GUILHERME CARNEIRO SALES[1]
(coautor)
SAMILA MARQUES LEÃO[2]
RODRIGO ARAÚJO SARAIVA5
(orientadores)
RESUMO: O presente artigo tem como tema a discussão sobre a possibilidade da perpetuidade das sanções aplicadas nos tratamentos adotados, tendo como objetivo discutir o caráter de perpetuidade das medidas de segurança adotadas e o despreparo do sistema jurídico brasileiro no tratamento de portadores do espectro da esquizofrenia, por meio de um estudo bibliográfico de abordagem indutiva. É cediço que a esquizofrenia é um transtorno que geralmente causa alucinações, delírios e um certo comportamento desorganizado, deste modo, o tema serve de parâmetro para que seja demonstrado a forma de tratamento imposto aos considerados inimputáveis pelo ordenamento jurídico brasileiro, onde a finalidade é apresentar a contribuição para a grande falta de preparo no Brasil ao submeter pessoas a tratamentos degradantes sem que haja um período determinado para a duração desse tratamento. A escolha deste tema foi baseada na imperfeita forma de tentar empregar métodos para a melhora do paciente sem um prazo máximo estipulado, ferindo, assim, certos direitos fundamentais.
Palavras-chave: Esquizofrenia, Transtornos psicóticos, Tratamento e internação, Medida de segurança.
O tema a ser discutido visa tratar sobre um assunto não muito abordado no ordenamento jurídico, mas que precisa de uma maior atenção, já que discute acerca da possibilidade de haver a perpetuidade nas medidas de segurança aplicadas, e o despreparo do sistema jurídico brasileiro para com o tratamento de pacientes com transtornos mentais, tendo como foco principal os pacientes que possuem esquizofrenia.
Ao discutir sobre o espectro da esquizofrenia, é necessário que seja observado o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 (2014), segundo esse manual, quem sofre de tal transtorno, tende a desenvolver delírios, alucinações, dentre outras mudanças comportamentais, dito isto, é possível observar que a esquizofrenia gera uma série de disfunções cognitivas.
A esquizofrenia é um transtorno mental bastante comum e considerado crônico que inclui sintomas diversos, manifestados no início da fase adulta. Tal transtorno é entendido como um distúrbio caracterizados por delírios e/ou alucinações que causam um comportamento ou pensamentos que distorcem a realidade (DSM-5).
Destarte, quando uma pessoa que possui o espectro da esquizofrenia comete alguma infração, e que devido ao seu transtorno possa ser considerado inimputável, o juiz poderá conceder a medida de segurança. De acordo com de Greco (2017):
O tratamento a que será submetido o inimputável sujeito a medida de segurança poderá ocorrer dentro de um estabelecimento hospitalar ou fora dele. Assim, a medida de segurança poderá iniciar-se em regime de internação ou por meio de tratamento ambulatorial. Dessa forma, podemos considerar que as medidas de segurança podem ser detentivas (internação) ou restritivas (tratamento ambulatorial) (GRECO, 2017, p. 805)
Desta forma, Greco (2017) ainda afirma que a sociedade hoje tem um entendimento de que esses tratamentos para os pacientes que sofrem de transtornos mentais e cumprem medida de segurança são eficazes, ainda destaca que existem casos em que o paciente fica cada vez pior, e que por este motivo atualmente é proibida a criação de manicômios públicos.
Após a Reforma Penal em 1984, quem é considerado imputável não se submete às medidas de segurança, já os inimputáveis sim (conforme o que dispõe o art. 26 do Código Penal), e por fim, os semi-inimputáveis, que podem se submeter ao cumprimento de uma pena ou a medida de segurança. (Bitencourt, 2020, p. 2091)
O artigo 97, §1º do Código Penal Brasileiro, traz em seu texto o prazo da medida de segurança, e observando o descrito na lei, pode-se dizer que não há previsão legal do prazo máximo estipulado para o cumprimento da Medida de Segurança, uma vez que no texto somente indica o prazo mínimo que é de 1 (um) a 3 (três) anos.
Nesse sentido, levando em consideração a falta de um período estipulado para o cumprimento de tal medida, o Superior Tribunal de Justiça – STJ- estabeleceu uma súmula aprovada em 13/05/2015, tratando sobre o assunto, colocando que o prazo da medida de segurança não poderá ser maior que a pena do delito que o agente cometeu.
Nota-se que essas medidas de segurança privam bastante o ser humano, até mais do que quem cumpre penas restritivas de liberdade, e tem a finalidade de reinserção e tratamento de portadores de doenças mentais quando comentem algum ato considerado ilícito, e, ao serem considerados inimputáveis, cumprem medida de segurança e não pena restritiva de direito ou de liberdade.
Desta forma, entende-se que a medida de segurança não poderá ser superior a pena que a pessoa que foi imposta a cumprir, devendo ser seguido um limite, limite este, disposto no artigo do referente crime ao qual o agente foi condenado. Tendo em vista o que preza a nossa Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, que dispõe sobre penas de caráter perpetuo no Brasil, vedando a possibilidade de sua existência.
Considerando que as penas de caráter perpétuo são vedadas pela Constituição Federal, ao ser aplicada uma medida de segurança sem antes estipular o prazo máximo de cumprimento, o texto constitucional estaria sendo ferido, além de não ser observado o princípio da dignidade da pessoa humana.
Se faz necessário uma pequena introdução sobre o espectro da esquizofrenia. De acordo com Ramos e Hübner (2004):
A esquizofrenia - e outros distúrbios a ela relacionados – tem sido reconhecida na maioria das culturas e descrita há muito tempo. Foi somente no século 18, porém, que o assunto começou a tomar forma nos clássicos textos psiquiátricos de Kahlbaum e Pinel (RAMOS; HÜBNER, 2004, p. 01)
Sendo assim, o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 (2014) conceitua a esquizofrenia como um transtorno mental que possui as seguintes características: psicose (perda do contato com a realidade), alucinações (percepções falsas), delírios (crenças falsas), discurso e comportamento desorganizados, embotamento afetivo (variação emocional restrita), déficits cognitivos (comprometimento do raciocínio e da solução de problemas) e disfunção ocupacional e social
Gadelha, Nardi e Silva (2021) mencionam a falta de testes laboratoriais, trazendo as tentativas fracassadas para a confirmação da esquizofrenia nos pacientes:
Embora tenham ocorrido inúmeras tentativas nos anos recentes de identificar testes de laboratório ou marcadores biológicos de utilidade clínica que pudessem confirmar a presença do transtorno, o diagnóstico continua a se basear em critérios essencialmente clínicos. (GADELHA; NARDI; SILVA, 2021, p. 17)
Devido isto, é importante que para ser dado o resultado positivo do transtorno, mesmo inexistindo exames para a comprovação, devem ser observados os sinais e sintomas apresentados pela pessoa.
Posto isto, é notório a dificuldade de se basear apenas em uma avaliação clínica, já que tudo ainda não passa de uma mera “consulta” sem testes nenhum para que seja dado a validação de que o paciente possui tal transtorno.
Conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 (2014) aproximadamente 6% dos indivíduos que possuem esquizofrenia se suicidam, e cerca de 20% já tentaram por uma ou mais vezes, isso pode acontecer devido as alucinações que fazem com que tire a própria vida ou até mesmo por ter depressão ou sentimentos negativos e de desânimo.
É evidente que esses indivíduos necessitam de apoio e um tratamento eficaz, já que estender o cumprimento da medida de segurança sem tempo determinado pode encadear o caráter perpétuo de tal medida sem que haja, previamente, um tratamento eficiente que realmente ajude o paciente a ter esperança de voltar a conviver em sociedade.
2.1 O TRATAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
De início, para abordar sobre a classificação de pacientes com esquizofrenia no ordenamento jurídico brasileiro, precisa-se entender que no âmbito civil trata sobre a sua capacidade civil, que acabou sofrendo alteração por conta do Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei n°13.146/2015), que definiu em seu art. 2° o conceito de pessoa com deficiência citado a seguir:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2015)
Ademais também revogou os incisos do Art. 3° do Código Civil e alterou o seu Art. 4º a seguir citado:
Art. 4º. São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (BRASIL, 2022)
Sendo assim, passaram a ser considerados relativamente incapazes, já que por conta das suas deficiências mentais possuem a capacidade de discernimento reduzida e acabam se enquadrando no inciso III do artigo supracitado, precisando então de um responsável legal, curador ou apoiador para a realização de negócios jurídicos, e sendo assim, será no caso concreto que poderá se aferir a capacidade, que possa ocorrer por consequência da deficiência mental. Neste sentido, Reale (2002) deixa claro pelo seu entendimento acerca da falta de capacidade total de quem possui deficiência mental, na sua afirmação a seguir:
Para se reconhecer a personalidade não é mister indagar do sexo, da idade ou do discernimento mental. Recém-nascidos ou dementes, todos são pessoas, todos possuem personalidade. Nem todos, porém, dispõem de igual capacidade jurídica, isto é, têm igual possibilidade de exercer certos atos e por eles serem responsáveis. A capacidade pressupõe certas condições de fato que possibilitam o exercício de direitos. Assim, por exemplo, a criança não é capaz, e o demente também carece de capacidade. (REALE, 2002, p.232)
Já no âmbito penal há de se falar sobre a possibilidade de se atribuir autoria ou fato criminoso a alguém, sendo assim, existem 3(três) classificações quanto a isso, que são os imputáveis, inimputáveis e os semi-imputáveis.
No Código Penal Brasileiro não define o que seria a imputabilidade penal, apenas elenca hipóteses para o afastamento dela, porém Greco (2017) afirma que “imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente”, ou seja, é a capacidade de se atribuir a responsabilidade ou a prática de ato ilícito penal para o agente.
Diante disso, Greco (2017) afirma que para determinar a imputabilidade do agente, é preciso analisar dois elementos, o intelectual, que seria a capacidade do agente entender o caráter ilícito do ato praticado e as consequências que a sua própria ação poderá acarretar o mundo social, e além do elemento intelectual, será observado o elemento volitivo que é a capacidade de se comportar de acordo com entendimento tido do elemento intelectual.
Como já citado anteriormente, o agente que comete ilícito penal pode ser classificado de três formas, imputável, inimputável e semi-imputável. Diante disso, é necessário observar o art. 26 do Código Penal, pois ele define as hipóteses para o afastamento da imputabilidade. Sendo estes os seguintes: doença mental, desenvolvimento mental retardado, desenvolvimento mental incompleto e a embriaguez completa, originada a partir de caso fortuito ou força maior.
Então, podemos afirmar que o imputável é o agente que possui o entendimento do caráter ilícito do fato, e a capacidade de comportar-se de acordo com este entendimento, ou seja, deve entender que o ato praticado, está em desconformidade com a lei e responderá normalmente aos seus atos. Já os semi-imputáveis são aqueles que por conta de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, perdem parte de sua capacidade de entendimento e autodeterminação, o agente na verdade será imputável, mas por conta de suas condições pessoais que acabaram afetando parte de seu entendimento e de suas ações, acabam diminuindo a sua culpabilidade. Colaborando com esse entendimento, Capez afirma o seguinte:
É a perda de parte da capacidade de entendimento e autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou retardado. Alcança os indivíduos em que as perturbações psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência interior em relação à prática do crime. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais. (CAPEZ, 2020 p. 515-516)
Tendo isso em vista, a semi-imputabilidade não exclui a imputabilidade do agente, e nesse caso ele será punido pelo fato ilícito que cometeu, porém, constatada a sua capacidade de compreensão reduzida, por conta das suas condições pessoais, sua pena será reduzida de 1/3 a 2/3 ou serão aplicadas medidas de segurança, porém, quando não houver a possibilidade da aplicação das medidas de segurança, o juiz ficará obrigado a aplicar a diminuição da pena de 1/3 a 2/3.
E por último, os inimputáveis são aqueles que possuem doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado que no momento do ato não possuía capacidade de determinar a ilicitude do ato ou não possuía a capacidade de determinar-se de acordo com o entendimento desse fato, e aquele que no momento do ato estava com embriaguez completa ocasionada por caso fortuito ou força maior que também não possuía a capacidade de determinar a ilicitude do ato ou não possuía a capacidade de determinar-se de acordo com o entendimento desse fato. Nestes casos, são aplicadas as medidas de segurança que não é considerada uma pena, e sim uma sanção penal.
Tendo em vista o que foi citado, é notória a classificação de quem possui o espectro da esquizofrenia, que podem firmemente ser classificados como inimputáveis já que, por conta da doença, o seu juízo de realidade fica comprometido devido aos sintomas psicóticos. Desse modo, cometendo qualquer ato ilícito, motivado por tais sintomas, será considerado inimputável e sofrerão como sanção penal as medidas de segurança, como forma responsável e não somente punitiva da pena, com claro caráter restaurador e clínico.
A medida de segurança submete aqueles que cometeram crime e que são considerados inimputáveis ao tratamento com a finalidade de que esse indivíduo possa retornar à sociedade e que sua periculosidade cesse. De acordo com Sanches, “a medida de segurança é mais um instrumento (ao lado da pena) utilizado pelo Estado na resposta à violação da norma penal incriminadora, pressupondo, no entanto, agente não imputável” (SANCHES, 2020, p. 643)
É sabido que as medidas de segurança têm finalidades a serem seguidas, e é desta forma que
Agi e Tonon (2020) conceituam:
A finalidade essencial da medida de segurança é preventiva, pois visa impedir que o sujeito volte a praticar fato definido como crime, pois, apesar de inimputável, ele apresenta alto grau de periculosidade. A medida de segurança não está preocupada em punir o agente pelo crime cometido no passado, tampouco preocupada com a culpabilidade do agente. Está preocupada, principalmente, com o futuro, com a periculosidade do agente. (AGI; TONON, 2020, p. 196)
Sendo assim, cabe ressaltar que quem comete qualquer fato criminoso e que é considerado inimputável, não cumpre penas restritiva de direito ou de liberdade. Vejamos agora os tipos de medidas de segurança existentes no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com o artigo 96, do Código Penal são elas:
Art. 96. As medidas de segurança são:
I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial.
Em outras palavras, Nucci (2020), expõe as duas modalidades de medida de segurança:
a) internação, que equivale ao regime fechado da pena privativa de liberdade, inserindo-se o sentenciado no hospital de custódia e tratamento, ou estabelecimento adequado (art. 96, I, CP);
b) tratamento ambulatorial, que guarda relação com a pena restritiva de direitos, obrigando o sentenciado a comparecer, periodicamente, ao médico para acompanhamento (art. 96, II, CP). (NUCCI, 2020, p. 693)
Ao passar dos anos, é possível observar que as penas foram evoluindo, acompanhando a sociedade em sua evolução, ou pelo menos tentando, já que o atual sistema carcerário não cumpre com o seu papel ressocializador. Portanto, é necessário que sejam tomadas medidas cabíveis em relação a esta função de buscar um ambiente mais ressocializador, bem como, propiciar um tratamento digno aos seus apenados.
Devido a essa evolução é que atualmente a Medida de Segurança tem o caráter de tratamento para tratar aqueles que não obedecem a lei com finalidade de cura, e tratamento àquele que é portador de doença mental, para que ambos possam voltar ao convívio social sem que voltem cometer delitos novamente.
As medidas de segurança são medidas do Estado impostas à agentes semi-imputáveis que praticam comportamentos ilegais. Diante disso, Greco (2017) coloca que ao semi-imputável é necessário um tratamento curativo, já que a saúde mental deste se encontra fora de ordem.
Com isso, é possível concluir que, caso o agente possua doença mental, poderá ser aplicada a medida de segurança, já que para que sua conduta seja punível, deverá ele possuir culpabilidade. Deste modo, conclui-se que as medidas de segurança não são penas, e sim uma forma de controlar a periculosidade do agente, e dar segurança a sociedade até que a periculosidade de cesse.
Sobre a periculosidade, Capez (2020) coloca:
É a potencialidade para praticar ações lesivas. Revela-se pelo fato de o agente ser portador de doença mental. Na inimputabilidade, a periculosidade é presumida. Basta o laudo apontar a perturbação mental para que a medida de segurança seja obrigatoriamente imposta. Na semi-imputabilidade, precisa ser constatada pelo juiz. Mesmo o laudo apontando a falta de higidez mental, deverá ainda ser investigado, no caso concreto, se é caso de pena ou de medida de segurança (CAPEZ, 2020, p.715)
Seguindo o raciocínio, Jesus (2020):
A verificação da periculosidade se faz por intermédio de um juízo sobre o futuro, ao contrário do juízo de culpabilidade, que se projeta sobre o passado. Nessa verificação, o juiz vale-se de fatores (ou elementos) e indícios (ou sintomas) do estado perigoso. (JESUS, 2020, p. 643)
Sendo assim, essa verificação de periculosidade tem a função de avaliar a pessoa que está cumprindo a medida de segurança com o objetivo de saber se foi cessada a sua periculosidade para que possa voltar a sociedade, ademais, ao individuo que passa por essa verificação e nunca é constado tal cessação de periculosidade, cumprirá a medida de segurança sem tempo definido, é o que pode ser chamado de “caráter perpetuo da medida de segurança”.
4 O CARÁTER PERPETUO E A NÃO OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS
Como sabido, a medida de segurança tem como pressuposto o cumprimento de um tratamento por parte do agente que cometeu ato punível, mas que é portador de algum transtorno mental, para que, após o tratamento, o indivíduo possa voltar a conviver no meio social sem trazer problemas à sociedade e, que seja curado do transtorno.
Diante disso, a Lei de nº 10.216/2001 trata sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, e em seu artigo 2º, parágrafo único, inciso II, fala que as pessoas que têm transtornos mentais devem ser tratadas com humanidade e respeito.
Sendo assim, Zaffaroni e Pierangeli entendem que:
Preocupa, sobremaneira, a circunstância de não terem as “medidas” um limite fixado na lei e ser a sua duração indeterminada, podendo o arbítrio do perito e dos juízes decidir acerca da liberdade de pessoas que, doentes mentais ou estigmatizadas como tais, sofrem privações de direitos, ainda maiores do que aquelas que são submetidas às penas. O problema não é simples, e a pouca atenção que geralmente se dá às medidas de segurança, do ponto de vista dogmático, torna-a bastante perigosa para as garantias individuais. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2021, p. 939)
A não observância de direitos fundamentais por parte do ordenamento jurídico brasileiro ao submeter pessoas a tratamentos sem um período estipulado, fere direitos do ser humano, bem como pode ser caracterizado como uma pena de caráter perpétuo, haja vista que não previsão para que tal tratamento acabe, uma vez que isso irá depender da periculosidade cessada do agente.
Mesmo a Constituição Federal de 1988 vedando qualquer pena de caráter perpétuo, pode ser entendido que a medida de segurança pode perdurar pela vida toda de determinada pessoa, e é inconstitucional que isso seja estabelecido. Há de se falar na interpretação extensiva da lei, uma vez que não há no ordenamento jurídico previsão de findar tal tratamento.
Dessa forma, deve ser observado o que estipula a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), em seu artigo V, onde diz que ninguém será submetido a tratamento cruel, desumano ou degradante. Sendo assim, uma vez que não existe a possibilidade de haver um período fixo e determinado no cumprimento da medida de segurança, pode-se entender que essa medida é justamente o que a Declaração Universal de Direitos Humanos veda.
Nesse sentido, Bitencourt (2012) expõe:
Não se pode ignorar que a Constituição de 1988 consagra, como uma de suas cláusulas pétreas, a proibição de prisão perpétua; e, como pena e medida de segurança não se distinguem ontologicamente, é lícito sustentar que essa previsão legal— vigência por prazo indeterminado da medida de segurança —não foi recepcionada pelo atual texto constitucional. (BITENCOURT, 2012, p. 298)
Assim, a medida de segurança ao não ter um período estipulado de seu cumprimento, é vista como algo que foi deixado de lado pelo ordenamento jurídico, bem como, algo que afronta os direitos humanos, podendo ser considerada uma medida desumana e que certamente abre espaço para a perpetuidade das penas no Brasil.
A possibilidade da perpetuidade nas medidas de segurança é algo que deveria ter uma atenção maior, visto que as restrições de direitos que ela impõe não são constitucionais, não obedecendo o que dispõe o artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, da Constituição Federal.
Desta maneira, mesmo sendo vedada a possibilidade de prisão perpétua no ordenamento jurídico brasileiro, fica evidente que é uma realidade no Brasil, uma vez que existe pessoas cumprindo medida de segurança por mais de 40 anos, como é o caso de Francisco da Costa Rocha, mais conhecido como Chico Picadinho.
De acordo com Lemos, Fachel e Bohmann (2016) a extinção de punibilidade de Francisco foi cessada no dia 07 de junho do ano de 1998, juntamente com a expedição de alvará de soltura e sentença que reconhecia a extinção de sua punibilidade, ainda assim, permaneceu sob custódia por força de uma liminar concedida nos autos do pedido de interdição.
Ainda, teria sido tentada a desinternação de Franciso em momento posterior, com a alegação de que ele estaria cumprindo uma pena perpétua, ao qual é vedada no ordenamento brasileiro, porém, tal pedido não foi concedido (Lemos, Fachel e Bohmann, 2016).
Diante do exposto no presente trabalho, ainda há dúvidas e dificuldades em diversos fatores para com a relação de quem possui o espectro da esquizofrenia, uma delas é em relação ao seu diagnóstico, já que não é possível ter conhecimento de cara se certo indivíduo possui ou não o transtorno.
Posto isto, mesmo após a evolução dos tratamentos e das análises utilizadas na medicina, ainda há dificuldades para diagnósticos clínicos para o possuidor do espectro da esquizofrenia, já que se pode afirmar que se trata apenas de certas “consultas”, o que de certa forma podem acabar tendo algum tipo de falha no diagnóstico, já que não possui uma certa validação conclusa do exame.
Diante disso, traz uma preocupação para a sociedade e principalmente para os familiares, já que tal transtorno afeta a compreensão da realidade, e gera vários surtos, que podem acabar na prática de atos delituosos e ou até a prática de suicídio.
Assim, é necessário observar a forma de tratamento no ordenamento jurídico brasileiro e as medidas cabíveis em casos de práticas de crimes e práticas de atividades do âmbito civil. Portanto, deve haver uma forma eficiente de punição, que hoje em dia são feitas através das medidas de segurança, já que estes indivíduos fazem parte dos agentes inimputáveis, que de certa forma não são tão eficientes. Além disso, no âmbito civil são tratados como relativamente incapazes e, a depender do caso, necessitarão de algum responsável, para fazer a sua representação.
Sobre as medidas de segurança, há que se discutir sobre como são empregadas, sua forma de tratamento e, o tempo em que este tratamento será efetuado, o que pode acabar gerando um tempo indeterminado, já que as medidas de segurança são uma forma de evitar práticas de crimes futuros, e assim o paciente só deverá sair após a garantia de que não praticará um novo ato criminoso.
Diante disso, há de se atentar a Constituição Federal, já que ela veda qualquer pena perpétua, e sendo assim, por ser um tratamento subjetivo, pode haver casos em que um paciente não demonstre melhora nos seus quadros relativos ao espectro da esquizofrenia, e acabe ficando mais tempo que o previsto em lei para os crimes cometidos, e que de certa forma pode gerar uma perpetuidade.
Dessa forma, fica notório que isso pode afetar diversos direitos humanos dos pacientes com tais transtornos, sendo um dos principais o da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, é necessária a adoção de tratamentos que não sejam considerados desumanos, já que é vedado pela Declaração de Direitos Humanos, bem como a utilização de mecanismos para monitoramento para que não haja a aplicação das medidas de segurança de forma perpétua por parte do Estado, proporcionando tratamentos que amenizem as decorrências dos surtos, ajudando cessar a periculosidade, para que o paciente possa viver em sociedade novamente.
Deste modo, seria adequado como um dos deveres a ser cumprido, uma espécie de reavaliação semestral, para que haja monitoramento do indivíduo, e uma menor predisposição para novos surtos, assim, deixando de haver novos crimes praticados por estes.
Dessa forma, nota-se que o presente artigo traz um problema que deve ser discutido no âmbito jurídico, para que haja uma melhor abordagem na forma de lei, e demonstra ainda que há diversas dificuldades para o tratamento dos pacientes supracitados, uma vez que o sistema jurídico ainda peca na abordagem e na forma de tratar juridicamente os infratores penais que possuem o espectro da esquizofrenia, além disso, o ordenamento jurídico muitas vezes se mantém cego, onde é nítida a falta de amparo para com esses pacientes.
Por conseguinte, observa-se que o assunto discutido é de grande relevância social e jurídica, já que demonstra a problemática sofrida por indivíduos que podem provocar danos no meio social, e pacientes que podem ser considerados instáveis, pois não há como identificar com facilidade quem possui tal transtorno, e muito menos se foi completamente curado e controlado para que assim possa conviver de forma tranquila na sociedade. Logo, o presente artigo, pode incentivar novos estudos acerca do tema, para assim evoluir em todos os aspectos a forma de tratar o paciente com espectro da esquizofrenia.
REFERÊNCIAS
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[2]Mestre em Psicologia. Especialista em Docência no Ensino Superior. Especialista em Política de Assistência Social à Infância e Juventude. E-mail: [email protected].
5 Mestre em Criminologia pela UFP. Especialista em Direito Civil e Processo Civil, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Advogado e Professor Universitário. E-mail: [email protected].
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Ana Carla Fonseca. Esquizofrenia: as medidas de segurança e o seu caráter perpétuo nos tratamentos adotados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58646/esquizofrenia-as-medidas-de-segurana-e-o-seu-carter-perptuo-nos-tratamentos-adotados. Acesso em: 22 nov 2024.
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