ADEMIR GASQUES SANCHES
(orientador)
RESUMO: A psicopatia é um transtorno de personalidade antissocial, podendo ser confundida com doença mental, no entanto, diferente destes, os psicopatas não sofrem delírios ou alucinações. Trata-se de uma temática de suma relevância no atual sistema jurídico, em especial na área penal, a qual carece de tratamentos adequados e eficazes para tais criminosos. O presente trabalho possui como objetivo principal compreender a psicopatia e esclarecer como a legislação trata o criminoso psicopata e se as normas atuais são realmente eficazes na maneira de lidar com estes indivíduos. Pretende-se evidenciar a gravidade dos delitos cometidos por criminosos psicopatas e o alto grau de periculosidade que estes representam para a sociedade como um todo. O método empregado ao presente trabalho foi o hipotético-dedutivo, sendo utilizados como base da pesquisa doutrinas, artigos acadêmicos e análise de casos concretos. Até o presente momento, não há no ordenamento jurídico brasileiro lei específica que trate sobre o assunto, havendo grande controvérsia a respeito do tema. É notável a imprescindibilidade da criação de normas que regularizem e façam a correta punição de tais criminosos psicopatas, bem como a criação de programas com profissionais devidamente qualificados para atender os portadores de tal transtorno.
Palavras-chave: Psicopatia. Sistema Jurídico. Punibilidade. Direito Penal.
ABSTRACT: Psychopathy is an antisocial personality disorder, and can be confused with mental illness, however, unlike these, psychopaths do not suffer from delusions or hallucinations. This is a topic of paramount importance in the current legal system, especially in the criminal area, which lacks adequate and effective treatments for such criminals. The present work has as main objective to understand psychopathy and to clarify how the legislation treats the psychopathic criminal and if the current norms are really effective in the way of dealing with these individuals. It is intended to highlight the seriousness of the crimes committed by psychopathic criminals and the high degree of danger they represent for society as a whole. The method used in the present work was the hypothetical-deductive method, being used as a basis for the research doctrines, academic articles and analysis of concrete cases. To date, there is no specific law in the Brazilian legal system dealing with the subject, and there is great controversy on the subject. It is notable the indispensability of creating norms that regulate and correctly punish such psychopathic criminals, as well as the creation of programs with properly qualified professionals to assist people with this disorder.
Keywords: Psychopathy. Juridical system. Punishment. Criminal Law.
As pessoas portadoras de distúrbio de personalidade antissocial ou sociopatas, mais conhecidos como psicopatas, são pessoas que devido a anomalias no sistema límbico, possuem comportamentos antissociais e impulsivos.
Comumente, pessoas que tem este transtorno apresentam comportamento impulsivo ou irresponsável, agressivo, são manipuladores, e apresentam total indiferença ou falta de sensibilidade, além do mais, apresentam íntegro desprezo às regras da sociedade, desrespeitando-as e violando-as, sem demonstrar culpa ou remorso pelo comportamento.
Quando se trata de psicopatas, a legislação atual carece de um tratamento específico, uma vez que este tema é contornado de muitas divergências, desde a imputabilidade e culpabilidade destes indivíduos e, até mesmo, qual a medida mais apropriada a ser aplicada, uma vez que, normalmente tais indivíduos cumprem pena em presídios juntamente com presos comuns, sendo capazes de exercer forte influência sobre estes presos, que são incentivados a delinquir, praticar rebeliões e demais atos, o que prejudica a reinserção destes na sociedade e agrava ainda mais a situação do sistema prisional, e quando aplicada a medida de segurança, esta se mostra ineficaz, visto que a psicopatia não possui tratamento com o objetivo de cura patológica, e não há procedimentos que façam com que estes indivíduos criem empatia pelo próximo.
Quando se trata de crianças e adolescentes, estes são classificados até os 18 anos como Transtorno de Conduta, e não com Transtorno de Personalidade Dissocial (CID-10), por não possuírem a personalidade estruturada até então. Todavia, não é totalmente equivocado afirmar a existência da psicopatia infantil, uma vez que esta não é um episódio sem história ou de manifestação espontânea em qualquer momento da vida adulta, ela começa ainda na infância, em razão disso, é preciso estarmos atentos as atitudes destas crianças, uma vez que o caráter destas, ainda na infância pode ser moldado.
O tema é relevante visto a gravidade dos delitos cometidos por criminosos psicopatas, que chocam pelo grau de frieza importado na execução dos crimes, uma vez que estes indivíduos possuem total discernimento dos fatos, e cometem os delitos de maneira a satisfazer seu desejo pessoal de causar dor e ou sofrimento a outrem.
Sendo assim, é visível o alto grau de periculosidade que estes indivíduos representam à sociedade como um todo.
O tema agregado discute-se como a legislação atual, ao tratar destes indivíduos é omissa, uma vez que há muitas divergências quanto a culpabilidade e imputabilidade destes sujeitos, e até mesmo psiquiatras entram em conflito se esses criminosos podem ou não ser classificados como “loucos”, bem como qual seria a medida mais eficaz e adequada quando se trata de psicopatas.
O objetivo deste trabalho é compreender os fatores que condicionam a ocorrência de crimes brutais cometidos por psicopatas e, destacar o ineficaz tratamento atribuído pela legislação brasileira e como o sistema prisional é afetado por sua inefetividade.
A psicopatia, incluída como transtorno de personalidade antissocial de acordo com o CID 10 (F60.2) e o DSM-5 (301.7), também denominada sociopatia, é caracterizada pela falta de empatia destes indivíduos para com os outros e pelo grau de frieza importado em suas ações.
São seres dissimulados, mentirosos, sedutores, egoístas, individualistas, superficiais em relações interpessoais, impulsivos, calculistas e muito hábeis em manipular, não possuem sentimento de culpa ou remorso pelos seus atos, tais indivíduos se sentem seres superiores às demais pessoas, e fazem de tudo para alcançar seus objetivos e satisfazer suas vontades pessoais, pouco importando se para isso prejudicará alguém.
Hilda Morana (2019), distingue transtorno de personalidade e psicopatia:
[...] A diferença entre transtorno da personalidade e psicopatia é que o psicopata é cruel, portanto completamente insensível ao outro. O outro só existe pra ele, não como ser humano, mas como meio para ele conseguir os seu propósitos egoístas, dessa forma o psicopata não tem amigos, não ama, mas é extremamente sedutor, ele estuda a sua vítima e passa a fazer tudo por ela, ele busca saber do que ela gosta, do que ela precisa e prontamente aparece com o objeto ou a solução para a pessoa que ele escolheu como vítima, ele trata esta pessoa muito bem e a pessoa vítima do psicopata pensa que teve muita sorte em conhecer alguém que é tão gentil consigo.
Grande parte dos especialistas defendem não haver cura para a psicopatia, uma vez que esta já vem inserida no DNA destes indivíduos, podendo suas primeiras manifestações serem notadas desde a infância.
Estima-se que os psicopatas representem cerca de 1 a 3% da população mundial, e estes, por serem seres extremamente inteligentes, passam despercebidos, pois se apresentam como pessoas amistosas, solicitas e educadas, e fazem o uso da sedução para convencer e conseguir o que querem, tirando o máximo proveito da vítima, sem que tal manipulação seja percebida. E, quando se trata da população carcerária, cerca de 20 a 30% destes são considerados psicopatas.
Os psicopatas, só são notados na maioria das vezes, quando pendem para o lado do crime, tendo como principal característica a crueldade empregada em seus atos e a falta de culpa ou remorso, para eles pouco importa a consequência de seus atos brutais, e apesar de serem perfeitamente capazes de distinguir o certo e o errado, optam por fazer o que querem.
A psiquiatra forense Hilda Morana (2019), explica que:
[...] O psicopata, ele não só é insensível aos outros como ele é indiferente, a insensibilidade do psicopata o leva a atos de crueldade. A crueldade pode se manifestar por matar alguém ou prejudicar gravemente outras pessoas então, considerando o caráter como o respeito que temos ao outro.
Os psicopatas não temem a punições, uma vez que não fazem relação do crime com a pena ou tratamento, e quando colocados em reclusão exercem forte influência sobre os demais presos, manipulando-os e fazendo com que estes realizem o “trabalho sujo”, e ainda, quando aplicada medidas de segurança, estes desenvolvem melhor articulação, aprimorando suas técnicas de manipulação.
Embora a maioria dos casos que envolvam assassinos em série tenha o diagnóstico de psicopatia, nem todos são considerados psicopatas. Normalmente, as características notadas em assassinos em série psicopatas é a organização dos assassinatos, cuidados com a limpeza dos vestígios no local, planejamento e estratégias, aperfeiçoamento do modus operandi.
O diagnóstico da psicopatia é bastante dificultoso para os profissionais da psiquiatria e psicologia, uma vez que, os psicopatas, em razão de sua capacidade de manipulação, apresentam comportamento inteiramente aceitável frente aos profissionais que o avaliam. Sendo assim, diante da dificuldade no diagnóstico, isso faz com que a psicopatia esteja por vezes associada ao Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), o qual embora haja semelhanças com a psicopatia são coisas distintas.
Foi desenvolvido por Robert Hare, um método para diagnosticar um psicopata, chamado Psychopathy Checklist (PCL), o qual, através de um questionário a ser aplicado por profissionais devidamente habilitados, apura a existência de traços psicopáticos na personalidade de um indivíduo e confere sua incidência a graus evolutivos, sendo baseado em recursos afetivos, interpessoais e comportamentais, no qual cada item possui uma nota de 0 (zero), o que representa “não”; 1 (um), o que representa “talvez ou em algum aspecto”; ou 2 (dois), o que representa “sim”; sendo classificado em ausente/leve, moderada ou grave respectivamente. Ademais, a soma de tais notas é o que determina o grau de psicopatia do indivíduo. O fator 1 é tido como narcisismo agressivo sedutor, o fator 2 como estilo de vida socialmente desviante, o fator 3 como estilo de comportamentos irresponsáveis ou controle comportamental pobre. Com tal método, ficou evidenciado que os indivíduos apontados como psicopatas no teste também preenchiam os critérios para enquadramento como TPA, contudo, nem todos os indivíduos que eram enquadrados como TPA preenchiam os requisitos para psicopatia.
Ademais, de conforme delineado, o método Psychopathy Checklist (PCL), de Hare, se mostra eficiente e de grande valia para a identificação de psicopatas, o que pode colaborar para a resolução dos muitos casos problemáticos enfrentados atualmente, sobretudo quanto ao sistema penal brasileiro, no que tange ao modo como são tratados criminosos psicopatas.
Outra característica notória em relação aos psicopatas é que estes possuem plena capacidade de discernimento entre o certo e o errado, diferentemente das pessoas acometidas com alguma doença mental ou transtorno, as quais não possuem ou, detêm capacidade de discernimento reduzida no momento da prática delituosa.
Um psicopata que ficou amplamente conhecido pelas mídias foi Francisco de Assis Pereira, mais conhecido como “Maníaco do Parque”, este foi condenado em 1998 pelo estupro de 16 mulheres, sendo que 7 destas foram brutalmente assassinadas após o ato de violência sexual. A Justiça brasileira considerou-o como sendo semi-imputável de maneira equivocada, uma vez que entendiam que este possuía capacidade de discernimento reduzida. Fato este que se mostra incompatível, pois se trata em verdade de um indivíduo com forte desvio de personalidade, que com suas habilidades em manipulação, e sem qualquer sentimento de culpa ou remorso e com o intuito de satisfazer sua lascívia agia de forma cruel com suas vítimas, tratando-se, portanto, de um característico psicopata.
Os sinais de psicopatia já podem ser notados desde a infância, alguns especialistas defendem ser possível identificar traços psicopáticos em crianças a partir dos 3 anos de idade e, outros defendem que por não possuírem a personalidade formada, nenhuma criança pode ser chamada de psicopata.
Por mais duro e assustador que pareça, a psicopatia infantil existe. No entanto, há um consenso na psiquiatria de que o diagnóstico da psicopatia seja dado só depois dos 18 anos de idade, sendo assim, são classificados até os 18 anos como Transtorno de Conduta, uma vez que a psicopatia, classificada no CID 10 como Transtorno de Personalidade Dissocial, não pode ser diagnosticada em crianças e adolescentes, pois a personalidade ainda não está estruturada.
Conforme matéria de Martha Mendonça (2010), publicada pela revista Época:
Não é fácil a sociedade aceitar a maldade infantil, mas ela existe”, diz Fábio Barbirato, chefe da Psiquiatria Infantil da Santa Casa, no Rio de Janeiro. Ele explica que a criança ou adolescente que tem essa patologia pode se transformar, na vida adulta, em alguém com a personalidade antissocial – o termo usado hoje em dia para o que era chamado de psicopatia. “Essas crianças não têm empatia, isto é, não se importam com os sentimentos dos outros e não apresentam sofrimento psíquico pelo que fazem. Manipulam, mentem e podem até matar sem culpa”, diz Barbirato. Por volta da década de 70 do século passado, teorias sociais e psicanalíticas tentaram vincular esse comportamento perverso à educação e à sociedade. Nos últimos anos, porém, os avanços da neurologia sugerem a existência de um fenômeno físico: imagens mostram que, nas pessoas com personalidade antissocial, o sistema límbico, parte do cérebro responsável pela empatia e pela solidariedade, está desconectado do resto.
Algumas das características da criança psicopata são: enurese contínua após os 5 anos de idade, violação constante às regras sociais, hábito de maltratar de maneira cruel os colegas, irmãos e animais domésticos, ausência de culpa ou remorso pelos atos praticados, hábito de mentir o tempo inteiro, com mentiras cada vez mais elaboradas, não demonstrar o menor constrangimento quando são pegas fazendo algo errado, incendiar objetos e, até mesmo casas, por prazer e sensação de poder e controle; sadismo, fazem uso de artifícios de manipulação ou chantagens, culpam os outros por seus erros, não possuem solidariedade, são arrogantes, possuem prazer em ferir ou manipular alguém, cometem atos de vandalismo, entre outras.
Segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria, cerca de 3,4% das crianças apresentam problemas de conduta como brigar, mentir, desrespeitar e furtar, bem como a crueldade com animais.
Crianças com transtorno de conduta não conseguem se colocar no lugar de outras pessoas ou entender a dor do próximo, estas são insensíveis e simplesmente não se importam. Demonstrando uma extrema e profunda raiva pelos outros. No entanto, é preciso esclarecer que essa raiva não é um comportamento explosivo isolado, e sim constante.
Há um egocentrismo persistente no desenvolvimento de crianças apresentam personalidade psicopata, sendo assim, esta se torna irredutível perante os outros, e seu único objetivo é agradar aos interesses próprios.
Um bebê não nasce psicopata, no entanto, devido aos genes que regulam a quantidade de neurotransmissores responsáveis, este pode ter predisposições genéticas ao distúrbio. No entanto, para que estes genes entrem em ação, precisam interagir com o ambiente de alguma forma.
Sendo assim, estando em um ambiente violento, hostil, e com carências afetivas de recursos, é provável o desenvolvimento da psicopatia infantil por uma criança nestas circunstâncias, ambientes conturbados são solo fértil para o desenvolvimento de transtorno de conduta.
Há diversos fatores que podem influenciar no comportamento da criança para o desenvolvimento da psicopatia, dentre eles estão os fatores genéticos e biológicos, bem como fatores sociais, como traumas, atuação dos pais e ambiente hostil.
Para se fazer a identificação da criança psicopata, é indispensável fazer um estudo detalhado da situação do menor, tendo em vista que a certeza é indispensável na hora de diagnostica-los e, ainda que não se trate de um transtorno de conduta, tais atitudes devem ser corrigidas e trabalhadas por profissionais devidamente qualificados.
Tendo em vista que a criança ainda não possui sua personalidade formada, é possível trabalhar o ambiente em que ela vive, sendo possível inclusive amenizar ou até mesmo reverter esse quadro em casos de menor complexidade. Sendo assim, é preciso intervir logo após os primeiros sinais de psicopatia infantil, uma vez que esta é a chave para algo bastante destrutivo e perigoso no futuro.
Diferente do que ocorre com adultos, crianças com transtorno de conduta possuem uma chance de mudança no padrão de comportamento quando há o acompanhamento e tratamento destas em tempo hábil quando identificado traços psicopáticos. Conforme a idade avança, na adolescência a reabilitação se torna pouco provável e mais trabalhosa.
Aos 2 anos de idade, Mary Bell era uma menina diferente das outras, ela adorava surrar os brinquedos e quando se machucava nunca chorava. Aos 4 anos foi contida ao tentar enforcar uma coleguinha, e declarou às professoras que sabia que tal atitude poderia matá-la. Aos 5 anos presenciou a morte por atropelamento de outro colega, sem esboçar qualquer reação de espanto. Depois de alfabetizada passou a ficar incontrolável, maltratava os animais, pichava as paredes da escola, incendiou a casa onde morava. Aos 11 anos, Mary Bell matou dois meninos entre 3 e 4 anos por estrangulamento, tal caso aconteceu em 1968. Mary foi avaliada por psiquiatras antes de ir a julgamento, e estes concluíram por um gravíssimo transtorno de conduta, uma vez que ela não demonstrou qualquer sentimento ao saber que seria detida.
Para os especialistas, existem 3 fatores de risco para a psicopatia: possíveis lesões cerebrais no decorrer do desenvolvimento, predisposição genética e um ambiente hostil.
Sabe-se que a maioria dos psicopatas sofreu algum abuso na infância, seja psicológico, físico ou sexual, por exemplo. No caso de Mary, todos os fatores se encontraram presentes.
Ela era filha de uma meretriz viciada em entorpecentes e com distúrbios psicológicos. Mary foi abandonada e entregue para adoção por diversas vezes, todas se restaram infrutíferas. A mãe biológica de Mary dava drogas a ela, e quando ainda criança chegou a ser levada ao hospital por diversas vezes com graves overdoses. A mãe também a obrigava a se prostituir desde os 4 anos de idade.
Tais fatores somados condicionaram a formação da personalidade maléfica de Mary Bell. Ela foi presa e tratada por 12 anos, e em 1980 foi posta em liberdade sob monitoramento e nunca mais houve indícios de reincidência.
3 O SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO EM FACE DA PSICOPATIA
Ainda não há, no Brasil, normas específicas a serem aplicadas aos crimes cometidos por pessoas portadoras de distúrbio de personalidade antissocial ou sociopatas, restando muitas dúvidas e divergências quanto a culpabilidade dos criminosos psicopatas.
O Código Penal Brasileiro, dispõe sobre a imputabilidade em seu Título III, nos artigos 26 a 28, no entanto, o legislador não versa quem é imputável, mas sim quanto aos inimputáveis e semi-imputáveis. Grande parte da doutrina considera a imputabilidade um elemento da culpabilidade.
Cleber Masson (2019. p.375) corrobora esse pensamento e, atesta ser a imputabilidade penal um dos elementos da culpabilidade. “O Código Penal acompanhou a tendência da maioria das legislações modernas, e optou por não a definir. Limitou-se a apontar as hipóteses em que a imputabilidade está ausente, ou seja, os casos de imputabilidade penal.”
O Código Penal Brasileiro, após alterações trazidas pela Lei nº 7.209/1984, em seu artigo 26, dispõe que:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 1984, Art. 26)
Sendo assim, é possível analisar que o Código Penal é omisso quanto a figura do psicopata, uma vez não o trata com exclusividade e nem o enquadra em nenhum dos três níveis de imputabilidade, e até mesmo os especialistas divergem quanto a isso, enquanto uns defendem ser os psicopatas inimputáveis e até semi-imputáveis, outros defendem que psicopatas não são considerados doentes mentais, de acordo com conceitos legais e psiquiátricos, portanto não se enquadram no dispositivo citado.
Quanto a imputabilidade, Masson (2019, p.375) descreve: “é a capacidade mental, inerente ao ser humano de, no tempo da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.”.
Posto isso, é notório que quando se trata de psicopatas, devemos enfatizar que estes são perfeitamente capazes de entender o caráter ilícito do fato, bem como de determinar-se de acordo com esse entendimento, tais indivíduos apenas não o fazem pois tem a maldade enraizada em seu ser, pois para eles é prazerosa a dor e o sofrimento causados a outrem.
No entanto, conforme se verifica, o sistema penal brasileiro vigente, ao lidar com tais indivíduos, comumente e erroneamente os trata como semi-imputáveis, apoiando-se no disposto no art. 26 do Código Penal para tal definição, pois se entende que para tais indivíduos lhes falta o aspecto ético/moral, assim, fica a cargo do Juiz do caso, embasado por um laudo pericial, decidir quanto a sua imputabilidade, e se este decidir que se trata de indivíduo semi-imputável, tal psicopata terá a pena reduzida de um a dois terços ou poderá ser encaminhado a um hospital psiquiátrico.
O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 27, trata os menores de 18 anos como sendo penalmente inimputáveis: “Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (BRASIL, 1984).”
Daí surge o questionamento de como proceder com crianças e adolescentes que não exprimem qualquer tipo de sentimento de culpa ou remorso quando da pratica de atos criminosos bárbaros ou até mesmo hediondos.
Não há no Brasil formas de punição à criança criminosa, no entanto, existem formas de proteção e assistência que se encontram dispostas no artigo 122 do Estatuto da criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 1 o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. (BRASIL, 1990, Art. 122)
Sendo assim, tratando-se de psicopatia infantil, o intuito do Estado e do legislador não é a punição da criança ou adolescente, e sim no tratamento e proteção destas, devendo tais crianças serem submetidas a acompanhamento psicológico e, em alguns casos, a aplicação bem como de medidas socioeducativas previstas na legislação, tais como a internação na Fundação Casa.
Em países com penas mais severas, os casos de psicopatia infantil podem ser punidos até mesmo com pena de morte, podendo o menor ser julgado como adulto dependendo da gravidade do crime cometido.
No Brasil, após o devido processo legal, temos as penas e as medidas de segurança como resposta estatal, a serem aplicadas aos indivíduos responsáveis pela prática de crime ou contravenção penal.
Conforme leciona Masson (2019, p. 449):
As penas reclamam a culpabilidade do agente, e destinam-se aos imputáveis e aos semi-imputáveis sem periculosidade.
Já as medidas de segurança têm como pressuposto a periculosidade, e dirigem-se aos inimputáveis e aos semi-imputáveis dotados de periculosidade, pois necessitam, no lugar da punição, de especial tratamento curativo.
Quando aplicada a pena privativa de liberdade, esta se mostra ineficaz, tendo em vista que sua finalidade é a ressocialização com o fim de reinserção destes na sociedade, fazendo com que estejam aptos ao cumprimento das normas sociais.
Todavia, o psicopata, por ser considerado inteiramente capaz de compreender o fato, é inserido no sistema convencional e, por ser desprovido de empatia, não absorve a punição determinada pelo cárcere, retirando assim a essência da pena, bem como tornando o ambiente impróprio tanto aos demais presos quanto aos funcionários pertencentes a essa instituição, podendo inclusive, dentro da prisão se tornar um líder por sua habilidade em manipulação, incitando rebeliões, bem como incentivando os demais presos a delinquir, e assim, quando posto em liberdade, o psicopata reincide em seus crimes, e pela experiencia adquirida aperfeiçoa seus atos criminosos.
E, quando imposta a medida de segurança aos psicopatas, por não serem por doença mental ou algum transtorno que lhe retirem a capacidade de discernimento do fato no momento da prática delituosa, esta não produz resultados, tendo em vista que não há, até o presente momento, tratamento com fim curativo para a psicopatia, uma vez que, conforme defendido por especialistas, a psicopatia é uma disfunção de caráter destes indivíduos, não podendo ser confundida com doença mental.
No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLVII, “b”, não permite penas de caráter perpétuo, destarte, a pena máxima não pode ultrapassar 40 anos de reclusão, conforme disciplina o artigo 75 do Código Penal, após alterações trazidas pela Lei nº 13.964/2019.
Sendo assim, ainda que não tenha cessado a periculosidade do agente, após submetido à internação ou tratamento, é preciso por fim a esta, obedecendo assim o disposto no Código Penal, bem como de acordo com a Súmula 527 do STJ:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLVII - não haverá penas:
b) de caráter perpétuo; (BRASIL, 1988, Art. 5º)
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.
§ 2º - Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. (BRASIL, 2019, Art. 75)
Súmula 527 - O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. (SÚMULA 527, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015)
A psiquiatria não enxerga o psicopata como um doente, a partir disso exclui-se a inimputabilidade, a grande divergência paira quanto a sua imputabilidade ou semi-imputabilidade. Para que seja considerado semi-imputável, há a necessidade de que haja perturbação da saúde mental.
A jurisprudência vem sustentando que o psicopata tem entendimento do ato ilícito praticado, todavia, por não conseguir parar quando deve, não é totalmente capaz de autodeterminar-se de acordo com este entendimento, atestando assim sua capacidade, ainda que não seja plena.
Diante disso, considera-se necessária a mudança na lei, tanto para que estes indivíduos não fiquem no cárcere juntamente com presos comuns, quanto para que não fiquem dentro de hospitais psiquiátricos atrapalhando o tratamento dos demais pacientes com chance de cura patológica, uma vez que percebe-se que o criminoso psicopata é consciente dos seus atos, sabendo o caráter ilícito do fato, bem como suas consequências, mas mesmo assim opta por fazê-lo, ficando evidente que tais indivíduos próximos da sociedade acarretam problemas, por serem dissimulados, extremamente violentos e perigosos.
Hilda Morana (2019), enfatiza que:
Nos países desenvolvidos existem prisões para psicopatas e são prisões perpetuas quando não pena capital (pena de morte) e a prisão é perpetua porque o psicopata tem a natureza de psicopata, ou seja, é da natureza dele e ele não consegue ser diferente, por isso ele vai sempre reincidir em atividade cruel.
Dessa forma, a criação de medidas adequadas para punição destes indivíduos se mostra de suma importância, bem como o isolamento destes da sociedade, pois assim, como tem se mostrado em países desenvolvidos, com leis e tratamentos mais rígidos, estes agiriam com mais cautela, não partindo diretamente para crimes brutais, tal qual os homicídios.
Com base no que foi apresentado, apesar de a psicopatia ser conhecida a muito tempo, a legislação brasileira carece de tratamento específico para estes criminosos, sendo inquestionável a importância da criação de uma norma que regule de forma apropriada a penalização de criminosos deste tipo, uma vez que, como visto, o juiz possui insuficiente estrutura para aplicação de uma pena que se mostre realmente eficaz e correta a estes indivíduos.
Nota-se que tanto a aplicação da pena quanto da medida de segurança se mostram ineficazes ao tratar de seres em tal condição, uma vez que além de desapropriado, pode ser sejam beneficiados indevidamente, ao se permitir a redução da pena quando da semi-imputabilidade, bem como conceder benefícios que os permitam retornar ao convívio social em pouco tempo, no qual retomam as práticas delituosas assim que postos em liberdade. Como também é notória a grande divergência no mundo jurídico quando se trata da imputabilidade destes indivíduos, o que reforça ainda mais a criação de medidas específicas tratando do assunto.
Conforme delineado, para os psicopatas não existe cura, tratamento ou medidas que deem jeito nestes indivíduos e, por não serem seres ressocializáveis, o mais adequado seria a criação de uma prisão específica, onde, após a constatação da psicopatia por profissionais especializados, lá permaneceriam reclusos, afastados do convívio social, medida essa que tem se mostrado eficaz nos países desenvolvidos.
E, ao se tratar de crianças e adolescentes diagnosticados com transtorno de conduta, é necessário que estes sejam avaliadas por profissionais devidamente qualificados, para que assim haja o correto diagnóstico e, sejam submetidas a tratamento e acompanhamento por profissionais qualificados, podendo, inclusive, haver altíssimas chances de sucesso no tratamento conforme evidenciado.
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Graduanda em Direito do Centro Universitário de Santa Fé do Sul-SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SEVILHA, EMANUELE BORGES. Psicopatia e o sistema jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58652/psicopatia-e-o-sistema-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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