicas, a nível federal, estadual, distrital e municipal, realizando a fiscalização e controle contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Erário e das atividades estatais de cada órgão e entidade da Administração Pública Direta e Indireta.
A atividade de controle externo funciona como verdadeiro mecanismo de freios e contrapesos da Democracia Brasileira, no qual há a fiscalização de um Poder (no caso, o Legislativo) sobre os demais Poderes (Judiciário e Executivo) no que tange às atividades dos órgãos e entidades, além da aplicação e destinação do patrimônio do Erário, reforçando os instrumentos de controle da Democracia e da gestão eficiente dos recursos públicos. (JESUS; PAJEU; GEMELLI, 2015).
A União possui regulamentação da fiscalização externa do Tribunal de Contas da União no art. 1º, caput, da Lei nº 8.443/92, a qual dispõe que: “Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei”. (BRASIL, 1992).
De acordo com os ensinamentos de Silva (2020, p. 150), ao explicar sobre o papel dos Tribunais de Contas como órgão de fiscalização e ressaltar sua necessidade na verificação da legalidade e legitimidade das contas públicas, denota que:
Um dos órgãos que desempenham a atividade de controle externo é o Tribunal de Contas; independente e essencial à República, possui competências constitucionais e legais próprias, privativas e essenciais ao exercício do controle externo. No atual ordenamento constitucional, o Tribunal de Contas assumiu a condição de principal órgão de controle dos atos administrativos que direta ou indiretamente tenham relação com a execução orçamentária ou impacto sobre o patrimônio público, devendo exercer o controle não só dos aspectos relacionados à verificação da regularidade da despesa, mas também da legitimidade e da própria qualidade da despesa pública.
O Tribunal de Contas desempenha papel fundamental na fiscalização da Democracia, à medida em que realiza verdadeiro controle das contas públicas com a sua adequada destinação nos moldes da lei, bem como das atividades estatais, licitações e contratos administrativos.
Nas parcerias público-privadas, os Tribunais de Contas fiscalizam os contratos de gestão realizados entre a Administração Pública e o particular, além do cumprimento da legalidade dos atos e contratos públicos firmados entre as partes e a adequada equivalência e equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo e do orçamento público. (PIETRO, 2019).
Nas palavras de Pietro (2020, p. 1048), quando trata a respeito das finanças públicas e da previsão orçamentária que será fiscalizada pelo Poder Legislativo e pelos Tribunais de Contas, ressalta que:
Em matéria de finanças públicas, a atual Constituição prevê: sujeição aos limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno, estabelecidos pelo Senado e aplicáveis às autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público (art. 52, VII); obediência, imposta às mesmas entidades, à lei complementar que disponha sobre dívida externa e interna (art. 163, II); inclusão, na lei orçamentária anual, do orçamento fiscal e de seguridade social das entidades da Administração Direta e Indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e do orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto (art. 165, § 5º).
A autora traduz a importância dos Tribunais de Contas no controle de toda a sistemática constitucional que impõe aos órgãos que se submetam ao controle externo exercido pelo Poder Legislativo em parceria com o Tribunal de Contas para a efetiva aplicação dos recursos públicos e a adequada gestão dos recursos do Erário no Brasil.
A Constituição Federal prevê o controle externo da fiscalização dos recursos em matéria de Direito Financeiro, visando à correta aplicação do Erário na satisfação dos interesses coletivos para o bom funcionamento da máquina pública, o que reforça o compromisso estatal para com o Estado Democrático e de Direito, esculpido no art. 1º, parágrafo único, do texto constitucional. (BRITO, 2011).
A gestão eficiente dos recursos públicos depende da adequada fiscalização dos Tribunais de Contas e do Poder Legislativo para que sejam executados e cumpridos os mandamentos constitucionais relativos aos recursos públicos a serem aplicados nas finalidades coletivas pelo Estado Brasileiro, o qual impõe a si mesmo o ônus de fiscalizar sua própria atuação mediante controle de suas atividades estatais e de seus órgãos.
2.2 O conceito de controle social como participação do cidadão na gestão eficiente dos recursos públicos
A Constituição Federal de 1988 prevê o controle interno, efetivado pela própria Administração Direta e Indireta de cada Poder (Legislativo, Judiciário e Executivo), a nível federal, estadual, distrital e municipal sob seus órgãos e entidades públicas; e o controle externo, a ser exercido pelo Poder Legislativo, federal, estadual, distrital e municipal, em parceria com os Tribunais de Contas da União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios sob os demais órgãos e entidades públicas na correta atividade de aplicação e gestão dos recursos públicos.
Porém, o controle das contas públicas não se restringe à atividade estatal de fiscalização do Erário, seja interna ou externa, pois também se opera pelo controle social, exercido pelo cidadão, a partir de denúncias e reclamações feitas aos Tribunais de Contas, bem como aos órgãos e entidades que devem exercer o controle interno da má gestão e aplicação dos recursos públicos e atividades estatais lesivas ao patrimônio público. (MALAFAIA, 2011).
Para fins de conceituação, o controle social é o conjunto de instrumentos e mecanismos de reclamação, denúncia, representação e outros, colocados à disposição do cidadão e de toda sociedade civil para a fiscalização e gerência da correta aplicação e gestão dos recursos públicos pela Administração Pública e pelo Estado, lato sensu. (MALAFAIA, 2011).
Sobre a origem do controle social no Brasil, conceitua Pítsica (2011, p. 265; apud Lima, 2005, p. 34-35), ao abordar a temática do controle social e seu surgimento nos dispositivos do ordenamento jurídico, além de seu contexto histórico político que:
O controle social surge no início do processo de redemocratização do Brasil, no final do governo militar. Seu foco central é garantir a eficiência e eficácia em qualquer programa de governo, qualidade dos serviços, e assegurar que a Administração atue de acordo com os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, avançando para uma gestão pública mais justa e transparente.
Nos ensinamentos de outro autor, explica Pio (2017, p. 137), ao abordar a temática dos instrumentos de controle social, a sua aplicabilidade e seu conceito, senão vejamos:
Com efeito, o reconhecimento de que os instrumentos de reclamação, representação e denúncia etc, postos a cargo do particular, representariam meramente um controle-fiscalização não significa, em absoluto, afirmar que tais instrumentos não são instrumentos de controle.
O autor aduz que os instrumentos de reclamação, representação e denúncia, colocados à disposição do cidadão, são verdadeiros instrumentos de controle social dos recursos financeiros, além de representarem efetiva participação da sociedade civil na gestão dos recursos públicos.
Inclusive, conforme ressalta Elias (2011, p. 64), ao lecionar a respeito dos efeitos e consequências do uso do controle social, destacando a importância da fiscalização das ações governamentais pelo cidadão, e:
Abre-se, portanto, novo horizonte para se trabalhar a participação social nas instituições públicas. Faz parte desse horizonte, ainda pouco alvejado pela ciência jurídica e política, o entrelaçamento entre o controle social e os tribunais de contas, especialmente no que tange à fiscalização do resultado das ações governamentais, no aspecto da legitimidade.
Reforça-se com a importância do compromisso da sociedade civil com a fiscalização das contas públicas junto ao controle externo dos Tribunais de Contas e o Poder Legislativo, para melhor aplicação e gerências do Erário na consecução dos interesses coletivos, no contexto do Estado Democrático e de Direito.
Depreende-se que o controle social, juntamente com o controle externo (Poder Legislativo e Tribunal de Contas), é instrumento de participação social que reforça o regime democrático, bem como assinala a coparticipação do cidadão na gestão eficiente dos recursos públicos, por meio de mecanismos de reclamação, representação, denúncia, dentre outros, para melhor fiscalização e controle da aplicação e gestão do Erário do Estado Brasileiro.
3 OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL NA GESTÃO EFICIENTE DOS RECURSOS PÚBLICOS DA DEMOCRACIA BRASILEIRA
O texto constitucional, no contexto democrático, inaugura a gestão eficiente do controle dos recursos públicos, a partir da previsão do controle interno, realizado em todos os entes políticos e seus órgãos (Administração Pública Direta), bem como nas entidades que compõem a Administração Pública Indireto, do controle externo, em todos os níveis, pelo Poder Legislativo, em conjunto com os Tribunais de Contas e do controle social, mediante participação da sociedade civil com instrumentos para reclamações, denúncias, representações e outras medidas de fiscalização do Erário e da atividade estatal.
O controle social é verdadeiro instrumento de garantia da estabilidade do regime democrático, à medida em que o próprio Estado cria mecanismos no seu texto constitucional para impulsionar e viabilizar o controle do cidadão no que tange à aplicação e gerência dos recursos públicos estatais em prol do interesse coletivo da sociedade, colocando à disposição instrumentos para a efetivação desta garantia constitucional. (PIO, 2017).
Como todo poder emana do povo e por ele deve ser exercido, há instrumentos que auxiliam no controle da tomada das contas públicas junto ao Tribunal de Contas (conforme mencionado no item 2, este exerce controle externo junto ao Poder Legislativo competente), na conjuntura denominada de democracia semi-participativa, conforme esculpido no art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988, a qual contempla elementos de participação na democracia indireta (voto) e também na democracia direta (iniciativa popular de lei, por exemplo), sendo um misto de ambos os regimes políticos. (JESUS; PAJEU; GEMELLI, 2015).
O art. 31, §3º, do texto constitucional de 1988 reafirma seu compromisso com a democracia participativa ao prever que as contas públicas estarão à disposição do contribuinte para exame e apreciação durante 60 (sessenta dias), anualmente, podendo este questionar a sua legitimidade e legalidade perante os órgãos competentes, como o Tribunal de Contas, o Poder Legislativo e o próprio Poder Judiciário. (PIETRO, 2020).
O cidadão tem acesso às contas públicas municipais, todos os anos, durante sessenta dias para que faça a apreciação quanto à legalidade e possui legitimidade para questionar estas em caso de eventuais irregularidades, o que reforça o compromisso do Estado para com a lisura e transparência das contas públicas perante a sociedade civil.
Todo cidadão possui direito de ter acesso a informações de caráter público, as quais não estejam protegidas pelo sigilo constitucional dos assuntos estatais, em nome da transparência, a qual constitui o direito constitucional à informação, previsto no art. 5º, inciso XXXIII, c/c o art. 37, §3º, inciso II e art. 216, §2º, todos do texto constitucional de 1988. (PIETRO, 2020).
A Constituição Federal reforça o compromisso com o cidadão para que este possa ter acesso a toda e qualquer informação relativa à prestação de contas públicas perante a sociedade e possa, como importante instrumento de participação social, exercer o controle social na gestão eficiente dos recursos públicos.
Respaldado pelo Princípio da Transparência, o qual traduz a exigência de prestação de contas da Administração Pública de toda e qualquer atividade estatal, juntamente com o Princípio Constitucional da Publicidade, previsto no art. 37, caput da Constituição Federal de 1988, com o mesmo comando de publicitar os atos do Estado, há, ainda, a Lei da Transparência (Lei nº 12.527/2011), a qual fundamental o direito fundamental à informação do cidadão, previsto no citado art. 5º, inciso XXXIII, do texto constitucional. (MASSON, 2020).
Inegável que a gestão transparente dos atos estatais está intimamente ligada à possibilidade de verificação da legalidade e legitimidade das contas públicas, a fim de que o cidadão possa identificar quais recursos estão sendo aplicados e qual a destinação financeira, contábil, orçamentaria, patrimonial e operacional do funcionamento da máquina estatal para, em última análise, verificar se os fins da coletividade estão sendo atingidos pelo Estado Brasileiro.
A Lei de Responsabilidade Fiscal garante instrumentos que são hábeis ao controle das contas de toda a Administração Pública, bem como do próprio Chefe do Poder Executivo, em todos os níveis dos entes políticos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), a fim de que o cidadão possa fiscalizar a correta aplicação de todos os recursos financeiros públicos arrecadados pelo Estado e também a sua adequada destinação legal.
O relatório resumido da execução orçamentária e o relatório de gestão fiscal são instrumentos de Direito Financeiro, os quais são utilizados para que sejam expostas as métricas para definir em quais órgãos e atividades foram aplicados os tributos e demais fontes arrecadatórias criadas pelo ente estatal, bem como, no segundo documento, as despesas e receitas, mensal e anualmente recolhidas e pagas pelos entes políticos. (LEITE, 2021).
É apresentado aos cidadãos toda a tomada de contas públicas, seu plano de execução e a gestão de tudo o que foi arrecadado pelo Estado, mensal e anualmente, para fins de consecução do Princípio da Transparência e da Publicidade dos Atos Estatais, corolários do regime democrático esculpido no Estado Democrático e de Direito. (MASSON, 2020).
Nota-se que a Constituição Federal de 1988 inaugura e funda o Estado Democrático de Direito, a partir da previsão de instrumentos de controle interno, realizados pelos próprios órgãos e entidades, de todos os Poderes da República, em todos os níveis estatais, além do controle externo, pelo Poder Legislativo, em conjunto com os respectivos Tribunais de Contas e do controle social, realizados pelos cidadãos, a partir da fiscalização da gestão e execução fiscal e orçamentária, bem como de toda a atuação estatal, pelos instrumentos dispostos na Constituição Federal de 1988, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) e na Lei da Transparência (Lei nº 12.527/11).
4 AS OUVIDORIAS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS COMO FERRAMENTA DE FOMENTO AO CONTROLE SOCIAL DEMOCRÁTICO NO BRASIL
O controle externo, diferentemente do controle interno que é realizado pelos próprios entes políticos e seus órgãos, em nível federal, estadual, distrital e municipal, aquele é realizado pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas, a nível federal, estadual, distrital e municipal na tomada das contas públicas dos administradores dos recursos do Erário, bem como das contas prestadas pelos Chefes do Poder Executivo Federal, Distrital, Estadual e Municipal; já o controle social é feito pelo cidadão, o qual tem acesso à fiscalização das contas públicas e pode comunicar irregularidades ao Tribunal de Contas, ao Poder Legislativo, ao Ministério Público e ao Judiciário.
Dentro do contexto do Estado Democrático e de Direito, fundado pelo texto constitucional de 1988, há instrumentos de controle social, ou seja, da sociedade civil, colocados à disposição de todo cidadão para que possa fiscalizar as contas e a aplicação e execução dos recursos financeiros em políticas públicas, a exemplo Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal, dispostos na Lei de Responsabilidade Fiscal em consonância com o Direito Constitucional de Acesso à Informação e dos Princípios da Transparência e Publicidade.
A Constituição Federal de 1988 ainda prevê um terceiro e importante instrumento de controle social, os quais são as Ouvidorias dos Tribunais de Contas, consolidadas com o advento da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 13.460/2017, sendo que ambas preveem a possibilidade de que o cidadão formalize reclamações e denúncias aos órgãos públicos competente, inclusive os Conselhos de Contas, em todos os âmbitos dos entes políticos. (PIETRO, 2020).
A Constituição Federal de 1988 garante que o cidadão não apenas faça reclamações e denúncias sobre o funcionamento dos órgãos públicos, mas também tenha um canal de atendimento para ter conhecimento sobre as respostas e soluções ofertadas pelo órgão, a partir da formalização de seus questionamentos e demandas solicitadas em razão de seu direito fundamental constitucional de acesso à informação.
O cidadão tem o direito de reclamar aos órgãos públicos sobre situações de interesse coletivo e geral, bem como de seu próprio interesse e, também, devem os órgãos públicos e entes federativos manterem dados sincronizados para melhor atendimento da demanda solicitada pela sociedade civil na colheita de informações gerais e pessoais, exercendo legítimo controle social da atuação estatal, a partir das Ouvidorias dos órgãos públicos.
Portanto, nas palavras de Vieira; Lima (2011, p. 619), ao cuidar do tema relativo à Ouvidoria enquanto órgão de fomento ao controle social e de papel democrático fundamental na participação do cidadão na fiscalização da atuação estatal, ensina que:
A Ouvidoria surge, como uma das práticas de vigilância, e se insere nesse contexto como forte instrumento de controle da sociedade sobre o Estado. Está incluída no tripé de instâncias de controle da administração pública definidos em: controle externo, controle interno e controle social.
Tanto o controle interno, circunscrito ao ato fiscalizatório de cada ente político sobre si e seus órgãos, quanto o controle externo, exercido pelo Poder Legislativo, em conjunto com os Tribunais de Contas, há ainda o controle social, desenvolvido em consonância com as Ouvidorias dos órgãos públicos, de modo que o cidadão pode exercer verdadeira vigilância sobre as atividades e contas públicas do Estado, lato sensu.
4.1 Um breve histórico a respeito da origem e surgimento das Ouvidorias dos Tribunais e Conselhos de Contas no Brasil
As Ouvidorias dos órgãos públicos funcionam como verdadeiro instrumento de controle social, para além do controle interno, exercidos pelos próprios entes federativos e seus órgãos, do controle externo, exercido pelo Poder Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas e dos próprios instrumentos de controle social (a publicidade das contas públicas, por exemplo), sendo que aquele garante o direito ao cidadão de ter sua pretensão reclamatória analisada pelo ente estatal.
Importante mencionar um breve histórico a respeito da origem e do surgimento das Ouvidorias dos Tribunais e Conselhos de Contas no Brasil, os quais surgiram a partir da necessidade da fiscalização e participação social nas tomadas das contas públicas, inclusive com a previsão de mecanismos para que a sociedade civil pudesse apresentar e formalizar reclamações, denúncia e solicitações aos órgãos públicos na gestão dos recursos públicos e de suas atividades estatais. (PIO, 2017).
Nas lições de Cardoso 2010, p. 7-8; apud 2000, p. 62), ao narrar a historicidade e o contexto social em que surgem as ouvidorias dos órgãos públicos como instrumentos de combate aos arbítrios perpetrados pelo Estado, tem também a função e o contexto, no qual ensina o autor que:
[...] noticia que, no Brasil, a primeira iniciativa voltada para a criação do instituto data de 1823, anterior, pois, à Constituição do Império, por intermédio de um projeto que estabelecia um juízo do povo. Entretanto, o tema somente começou a ser efetivamente discutido a partir do terceiro quartel do século XX, quando, em 1961, por meio do Decreto no 50.533, pretendeu-se a criação de um instituto assemelhado ao do ombudsman. O decreto foi revogado antes mesmo de ter sido posto em prática. Na década seguinte, por intermédio do Decreto-Lei no 200, de 1977, foi criado na Comissão de Valores Mobiliários o cargo de ombudsman, que não chegou a ser preenchido.
Há uma ideia embrionária de Ouvidoria como sendo uma continuação administrativa de um órgão público, o qual, no contexto do antigo Império foi instituído antes mesmo da Constituição Imperial de 1824, com o estabelecimento de um juízo do povo, responsável por coletar reclamações e informações dos cidadãos em relação à corte imperial portuguesa, embora pouco utilizado pela população e sem estruturação em razão do regime político e de governo da época.
Na sequência, em 1961, com o Decreto nº 50.533 procurou criar um instituto responsável por captar as denúncias feitas aos órgãos públicos e a fiscalização do povo em relação à prestação de contas e serviços públicos estatais, porém aquele foi revogado antes mesmo de ser regulamentado, na prática, a utilização do referido instituto de tomada pública popular. (CARDOSO, 2010).
Posteriormente, em 1977, por meio do Decreto-Lei nº 200, foi criado o cargo de ombudsman, responsável por ser o ouvidor na tomada das reclamações, denúncias e solicitações da sociedade civil aos órgãos públicos, embora o cargo nunca tenha chegado a ser preenchido, sem grande sucesso prático para a população no efetivo controle social dos recursos financeiro públicos e atividades estatais. (VIEIRA; LIMA, 2011).
Embora no decurso de toda a década de 1970 já existissem apelos da doutrina pela defesa da criação, desenvolvimento e a efetiva implementação do mencionado instituto, denominado ombudsman, o cenário político brasileiro conturbado não permitia o seu desenvolvimento, visto que existia na atual década o regime milita, ou seja, um regime autocrático, no qual não se prestava contas ao cidadão, de modo que referido programa seria uma afronta ao regime totalitário estatuído à época, bem como um contrassenso admitir-se a fiscalização pela participação e controle social da administração pública pelos cidadãos das atividades estatais, por meio de um canal, em pleno regime político de exceção. (CARDOSO, 2010).
No decorrer da década de 1980, juntamente com o começo do processo de redemocratização do Brasil, em resposta à crise de legitimidade política do regime militar, ou seja, do regime de totalitário e de exceção estatuído à época, desenvolvem-se algumas iniciativas no assegurar amplo acesso e participação social da sociedade civil organizada no controle político, como as organizações de bairro e o próprio movimento sindical, a partir do movimento denominado Diretas Já, o qual buscava a volta das eleições diretas, suspensas pelos atos institucionais do regime militar. (VEIRA; LIMA, 2011).
Nos ensinamentos, preleciona Cardoso (2011, p. 8), ao tratar do tema inerente à juridicidade das ouvidorias e sua influência em razão de um dispositivo constante da Lei de Ombudsman, narra que:
Estritamente relacionado ao instituto do ombudsman, mencionem-se o Projeto de Emenda Constitucional no 78, que pleiteava a criação de uma Procuradoria-Geral do Povo para defender os direitos fundamentais dos cidadãos; a proposta do senador Luiz Cavalcanti; o projeto do deputado Ney Lopes Jonathan Nunes; e o projeto do senador Marco Maciel.
Houve o mencionado projeto de emenda à Constituição com a finalidade de criar um efetivo mecanismo de controle social e romper-se com o regime de exceção desenvolvido pelos militares em 1964, garantindo ao cidadão maior controle da atividade e dos recursos financeiros públicos do Estado, bem como da possibilidade de oferecimento de reclamações e denúncia contra atos dos administradores perante a Administração Pública.
Narra, ainda, o autor Cardoso (2010, p. 8), cuidando do tema do ponto de vista socioeconômico das Ouvidorias e sua instalação no Brasil, defendendo que:
Em um cenário socioeconômico conturbado e carente de legitimação, é criado o primeiro cargo de ouvidor geral público do Brasil – ainda que a eficácia da iniciativa não tenha sido verificada de pronto – por meio do Decreto no 92.700, de maio de 1986, que institui o cargo de ouvidor geral da previdência social a quem seriam destinadas “as informações, queixas e denúncias dos usuários do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, cabendo-lhe zelar pela boa administração dos serviços previdenciários e sugerir medidas com esse objetivo” (Artigo 2o , Decreto no 92.700).
Cabe mencionar a criação, a partir do Decreto nº 93.714, de 15 de dezembro de 1986, de um instituto desenvolvido para fosse realizada a defesa dos direitos da sociedade civil organizada contra eventuais abusos, erros e omissões praticados pela Administração Pública Federal, porém sem efetividade, visto que não disciplinava os deveres dos ouvidores públicos e suas formas de elegibilidade, nem mesmo os direitos dos cidadãos em caso de descumprimentos das solicitações apresentadas (PIO, 2017).
Já no contexto do processo de redemocratização do Brasil, o qual ocorre a partir da elaboração do texto constitucional, feita após a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, por meio da Emenda à Constituição de nº 26/1985 e com a promulgação da Constituição de 1988, que impôs um novo paradigma democrático, assentado na dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, consoante disposto no art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. (CARDOSO, 2010).
A dignidade da pessoa humana, ou seja, o cidadão enquanto detentor de dignidade humana deve ter sua condição respeitada pelo Estado, sendo que a República Federativa do Brasil, a partir do texto constitucional traça os limites da atuação estatal, a partir da dignidade do cidadão enquanto ser humano.
Também foi previsto no novo texto constitucional a base principiológica baseada no Princípio da Solidariedade, nos termos do art. 3º, inciso I do texto constitucional, do Princípio da Promoção, nos moldes do art. 3º, inciso IV, do mesmo diploma legal e do Princípio Participativo, alocado no art. 1º, incisos II e V, da Lei Maior. (VIEIRA; LIMA, 2011).
A Constituição Federal de 1988 inova ao prever dispositivos claramente dirigentes, na qual o legislador e também o gestor público detém a direção a qual deve seguir no agir estatal, bem como os limites da atuação frente à dignidade da pessoa humana, do direito à promoção do bem comum e do princípio participativo, com instrumentos de participação indireta na vida pública (voto) e direta (fiscalização das contas públicas) da sociedade civil.
Sob a égide deste novo modelo constitucional de Estado, a Constituição Federal de 1988 previu no art. 37, §3º e seus incisos a disposição relativa à exigência de que fosse feita a edição de uma lei ordinária para tratar especificamente acerca das reclamações dos cidadãos que fossem relacionadas à previsão de reclamações acerca da Administração Pública e suas formas de realização, consagrando, igualmente, os princípios da impessoalidade e publicidade dos atos administrativos. (PIETRO, 2020).
Amplia-se a participação da população na fiscalização das atividades estatais, bem como do direito à resposta das solicitações formalizadas pela sociedade civil, baseado no Princípio da Transparência e da Publicidade dos atos públicos, regulamentados pelo texto constitucional e desenvolvidos para combater o Estado de Exceção, típico do período de regime militar, ou seja, do totalitarismo estatal.
Por fim, Cardoso (2010, p. 9), defende que o contexto da Ouvidoria se dá, em um primeiro momento, em razão da necessidade de controle de um Estado autoritário e autocrático e, em um segundo momento, para aumentar a participação política do povo dentro do Estado Democrático de Direito, pós redemocratização, dizendo que:
Assim, em um primeiro momento as ouvidorias públicas em Estados de redemocratização recente desempenham duplo papel: o de servir de meio de participação direta, permitindo o controle social da res pública; e o de auxiliar a renovação da sociedade civil, a partir da reconstrução da confiança e do respeito, o que depende da autonomia e da eficiência das ouvidorias públicas.
Assim, a ouvidoria pública torna-se um lócus privilegiado para que a sociedade civil e o Estado possam agir em parceria, cada um facilitando a ação do outro, mas, também, exercendo um controle recíproco.
As ouvidorias públicas se tornaram uma realidade no Brasil após a Constituição de 1988.
Sintetizando o pensamento do referido autor, a partir da redemocratização brasileira, o fenômeno das ouvidorias públicas se tornou uma realidade nos órgãos dos entes políticos do Estado, como a principal ferramenta à disposição do cidadão para fiscalizar as decisões estatais, bem como formalizar reclamações, denúncias e solicitações à Administração Pública sobre toda a gestão dos recursos públicos e atividades públicas.
Justamente neste contexto surge a necessidade da instituição especificamente de Ouvidorias junto aos Tribunais de Contas, a fim de que o cidadão pudesse realizar reclamações e denúncias relacionadas à administração do Erário pelos administradores públicos e Chefes do Poder Executivo Federal, Estadual, Distrital e Municipal, bem como pedir a apuração da responsabilidade destes agentes públicos em caso de irregularidades nas contas públicas. (PIO, 2017).
A nível federal, em 2004, o Tribunal de Contas da União, por meio da Resolução nº 169/2004 criou a sua Ouvidoria com a finalidade de receber denúncias, reclamações e solicitações dos cidadãos no controle social da regularidade e legitimidade das contas públicas, bem como dos pedidos de investigações administrativas acerca da má gestão pública dos recursos do Erário. (PIETRO, 2019).
Nos demais entes políticos, as Ouvidorias dos Tribunais de Contas foram desenvolvidas a partir dos anos 2000, em diferentes épocas com o intuito de fornecer ao cidadão um mecanismo dinâmico de denúncias e reclamações a respeito das irregularidades e ilegalidades das contas públicas e dos atos públicos dos gestores do Erário, bem como das atividades estatais ilegítimas, além de solicitação de eventual apuração destas demandas. (CARDOSO, 2010).
No Estado do Tocantins, por exemplo, a Ouvidoria do Tribunal de Contas do referido Estado-membro foi, de acordo com Malafaia (2011, p. 67), criada em 2005 e recebe denúncias, reclamações e demais queixas dos cidadãos, bem como:
[...] criada em julho de 2005, pela Lei nº 1.593, de 4 de julho de 2005. Está sob subordinação direta à Presidência do Tribunal de Contas e suas atribuições estão regulamentadas pela Resolução Administrativa TCE-TO nº 004, de 13 de junho de 2007, que se encontra disponível no site www.tce.to.gov.br.
As demandas abrangem os serviços prestados pelo Tribunal de Contas do Estado do Tocantins e os recursos públicos aplicados pelo governo do estado do Tocantins e pelos municípios tocantinenses. Não se inclui, nesta abrangência, os recursos repassados pela União a título de convênios, cujas demandas estarão a cargo da Ouvidoria do Tribunal de Contas da União.
Importante mencionar que a Lei nº 13.460/17 previu a participação do usuário na defesa e proteção de seus direitos frente aos serviços públicos prestados pela Administração Pública, regulamentando o art. 37, inciso §3º e incisos, da Constituição Federal de 1988, com a possibilidade de reclamações e denúncias sobre o funcionamento dos serviços públicos e também solicitação acerca dos direitos e processos administrativos em que o usuário seja parte interessada. (PIETRO, 2020).
4.2 A aproximação entre controle externo e controle social pelas Ouvidorias dos Tribunais de Contas na fiscalização da gestão eficiente dos recursos públicos
As Ouvidorias dos órgãos públicos surgem no contexto do instituto denominado ombudsman, oriundo do ordenamento jurídico sueco, o qual era o agente público responsável por receber as denúncias, reclamações e pedidos relativos ao funcionamento e gestão dos recursos públicos da Administração Pública, de modo que isto serviu de base para a criação das Ouvidorias, efetivamente em funcionamento, no contexto de redemocratização com a Constituição Federal de 1988, a qual instituiu os Tribunais de Contas e, posteriormente, as Ouvidorias dos Tribunais de Contas.
Nota-se que as Ouvidorias dos Tribunais de Contas são um verdadeiro mecanismo de controle social da participação da sociedade civil na própria fiscalização da atuação e cumprimento do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, em consonância com o Poder Legislativo, nos moldes dos ditames estabelecidos no texto constitucional. (PÍTSICA, 2011).
As Ouvidorias funcionam como mecanismo de efetivação da gestão eficiente dos recursos públicos, à medida em que ela atua na ligação entre a sociedade civil e a atividade estatal, impondo ao gestor público a adequada destinação dos recursos do Erário, sob pena de sofrer fiscalização popular e denúncias para apuração de sua conduta perante o Tribunal de Contas e da Lei de Responsabilidade Fiscal. (PIO, 2017).
A Constituição Federal de 1988 impõe aos administradores públicos, ou seja, a todos os agentes públicos e à Administração Pública, lato sensu, o cumprimento do Princípio da Eficiência, o qual traduz, nas palavras de Meirelles (2016, p. 105) que:
O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. O princípio deve ser entendido e aplicado no sentido de que a atividade administrativa (causa) deve buscar e produzir um resultado (efeito) razoável em face do atendimento do interesse público visado.
O Princípio da Eficiência exige que toda a Administração Pública e seus agentes públicos atuem no sentido de melhor gestão e utilização das ferramentas e recursos do Erário no atendimento das necessidades coletivas, bem como da garantia do dever de eficiência, o qual se impõe a exigência de que o Estado utilize os recursos públicos com máxima presteza e rendimento funcional.
A previsão do Princípio da Eficiência foi inserida pela Emenda à Constituição nº 19/98, denominada de Reforma Administrativa, segundo a qual prevê o art. 37, caput do texto constitucional de 1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”. (BRASIL, 1988).
As Ouvidorias dos Tribunais de Contas contribuem para a fiscalização e exigência do cumprimento do Princípio da Eficiência, visto que o cidadão tem à disposição este mecanismo para realizar denúncias, reclamações e solicitações, a fim para verificar a legitimidade e legalidade da aplicação dos recursos financeiros do Erário e pedir a apuração e punição dos agentes estatais em caso de eventual irregularidade. (PIO, 2017).
Pode-se dizer que as Ouvidorias dos Tribunais de Contas realizam efetiva aproximação entre o controle externo, exercido pelo próprio Tribunal de Contas e do controle social, por meio da participação do cidadão na fiscalização das contas públicas e dos administradores públicos e da possibilidade de oferecimento de denúncias e pedidos de apurações em razão de possíveis irregularidades nas tomadas das contas do Estado. (SILVA, 2020).
Isto, porque, nas palavras de Cardoso (2010, p. 10), ao comentar sobre o fundamento primordial das Ouvidorias nos Tribunais de Contas e nos órgãos públicos, demonstra que a participação do cidadão nas tomadas das contas públicas e na fiscalização do cumprimento do seu dever legal de eficiência e atendimento ao interesse público reforça a perspectiva do Estado Democrático de Direito, bem como:
Nessa perspectiva, as ouvidorias públicas surgem como lócus privilegiado de promoção da inclusão social por propiciarem um incremento positivo da condição de vida por intermédio de sua influência sobre a melhoria da prestação dos serviços públicos e a geração de igualdade de oportunidades, permitindo que o cidadão tenha voz e vez dentro da administração pública.
As Ouvidorias são importantes instrumentos que aproximam o cidadão da gerência estatal e permitem que aquele possa exercer sua cidadania e participar da vida pública, fiscalizando as atividades do Estado, bem como a gestão eficiente dos recursos do Erário, a fim de exercer o controle sobre o dever constitucional de eficiência, imposto à Administração Pública brasileira.
Revela-se fundamental que seja coloca à disposição do cidadão, canais de comunicação, sendo que as Ouvidorias dos Tribunais de Contas desempenham papel essencial na aproximação do cidadão na gerência e fiscalização do agir estatal e, consequentemente, permitem que aquele possa exercer o controle da gestão eficiente dos recursos públicos e também sobre a própria atuação do órgão de controle externo, ou seja, sobre a atividade desempenhada pelo Tribunal de Contas, aproximando o controle externo do controle social.
5 CONCLUSÃO
No ordenamento jurídico brasileiro existem diversos mecanismos utilizados para o controle da atuação estatal, bem como dos recursos públicos e da atividade dos administradores públicos que lidam com o Erário, de modo a garantir o adequado funcionamento do Estado e a regularidade e legalidade da atividade da Administração Pública brasileira no tocante à aplicação e gestão dos seus recursos e serviços públicos.
Há o controle interno que, embora não seja objetivo da presente pesquisa científica, é válida a diferenciação em relação aos demais mecanismos de controle da atividade estatal, visto que aquele é realizado pelo próprio ente político (União, Estados-membro, Distrito Federal e Municípios) e seus órgãos em relação a sua própria atividade estatal e suas contas públicas, tanto na Administração Pública Direita, quanto na Administração Pública Indireta (Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e as subsidiárias destas duas últimas entidades).
Também existe o controle externo, realizado pelo Poder Legislativo, em âmbito federal, estadual, distrital e municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas da União, dos Estados-membro, do Distrito Federal e dos Municípios, o qual se caracteriza pela fiscalização e tomada de contas públicas de todos os administradores públicos e também dos Chefes do Poder Executivo (em todos os níveis da federação), a partir de um controle de natureza contábil, orçamentária, financeira, operacional e patrimonial dos recursos e serviços públicos, oriundos da atividade estatal.
Não basta o controle exercido apenas pelo Estado sobre suas próprias atividades, recursos e serviços públicos prestados, sendo, portanto, necessária a presença de um controle social, fundamentado na participação do cidadão no controle e tomada das contas públicas, especialmente no contexto do Estado Democrático e de Direito, estatuído no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988.
Com o advento do texto constitucional de 1988, foi colocado à disposição da sociedade civil a possibilidade de fiscalização das contas públicas, as quais devem ficar disponíveis durante 60 (sessenta dias) para todo e qualquer contribuinte analisar e, em caso de irregularidades, questionar-lhes sua legitimidade e legalidade perante o Tribunal de Contas, o Poder Legislativo, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário, constituindo importante instrumento da democracia semi-participativa.
O contribuinte possui, nos moldes dos dispositivos analisados neste artigo científico, instrumentos de controle social previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, como o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal, os quais preveem todo o resumo relativo às atividades e destinação das rendas públicas e sua execução na prestação dos serviços públicos, a fim de que o cidadão possa analisar e questionar sua legitimidade e legalidade, inclusive pleiteando a apuração de eventual ilícito perante o Tribunal de Contas.
A Constituição Federal de 1988 coloca à disposição do cidadão mecanismos que são baseados no Princípio da Transparência e da Publicidade, bem como no direito fundamental do acesso à informação, todos com assento constitucional, a fim de garantir a lisura e legitimidade da atuação estatal, especialmente no que tange à aplicação dos recursos financeiros e na correta prestação dos serviços públicos, a fim de garantir o cumprimento do dever estatal de eficiência.
Isto é evidenciado, à medida em que a Constituição Federal de 1988 prevê ser um dever da Administração Pública Direta, em todos os âmbitos federativos, e da Administração Pública Indireta e suas entidades, de cumprimento do dever de eficiência, com a gestão adequada dos recursos públicos e aplicação deste em serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional.
É imperioso que o cidadão possa fiscalizar, também, o cumprimento do dever de eficiência na gestão dos recursos financeiros públicos e na adequada prestação dos serviços públicos pelo Estado, inclusive com a possibilidade de que aquele realize denúncias, reclamações e solicitações ao ente estatal e, em caso de irregularidades, possa acompanhar a apuração e aplicação de penalidades aos agentes públicos responsáveis pelas ilegalidades.
As Ouvidorias, as quais surgiram com uma ideia remota, oriunda do ordenamento jurídico sueco e denominada neste país como ombudsman, no qual um determinado agente público seria responsável por receber as reclamações oriundas da prestação dos serviços públicos e gestão dos recursos estatais, foi feita uma tentativa de reproduzir o dispositivo antes mesmo da Constituição de 1824 (Império) e também na Constituição nas décadas de 1970 e 1980, porém sem sucesso em razão do governo autocrático, fruto do regime militar (Estado de exceção), buscaram ampliar a participação do cidadão no oferecimento de denúncias e reclamações aos órgãos públicos dos entes federativos para coibir e apurar ilegalidades e irregularidades nos recursos públicos.
Com a instituição do Estado Democrático e de Direito, a partir da Constituição Federal de 1988, foi possível a criação de um mecanismo de controle social mais eficiente, baseado na prerrogativa constitucional do cidadão de propor reclamações e denúncias, além de solicitações de caráter geral e pessoal, devendo o Estado e seus órgãos cumprir com a demanda, inclusive com dever de obediência ao Princípio da Eficiência da Administração Pública Direta e Indireta, em todos os níveis da Federação.
Especificamente em relação às Ouvidorias dos Tribunais de Contas, estas surgem com o objetivo de garantir que exista um canal de comunicação que viabilize a participação da sociedade civil na vida estatal, bem como o direito constitucional da população de fiscalizar toda a gestão dos recursos financeiros e de todas as contas públicas em todos os níveis da Federação brasileira, com vistas ao cumprimento dos mandamentos da Transparência, Publicidade e Eficiência para com a atuação estatal e funcionando como mecanismo de aproximação entre o controle interno (exercido pelos próprios entes federativos e seus respectivos órgãos) e do controle externo (exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas), em todos os níveis federativos.
Quanto ao objetivo geral da presente pesquisa, restou explorado que o controle externo se constitui a partir da atuação do Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas como órgãos responsáveis pela fiscalização da gestão eficiente dos recursos públicos, bem como da legalidade, regularidade e legitimidades na prestação de contas e de serviços públicos pelos agentes públicos estatais; e o controle social é importante instrumento da democracia semi-participativa, exercido pelo cidadão por meio de denúncias, solicitações e reclamações feitas aos órgãos, aos Tribunais de Contas, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário, bem como de mecanismos como Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Já em relação ao objetivo específico, restou explicado que as Ouvidorias dos Tribunais de Contas, dentro do contexto do Estado Democrático e de Direito, possuem papel fundamental na aproximação entre o controle externo (feito pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas) e o controle social (realizado pelo cidadão, a partir dos instrumentos de controle social, como a tomada de contas públicas, além do Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal, estes últimos dois com previsão na Lei de Responsabilidade Fiscal) para o cumprimento do dever constitucional de gestão eficiente dos recursos públicos.
Nota-se que as Ouvidorias dos Tribunais de Contas, no Brasil, desempenham junto com os órgãos de controle dos recursos e serviços públicos, importante função na consecução da finalidade pública, a partir do cumprimento dos princípios democrática da transparência, publicidade e gestão eficiente dos recursos públicos, bem como realizando a aproximação entre o controle externo e o controle social, importantes instrumentos do ordenamento jurídico e da democracia semi-participativa.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Mariana Araujo de. As Ouvidorias dos Tribunais de Contas e a aproximação dos controles externo e social na gestão democrática dos recursos públicos no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58529/as-ouvidorias-dos-tribunais-de-contas-e-a-aproximao-dos-controles-externo-e-social-na-gesto-democrtica-dos-recursos-pblicos-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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