ELOÍSA DA SILVA COSTA
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo visa ressaltar a violência contra a mulher na sociedade jurídica brasileira afim de mostrar a realidade do sistema jurídico brasileiro quando abordamos o tema violência contra a mulher. Mesmo diante da incorporação das demandas femininas pelo Legislativo através da elaboração de leis garantindo maior proteção, as mulheres continuam se deparando com a inacessibilidade ao sistema judicial.
Palavras-chave: Violência contra a mulher, acesso ao direito, submissão feminina .
ABSTRACT: This article aims to highlight violence against women in Brazilian legal society in order to show the reality of the Brazilian legal system when we address the issue of violence against women. Even in the face of the incorporation of women's demands by the Legislature through the elaboration of laws guaranteeing greater protection, women continue to face inaccessibility to the judicial system.
Key-words: Violence against women, access to the right, female submission.
Discorre-se aqui sobre o reflexo que a cultura patriarcal tem no Poder Judiciário, especificamente em relação aos crimes de natureza sexual, perpetuando a violência contra a mulher.
A maioria dos casos de violência é praticada por homens considerados pessoas "comuns" pela sociedade e, em muitas situações, os abusadores são parentes ou amigos próximos da vítima. O levantamento realizado pelo Ipea aponta que 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. Dados de 2014 registraram a ocorrência de 47,6 mil episódios de violência sexual contra as mulheres. Isso significa que, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no país. (Ipea, 2014).
Em 2013 houve 50.320 estupros registrados no Brasil, cerca de 25 casos para cada 100 mil habitantes.
Apenas 7% a 8% dos casos de estupro são denunciados no Brasil. Assim, apesar de os números registrados impressionarem, eles mostram algo ainda mais grave: a subnotificação do estupro.(Ansp, 2013).
A taxa brasileira de estupros é de 31,7 por 100 mil habitantes, acima da taxa de mortes violentas, que ficou em 27,5 em 2018.(g1, 2019).
Com o escopo de comprovar essa premissa, inicialmente, será abordada a cultura do estupro como fator responsável pelo desencadeamento de movimentos feministas norte-americanos em defesa das mulheres, através dos quais se denunciou a subordinação feminina à autoridade do homem em todas as esferas, tanto na vida pública quanto na privada. Os aspectos que demonstram a existência de uma cultura tolerante aos atos de agressão sexual à mulher envolvem a ideia defasada de que o estupro é provocado por impulsos sexuais masculinos incontroláveis, gerando a culpabilização da vítima por algum comportamento considerado desvirtuado, pelo simples fato de não atender ao estereótipo feminino imposto socialmente. Isso evidencia o controle social sobre o corpo, comportamento e sexualidade da mulher, mesmo quando ela é a vítima em questão.
Apresenta-se como objetivo demonstrar que a cultura que controla o comportamento e sexualidade feminina submete a mulher à autoridade do homem, o que faz com que os abusos sexuais sejam tolerados a partir de justificativas morais, tanto pela sociedade, quanto pelos magistrados, perpetuando a violência praticada. Por isso, a violência de gênero será apresentada como resultado das estruturas de poder e dominação entre os sexos, sendo o fator determinante para os altos índices de violência doméstica, de feminicídio e de estupros no país.
O problema de pesquisa apresentado é que, mesmo diante da incorporação das demandas femininas pelo Legislativo através da elaboração de leis garantindo maior proteção, as mulheres continuam se deparando com a inacessibilidade ao sistema judicial. A hipótese verificada é que, apesar da garantia ao acesso de direito à justiça, as mulheres encontram o conservadorismo do Judiciário, fruto das estruturas de poder entre os sexos, como óbice ao acesso de fato a esse sistema.
No pensamento ocidental a regulamentação do controle masculino sobre a vida da mulher teve como fundamentação o Direito Romano referente ao patriarcado. Como fenômeno histórico, o que caracterizamos como família patriarcal não constitui um único modelo de organização familiar, variando no tempo e no espaço, mas apresenta como Lima, L. L. G. - Cultura do Estupro, Representações de Gênero e Direito Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 4(2), 2017, p. 7-18 elemento constante o poder do patriarca sobre os demais membros da família. Esse poder, que inclui a tutela sobre a mulher, extrapola o ambiente doméstico, balizando a organização da sociedade como um todo (Lima e de Souza, 2015: 515-520).
A tradição patriarcal, entendida como um conjunto de representações articuladas em um modelo de relações de poder, legitima e naturaliza a submissão feminina, repetindo-se em todas as esferas sociais e particularmente no campo jurídico, na medida em que se consolidou, no Ocidente, através no Direito Romano. Ao paterfamilias era conferido dispor de todos os bens familiares e exercer o papel de juiz, com direito de vida e morte sobre seus parentes de sangue (cognitivos), por adoção social (agnáticos) e sobre seus escravos. Acumulava ainda a função de sacerdote, o que lhe conferia um caráter sagrado.
Na Roma Antiga, o casamento realizado cum manu implicava na absoluta tutela das paterfamilias sobre sua esposa, equiparada à condição de ilha. Os direitos do paterfamilias se baseavam em quatro poderes: patria potestas, sobre os olhos; dominica potestas, sobre os escravos; manus, sobre a esposa, e mancipium, sobre outras pessoas que, originalmente, tinham sido submetidas a outro paterfamilias.
O casamento sine manu permitia à mulher permanecer integrada à família do pai, devendo-lhe obediência, apesar de casada (Lima e de Souza, 2015: 510-515). O Direito brasileiro herdou da Europa, através da colonização portuguesa e da dominação espanhola, durante o período denominado União Ibérica (1580-1640), uma série de leis que conferiam aos maridos poderes absolutos sobre as suas esposas, ao mesmo tempo em que remetiam diferenças consideráveis na forma de tratar a sexualidade feminina e a masculina, revelando a influência de valores cristãos.
O Brasil foi regido pelas Ordenações Manuelinas, promulgadas em 1521, e Filipinas, cuja compilação foi concluída no reinado de Felipe II da Espanha, em 1603.
O Código Filipino foi revalidado em 1640, após a restauração da monarquia portuguesa, e reconhecido no Brasil independente por D. Pedro I, em 1823. Sua vigência prolongou-se, com alterações, até a promulgação do Código Criminal de 1830 e do Código Civil de 1916 (Batista et al., 2003: 417).
O Livro V do Código Filipino, que corresponde ao Direito Penal, permite ao marido traído matar a mulher adúltera e também o seu amante, com a condição de esse que fosse de categoria social inferior (Título XXXVIII).
Vale notar que o citado manual de concessão de Azpilcueta Navarro (1552: 199-200) impõe ao marido que souber do adultério da esposa que se afaste dela, sob pena de ser considerado, ele também, pecador. Por outro lado, a mulher não peca em não se afastar do marido adúltero, ainda que esse adultério seja público, porquanto não é seu ofício emendar ao marido, como dele é emendar a ela”.
O Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, pune a mulher casada que cometer adultério com pena de prisão com trabalho por um a três anos (Art. 250). No entanto, como arma o Art.251, essa pena só será aplicada ao marido que tiver “concubina teúda e manteúda”, facultando assim as relações extraconjugais fortuitas para os homens.
O Código de 1890 mantém essa diferença de tratamento. Percebe-se que o que está sendo julgado não é o comportamento sexual masculino, mas seu papel de provedor da família, prejudicado pelo fato dele sustentar outra mulher.
O Livro V do Código Filipino incorpora também a ideia de honestidade feminina, tal como concebida pela Teologia Moral, para tipificar e punir crimes de natureza sexual contra a mulher.
O Título XXIII condena o homem que dormir com mulher virgem ou viúva honesta a casar com ela ou a provê-la de quantia destinada a seu casamento, já que era costume a mulher levar um dote ao se casar.
Se o condenado não tiver bens para isso, 12 Lima, L. L. G. - Cultura do Estupro, Representações de Gênero e Direito Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 4(2), 2017, p. 7-18 e for dalgo, será degredado para a África e, se não for nobre, além de degredado, será “açoitado com baraço e pregão”.
O título XVIII condena à morte todo homem, independente do seu estado ou condição, que força qualquer mulher a dormir com ele. Porém no caso de a mulher ser escrava ou prostituta, o rei reservava a si a condenação, advertindo, ainda que “toda esta Lei entendemos em aquelas, que verdadeiramente foram forçadas, sem darem ao feito algum consentimento voluntário”.
A questão da credulidade que se deve ou não dar às mulheres que denunciam algum abuso de natureza sexual remete a permanente desconfiança diante da mulher, concebida como "filha e herdeira de Eva, a fonte do Pecado Original e um instrumento do Diabo”, como salienta Jeremy Richards (Richards, 1993: 36).
Nos processos do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, datados do século XVIII e referentes aos delitos denominados solicitação, ocorridos no Brasil, essa questão também pode ser percebida. A solicitação consiste no que hoje chamaríamos de assédio sexual, cometido por confessores na ocasião da concessão.
Fazem parte da estrutura do processo, além da inquirição das denunciantes, um inquérito sobre o seu comportamento e outro sobre o comportamento dos acusados. Somente homens são chamados a depor nesses inquéritos e é possível perceber, através dos registros, quais requisitos garantem o crédito das denunciantes.
Essas testemunhas são perguntadas se conheciam as mulheres, que tipo de relação mantinham com elas e se eram pessoas de bom procedimento, reputação e verdade. As respostas sempre condicionam o crédito que se deve dar à palavra das denunciantes à sua “honestidade”, cuja garantia é o fato de viverem sob o domínio de outros homens, como podemos perceber nesse exemplo: “são pessoas de crédito e boa reputação vivendo com boa opinião, uma em casa de seu irmão e outra em casa de seu pai com muita modéstia e honestidade e julga se deve dar crédito inteiro aos seus ditos.” Ou o contrário: “sabe de ciência certa que é de mau viver no seu procedimento, pois vive fora da companhia de seu marido” (Lima, 1999: 158).
Entre os argumentos alegados pelos sacerdotes para minimizar a sua culpa estão, de um lado, a “fragilidade do corpo”, que remete à sua incapacidade, como homens, de resistir à tentação feminina; e, de outro, o comportamento imoral da vítima.
Uma carta datada de 1791 e endereçada ao Comissário do Santo Ofício por um confessor que procurava justicar o delito de que era acusado, constitui um bom exemplo de como as representações sociais de gênero se articulam para construir o que mais tarde será denominado cultura do estupro. Tendo sido agrado “atracado na moça com tão cega fúria que lhe rasgou a saia”, o sacerdote explica que a vítima era uma mulher casada, “a qual vivia com bastante lassidão dos costumes contra a castidade”.
Assim, “pela fragilidade humana” e “com alguma inadvertência”, ele havia tocado suas “partes pudendas” logo após tê-la ouvido em confissão (Lima, 1999: 159). Essa forma de pensar, em que a falta de honestidade da mulher justifica os crimes sexuais cometidos contra ela, deixou profundas marcas na legislação brasileira, como se pode observar examinando nossos códigos criminais.
O Código Criminal do Império do Brasil, de 1830, pune quem demorasse mulher virgem menor de 17 anos, ou seduzisse “mulher honesta” menor de 17 anos (Art. 219 e 224) e quem tivesse “cópula carnal” por meio de violência ou ameaça com qualquer “mulher honesta” (Art. 222). Mas, se a violentada fosse prostituta, a pena seria diminuída.
O Código Penal de 1890 e a Consolidação das Leis Penais de 1932 também pune quem estuprar mulher virgem ou não, 13 Lima, L. L. G. - Cultura do Estupro, Representações de Gênero e Direito Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 4(2), 2017, p. 7-18 “mas honesta”, reduzindo a pena no caso da estuprada ser mulher pública ou prostituta.
Analisando o nosso primeiro código republicano Susan Caulfield observa: Assim como no código de 1830, os conceitos tradicionais sobre honra e moralidade ocuparam um lugar central no novo documento, e a defesa da honra da família ganhou ainda mais destaque. (2000: 73)
O código de 1890 trata dos crimes sexuais contra a mulher no Título VIII – Dos Crimes contra a Segurança da Honra e Honestidade das Famílias e do Ultraje ao Pudor. A “violência carnal” está tipicada nos seguintes atos: atentar contra o pudor de um ou de outro sexo por meio de violência (Art. 266); deorar mulher de menor idade, empregando sedução, engano ou fraude (Art.267); estuprar mulher virgem ou não, mas honesta (Art. 268).
As penas determinadas são reclusão de um a seis anos para o atentado ao pudor; de um a quatro anos para o deoramento e de um a seis anos para o estupro, sendo esta aumentada de um quarto caso o crime fosse praticado por duas ou mais pessoas. No entanto, a pena para o estupro é reduzida para seis meses a dois anos, se a vítima fosse “mulher pública ou prostituta”.
Mas, afinal, qual a diferença entre essas duas categorias? Se concebermos a prostituta como a mulher que cobra por seus serviços sexuais, o que definiria a condição da mulher pública? Não viver de acordo com o padrão de moralidade feminina da época? Ter relações sexuais fora do casamento? Viver em concubinato?
O artigo 269 dene estupro como “o ato pela qual o homem abusa, com violência, de uma mulher, seja virgem ou não”, esclarecendo que “por violência entende-se não só o emprego da força física, como de meios que privarem a mulher de suas faculdades físicas, e assim a possibilidade de resistir e defender-se”.
Entre esses meios são citados: o hipnotismo, o clorofórmio, o éter e os anestésicos e narcóticos. Pode-se perceber nesse artigo um indício da importância que será atribuída, durante os processos, ao fato de a vítima ter resistido ou não ao estupro, como elemento importante para determinar o grau de culpabilidade do acusado.
Afinal, a história do cristianismo está repleta de relatos sobre mulheres que resistiram até a morte diante de uma tentativa de estupro, todas elas santicadas e consideradas modelos de virtude a serem seguidos. Após a denúncia do ocorrido na Delegacia de Polícia, iniciava-se o inquérito, mediante a investigação sobre o caso.
O auto de corpo de delito constitui uma prova necessária para a caracterização do crime, bem como a idade da vítima. Uma vez recolhidas provas e depoimentos na instância policial, o inquérito era encaminhado ao Ministério Público, que oferecia denúncia junto ao juiz. Se este considerasse os indícios suficientes, o processo-crime era instaurado.
O réu era chamado a depor, bem como as testemunhas arroladas, cujos depoimentos abordam não somente o fato em si, mas também o comportamento costumeiro da ofendida, tal como acontecia nos processos inquisitoriais sobre o crime de solicitação, referidos anteriormente.
Como armou Foucault: o inquérito é precisamente uma forma política, uma forma de gestão, de exercício do poder que, por meio da instituição judiciária, veio a ser uma maneira, na cultura ocidental, de autenticar a verdade, de adquirir coisas que vão ser consideradas como verdadeiras e de as transmitir.
O inquérito é uma forma de saber-poder. (2003: 79) Desde o momento da denúncia na Delegacia de Polícia, começa a ser construída uma verdade, não apenas sobre o delito praticado, mas também sobre as partes envolvidas, e 14 Lima, L. L. G. - Cultura do Estupro, Representações de Gênero e Direito Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 4(2), 2017, p. 7-18 as representações sociais de gênero tem papel decisivo nessa construção.
O livre convencimento motivado do juiz, previsto no nosso Direito, abre espaço para a influência de critérios subjetivos nos julgamentos (Mendes, 2012: 478), enquanto a aplicação particularizada das leis, característica do Sistema de Justiça Criminal brasileiro (Kant de Lima, 1999: 30) permite que os mesmos delitos recebam tratamento jurídico diferente dependendo da qualidade das pessoas envolvidas.
A verdade construída juridicamente vai, assim, favorecer a denunciante ou o acusado, de acordo com os modelos de comportamento feminino e masculino, valorizados na sociedade. Modelos esses influenciados pela hierarquia estabelecida entre os gêneros em uma sociedade patriarcal e misógina.
Nesse contexto, a boa moral atribuída ou não pelo juiz à ofendida tem papel fundamental no julgamento. Se o comportamento dela fosse contra as normas da moral e dos bons costumes vigentes, o ocorrido poderia não ser considerado objeto de intervenção legal. No caso do devoramento, o fato de existirem ou não razões para a ofendida contar que haveria casamento após a cópula carnal também influencia o julgamento e a sentença penal. Se a defesa do réu fosse eficiente para provar, com ajuda de testemunhas, que o comportamento da ofendida era “desqualicado”, o juiz poderia optar por uma sentença absolutória (Lima e Winter, 2016: 296).
A defesa do casamento e da família se apresenta como uma grande preocupação dos juízes. Caso o doutoramento tenha sido consumado mediante promessa de casamento, a honestidade da mulher não ficava comprometida e o culpado poderia ser absolvido se viesse a se casar com a vítima.
Por outro lado, percebe-se, durante todo o processo, uma permanente desconfiança em relação à credibilidade da narrativa da mulher, sempre vinculada à sua honra. Os tratados de Medicina Legal dedicavam grande espaço às discussões sobre a caracterização do rompimento do hímen.
Outra questão muito debatida era o grau de resistência apresentado pela vítima. Desconta-se sempre que a mulher não apresentou resistência suficiente ao seu agressor, o que significa ter consentido no ato sexual. As informações colhidas com as testemunhas sobre seu comportamento costumeiro influem diretamente na forma como essa questão é avaliada (Lima e Winter, 2016: 297-298).
Lima e Winter (2016: 300-301), analisando processos de estupro e deoramento da Comarca de Campos dos Goytacazes, localizada no atual estado do Rio de Janeiro, datados entre 1890 e 1930, indicam que os acusados de estupro eram na maioria conhecidos das vítimas.
Nos casos de doutorado, era comum que as mulheres armassem manter relacionamento afetivo com o réu, o que costumava ser negado por eles. Homens constituíam a maioria das testemunhas e, como acontecia nos processos inquisitoriais referentes ao crime de solicitação do século XVIII, atestavam ou não a honestidade das vítimas, que eram geralmente alcançadas por uma tutela masculina sobre elas.
A falta dessa tutela já implicava numa desqualificação a priori de sua acusação. Comumente a denúncia era realizada na Delegacia de Polícia por pais, tios e padrinhos, preocupados em restabelecer a honra da família. Se o domicílio fosse chamado pela mãe, a idoneidade do depoimento das vítimas era mais facilmente posta em questão.
A leitura dos autos permite perceber, ainda que não estejam explícitos, os critérios subjetivos mobilizados nos julgamentos. Nos processos fica clara a presença de dois modelos de comportamento, masculino e feminino, valorizados como padrões a serem seguidos: o homem honesto, isto é, trabalhador e com capacidade de prover uma família; e a mulher honesta, isto é, que apresenta um comportamento recatado sob alguma tutela masculina.
Nesse quadro, 15 Lima, L. L. G. - Cultura do Estupro, Representações de Gênero e Direito Language and Law / Linguagem e Direito, Vol. 4(2), 2017, p. 7-18 o fato de ter tido relações sexuais fora do casamento, ainda que tenham sido supostamente forçadas ou sob falsas promessas, já desqualica de antemão as mulheres perante a justiça e coloca suas denúncias sob suspeita, como também acontecia com as vítimas de solicitação do Brasil setecentistas.
Sobre elas paira sempre a dúvida de que estão mentindo e de que, na verdade, provocaram as agressões sexuais sofridas, com seu comportamento desonesto. Apenas em 25 de dezembro de 2003, como parte das comemorações do Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher, o Código Penal atual (Decreto lei 2.848, de 7.12.1940) livrou-se do termo honesta como critério para a tipificação dos crimes sexuais contra a mulher.
Mas a retirada do termo não significou que esse critério moral tenha desaparecido das representações sociais dos operadores do Direito envolvidos nos julgamentos desses casos. A honestidade atribuída ou não à vítima continua, ainda hoje inuenciando, de forma perversa, o tratamento jurisdicional oferecido às mulheres vítimas de violência sexual.
A violência social, contra a sociedade feminina é um assunto que gera muita polêmica com repercussão na sociedade em geral.
Este trabalho visa mostrar o ponto de vista da justiça brasileira em relação ao tema que aflige principalmente a sociedade feminina.
É preciso um amplo debate, sem paixões, um debate amadurecido, analisando o problema sobre vários aspectos sociais.
Muitas pessoas escolhem ignorar esse fato de que a cultura que controla o comportamento e sexualidade feminina submete a mulher à autoridade do homem, o que faz com que os abusos sexuais sejam tolerados a partir de justificativas morais, tanto pela sociedade, quanto pelos magistrados, perpetuando a violência praticada. Além de que os grandes juristas ignoram ou fazem vista grossas sobre esses acontecimentos.
Mesmo diante da incorporação das demandas femininas pelo Legislativo através da elaboração de leis garantindo maior proteção, as mulheres continuam se deparando com a inacessibilidade ao sistema judicial. A hipótese verificada é que, apesar da garantia ao acesso de direito à justiça, as mulheres encontram o conservadorismo do Judiciário, fruto das estruturas de poder entre os sexos, como óbice ao acesso de fato a esse sistema
Todos esses fatores citados acima nos levam ao entendimento de que muito se tem a discutir em relação a essa cultura.
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bacharelando em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONTANA, Matheus Dias. A violência contra a mulher na sociedade jurídica brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2022, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58712/a-violncia-contra-a-mulher-na-sociedade-jurdica-brasileira. Acesso em: 22 nov 2024.
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