ALEXANDRE YURI KIATAQUI
(orientador)
RESUMO: Em todo o mundo, mesmo antes do início da pandemia de COVID-19, uma em cada três mulheres sofreu violência física ou sexual, principalmente de um parceiro íntimo. O assédio sexual e outras formas de violência contra as mulheres continuam a ocorrer nas ruas, em locais públicos e online. À medida que os bloqueios ajudam a limitar a propagação do vírus, mulheres e meninas que sofrem violência doméstica estão cada vez mais isoladas das pessoas e dos recursos que podem ajudá-las. As vítimas têm informações e consciência limitadas sobre os serviços disponíveis, e o acesso aos serviços de apoio é limitado. Em alguns países, recursos e esforços foram desviados da resposta à violência contra as mulheres para o alívio imediato contra o COVID-19. Políticas sociais devem ser adotadas para controlar a propagação do vírus, ao mesmo tempo em que deve comprometer a detecção precoce e a proteção das mulheres que sofrem com o comportamento abusivo do parceiro. Incluindo o acesso a serviços de apoio e cuidados de saúde, que devem estar preparados para dar uma resposta adequada ao contexto familiar, sendo de responsabilidade do governo.
Palavras-chave: Feminicídio, Pandemia, Violência doméstica.
Worldwide, even before the start of the COVID-19 pandemic, one in three women experienced physical or sexual violence, particularly from an intimate partner. Sexual harassment and other forms of violence against women continue to occur on the streets, in public places and online. As lockdowns help limit the spread of the virus, women and girls experiencing domestic violence are increasingly isolated from the people and resources that can help them. Victims have limited information and awareness of available services, and access to support services is limited. In some countries, resources and efforts have been diverted from responding to violence against women to immediate relief from COVID-19. Social policies must be adopted to control the spread of the virus, while compromising the early detection and protection of women who suffer from abusive partner behavior. Including access to support services and health care, which must be prepared to respond adequately to the family context, being the responsibility of the government.
Keywords: Femicide, Pandemic, Domestic Violence.
INTRODUÇÃO
Antes de discorrer sobre as elevadas taxas de feminicídio e sua relação com a Pandemia do Covid-2019 (coronavírus) é fundamental entender que os casos de feminicídio também podem ser considerados pandêmicos pois, na maioria expressiva dos países a violência de gênero ainda é predominante (BEVILACQUA, 2022).
O Covid-19 até então desconhecido pela comunidade científica contaminou mais de 15 milhões de pessoas, vitimando mais de 530 mil, até meados de setembro de 2020, dados apresentados pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e Organização Mundial da saúde (OMS) (AGÊNCIA BRASIL, 2020).
Nos últimos dois anos o mundo vem sofrendo como a pandemia do Covid-19, indistintamente toda a comunidade internacional assistiu de forma estarrecedora a rápida e elevada disseminação do coronavírus, com reiteradas tentativas de tratamento frustradas, as taxas só diminuíram com a vacinação da população, entretanto o vírus ainda se faz presente na maioria dos países, causando flutuação entre os períodos de lockdown. Um vírus desconhecido que forçou a população a ficar por extenso período de quarentena, mudando a vida de todos. Inicialmente acreditava-se que o vírus era democrático, pois não selecionava suas vítimas em razão de sexo, raça, classe, gênero, idade ou deficiência, todos eram atingidos indistintamente, todavia com o passar do tempo ele mostrou que a sua letalidade não era apenas causada pelo coronavírus, mas pela situação moldada e imposta as pessoas (SUNDE et al., 2021).
Com o passar dos meses percebeu-se que o Covid-19 fazia vítimas tanto pela sua contaminação quanto pela consequente violação de direitos humanos, principalmente em populações que já sofriam como outras adversidades, as denominadas populações vulnerabilizadas, destacando-se mulheres e meninas majoritariamente atingidas pela violência institucional e de gênero, sendo obrigadas a viver em constante risco tendo os seus direitos violados pelos próprios companheiros ou familiares próximos. Em síntese, pode-se afirmar claramente que o Covid-19 contribuiu para o aumento da violência praticada contra as mulheres não apenas em sua expressão máxima que é o feminicídio, como também contribuiu com o adoecimemento, sobrecarga de trabalho doméstico, desemprego e as mais diferenciadas formas de desigualdade social (SOUZA e NASCIMENTO, 2021).
A violência de gênero é algo que atinge as mulheres no mundo, mais fortemente na América Latina, sendo predominante entre as mulheres negras, periféricas e indígenas, antes da pandemia os números já eram assustadores e foram agravados ainda mais, com uma forte tendência ao aumento mesmo no pós-pandemia, em decorrência do agravamento econômico e social. É preciso buscar a origem dos problemas, as causas de constantes feminicídios, principalmente quando o momento pede proteção coletiva e familiar. Para muitos estudiosos o confinamento em domicílio permitiu que as mulheres se tornassem alvo fácil de crimes de ódio cujas causas estruturais são fundamentadas no machismo, no patriarcado, em uma cultura eurocêntrica, capitalista, heteronormativa, racista e LGBTIQI+fóbica, quem você capaz de destruir tudo em volta (LIMA et al., 2021).
O que para muitas significou descanso, novas oportunidades de estudo e aperfeiçoamento profissional, renovação do ambiente, crescimento, pausa, compartilhamento de afetos, convivência pacífica familiar, para outras foi sinônimo de constantes conflitos motivados por problemas financeiros, fome, desentendimento, adoecimento, cargas excessivas de trabalho, rupturas e feminicídio em sua forma mais violenta (BEZERRA et al., 2020).
Confinadas em casa, muitas desempregadas, mulheres e meninas passaram a ser alvo ainda mais fácil de constante feminicídios e crimes de ódio, que tem como causas estruturais: o machismo, o patriarcado, a cultura eurocêntrica, heteronormativa, capitalista e racista que destrói tudo a sua volta. Partindo dessas premissas o trabalho tem como escopo identificar a relação entre o aumento dos casos de feminicídio no período pandêmico (LIMA e SANTOS, 2022).
CAPÍTULO I – ESTATÍSCAS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Para reduzir a propagação do coronavírus (Pandemia do Covid-19), muitos países implementaram uma quarentena interna estrita. Essas políticas agravam os problemas de saúde mental e física das pessoas que estão confinadas em suas casas. Junto com a pandemia, o lar se transformou em um lugar perigoso para as vítimas de violência por parceiro íntimo, pois tinham que passar horas prolongadas com seus parceiros e desvinculadas das pessoas que os apoiavam (AGÊNCIA BRASIL, 2020).
Uma em cada três mulheres em todo o mundo sofre violência física ou sexual, principalmente de um parceiro íntimo. A violência contra mulheres e meninas é uma violação dos direitos humanos, 243 milhões é o número de meninas e mulheres de 15 a 49 anos que sofreram violência sexual e/ou física de um parceiro íntimo no ano passado (ONU MULHERES BRASIL, 2022).
Desde o surto de Covid-19, dados e relatórios daqueles que estão na linha de frente mostram que todos os tipos de violência contra mulheres e meninas, e especialmente a violência doméstica, aumentada. Esta é a pandemia paralela que se desenrolou juntamente com a crise pandêmica, precisando de um esforço global coletivo para detê-la. À medida que os casos de Covid-19 continuam sobrecarregando os cuidados de saúde, serviços essenciais, como abrigos para violência doméstica e linhas de ajuda, atingindo a capacidade máxima. É preciso fazer mais para priorizar o enfrentamento da violência contra as mulheres nos esforços de resposta e recuperação da Covid-19 (BRASIL, 2020).
A situação é mais complexa de gerenciar tanto os serviços sociais e de saúde que já se encontram sobrecarregados por um vírus difícil de controlar. O número de vítimas aumentou sem que os recursos pudessem responder aos pedidos de ajuda. Com a redução da capacidade abrigos e casas de acolhimento reduziram sua capacidade de acolhimento, mesmo que todas as vítimas que pedem ajuda pareçam ser redirecionadas para serviços adequados. As mulheres que batem nas portas relatam abusos mais graves do que o habitual. Não estamos mais falando apenas de violência verbal ou psicológica, são casos mais pesados do que o comum. As mulheres que procuram sofreram violência sexual ou física em maior número (LEITE, 2020). No quadro 1 é possível ver os com os registros de feminicídio no Brasil de 2019 a 2021.
Quadro 1. Feminicídios, Brasil e Unidades da Federação – 2019-2021.
Brasil e Unidades da Federação |
Feminicídios |
|||||||||
Números absolutos |
Variação Ns. Absolutos (%) |
Taxas (1) |
Variação Taxa (%) |
|||||||
2019 |
2020 |
2021 |
2019/2020 |
2020/2021 |
2019 |
2020 |
2021 |
2019/2020 |
2020/2021 |
|
Brasil |
1.328 |
1.351 |
1.319 |
1,7 |
-2,4 |
1,24 |
1,26 |
1,22 |
1,0 |
-3,0 |
Acre |
11 |
11 |
12 |
0,0 |
9,1 |
2,6 |
2,6 |
2,7 |
-1,4 |
7,6 |
Alagoas |
44 |
35 |
25 |
-20,5 |
-28,6 |
2,5 |
2,0 |
1,4 |
-20,9 |
-28,9 |
Amapá (2) |
7 |
9 |
4 |
28,6 |
-55,6 |
1,7 |
2,2 |
0,9 |
26,3 |
-56,3 |
Amazonas (3) |
12 |
16 |
18 |
33,3 |
12,5 |
0,6 |
0,8 |
0,8 |
31,5 |
11,0 |
Bahia |
101 |
114 |
88 |
12,9 |
-22,8 |
1,3 |
1,4 |
1,1 |
12,3 |
-23,2 |
Ceará |
34 |
27 |
31 |
-20,6 |
14,8 |
0,7 |
0,6 |
0,7 |
-21,1 |
14,1 |
Distrito Federal |
32 |
17 |
25 |
-46,9 |
47,1 |
1,9 |
1,0 |
1,4 |
-47,9 |
44,3 |
Espírito Santo |
35 |
26 |
35 |
-25,7 |
34,6 |
1,7 |
1,3 |
1,7 |
-26,4 |
33,3 |
Goiás |
41 |
43 |
53 |
4,9 |
23,3 |
1,2 |
1,2 |
1,5 |
3,7 |
21,9 |
Maranhão |
51 |
65 |
56 |
27,5 |
-13,8 |
1,4 |
1,8 |
1,5 |
26,7 |
-14,3 |
Mato Grosso |
38 |
62 |
43 |
63,2 |
-30,6 |
2,3 |
3,7 |
2,5 |
61,3 |
-31,4 |
Mato Grosso do Sul |
30 |
43 |
37 |
43,3 |
-14,0 |
2,2 |
3,1 |
2,6 |
41,8 |
-14,8 |
Minas Gerais (4) |
146 |
151 |
152 |
3,4 |
0,7 |
1,4 |
1,4 |
1,4 |
2,9 |
0,2 |
Pará |
47 |
66 |
65 |
40,4 |
-1,5 |
1,1 |
1,5 |
1,5 |
39,0 |
-2,5 |
Paraíba |
36 |
35 |
30 |
-2,8 |
-14,3 |
1,7 |
1,7 |
1,4 |
-3,4 |
-14,8 |
Paraná (5) |
89 |
73 |
75 |
-18,0 |
2,7 |
1,5 |
1,2 |
1,3 |
-18,5 |
2,1 |
Pernambuco |
57 |
75 |
85 |
31,6 |
13,3 |
1,2 |
1,5 |
1,7 |
30,8 |
12,7 |
Piauí |
29 |
31 |
36 |
6,9 |
16,1 |
1,7 |
1,9 |
2,2 |
6,6 |
15,9 |
Rio de Janeiro |
85 |
78 |
80 |
-8,2 |
2,6 |
1,0 |
0,9 |
0,9 |
-8,6 |
2,2 |
Rio Grande do Norte |
21 |
13 |
20 |
-38,1 |
53,8 |
1,2 |
0,7 |
1,1 |
-38,6 |
52,6 |
Rio Grande do Sul (6) |
97 |
80 |
96 |
-17,5 |
20,0 |
1,7 |
1,4 |
1,6 |
-17,8 |
19,7 |
Rondônia |
6 |
13 |
17 |
116,7 |
30,8 |
0,7 |
1,4 |
1,8 |
114,6 |
29,6 |
Roraima |
6 |
9 |
4 |
50,0 |
-55,6 |
2,3 |
3,4 |
1,5 |
47,8 |
-56,2 |
Santa Catarina (7) |
58 |
57 |
55 |
-1,7 |
-3,5 |
1,6 |
1,6 |
1,5 |
-2,9 |
-4,6 |
São Paulo (8) |
184 |
179 |
136 |
-2,7 |
-24,0 |
0,8 |
0,8 |
0,6 |
-3,4 |
-24,5 |
Sergipe |
21 |
14 |
19 |
-33,3 |
35,7 |
1,8 |
1,2 |
1,6 |
-34,0 |
34,4 |
Tocantins (9) |
10 |
9 |
22 |
-10,0 |
144,4 |
1,3 |
1,1 |
2,7 |
-11,0 |
141,9 |
Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Fórum Brasileiro de Segurança Pública. (...) Informação não disponível.
(1) Taxa por 100 mil mulheres.
(2) Os dados do Amapá são referentes apenas aos feminicídios que envolvem violência doméstica ou familiar.
(3) Os dados de Amazonas para os meses de abril, maio e junho de 2021 se referem apenas à capital Manaus.
(4) Os dados de Minas Gerais foram coletados através do site da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), no dia 02 de março de 2022. Os dados foram gerados dia 04 de fevereiro de 202 e estão disponíveis em: http://www. seguranca.mg.gov.br/component/gmg/page/3118-violencia-contra-a-mulher.
(5) Os dados do Paraná de 2021 foram coletados através do site da Secretaria de Segurança Pública no dia 02 de março de 2022. Disponível em: https://www.seguranca.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2022-02/Relatorio_Mortes_4Trimestre%20 2021.pdf.
(6) Os dados do Rio Grande do Sul foram coletados através do site da Secretaria de Segurança Pública no dia 02 de março de 2022 e estão disponíveis em: https://ssp.rs.gov.br/indicadores-da-violencia-contra-a-mulher.
(7) Os dados de Santa Catarina foram coletados através do site da Secretaria de Segurança Pública no dia 02 de março de 2022 e estão disponíveis em: https://ovm.alesc.sc.gov.br/wp-content/uploads/2022/02/Feminici%CC%81dio.pdf.
(8) Os dados de São Paulo foram coletados através do site da Secretaria de Segurança Pública no dia 02 de março de 2022; a fonte dos dados são os B.E.E. (Boletim Estatístico Eletrônico) e estão disponíveis em: https://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/ViolenciaMulher.aspx.
(9) Os dados de Tocantins referentes a 2021 foram coletados no dia 21 de fevereiro de 2022 através do PowerBI da Secretaria de Segurança Pública.
Como visto no quadro acima no Brasil os índices de feminicídio ocorreram em proporções variadas de acordo com a região, destacando os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. No estado de São Paulo houve um aumento de 50% dos casos de feminicídio, ou seja, homicídios em razão do gênero e deste total 66% ocorreram dentro da própria residência da vítima, informação oferecida pelo Ministério público de São Paulo. Países como China, Itália, França e Espanha, os primeiros a experimentarem as consequências mais nefastas da Covid-19, o número de feminicídios também aumentou consideravelmente, assim como se identificou expressiva subnotificação de novos casos de violências doméstica e familiar (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2021).
A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), por meio de denúncias feitas pelo Disque 100 e disque 180, sinaliza que as principais violações de direitos humanos em tempo de pandemia têm sido exposição de risco à saúde, seguida por maus tratos, insubsistência material, e agressão/ vias de fato. Aponta, ainda, que as principais vítimas das violações de direitos humanos relacionadas à pandemia do novo coronavírus têm sido pessoas socialmente vulneráveis, pessoas em restrição de liberdade, idosos, mulheres e crianças (XAUD, 2022).
Estresse, ruptura de laços sociais e redes de proteção e acesso reduzido a serviços pode aumentar o risco de violência contra as mulheres. Devido à implementação de medidas destinadas a manter a distância física entre as pessoas e incentivá-los a ficar em casa, o risco de violência por parceiro íntimo aumentou expressivamente. A probabilidade de que mulheres em relacionamentos abusivos e seus filhos sejam expostos à violência aumentou vez que os membros da família passam mais tempo em contato próximo enfrentando estresse adicional e possíveis problemas econômicos, principalmente desemprego, sem contar que as mulheres podem ter menos contato com a família e amigos os quais forneciam apoio e proteção contra a violência (VIEIRA et al., 2020).
Outro motivo contributivo para o aumento da violência por tanto das mulheres quanto das crianças está associado ao fechamento das escolas impondo estresse adicional; a perturbação dos meios de subsistência e da capacidade de ganhar a vida, especialmente para as mulheres (muitas dos quais trabalham no setor informal ou de forma autônoma), resultando na redução do acesso às necessidades e aos serviços básicos, potencializando o conflito e violência. À medida que os recursos se tornam escassos, as mulheres correm risco elevado para sofrer abusos relacionados à sua dependência econômica do parceiro, os abusadores podem usar as restrições impostas pela pandemia para exercer poder e controle, fatores que somados a redução dos serviços de assistência e apoio psicossocial oferecido por redes formais e informais deixaram as vítimas expostas a constantes atos de violência domiciliar, ocasionando em muitos casos o fator morte (feminicídio) (MARANHÃO, 2020).
A verdade é que o confinamento e isolamento social decorrentes do Covid-19 associados à omissão governamental, principalmente no que tange as políticas públicas para evitar, por exemplo, o desemprego em massa ou colapso do SUS e demais unidades de proteção contra a violência doméstica, fatores estes que ocasionaram maior tensão nas relações pessoais, desencadeando mais violência, oprimindo as mulheres a conviver em lugares que não eram mais seguros, com mesmos estes sendo seus lares (SOUZA e NASCIMENTO, 2021).
Como salientado no parágrafo acima a redução dos serviços da rede de atenção à mulher, principalmente os serviços oferecidos por equipes interdisciplinares (geralmente constituídas por psicólogos e assistentes sociais), preconizados pela Lei Maria da Penha e referendados pelo Protocolo Mínimo de Padronização do Acolhimento e Atendimento da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CONDEGE/2014), significa, na ponta, a vulnerabilização de mulheres e tem estreita correlação com o expressivo aumento de casos de feminicídio, sendo determinante, também, para a subnotificação de registros de novos casos de violência doméstica e familiar, observada junto aos órgãos oficiais de denúncia (XAUD, 2022).
CAPÍTULO II - A NORMATIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO
Historicamente o termo feminicídio foi utilizado pela primeira vez nas sessões do Primeiro Tribunal Internacional de Crimes Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas, na Bélgica, no ano de 1976. Tribunal específico para assuntos de mortes de nos países do Líbano Estados Unidos, momento em que a ativista feminista Diana Russel testemunhou e defendeu tais crimes em decorrência de ações misóginas e, como tal deveriam ser julgadas como feminicídio, vez que a violência aplicada nestes crimes tinha como base o gênero (ROMIO, 2017).
Ao usar essa expressão Diana Russel tinha como objetivo especificar a morte de mulheres por homens, pelo simples fato delas serem mulheres, crimes geralmente motivados por ódio, prazer, posse ou crença na superioridade masculina (OLIVEIRA, 2019).
No que tange à legislação Brasileira em relação à proteção das mulheres tem-se a citada inclusão no código penal, bem como, uma lei específica de proteção às mulheres, conhecida como a Lei Maria da Penha, a qual trouxe inúmera e inovações positivas para o ordenamento Jurídico Brasileiro, destacando três parágrafos entre eles: §1º dispõe que o crime se configurará independente da competência material do juízo que deferiu as medidas protetivas, ou seja, independe se o juiz é da área cível ou criminal; §2º estabelece que em caso de prisão em flagrante, somente a autoridade judicial poderá conceder a fiança, com o fim de ampliar a proteção da ofendida; §3º não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis em caso de descumprimento de MPU (SOUZA, 2018).
É importante salientar que a Lei 13.641/2018 foi criada com o intuito de corroborar como a Lei Maria da Penha, pois, passou a tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência. Por se tratar de lei posterior mais gravoso, alterou a conduta de descumprir medida protetiva de urgência que antes era típica. É necessário fazer um pequeno adendo, com a impossibilidade de retroatividade da lei penal gravosa ao réu, o agressor que descumpriu tal medida em período atual a publicação do referido dispositivo, não terá cometido o crime, de acordo com entendimento do STJ, aquele que estiver sob restrição judicial de alguma das MPU’s no âmbito doméstico ou familiar, poderá estar incurso no artigo 24-A do dispositivo retromencionado (CAVALCANTI, 2018; MARIANO, 2018).
As maiorias dos estudiosos consideram a Lei Maria da Penha, como uma das melhores leis de combate à violência doméstica do mundo, entretanto os mesmos concordam em relação às dificuldades na sua efetiva aplicação, dentre estas se podem citar a falta de delegacias especializadas, assistência social, casas de abrigo, entre outros, de forma geral a ausência de uma estrutura fundamental para assegurar a aplicação da lei. o que nos faz concluir que o Brasil necessita de uma estrutura que vise garantir a segurança da vítima fez contra os casos de violência doméstica e familiar que se tornam cada dia mais abusivos e desumanos. infelizmente a lei Maria da Penha sozinha não é suficientemente hábil para resolver essa questão que vive em constante debate, isso é dever do poder público juntamente com os membros da sociedade a função de encontrar mecanismos que vise garantir a eficácia resolutiva desse problema (CARVALHO, 2017).
No quadro 2 é possível ver as categorias de análise da realidade social (classificação dos feminicídios). E, no quadro 3, as dez regras mínimas para a investigação eficaz das mortes violentas de mulheres. Segundo normativas nacionais e internacionais é dever dos Estados mediante os casos de violência contra as mulheres por razões de gênero assegurar 4 principais tipos de obrigação entre elas: o dever de atuar com a devida diligência, o dever de prevenção, o dever de investigar e sancionar e o dever de garantir uma justa e eficaz reparação (BRASIL, 2016).
Tais obrigações confirmam o dever do Estado na obrigação de proteção às parcelas da sociedade me diante de suas necessidades, fragilidades e peculiaridades, ou seja, é função do Estado assegurar proteção para a mulher vítima de violência doméstica. Segundo Lima et al., (2021), para assegurar a garantia de igualdade não basta apenas a proibição da ação discriminatória através de uma legislação repressiva, é indispensável criar políticas públicas que sejam capazes de incentivar a inclusão social dos grupos considerados vulneráveis.
Estudos sobre o assunto identificam essa fragilidade do governo há muitos anos, o que gera impunidade aos infratores. Todavia o Brasil e os outros países da América Latina estão buscando fortalecer leis contra o feminicídio, através da adaptação de respostas às violações e desrespeito dos direitos humanos e da mulheres, contudo o caminho é longo e é necessário escutar as vítimas para uma melhor compreensão do problema. Também é necessário à participação da sociedade como um todo na divulgação e implementação dos direitos humanos para a proteção não só das mulheres, mas de todos os grupos vulneráveis (SUNDE ET al., 2021).
Quadro 2. Femicídios/feminicídios: categorias de análise para compreensão da realidade social.·.
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Íntimo |
Morte de uma mulher cometida por um homem com quem a vítima tinha, ou tenha tido, uma relação ou vínculo íntimo: marido, ex-marido, companheiro, namorado, ex-namorado ou amante, pessoa com quem tem filho(a)s. Inclui-se a hipótese do amigo que assassina uma mulher – amiga ou conhecida – que se negou a ter uma relação íntima com ele (sentimental ou sexual). |
Não íntimo |
Morte de uma mulher cometida por um homem desconhecido, com quem a vítima não tinha nenhum tipo de relação. Por exemplo, uma agressão sexual que culmina no assassinato de uma mulher por um estranho. Considera-se, também, o caso do vizinho que mata sua vizinha sem que existisse, entre ambos, algum tipo de relação ou vínculo. |
Infantil |
Morte de uma menina com menos de 14 anos de idade, cometida por um homem no âmbito de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder conferido pela sua condição de adulto sobre a menoridade da menina. |
Familiar |
Morte de uma mulher no âmbito de uma relação de parentesco entre vítima e agressor. O parentesco pode ser por consanguinidade, afinidade ou adoção. |
Por conexão |
Morte de uma mulher que está “na linha de fogo”, no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. Pode se tratar de uma amiga, uma parente da vítima – mãe, filha – ou de uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima. |
Sexual sistêmico |
Morte de mulheres que são previamente sequestradas, torturadas e/ou estupradas. Pode ter duas modalidades: · Sexual sistêmico desorganizado –Quando a morte das mulheres está acompanhada de sequestro, tortura e/ou estupro. Presume-se que os sujeitos ativos matam a vítima num período de tempo determinado; · Sexual sistêmico organizado–Presume-se que, nestes casos, os sujeitos ativos atuam como uma rede organizada de feminicidas sexuais, com um método consciente e planejado por um longo e indeterminado período de tempo. |
Por prostituição ou ocupações estigmatizadas |
Morte de uma mulher que exerce prostituição e/ou outra ocupação (como strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas), cometida por um ou vários homens. Inclui os casos nos quais o(s) agressor (es) assassino(m) a mulher motivado(s) pelo ódio e misoginia que a condição de prostituta da vítima desperta nele(s). Esta modalidade evidencia o peso de estigmatização social e justificação da ação criminosa por parte dos sujeitos: “ela merecia”; “ela fez por onde”; “era uma mulher má”; “a vida dela não valia nada”. |
Por tráfico de pessoas |
Morte de mulheres produzida em situação de tráfico de pessoas. Por “tráfico”, entende-se o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, valendo-se de ameaças ou ao uso da força ou outras formas de coação, quer seja rapto, fraude, engano, abuso de poder, ou concessão ou recepção de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento da(s) pessoa(s), com fins de exploração. Esta exploração inclui, nomínimo, a prostituição alheia ou outras formas de exploração sexual, os trabalhos ou serviços forçados, a escravidão ou práticas análogas à escravidão, a servidão ou a extração de órgãos. |
Por contrabando de pessoas |
Morte de mulheres produzida em situação de contrabando de migrantes. Por “contrabando”, entende-se a facilitação da entrada ilegal de uma pessoa em um Estado do qual a mesma não seja cidadã ou residente permanente, no intuito de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício de ordem material. |
Transfóbico |
Morte de uma mulher transgênero ou transexual, na qual o(s)agressor(es) amata(m) por sua condição ou identidade de gênero transexual, por ódio ou rejeição. |
Lesbofóbico |
Morte de uma mulher lésbica, na qual o(s)agressor(es)a mata(m) por sua orientação sexual, por ódio ou rejeição. |
Racista |
Morte de uma mulher por ódio ou rejeição a sua origem étnica, racial ou de seus traços fenotípicos. |
Por mutilação genital feminina |
Morte de uma menina ou mulher resultante da prática de mutilação genital. |
Fonte Brasil, 2016.
Quadro 3. Dez regras mínimas para a investigação eficaz das mortes violentas de mulheres.
GUIA DE RECOMENDAÇÕES PARA A INVESTIGAÇÃO EFICAZ DAS MORTES VIOLENTAS DE MULHERES |
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Regra 1. Obrigatoriedade e características da investigação |
Nos casos de evidência clara ou de suspeita de perpetração de um feminicídio ou de uma tentativa de feminicídio, as investigações devem se iniciar de ofício, imediatamente, e de modo profissional e exaustivo por pessoal especializado dotado de meios instrumentais, humanos e materiais, suficientes para conduzir à identificação do ou dos responsáveis. À obrigação de investigar soma-se a obrigação de julgar e punir o(s) responsável(eis). |
Regra 2. Respeito e dignidade das vítimas |
Nas investigações empreendidas nos casos de evidência ou suspeita de tentativa ou perpetração de feminicídios, os Estados devem garantir o respeito à dignidade das vítimas e de seus familiares e evitar sua revitimização.
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Regra 3. Eliminação dos preconceitos e estereótipos de gênero no desenvolvimento da investigação.
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Todos os operadores de justiça desde os agentes de polícia e das forças de segurança e de ordem até o Ministério público e os juízes, isso devem ser objetivos, imparciais e trabalhar com Independência e Liberdade, sem deixar guiar por preconceitos e estereótipos do gênero.
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Regra 4. Participação ativa do processo de investigação e sua proteção |
As regras sobre o desenvolvimento das investigações devem contemplar e facilitar a participação ativa durante todo o processo, livre de riscos, das vítimas sobreviventes e de seus familiares. |
Regra 5. Investigação de feminicídios de mulheres especialmente vulneráveis |
A investigação deve se desenvolver de forma adequada às características do contexto cultural e à condição social das vítimas |
Regra 6. Direito das vítimas ao acesso à justiça e ao devido processo |
O Estado garantirá medidas legislativas que permitam o acesso à justiça e a reparação integral para as vítimas de feminicídio e seus familiares, seguindo tanto as recomendações nacionais como dos órgãos internacionais de proteção às mulheres vítimas de violência. |
Regra 7. Dever de criar registros e elaborar estatísticas e indicadores de violência contra as mulheres na administração da justiça, para serem aplicados em políticas públicas |
Os Estados devem gerar registros e elaborar informação estatística de acesso público que permita conhecer a dimensão e características dos feminicídios, assim como indicadores para monitorar a resposta do sistema de administração de justiça. |
Regra 8. Exigência de ação |
Os Estados devem adotar disposições e outras medidas |
coordenada entre todos os principiantes no processo de investigação |
necessárias para regular e propiciar a participação no processo vou de investigação, de modo conjunto e coordenado, de todos os agentes públicos competentes e dos demais atores legitimados, de eficácia provada.
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Regra 9. Estabelecimento de de pautas e recomendações para o tratamento da informação pelos meios de comunicação das investigações de feminicídio |
Considerar a violência de gênero não como acontecimento, mas como problema social. não publicar fotos nem detalhes mórbidos. nunca buscar justificativas ou motivos como aqueles relacionados a álcool, drogas, discussões, isso entre outros. A violência de gênero é o controle, o domínio que determinados homens exercem sobre as mulheres. Deve-se oferecer opiniões de especialistas na matéria e priorizar as Fontes policiais de investigação. |
Regra 10. Exigência de cooperação internacional eficaz |
Os Estados deverão estabelecer as bases e adotarão as medidas necessárias para que outras entidades públicas ou privadas cooperem eficazmente entre si, por vias intergovernamentais ou transnacionais, com vistas à conquista de maior eficácia da investigação dos feminicídios, sua prevenção e erradicação. |
Fonte: Brasil, 2016.
Antes da pandemia do Covid-19, já havia outra pandemia ameaçando a vida e o bem-estar das pessoas em todo o mundo: a violência contra as mulheres, que afeta pelo menos uma em cada três mulheres e meninas, pode-se afirmar que a pandemia do coronavírus veio para confirmar estatísticas ainda maiores sobre as taxas de feminicídio, fomentando ainda mais as discussões a respeito dos direitos de igualdade e dignidade da mulher e da pessoa humana, o que torna a luta contra a violência doméstica e de gênero mais complexa, pois mesmo após anos de luta para igualdade vivenciamos ainda o menosprezo pela condição feminina ou de gênero, por isso a importância da tipificação dos crimes, uma forma de reconhecer as leis e normas que protegem essa parte da sociedade punindo severamente os agressores, sem que esses sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, tais como, classificar esses crimes como passionais (ROMIO, 2017).
Desde os primeiros dias do bloqueio do Covid-19, as organizações de mulheres viram um aumento significativo nos casos relatados de violência de gênero. Infelizmente, a coleta abrangente de dados sobre esse tema tem sido difícil devido à sensibilidade, estigma e vergonha em torno desse assunto, bem como às limitações impostas pela pandemia (RITT e RITT, 2021).
Em relatório publicado pela ONU Mulheres, que reúne dados de pesquisas coletados em 13 países de todas as regiões (Quênia, Tailândia, Ucrânia, Camarões, Albânia, Bangladesh, Colômbia, Paraguai, Nigéria, Costa do Marfim, Marrocos, Jordânia e Quirguistão), confirma a gravidade do problema (ONU MULHERES BRASIL, 2022).
Entre os principais resultados, verificou-se que a pandemia de Covid-19 e a violência contra as mulheres revelam que os números variam entre países e demografias, mas no geral, a pandemia aumentou os casos de violência contra as mulheres e afetou sua sensação de segurança. Nos países pesquisados, duas em cada três mulheres admitem que elas ou uma mulher que conhecem sofreram violência em algum momento de suas vidas. Perto de uma em cada duas mulheres reconhece ter passado por experiências diretas ou indiretas de violência desde o início da pandemia (SILVA et al., 2021).
A forma mais comum de violência é o abuso verbal (50%), seguido de assédio sexual (40%), abuso físico (36%), não atendimento de necessidades básicas (35%) e negação de acesso à mídia (30%). Um total de 7 em cada 10 mulheres pesquisadas afirma que a violência baseada em gênero é comum em sua comunidade; três em cada cinco mulheres consideram que houve um aumento de casos de assédio sexual em locais públicos. Em muitos casos, foi impossível atender à crescente demanda por abrigos e outras formas de assistência devido a restrições operacionais (ONU MULHERES BRASIL, 2022).
A violência de gênero teve um impacto significativo na saúde mental das mulheres durante a pandemia. É difícil calcular o efeito psicológico que o Covid-19 teve nas pessoas. Nos isolou, mudou drasticamente nossas vidas e nos fez temer por nosso bem-estar físico. No caso de mulheres expostas à violência ao mesmo tempo, os efeitos emocionais são muito piores. Mulheres que relatam sentirem-se inseguras tanto em casa quanto em público, ou que relatam experiências diretas ou indiretas de violência, têm maior probabilidade de aceitar que a Covid aprofundou seus sentimentos de estresse e ansiedade, principalmente em casos de violência física. Essas mulheres também tendem a reconhecer a incapacidade de parar de se preocupar, bem como a falta de interesse em fazer as coisas (ANDRADE e SOUZA, 2022).
Fatores socioeconômicos também influenciam fortemente as experiências de violência das mulheres. Sabe-se que o estresse econômico contribui para a violência contra as mulheres, uma tendência que claramente continuou durante o Covid-19. Um total de quatro em cada cinco mulheres, cujos cônjuges não possuem renda, admitem que elas ou uma mulher que conhecem sofreram pelo menos uma forma de violência. A insegurança alimentar é outro fator: as mulheres que dizem que a violência doméstica é muito comum são mais propensas à insegurança alimentar, ao contrário das mulheres que mencionam o contrário. O mesmo vale para as mulheres que sofreram ou conhecem alguém que sofreu violência em comparação com aquelas que não sofreram (ONU MULHERES BRASIL, 2022).
Os papéis econômicos das mulheres dentro da família também são afetados. Os cuidadores não remunerados em tempo integral são mais propensos a relatar que eles ou uma mulher que conhecem foi sobrevivente de violência, em comparação com mulheres empregadas, mulheres desempregadas e estudantes. Por outro lado, ganhar uma renda parece reduzir as experiências de violência: as mulheres com renda são menos propensas a perceber a violência contra a mulher como um problema e a violência doméstica como comum. No entanto, há uma exceção: as mulheres que ganham mais do que o cônjuge considera a violência doméstica comum e se sentem menos seguras em casa do que aquelas com menos renda (FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2022).
A idade não é um obstáculo quando se trata de violência contra a mulher. Embora muitas pesquisas sobre violência contra as mulheres se concentrem especificamente em mulheres em idade reprodutiva (15-49 anos). Os estudos revelam que a idade não oferece muita proteção, mulheres com mais de 50 anos sofrem violência com frequência semelhante às mulheres mais jovens. Especialmente em situações de violência doméstica, as mulheres muitas vezes não procuram ajuda externa. Quando perguntadas a quem as mulheres vítimas de violência recorreriam para pedir ajuda, 49% das entrevistadas disseram que as mulheres procurariam ajuda de sua família, enquanto apenas 11% disseram que as mulheres iriam à polícia e 10% das mulheres afirmaram que iriam centros de ajuda (abrigos, centros para mulheres etc.) (ONU MULHERES BRASIL, 2022).
No Brasil, a tipificação do feminicídio foi dada pela Lei 13.104/2015. De acordo com a Lei, são considerados feminicídios os casos de homicídio contra mulheres que envolvam violência doméstica e familiar ou “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. A partir disso, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em sua missão de coletar, padronizar e dar publicidade aos dados sobre violência em nível nacional, vem acompanhando os registros de feminicídios no país. Desde 2016, primeiro ano completo sob vigência da Lei, o número de feminicídios registrado no país vem aumentando anualmente (FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2021).
Antes da pandemia de Covid-19, a violência doméstica era considerada um problema crítico de saúde pública globalmente, particularmente na forma de violência por parceiro íntimo. Em todo o mundo, 30% das mulheres sofrem alguma forma de violência física ou sexual por parte de um parceiro íntimo durante a vida. A violência contra as mulheres é considerada uma grande violação dos direitos humanos que tem consequências inversas no bem-estar físico e mental das mulheres expostas, bem como seus filhos (SUNDE et al., 2021).
A Covid-19 destacou a urgência de abordar a violência contra mulheres e crianças, que os relatórios sugerem que aumentou durante a pandemia. Muitas vezes referida como uma “pandemia sombria”, o aumento da violência nos últimos dois anos tem sido associado a bloqueios e outras restrições de movimento impostas devido à Covid-19, que obrigam mulheres e crianças a permanecerem em casa com seus abusadores (LIMA ET al., 2021).
A violência contra mulheres e meninas já era um grande problema global antes da pandemia. No entanto, por muitos anos, foi em grande parte invisível nas estatísticas nacionais e internacionais e nos sistemas de vigilância. Dados de pouco antes da pandemia mostraram que mais de 640 milhões de mulheres em todo o mundo com 15 anos ou mais foram submetidas à violência por parceiro íntimo pelo menos uma vez na vida (26% das mulheres parceiras com 15 anos ou mais). Vinte e dois por cento das mulheres parceiras que vivem nos “países menos desenvolvidos” passaram por isso nos últimos 12 meses, substancialmente mais do que a média mundial de 13% (ONU MULHERES BRASIL, 2022).
Por diversos motivos, o salto da violência contra mulheres e crianças durante a Covid-19 pode não aparecer nos prontuários. Uma redução nas consultas presenciais com médicos e profissionais de saúde, por exemplo, e acesso restrito a hospitais durante a pandemia terão oportunidades limitadas de registrar evidências físicas de abuso. Inúmeros estudos recentes sobre tendências da violência contra mulheres e crianças encontraram evidências de aumento da violência durante a pandemia de Covid-19. As linhas diretas de violência doméstica em alguns países relataram um aumento de até cinco vezes nas chamadas de ajuda após a introdução de medidas de distanciamento físico e bloqueio (SUNDE et al., 2021).
Alguns fatores de risco comuns aumentam a probabilidade de perpetradores cometerem violência aumentaram durante a pandemia, por exemplo, condições de vida precárias; mobilidade limitada; e aumento da insegurança sobre saúde, empregos e dinheiro. Fora de casa, os espaços públicos desertos tornavam mulheres e crianças ainda mais vulneráveis a agressões e assédios. O mundo precisa tomar medidas urgentes para conter esse aumento da violência contra mulheres e crianças.
A pandemia tem sido um facilitador da violência contra mulheres e crianças. No entanto, é apenas a faceta mais recente de uma indignação que se recusa a desaparecer, apesar das várias tentativas de abordá-la. Esses esforços incluem fazer com que o fim da violência seja um foco chave dentro da meta de desenvolvimento social de um país que se preocupa com todos os cidadãos indistintamente. A violência interpessoal tem impactos múltiplos, muitas vezes interligados, na saúde física e mental de mulheres e crianças. A maior parte da violência contra as mulheres é perpetrada por atuais ou ex-maridos ou parceiros íntimos. Em alguns contextos, a desigualdade de gênero e a discriminação contra as mulheres são aceitas e efetivamente sancionadas pela sociedade. Por causa disso, mulheres e meninas experimentam vergonha e estigma, e a violência geralmente permanece oculta (LIMA et al., 2021).
O problema geralmente é mais agudo em países de baixa e média renda e outros locais onde as mulheres têm acesso limitado a cuidados de qualidade e seguros e a informações de alta qualidade sobre seus direitos e serviços. Com demasiada frequência, governos, sistemas de saúde e outras instituições demoram a reconhecer e lidar com a violência, e os serviços não estão disponíveis ou têm capacidade limitada (MARANHÃO, 2020).
Como primeiro passo, as mulheres precisam de acesso a conhecimentos e apoio essenciais. Em parceria entre a OMS, a UNICEF e a ONU lançaram recentemente uma série sobre autocuidado, destacando em linguagem direta os passos para proteger a si mesmas e seus filhos da violência doméstica. Isso inclui a criação de uma palavra de código ou sinal para alertar amigos e familiares confiáveis e ter um plano de fuga na necessidade de mudar para um local seguro, este é um projeto mais recente. Entretanto em 2016 a OMS já havia publicado um plano de ação global para enfrentar a violência contra mulheres, crianças e meninas. Propondo uma abordagem em quatro frentes: primeiro, fortalecer a liderança e a governança do sistema de saúde; em segundo lugar, fortalecer a prestação de serviços de saúde e a capacidade de resposta dos profissionais de saúde; em terceiro lugar, fortalecer a programação para prevenir a violência interpessoal; e, por último, melhorar as informações e as evidências (VIEIRA et al., 2021).
O plano de ação global adota uma abordagem ao longo da vida para prevenir a violência, com o objetivo de aumentar a eficácia das intervenções direcionadas a sobreviventes e agressores ao longo de suas vidas. Um exemplo disso é o desenvolvimento de programas nacionais de prevenção que desafiam normas de gênero prejudiciais, como aquelas que perpetuam a dominação masculina e a subordinação feminina, estigmatizam sobreviventes e toleram ou normalizam a violência contra mulheres e crianças. Financiamento mais forte, melhores políticas, cinco anos depois, essas medidas são necessárias mais do que nunca – especialmente em meio a uma pandemia global que parece ter estimulado os agressores a cometer mais atos de violência (MARQUES et al., 2022).
Recomenda-se também melhorar a prevenção primária, reconhecendo as causas e determinantes da violência contra as mulheres, incluindo casamento precoce, educação precária, condições econômicas baixas e abuso de álcool ou substâncias. É fundamental implementar programas de intervenção para reduzir este ato, levando em consideração a visão pública da violência doméstica como um assunto familiar (XAUD, 2022).
Além disso, é uma questão importante que não pode ser evitada por meio de esforços pessoais ou comunitários. Portanto, a legislação e a reforma das leis são necessárias para apoiar as mulheres expostas a qualquer tipo de violência doméstica por meio de assistência financeira, moradia e apoio advocatício e reabilitação social para mulheres severamente impostas. Ao identificar a dinâmica de um relacionamento abusivo e os mediadores associados à VPI, pudemos identificar como o Covid-19 pode exagerar esses mediadores resultando em aumento de comportamentos abusivos e até novos tipos de violência (RITT e RITT, 2021).
CONCLUSÃO
A violência em qualquer parte da sociedade afeta a todos nós. Das cicatrizes na próxima geração ao enfraquecimento do tecido social. Do estupro e escravidão sexual usamos como ferramentas de guerra, ao fio da misoginia que atravessa o extremismo violento. Pode-se traçar uma linha reta entre a violência contra as mulheres, à opressão civil e os conflitos violentos.
Mas a violência contra as mulheres não é inevitável. As políticas e programas certos trazem resultados. Isso significa estratégias abrangentes e de longo prazo que abordem as causas profundas da violência, protejam os direitos de mulheres e meninas e promovam movimentos de direitos das mulheres fortes e autônomos.
Como visto no contexto do trabalho, associação entre o feminicídio e a pandemia do Covid-19, revelou dados que antes não eram tão evidenciados ou discutidos o que demonstra que as ações políticas governamentais estão longe de serem satisfatórias. É assustador pensar que o lugar que chamamos de lar para muitas mulheres é o lugar em que estas são mortas.
Há um número expressivo de mulheres violentadas e mortas todos os dias. Isso é nítido. Por isso é primordial que a sociedade como um todo force o governo do país a criar medidas de segurança mais rígidas com penas mais sólidas, além de aumentar o número de unidades de atendimento ás vítimas de violência doméstica. A mudança é urgente, e acredito que, mesmo após o período pandêmico os números ainda se mostram em uma crescente, uma vez que os problemas de ordem socioeconômica se tornaram mais presentes na vida de todos.
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Graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRANCO, Beatriz Mariana. Feminicídios em tempos pandêmicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58613/feminicdios-em-tempos-pandmicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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