RESUMO: Trata-se de monografia cujo tema abordado consiste na análise dos crimes de posse e porte ilegal de arma de fogo, de acordo com as previsões do estatuto do desarmamento, a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 e com o que estabelece as recentes atualizações legislativas sobre o assunto. De igual modo, analisa-se como a política armamentista defendida e inovada pela atual presidência da República tem realizado mudanças que objetivam facilitar a posse e o porte de armas, rompendo com o viés restritivo estabelecido pelo estatuto do desarmamento. Serão analisadas as alterações até então impostas pelos recentes decretos presidenciais, a exemplo do decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019, assinado pelo presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 e dispõe sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Serão discutidas quais são as controvérsias trazidas pelos referidos atos administrativos que são amplamente debatidos nos dias atuais. Afinal, quais têm sido as consequências da nova política armamentista que tenta se implantar? No que diz respeito à posse e ao porte de armas, quais foram as alterações que regularizaram o estatuto do desarmamento recentemente? Para um melhor desenvolvimento do trabalho, estudar-se-á o Estatuto do Desarmamento, especialmente, a diferença legal entre a posse e o porte de arma de fogo, as alterações postas pelos decretos presidenciais, as possíveis consequências dessas mudanças e seus reflexos penais, abordar-se-á os aspectos históricos da política de armas no Brasil e do Estatuto do Desarmamento e, por fim, analisar-se-á a polêmica e discutida possível relação existente entre armas, crime e violência. De modo que, no decorrer do trabalho, pesquisas sobre o tema demonstrarão que armar o cidadão não é a melhor opção no combate à violência em nosso país, que as alterações normativas nesse sentido embora tenham tentado flexibilizar a posse e o porte de arma, tais medidas permanecem vedadas pelo estatuto. O trabalho dissertativo no campo metodológico fez uso da análise do ordenamento jurídico nacional, de estudos, pesquisas e artigos existentes sobre a problemática, o que caracteriza um trabalho de pesquisa bibliográfica doutrinária e de revisão da literatura, cujo processo busca a análise e descrição de um corpo do conhecimento.
Palavras-Chave: Estatuto do Desarmamento. Nova Política armamentista. Armas. Crime. Violência.
ABSTRACT: This is a monograph whose theme is the analysis of crimes of possession and illegal possession of firearms, in accordance with the provisions of the disarmament statute, Law No. 10,826, of December 22, 2003 and with what establishes the recent legislative updates on the subject. Likewise, it analyzes how the arms policy defended and innovated by the current presidency of the Republic has made changes that aim to facilitate the possession and possession of weapons, breaking with the restrictive bias established by the disarmament statute. The amendments hitherto imposed by the recent presidential decrees will be analyzed, such as Decree No. 9,847, of June 25, 2019, signed by the President of the Republic, Jair Messias Bolsonaro, which regulates Law No. 10,826, of December 22, 2003 and provides for the acquisition, registration, registration, possession and sale of firearms and ammunition and the National Weapons System and the Military Weapons Management System. The current administrative act in force is widely discussed today and has caused a lot of controversy, mainly because it revoked a series of decrees that regulated the disarmament statute. For a better development of the study and to observe the changes brought about by the presidential decrees in relation to the possession and possession of weapons, the possible consequences of these changes and their penal consequences, we will address the historical aspects of arms policy in Brazil, we will study the Statute Disarmament and the legal difference between possession and possession of a firearm, we will discuss the rules that preceded the decree and, finally, we will analyze the controversy and discussed possible relationship between weapons, crime and violence, presenting, in the course of the work , some research already carried out on the topic and which try to reach the conclusion that arming the citizen is the best option in the fight against violence in our country. The dissertation work in the methodological field made use of the analysis of the national legal system, of studies, research and existing articles on the problem, which characterizes a work of doctrinal bibliographic research and literature review, whose process seeks the analysis and description of a body of knowledge.
Keywords: Disarmament Statute. Arms policy. Decree No. 9,847, of June 25, 2019. Changes. Penal reflexes. Weapons. Crime. Violence.
O tema sobre a aquisição, cadastro, registro, posse, porte e comercialização de armas de fogo e munições voltou à tona como um dos assuntos mais discutidos e que gera mais polêmicas entre os cidadãos e os políticos, que basicamente se dividem entre apoiadores e não apoiadores do livre comercio, do porte e posse de armas e munições.
Desde a campanha eleitoral para presidência da República, em 2020, uma das promessas eleitorais do plano de governo do atual chefe do poder executivo federal era a flexibilização da liberação da posse e porte de arma, tema que iremos focar no presente trabalho. Ao chegar ao Palácio do Planalto, desde o dia primeiro de janeiro de 2019, o presidente tem dedicado esforços para implementar o que sempre defendeu, desse modo, desde o início do governo, pelo menos 14 medidas sobre o tema – entre decretos e portarias – já foram editadas pelo governo federal.
Além disso, o governo elaborou um projeto de lei (PL 3723/19) sobre o assunto, que altera o Estatuto do Desarmamento, o Código Penal, a Lei de Segurança Bancária e a Lei de Segurança Nacional, para disciplinar o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), estabelecer definições, modificar regras do registro, cadastro e porte de armas de fogo. O referido projeto apresentado em 26 de junho de 2019, que ainda será analisado pela Câmara e Senado, aumenta penas e modifica a descrição dos crimes, além de mudar penas de crimes com armas e outros temas.
A comercialização desenfreada de armas preocupa também nos acidentes ocorridos com pessoas, principalmente crianças, que disparam a arma de forma acidental contra si ou contra terceiros. Sem falar nos crimes com erro de tipo - quando o agente não quer praticar o crime, mas, por erro, vem a cometê-lo -, nos casos de legítima defesa putativa, onde o suspeito imagina estar reagindo contra uma agressão que não existe, exemplo dos casos em que frequentemente alguém abre fogo contra uma vítima pensando ser essa um ladrão, casos esses recorrentes entre pessoas do mesmo âmbito familiar.
Segundo levantamento feito pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado1, dada a pouca quantidade de pesquisas rigorosas sobre o tema, não é possível tirar conclusões seguras de um lado (mais armas, mais crimes) ou de outro (mais armas, menos crimes). Para o Núcleo, as poucas pesquisas feitas para o Brasil que buscam estabelecer uma relação de causalidade entre o número de armas em circulação e a violência tendem a apoiar a hipótese “mais armas, mais crimes”, mas apenas para crimes contra a pessoa, e não para crimes contra o patrimônio, que são mais numerosos.
Diante de todo o exposto, percebe-se que, juntamente à ascensão das armas, nasceram também várias questões polêmicas, como, por exemplo, as armas trazem, ou não, segurança para quem as possui? As armas têm relação com o crescimento da violência e dos números de mortes? Qual a melhor alternativa, deve- se ou não liberar o livre comércio, a posse e o porte de armas por cidadãos comuns? Para responder tais questões surge a necessidade de atualizar a população, de estudar e discutir sobre o tema e a legislação que regula a posse, porte e comercialização de armas e munições, por isso a escolha dos respectivos assuntos para debate neste trabalho.
O estudo do Estatuto do Desarmamento que diferencia a posse e o porte de arma de fogo é indispensável para diferenciar tais condutas. Além desses objetivos específicos do presente trabalho, importante discutir as controvérsias trazidas pelos atos administrativos editados pelo atual Presidente da República que emprega uma nova política armamentista cujo objetivo é ampliar o rol de pessoas que podem ter direito a posse e ao porte de armas, para tal serão analisadas as alterações que regularizaram o estatuto do desarmamento recentemente, as possíveis consequências dessas mudanças e seus reflexos penais.
Frise-se que, o presente trabalho foi idealizado e executado com muita dedicação, afinco, estudo jurídico e de pesquisas em diferentes áreas, como econômicas e sociais. Foi elaborado levando em consideração os principais pontos do Estatuto do Desarmamento e dos mais recentes atos normativos confeccionados sobre o tema, bem como se valeu de vasta pesquisa teórica e estudos empíricos existentes sobre o assunto. Foram utilizados livros, artigos, sites e demais meios de consulta, inclusive em nosso amplo ordenamento jurídico, no entanto, por tratar-se vastas e inesgotáveis fontes de informações, a seleção dos estudos e a interpretação dessas informações não utilizam critérios explícitos e sistemáticos para a busca e análise crítica da literatura.
2.ANÁLISE HISTÓRICA DA ARMA DE FOGO
Desde os primeiros momentos da história da humanidade, as armas se fazem presentes. Inicialmente, os homens das cavernas produziam suas próprias armas, se valendo dos diversos elementos da natureza, como pedras amoladas amarradas a galhos de arvores. Após a descoberta do metal, as armas passaram a ser feitas com aço, a exemplo das espadas, lanças e machados, que hoje ainda subsistem e são conhecidas como armas brancas.
Ato contínuo, após muita evolução, entre os séculos XV e XVI, a pólvora foi descoberta pelos chineses e desde então a guerra armada passou por vários avanços, a exemplo do surgimento das primeiras artilharias de canhões e os primeiros mosquetes, que são as primeiras armas de fogo usadas pela infantaria.
Em 1884, a evolução das armas de fogo continuou e surgiu, nos Estados Unidos, a primeira arma automática do mundo, a metralhadora. Desde então, as armas ganham tamanhos, modelos e especificações variadas, de modo que são utilizadas não só para fins militares como esportivos, para caça, defesa pessoal e demais usos no dia a dia.
A partir do ano 1980, quando a população já se consolidava como maioria urbana, os pesquisadores apontam que ocorreu uma “verdadeira corrida armamentista” no país, em razão da falta de segurança já existente desde a estagnação econômica da época e a consequente intenção de autodefesa dos cidadãos.
Desse modo, até a década de 90, qualquer pessoa maior de idade poderia adquirir e portar uma arma no Brasil, apenas formalizando o registro no local da venda. Porém, a partir da Lei 9.437/97, endureceu a posição oficial em relação à posse de armas e a liberação de armamento passou a ter mais rigor, pois, a referida lei foi a primeira que tornou o porte ilegal um crime inafiançável e passível de encarceramento com pena de um a quatro anos, além de ser a responsável por criar o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), em vigor até hoje.
Em 2003, a Lei 10.826 aprovada pelo Congresso revogou a Lei 9.437/97 e instituiu o Estatuto do Desarmamento, que até hoje está em vigor e controla rigidamente a posse e o porte de armas.Mais uma medida importante foi tomada em outubro de 2006, quando o Brasil, em acordo multilateral, ratificou o Protocolo contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo, suas peças, componentes e munições, complementando a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, por meio do Decreto 5.941.
No entanto, em contramão a todas essas evoluções e medidas adotadas, há diversos projetos de lei que têm por finalidade a revogação por completo do Estatuto do Desarmamento. Os decretos presidenciais já promulgados pelo novo presidente deixam evidentes os seus intuitos para facilitação da posse das armas e do seu comercio, o que desperta o interesse das fábricas de armas e munição no Brasil e daqueles que são favoráveis à posse e ao porte de arma irrestrito.
A indústria bélica brasileira possui grande destaque, suas produções são exportadas para vários países e, principalmente, o novo cenário político tem influenciado os mercados de todos os fabricantes, pois, fomenta vasta valorização das suas ações no mercado financeiro, o que justifica tamanho interesse das empresas na facilitação da posse e o do porte de armas.
Atualmente, as principais fábricas de armas e munição no Brasil são a Forjas Taurus, com sede no Rio Grande do Sul, fabricante de pistolas e revólveres. A Amadeo Rossi, também localizada no Rio grande do Sul, produtora de revólveres, espingardas e carabinas e a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), com fábrica em Ribeirão Preto, maior produtora de munições do país e produtora de rifles e espingardas.
Inicialmente, é importante frisar que, antes da criação da Lei 9.437/97 acima citada, o porte de arma de fogo no Brasil era considerado apenas contravenção penal, previsto no artigo 19 da Lei das Contravenções Penais, decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, cuja redação é:
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta,
sem licença da autoridade: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente. (BRASIL, 1941)
O referido decreto-lei fora o primeiro diploma legislativo a tratar sobre armas de fogo e, atualmente, encontra-se parcialmente revogado nas previsões quanto às armas de fogo e válido no que se refere às armas brancas, aquelas dotadas de ponta ou gume, a exemplo das facas, navalhas, canivetes, espadas. Anteriormente, em 1934, em que pese não tratar do uso civil de armas e munição, o Decreto Presidencial nº 24.602, assinado por Getúlio Vargas (1882-1954), apenas regulamentou a fabricação e venda de armas de guerra pelo Estado e proibiu que a atividade fosse desenvolvida por empresas privadas, que apenas tinham autorização para produzir exclusivamente armas destinadas à caça.
No ano de 1965, o Decreto nº 55.649 revogou a legislação de Vargas e regulamentou a produção, o comércio e a circulação de armas e munições, que passaram a integrar o rol de produtos exportáveis do país e as polícias civis dos estados ficam encarregadas do registro do porte e posse de armas. Já em 1980, a Portaria nº 1.261 do Ministério do Exército regulamentou a comercialização e o registro de armas de fogo, desse modo, maiores de 21 anos, sem antecedentes criminais e com profissão definida, adquiram o direito de comprar até três armas por ano, observado o limite total de seis unidades.
Somente em 1997, com a edição da Lei 9.437, em seu 10º artigo, o legislador tipificou como crime as condutas de possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo.
Sendo assim, o porte e a posse ilegal de arma de fogo, antes meras contravenções, a partir de 1997, passaram a ser considerados como crime. No entanto, todas as condutas estavam sujeitas a uma mesma pena. Vejamos a redação do art. 10 da Lei 9.437/97, revogado pela Lei 10.826/03:
Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena - detenção de um a dois anos e multa. (BRASIL, 2003)
A citada Lei 9.437 de 1997 também criou o Sistema Nacional de Armas e a fiscalização da compra e do uso de armas e munições se tornaram responsabilidade exclusiva da Polícia Federal, que passou a exigir comprovação de “efetiva necessidade” para autorizar sua posse. Exceto a responsabilidade pela fiscalização do armamento particular de policiais, juízes e colecionadores que continuou sendo das Forças Armadas.
No entanto, a Lei 9.437 não foi suficiente e significativa na diminuição da criminalidade e no combate a violência. A lei recebeu críticas em relação a sua redação que precisaria ser aperfeiçoada, principalmente porque, como demonstrado, as condutas de gravidades totalmente diferentes eram submetidas a uma mesma pena, o que viola o princípio da proporcionalidade e da individualização da pena.
Por fim, foi editada a Lei 10.826 em 2003, o conhecido Estatuto do Desarmamento, que revogou integralmente a Lei 9.437/97 e que será estudado e discutido no presente trabalho. Por meio dessa lei, o governo federal também criou a Campanha do Desarmamento, que indenizou as pessoas que entregaram suas armas de fogo sem registro à Polícia Federal, o que retirou um grande número de armas de circulação.
Embora mais nenhuma lei tenha sido promulgada pelo Poder Legislativo, no ano de 2019, sucessivos decretos presidenciais tentam flexibilizar as regras de aquisição, cadastro, registro, porte e vendas de armas de fogo e munição do Estatuto do Desarmamento. Desde a sua investidura no poder executivo, o presidente Jair Bolsonaro, que sempre fez campanha a favor da liberação da posse e do porte de arma, editou alguns decretos sobre o tema, alguns revogados e outros ainda em vigência.
Conforme será explanado em item específico sobre o tema, a edição dos decretos trata-se de uma tentativa do Poder Executivo de subverter o sentido da Lei 10.826/2003 mediante subsequentes atos infralegais, que iniciou com a edição do Decreto 9.685, em 15 de janeiro de 2019, e logo em seguida, no mês de maio, com os Decretos 9.785 e 9.797. Já em junho, também em 2019, o Decreto 9.844 foi editado e revogado no mesmo dia, pelo subsequente Decreto 9.847, gerando inclusive insegurança jurídica.
Em 22 de dezembro de 2003, foi sancionado pelo - à época presidente da República - Luís Inácio Lula da Silva, o Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM, define crimes e dá outras providências. A lei surgiu no intuito de restringir o porte de armas por civis, para tanto, dentre outras medidas, estabeleceu alguns requisitos para aqueles que querem adquirir arma de fogo, especificou na legislação penal os crimes de comércio ilegal e tráfico internacional de armas de fogo, ampliou as penas para o porte de arma em situação irregular, dentre outras medidas que serão estudadas e aqui discutidas.
O Estatuto do Desarmamento possui 37 artigos e é organizado em cinco capítulos. No capítulo I, regulamenta o Sistema Nacional de Armas (SINARM), órgão instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo território nacional e com sua competência preconizada no artigo 2º e outras previsões legais. Antes do estatuto, o controle de armas era exercido por cada Estado através da Polícia Civil.
Em seu Capítulo II e III, o Estatuto aborda questões que concerne ao registro e ao porte de arma de fogo, no capítulo IV prevê os crimes e penas e, por fim, o capítulo V apresenta as disposições gerais. Como o presente trabalho pretende discutir as mudanças trazidas pelos decretos promulgados pela atual presidência da república, tendo em vista que esses tentam facilitar a posse de arma, elucidaremos as dúvidas sobre a diferença entre o porte e a posse de arma de fogo no Brasil e abordaremos com mais ênfase as previsões legais atinentes ao tema e às alterações decorrentes dos referidos decretos.
O estatuto, atendendo à proporcionalidade e à individualização da pena, pune de forma diferenciada a posse de arma em seu art. 12, o porte de arma, em seu art. 14, bem como a posse e o porte de arma de uso proibido ou restrito, no art. 16, o disparo, no art. 15, o comércio, no art. 17 e, por fim, o tráfico internacional em seu art. 18.
Desse modo, é importante saber diferenciar o conceito de posse e porte de arma, pois, frequentemente causa confusão àqueles que não detêm o conhecimento jurídico adequado. A posse de arma de fogo consiste no direito de manter a arma de fogo no interior da residência ou do local de trabalho do titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa, desde que preenchidos os requisitos legais. Já o porte de arma de fogo é o direito de carregar a arma devidamente municiada em local que não seja o autorizado no registro, ou seja, fora de casa ou do trabalho.
Atualmente, o porte de armas, em regra, é proibido em todo território nacional para o cidadão em geral, conforme estabelece o art. 6º do estatuto do desarmamento. Entretanto, existem exceções e policiais, guardas municipais das cidades com mais de 500 mil habitantes, integrantes das Forças Armadas e todos os demais constantes no art. 6º do Estatuto do Desarmamento e previstos em legislação própria possuem o direito de portar arma.
A depender da necessidade comprovada pelo requerente, é possível que o porte seja deferido a nível estadual, regional ou nacional. Por esse motivo, caso o requerente precise portar a arma fora do estado onde reside, também é necessário comprovar essa necessidade.
Embora o porte de arma autorize andar com a arma devidamente municiada fora de casa ou do trabalho, se exige do cidadão que, sempre que estiver fora desses ambientes, se mantenha em posse dos documentos de registro, de porte e da sua identificação.
O estatuto do desarmamento impõe regras para o registro e para o porte de armas, de modo que estabelece que, inicialmente, deve o cidadão comprar a arma de fogo, em seguida registrá-la e, por fim, requerer a autorização do porte.
Inicialmente, para adquirir a arma de fogo, a pessoa interessada deve, conforme disposto no art. 28 do Estatuto, ter mais de 25 anos, exceto os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6o desta Lei, que serão estudados a seguir.
Ademais, os maiores de 25 anos necessitam atender outros requisitos, como comprovação de idoneidade, ocupação lícita, residência fixa e capacidade para manuseio da arma. Presentes tais requisitos legais, o SINARM - órgão competente - emite autorização para a compra da arma de fogo.
A autorização dada pelo SINARM é específica, uma para a pessoa e uma para a arma, bem como para a compra de munição, que é específica para a arma de fogo autorizada. Assim estabelece os parágrafos 2º e 3º do art. 4º do Estatuto:
Art. 4º (...) § 1º O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização.§ 2º A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei.
A segunda etapa, que consiste no registro da arma, deve ser realizada após adquiri-la, o interessado deverá registrá-la perante o órgão competente, que dependerá da classificação da arma de fogo. A arma de fogo de uso permitido é de competência da Polícia Federal, após a anuência do SINARM, e tem validade em todo o território nacional. Já a arma de fogo de uso restrito compete ao Comando do Exército.
O registro possui como finalidade, além de controle das armas, a de autorizar o proprietário a manter a arma de fogo no interior de sua residência ou em seu local de trabalho, desde que, como já explanado, ele seja o titular ou responsável legal do estabelecimento ou empresa.
Já a terceira e última etapa necessária para a concessão do porte da arma é a autorização. Assim, para que a arma de fogo seja levada consigo em via pública ou em qualquer outro local distinto dos que a posse permite, será necessária a autorização para o porte, nos termos do art. 6º e seguintes do Estatuto do Desarmamento.
No entanto, também poderá ser concedida a autorização para o porte de armas em algumas hipóteses, seja em caso de função do requerente, seja em decorrência da obtenção de autorização junto à Polícia Federal, após a anuência do SINARM, desde que preenchidos os requisitos legais impostos no artigo 10 do estatuto, in verbis:
Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm. § 1o A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente: I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física; II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei; III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente.§ 2o A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.
Ademais, existe o porte na categoria “caçador de subsistência”, que poderá ser concedido pela Polícia Federal aos residentes em áreas rurais que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover a subsistência alimentar familiar. Se exige que se trate de arma portátil, de uso permitido, de tiro simples, com um ou dois canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16.
Para obter a licença e poder caçar o necessário para sua subsistência e de sua família, o caçador, inicialmente, deverá ser cadastrado e registrado no IBAMA. Ao requerer a licença para a compra da arma e o porte na modalidade “caçador”, deverá apresentar o certificado de registro e a licença do IBAMA, além das demais documentações exigidas pelo SINARM.
Importante frisar que a arma de caça é a espingarda, assim, o caçador não pode se utilizar de outro tipo de armamento, não pode portá-la publicamente e em locais incompatíveis, sob pena de ser apreendida, bem como a licença e o porte serem caçados e o infrator responder criminalmente.
O Estatuto do Desarmamento permite a comercialização de armas de fogo nos casos especificados em lei. Entretanto, no intuito de fiscalizar e controlar a produção, o comércio e o cadastramento de todas as armas de fogo em circulação em nosso país, tanto as fabricadas no Brasil, quanto as importadas, foi criado o Sistema Nacional de Armas, que é composto por um conjunto de órgãos vinculados ao Ministério da Justiça.
4.1 CRIMINALIZAÇÃO E POSSE
Conforme já exposto, o estatuto do desarmamento estabelece os crimes e as penas no capítulo IV, bem como diferencia a posse e o porte irregular de arma de uso permitido e de uso restrito, punindo-os de forma individualizada. Embora o estatuto tipifique diferentes e diversas condutas criminosas, nos ateremos ao estudo da posse e do porte ilegal de arma.
O crime de posse irregular de arma de uso permitido é previsto no artigo 12, vejamos o dispositivo legal:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Desse modo, a conduta descrita no art. 12 está relacionada à ausência de registro da arma de fogo, pois não há que se falar em porte já que a arma está na residência ou no local de trabalho.
Trata-se de crime comum, o sujeito ativo, que é quem, de forma direta ou indireta, realiza a conduta descrita no tipo penal, pode ser qualquer pessoa, inclusive o proprietário da arma. O sujeito passivo, que é o titular do bem jurídico protegido pela lei penal violada por meio da conduta criminosa, é a coletividade, ente destituído de personalidade jurídica, o que faz com que seja um crime vago.
Em razão da vontade do agente, a consumação do referido delito se propaga no tempo, o que torna o crime permanente. Assim, torna-se possível a prisão em flagrante, enquanto não cessada a permanência, o curso do prazo prescricional somente se inicia com a cessação da permanência e sobrevindo lei penal mais gravosa - enquanto não cessada a permanência - poderá ser aplicada ao caso.
A posse irregular de arma de fogo de uso permitido é crime de perigo abstrato/perigo presumido, assim como a maioria dos demais crimes previstos no Estatuto do Desarmamento. Desse modo, significa dizer que o crime se consuma com a mera exposição do bem jurídico a uma probabilidade de dano, não necessitando a comprovação do dano efetivo e não cabendo prova em contrário.
Como não há resultado naturalístico, o crime se consuma com a mera posse irregular, não importando a finalidade, pois, é um crime de mera conduta, eis que o tipo penal se limita a descrever uma conduta.
Conforme dito, a pena será de um a três anos e multa. Por se tratar de crime de médio potencial ofensivo (pena de um a três anos), admite a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95.
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). (BRASIL, 1995)
Como a pena não ultrapassa quatro anos, conforme preconiza o artigo 322 do Código de Processo Penal, o próprio delegado poderá arbitrar a fiança. Por fim, estando presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, é perfeitamente possível que a pena privativa de liberdade seja convertida em restritiva de direitos, já que trata- se de crime doloso, sem violência ou grave ameaça e a pena não ultrapassa quatro anos, o que permite a conversão.
O delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido está previsto no art. 14 do Estatuto do Desarmamento, que dispõe que:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)
O referido delito trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios da Lei 9.099/95, diferentemente do crime de posse, como já exposto. Importante esclarecer que, embora o parágrafo único traga a previsão do não cabimento de fiança, o STF, na ADI 3.112/1, considerou tal previsão inconstitucional, de modo a autorizar o arbitramento de fiança, pois, atualmente, apenas a CF pode dizer, de forma genérica e abstrata, que um crime é inafiançável.
Assim como o crime de posse ilegal de arma, tem por objetividade jurídica a tutela da incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública. O sujeito ativo é qualquer pessoa, pois é um crime comum e o sujeito passivo é a coletividade, por tratar-se de crime vago.
É crime de mera conduta, de modo que se esgota no simples porte ilegal da arma de fogo, admite a tentativa e é crime de perigo abstrato, ou seja, a lei presume, de forma absoluta, que a arma de fogo representa um perigo à segurança pública.
Já o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada é punível, conforme entendimento do STF no Info 699. Por ser um crime de mera conduta, entende-se que ainda que a arma não esteja com munição haverá crime, pois é suficiente a ação de portar ilegalmente a arma.
Outra questão polêmica e já muito discutida é o porte de arma de brinquedo. O mero porte de arma de brinquedo não é considerado crime, não houve a incriminação pelo Estatuto do Desarmamento que apenas proíbe a fabricação, a importação, a exportação de réplicas de arma de fogo, nos termos do seu art. 26.
A posse e o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito estão previstas no art. 16 do Estatuto do Desarmamento juntamente a outras condutas que são equiparadas as primeiras, conforme previsão legal dos incisos do parágrafo primeiro do referido artigo.
Desta feita, percebe-se que, quando a arma de fogo é de uso restrito, o crime será o mesmo tanto para a posse ilegal quanto para o porte ilegal, diferentemente de quando se trata de arma de fogo de uso permitido, que há previsão distinta para o crime de posse ilegal (art. 12) e para o porte ilegal (art. 14).
Como nos demais crimes do estatuto, protege-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública. Podem ser o sujeito ativo do delito qualquer pessoa, pois também se trata de crime comum, mas quando praticado por integrantes dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º, aplica-se a regra do art. 20 do Estatuto que determina que a pena será aumentada da metade. O sujeito passivo é a coletividade, pois trata-se de crime vago.
O tipo penal contém um elemento normativo, qual seja: sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Assim, podemos concluir que são possíveis o porte e a posse legal de arma de fogo de uso restrito quando o agente possuir autorização para tanto, no caso do porte ou registrar, no caso da posse. Diferentemente das armas de uso permitido, a aquisição e o registro de arma de fogo de uso restrito devem ser concedidos pelo Comando do Exército. O tipo penal limita- se a descrever a conduta, sem prever o resultado naturalístico.
O crime em discussão é de perigo abstrato, a lei presume o perigo com a prática de qualquer uma das condutas descritas no art. 16. Igualmente, é um crime de mera conduta, bastando a prática da conduta para que se presuma o perigo.
4.2 RELAÇÃO ENTRE ARMAS, CRIME E VIOLÊNCIA
Há muito se discute e se estuda sobre a relação existente entre o crime, a violência e as armas. De tal modo que, muitas pesquisas e dados estatísticos são utilizados em toda parte do mundo para defender ou para se opor à referida relação, sendo cada um daqueles utilizados conforme os argumentos que se procura provar.
No Brasil, existem diversos institutos que frequentemente realizam pesquisas e elaboram manifestos com estudos sobre o controle de armas, a exemplo do Instituto Sou da Paz, o Instituto Igarapé e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre outros. Em 2020, mais de 60 especialistas em violência assinaram manifesto reconhecendo que estudos evidenciam a relação entre arma e mortes, a exemplo do economista Daniel Cerqueira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que concluiu que a cada 1% a mais de armas gera quase 2% a mais de assassinatos, bem como que o aumento do número de armamento não reduz os crimes econômicos, como roubos.
O Atlas da Violência de 20202, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), constatou que nos estados onde há maior crescimento da violência letal são os mesmos onde a vitimização por arma de fogo cresce, principalmente no Norte e Nordeste do país.
Segundo o citado Atlas, a taxa de homicídio por arma de fogo cresceu 15,4% no Brasil, de 2006 para 2020, a violência armada aumentou nos estados em que os homicídios também avançaram, a exemplo do Rio Grande do Norte (349,1%), Acre (280,0%), Tocantins (219,1%) e Maranhão (201,7%). Sergipe é o estado com maior proporção de homicídios por arma de fogo, com 85,9% dos assassinatos causados por perfuração à bala, seguido de Alagoas, com 84,9%, e Rio Grande do Norte 84,6%. Já os estados que possuem as menores proporções são: Roraima, 35,3%, Mato Grosso do Sul, com 48,6% e Tocantins, com 54,1%.
Para parte dos pesquisadores, há evidências muito fortes que aumentar o número de armas de fogo em circulação aumenta a quantidade de acidentes domésticos com armas de fogo, sendo as crianças e jovens até 17 anos do sexo masculino as principais vítimas desses acidentes. Outrossim, os estudos também mostram relação significativa entre o acesso facilitado às armas de fogo e a taxa de suicídios.
Em contrapartida, entusiastas e estudiosos citam a pesquisa “Mais Armas, Menos Crimes” publicada pelo norte-americano John R. Lott, em 1998, mas com ultima atualização em 2010, que concluiu nas estatísticas e análises da sua obra que os índices de crimes violentos caíram quando os estados dos Estados Unidos autorizaram o porte de arma para legítima defesa.
Segundo o já citado estudo do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, a dificuldade das pesquisas está em conseguir separar duas situações diferentes e que causam efeitos diferentes: mais armas para não-criminosos e mais armas para criminosos. O referido estudo relata que os pesquisadores que concluem que mais armas reduzem mortes destacam o efeito dissuasão, que consiste na ideia de que maior poder de autodefesa implica maior custo do crime para o criminoso. Já quem encontra que mais armas aumentam mortes destaca o efeito difusão, que entende que a maior disponibilidade incentiva o uso de violência para solução de conflitos interpessoais, acidentes e suicídios, e reduz o preço no mercado ilegal para o criminoso.
Em nosso país, temos poucos estudos e há menos dados, no entanto, um levantamento da Fundação Abrinq com base nas informações do Sistema de Informações Sobre Mortalidade mostrou que o número de homicídios de crianças e adolescentes por arma de fogo aumentou 113,7% em 20 anos no Brasil — eram 4,2 mil em 1997 e 9,1 mil em 2020. Porém, o mesmo levantamento demonstra que apesar do aumento de caso de números absolutos, a variação do crescimento caiu da média de 3% para 1%, a partir de 2003, ano em que foi sancionado o Estatuto do Desarmamento, até 2017.
A disponibilidade de armas tem inúmeros efeitos simultâneos sobre a violência e uma delas é que, se as armas forem legalizadas, o preço de armamentos tenderá a cair, o acesso de criminosos a elas aumentará e mais violência armada ocorrerá, é o que alguns chamam de efeito promotor. Os elevados preços de armamentos e munições afastam, pelo menos, aqueles delinquentes menos favorecidos de poder aquisitivo.
Quanto ao efeito dissuasório de violência das armas defendido por alguns pesquisadores que entendem que com armas legalizadas o acesso a elas pela população civil será maior e, consequentemente, a incerteza sobre se os civis vítimas de crimes estariam armados aumentaria, o que ocasionaria a tendência de cometimento de menos crimes por parte dos criminosos que temeria o risco, a questão seria se, em contrapartida, o fato dos civis estarem armados não poderia ser um motivo a mais nos crimes contra o patrimônio.
É sabido que as armas são constantemente objetos de furtos e roubos, esses muitas vezes latrocínios, oportunidade que os bandidos tem como motivação do crime o roubo de armamentos e acabam resultando na morte daquele que detinha o bem. Como prova, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser), no Rio de Janeiro, em 2009, constatou que 30% das 77.527 armas apreendidas com criminosos no Rio de Janeiro haviam sido obtidas no mercado formal e depois roubadas, ou seja, ao contrário do que muitas pessoas acham, são sim as armas legalizadas que são usadas para cometer crimes pelos bandidos.
A atual política armamentista apoiada pelo chefe do poder executivo federal que, como visto, tem editado medidas que tentam flexibilizar a legislação sobre o porte e a posse de armas no Brasil trouxe à tona, novamente, uma série de questionamentos sobre a liberação de armas de fogo e quais as possíveis consequências da maior circulação de armas no país.
Quanto ao assunto, a principal crítica dos parlamentares é em relação à posse rural estendida – que garante que produtores rurais possam utilizar arma além da sede da propriedade -, a autorização de porte para novas categorias profissionais e a flexibilização do acesso a armas de uso restrito, no sentido de que todos os casos descritos deveriam ser discutidos em projeto de lei e não impostos por decreto, assim como fez posteriormente com o PL supramencionado.
O crescente índice de violência e o conjunto de correlações desse com a desigualdade social, o desemprego, a baixa escolarização e o acesso desregulado a álcool e drogas, somado à política pública omissa, sem planejamento e investimento na segurança pública tem preocupado toda a nação.
Entendemos que, a permanente polêmica de flexibilizar ou não a política de controle de armas de fogo tem por unanimidade - seja daqueles que são contra ou dos que são a favor da liberação de armas - a preocupação em se melhorar a segurança pública do nosso país. Para tanto, devem coexistir com a nossa legislação políticas públicas que viabilizem e garantam a segurança pública, que invistam nas nossas polícias, que assegurem a integridade da vida e do patrimônio das pessoas, o investimento no povo e, principalmente, na educação, para que se tenha consciência que a violência é parte do problema e não a solução de conflitos.
Faz-se necessário investir na política de retirada de armas de fogo de circulação para que se mude o cenário de violência, pois o comércio legal é um dos principais abastecedores do ilegal. Daí a importância do nosso Estatuto do Desarmamento, que tipifica os crimes de posse e porte ilegal de arma, que estabelece o controle sobre armas e munições, que reprime o comércio ilegal e o contrabando, combate o porte ilícito, responsabilizando legalmente aos comerciantes e impedindo que a arma ilegal, objeto de apreensão, volte a circular em nossa sociedade.
Os problemas apontados por especialistas em segurança pública são os maiores desafios para a redução dos homicídios no país, esses relatam a falta de prioridade e capacidade de articulação entre as diferentes esferas de governo para implementação de políticas de longo prazo voltadas para prevenir e também solucionar os homicídios que são registrados todos os anos.
Ante todo o exposto, depreende-se que a nossa legislação desarmamentista vigente, protagonizada pelo estudado Estatuto do Desarmamento, tem contribuído significativamente para a diminuição do crescimento nas taxas dos crimes de homicídios cometidos com arma de fogo em nosso país. Porém, sabemos também que, atualmente, a nossa política e os meios até então adotados não resolveram e estão longe de resolver o problema da violência urbana e do crime organizado que se abastecem com o contrabando e a corrupção de nosso país.
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Mateus Bernabé. Posse e o porte de arma fogo à luz do estatuto do desarmamento e da atual política armamentista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58673/posse-e-o-porte-de-arma-fogo-luz-do-estatuto-do-desarmamento-e-da-atual-poltica-armamentista. Acesso em: 22 nov 2024.
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