ISRAEL ANDRADE ALVES[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo aprofundar conhecimentos acerca da figura do juiz das garantias e suas implicações ao processo penal brasileiro. Terá por base o estudo de doutrinas específicas, artigos científicos, bem como da Constituição Federal, código de processo penal e demais legislações no que forem correlatos. Nessa busca iremos analisar tal instituto, seu histórico, o porquê da necessidade de implantação em nosso ordenamento jurídico e suas implicações ao processo penal brasileiro. A necessidade desse estudo nasce em razão da repercussão do tema com o seu nascimento em nosso ordenamento jurídico através da lei 13.964 de 2019. Que trouxe também em seu bojo a menção expressa da opção pelo sistema acusatório, o que dará consonância ao nosso código em relação à constituição federal. O juiz das garantias será o responsável pelo controle de legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais dos investigados, na fase pré-processual. Como consequência da implementação do instituto teremos um processo penal mais justo, democrático e imparcial.
Palavras-chave: Juiz de garantias; Constituição; Processo Penal; modelo acusatório.
INTRODUÇÃO
A constituição brasileira em seu artigo 5° nos traz o entendimento, que temos uma constituição democrática, levando em consideração que sua elaboração se deu ao fim do regime militar. Mas o ponto principal que devemos analisar é o entendimento extraído do artigo 129, I da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88), que traz como responsável pela promoção da ação penal, o Ministério Público, deixando dessa forma evidente a escolha pelo sistema acusatório no processo penal.
Não obstante, podemos ainda verificar nos dias atuais várias características do sistema inquisitivo, principalmente ao analisarmos o requerimento de produção probatória realizado de ofício pelo juiz no inquérito policial.
Nesse caso, o contato do juiz com a produção probatória na fase investigativa é característico do sistema inquisitivo. O qual de acordo com estudos científicos, mais precisamente, a teoria da dissonância cognitiva, o contato do juiz com os elementos informativos colhidos na fase do inquérito policial e mais precisamente aqueles por ele ordenados de ofício, como as prisões cautelares e ainda as medidas que interfiram na liberdade do investigado como quebra do sigilo das correspondências, escuta telefônicas entre outras. Conforme a teoria, esse juiz ao ter contato prévio com os elementos informativos e ainda ao ordenar de ofício determinada ação durante a fase do inquérito policial, se contamina com esses elementos e como consequência cria se mentalmente um posicionamento/teoria e que o seguirá até o fim do processo.
De acordo com a teoria da dissonância cognitiva uma pessoa após ordenado, nesse caso do juiz, de ofício, várias coletas de provas e ainda medidas cautelares, como a prisão preventiva do investigado, raramente irá contrariar sua própria teoria até aquele momento trabalhada, o que irá ocorrer nesse caso é que o juiz irá em busca de elementos que coadunam com seu posicionamento.
Em que pese nosso sistema processual penal se encontre nessa situação. Em dezembro de 2019 foi sancionada a lei 13.964, denominada por muitos de “pacote anticrime”, que alterou vários dispositivos da legislação penal e processual penal.
Com o advento da lei 13.964 de 2019 podemos ver de forma expressa a opção do legislador pelo sistema acusatório, que a nossa carta magna já optara anteriormente.
E com a menção expressa do sistema acusatório no artigo 3°-A do código de processo penal, vemos nascer no nosso ordenamento jurídico o instituto do juiz de garantias, o qual há tempos vem sendo debatido por doutrinadores, estudiosos e pelo próprio legislativo.
Basicamente, o que determina o instituto é que o juiz que atua no inquérito policial, o qual poderá deferir quebras de sigilo, busca e apreensão, prisão preventiva ou temporária, homologa delação premiada e que irá atuar diretamente na busca dos elementos informativos e na produção probatória antes da formalização da acusação não será o juiz que irá receber a peça inicial do processo, que analisará os argumentos da acusação e da defesa, e também não será o juiz que proferirá a sentença final.
Com a implantação do juiz das garantias poderemos enfim concretizar o que preceitua a nossa constituição, tornando o juiz do processo cada vez mais imparcial, tornando também o processo mais justo e democratico .
Diante do cenário de discussões jurídicas em que se encontrava o instituto juiz de garantias, o Supremo Tribunal Federal – STF por meio de liminar do Ministro Luiz Fux suspendeu a eficácia por tempo indeterminado.
O tema é alvo de quatro ações no STF, todas relatadas por Luiz Fux. Ao conceder a liminar, o ministro argumentou que o projeto para a criação do juiz de garantias deveria ter partido do Poder Judiciário, e não por sugestão de parlamentares. Além disso, segundo Fux, a lei foi sancionada sem previsão de impacto orçamentário (AGÊNCIA SENADO, 2020).
Diante do exposto, iremos analisar a figura do juiz de garantias e suas implicações ao processo penal, identificando suas inter-relações, que se dará por meio de estudo, de caráter exploratório e qualitativa, através da análise de artigos e do estudo de doutrinas específicas sobre o processo penal Brasileiro.
Dessa forma passaremos a abordar a análise histórica, o conceito do instituto do juiz de garantias, teorias acerca do juiz das garantias, bem como sua implicação na fase da produção de provas, mais precisamente no inquérito policial, que é a fase em que irá atuar.
1 INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR E O SISTEMA ACUSATÓRIO
A investigação, sabemos, não é o início do processo, mas sim uma fase que o precede, trata-se de um procedimento administrativo, pré processual, responsável pela coleta de informações que irá possibilitar ao titular da ação, ministério público ou a vítima a depender da infração, ingressar em juízo.
A finalidade da investigação nada mais é que a de angariar informações, que darão base ao ingresso da ação judicial, a qual deverá buscar indícios da autoria e a materialidade do cometimento da infração.
A investigação pode se dar de diversas formas, mas a mais comum tem início por meio da lavratura de uma portaria pela autoridade policial, delegado de polícia, dando origem ao inquérito policial, que tem como uma de suas características ser dispensável, justamente pelo fato dos elementos coletados naquela fase não terem o condão de por si só dar base para a fundamentação do juiz na tomada da decisão final no processo, na sentença.
No entanto, os elementos informativos colhidos durante o inquérito policial têm um papel fundamental quando da necessidade de decretação de medidas cautelares como é o caso da prisão preventiva, caso em que o juiz irá verificar indícios mesmo que mínimos de autoria e materialidade do fato ocorrido e podem ainda de forma complementar formar a convicção do juiz.
Esses elementos quando levados ao crivo do contraditório e da ampla defesa, submetidos ao debate entre as partes no decorrer do processo, o resultado será considerado prova e poderá dar base para a tomada de decisão do juiz e fundamentar sua sentença.
É o que ocorre atualmente no nosso ordenamento jurídico, conforme o código de processo penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Nesse diapasão, a lei 13964 de 2019, mais precisamente no artigo 3°-A do código de processo penal, trouxe de forma expressa a opção do legislador pelo sistema acusatório, vejamos: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.
Essa alteração ocorreu em razão da necessidade de reformar o nosso código de processo penal que é de um período anterior a nossa constituição que é democrática e garantista, já o nosso código de processo penal é de 1941 e ainda possui características do sistema inquisitivo no qual o juiz é responsável tanto pela fase investigativa quanto pela fase processual.
Nas palavras do sábio Aury Lopes Jr., "A doutrina brasileira, majoritariamente, aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto (predomina o inquisitório na fase pré-processual e o acusatório, na processual)”. Apesar de não ser esse o seu entendimento, ele demonstra que é clara a parcialidade do juiz, que além de ser o responsável por conduzir o processo será ele também que por iniciativa própria irá produzir as provas que desejar, as quais lhe darão base para fundamentar sua sentença.
Aury Lopes Jr. é ainda assertivo quanto à incompatibilidade de alguns dispositivos do nosso código de processo penal quando falamos de sistema acusatório e imparcialidade do juiz:
“É absolutamente incompatível com o sistema acusatório (também violando o contraditório e fulminando com a imparcialidade) a prática de atos de caráter probatório ou persecutório por parte do juiz, como, por exemplo, a possibilidade de o juiz decretar a prisão preventiva de ofício (art. 311); a decretação, de ofício, da busca e apreensão (art. 242); a iniciativa probatória a cargo do juiz (art. 156); a condenação do réu sem pedido do Ministério Público, pois isso viola também o Princípio da Correlação (art. 385); e vários outros dispositivos do CPP que atribuem ao juiz um ativismo tipicamente inquisitivo”.
Em que pese a lei 13.964 de 2019, pacote anti crime, tenha alterado diversos dispositivos do código de processo penal, temos ainda a existência de vários dispositivos com características claramente inquisitoriais.
2 A IMPARCIALIDADE, NEUTRALIDADE E A DOUTRINA DA CONTAMINAÇÃO JUDICIAL
A jurisdição é um poder dever do estado e tem como característica ser una e indivisível. No entanto, é atribuída aos juízes, para uma melhor viabilidade e resolução dos conflitos sociais.
O juiz, por sua vez, não irá resolver todo caso que chegar até ele. Apesar de lhe ser atribuído o poder da jurisdição, essa é limitada conforme critérios de especialidades de varas e também através de divisão territorial.
Nesse contexto, o sistema jurídico brasileiro tem como princípio basilar do direito processual penal, o juiz natural, esse princípio tem por finalidade garantir a imparcialidade do juiz em relação às partes pertencentes ao processo.
Apesar de não estar expresso em nosso ordenamento, temos diversos dispositivos em nossa constituição que garantem sua existência mesmo que implicitamente. Como é o caso do inciso XXXVII, que prevê a não existência de juízo ou tribunal de exceção, temos ainda o inciso LIII, que prevê ainda que “ninguém será julgado nem sentenciado senão pela autoridade competente, ambos do artigo 5° da Constituição Federal”.
Em consonância com nossa Constituição temos a Convenção Americana de Direitos Humanos, com previsão no artigo 8°, nº 1 do decreto n° 678 de 1992, de que “toda pessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente em lei”.
Desse modo podemos perceber que não basta termos apenas um juiz pré estabelecido por lei, ele deve ainda possuir diversas outras características e a principal, base do nosso processo penal é a imparcialidade, a qual garante um processo mais justo e democrático.
Mas ocorre que em nosso ordenamento jurídico a imparcialidade é fulminada no momento em que o juiz do processo possui poderes que o permitem decretar medidas cautelares, como é o caso da prisão preventiva, e ainda demandar de ofício a produção de provas.
Essa sistemática é totalmente contrária ao que estabelece o sistema acusatório, possui sim características inquisitivas, as quais caracterizam o juiz como um ator no processo e não um terceiro alheio às vontades das partes, imparcial.
Nesse cenário podemos ver com maior clareza o que é tratado pela teoria da dissonância cognitiva, trabalho do jurista alemão Bernd Schunemann, trabalhada na doutrina brasileira por diversos doutrinadores como Aury Lopes Jr e pelo professor Luís Greco.
A teoria trata da reação, no processo penal, do juiz que atua tanto na esfera investigativa quanto na esfera processual, e na fase da investigação defere medidas cautelares e também demanda de ofício a produção probatória. ao tomar tais medidas com base nos elementos informativos da investigação, o juiz acaba se contaminando com esses elementos e criando um pré-juízo/ teoria, que posterior dificilmente irá contrariá los na fase processual, mas buscará elementos consonantes com seus atos anteriores.
Aury Lopes Jr trata muito bem a temática em sua obra, Direito Processual Penal, 17° ed. 2020:
Em linhas introdutórias, a teoria da “dissonância cognitiva”, desenvolvida na psicologia social, analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias, crenças ou opiniões antagônicas, incompatíveis, geradoras de uma situação desconfortável, bem como a forma de inserção de elementos de “consonância” (mudar uma das crenças ou as duas para torná-las compatíveis, desenvolver novas crenças ou pensamentos etc.) que reduzam a dissonância e, por consequência, a ansiedade e o estresse gerado. Pode-se afirmar que o indivíduo busca – como mecanismo de defesa do ego – encontrar um equilíbrio em seu sistema cognitivo, reduzindo o nível de contradição entre o seu conhecimento e a sua opinião. É um anseio por eliminação das contradições cognitivas, explica SCHÜNEMANN.
Desse modo, ao analisarmos o processo penal com ênfase na teoria da dissonância cognitiva desde a investigação até a sentença fica muito claro que um dos princípios basilares do direito processual penal, a imparcialidade, vem sendo ceifado juntamente com a vontade do constituinte, que optará pelo sistema processual acusatório.
Mas com o advento da lei 13.964 de 2019 que alterou o código de processo trazendo consigo a estrutura acusatória e a figura do juiz de garantias, com o objetivo claro de tornar o processo penal mais imparcial, justo e democrático, como proposto pela Constituição Federal de 1988.
3 O JUIZ DE GARANTIAS E A REFORMA PROCESSUAL PENAL
A constituição federal de 1988 veio após um período de ditadura militar, que vigorava o sistema com características inquisitórias, mas com sua promulgação criou-se um novo ordenamento mais justo e democrático. Desse modo podemos verificar que havia um contraste entre a constituição, que passara a ser democrática e garantista, e o que o nosso código de processo penal trazia do período anterior.
Surge então a necessidade de reformar o nosso código de processo penal brasileiro, alinhando-o ao proposto pela carta magna, o que de fato nunca aconteceu. Mas com o passar dos anos o código passou por diversas alterações, na tentativa de o alinhar aos mandamentos constitucionais.
Apesar das diversas alterações o código de processo penal brasileiro ainda possui em sua essência a característica enraizada do sistema inquisitivo.
Desse modo, para que tenhamos um código de processo penal que esteja em consonância com a constituição e livre de características inquisitórias é necessário um novo código, pois o atual mesmo com as diversas alterações continua com diversos dispositivos característicos do sistema inquisitivo.
Nesse contexto surge então o Projeto do Código de Processo Penal (PL 8045/2010), que tramita no Senado Federal desde 2010 e se origina do PLS 156, de 2009. Nesse projeto temos a figura do juiz de garantias.
Instituto já enraizado em diversos sistemas processuais penais pelo mundo, o juiz de garantias ganha força no Brasil com o PL 8045/2010, que deu origem a lei 13.964 de 2019, denominada por muitos de “pacote anticrime”.
Apesar de não ser novo código que tanto precisamos, a lei 13.964 trouxe também de forma expressa a opção pelo sistema acusatório, trazendo desse modo maior consonância com a Constituição Federal, como consta do artigo 3°-A, “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.
Desse modo passaremos a analisar mais detalhadamente a figura do juiz de garantias bem como sua relação com o sistema acusatório.
4 ATRIBUIÇÕES E LIMITES DO JUIZ DE GARANTIAS NA FASE INVESTIGATIVA
A Lei 13.964 de 2019 trouxe consigo um grande avanço pro processo penal brasileiro, ao mencionar expressamente a opção pelo sistema acusatório em seu artigo 3°-A e também pela inovação que é a figura do juiz das garantias. O qual será “responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do poder judiciário”, nos termos do artigo 3°-B.
O juiz das garantias não será o responsável pela investigação como é juiz da instrução, no antigo processo penal italiano, que possui características do sistema inquisitivo, no qual o juiz atua de ofício na produção probatória.
Não só na Itália, mas diversos outros países vêm ao longo do tempo substituindo a figura do juiz investigador por figuras parecidas ao juiz das garantias do processo penal brasileiro. É o que ocorreu com o código Português, Paraguaio, Chileno, Argentino e Colombiano, nos últimos tempos.
O juiz das garantias atuará durante a investigação somente quando demandado, seja pelo delegado de polícia, que é o responsável pelo inquérito policial, pelo Ministério Público ou ainda pela defesa. No atendimento aos casos em que ocorram as cláusulas de reserva de jurisdição, em observância à legalidade da investigação e ainda aos direitos individuais do investigado e da defesa.
Vejamos, então, nos termos da lei a figura do juiz das garantias e sua competência:
Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:
I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;
II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;
III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;
V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;
VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;
VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;
VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;
IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
XI - decidir sobre os requerimentos de:
a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;
XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;
XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;
XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;
XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;
XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;
XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
§ 1º O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência.
§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.
Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.
§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.
§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.
§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.
Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo.
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.
Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.
Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal.
O juiz das garantias recebe essa arquitetura com a finalidade clara de evitar o contato do juiz do processo com os elementos informativos colhidos no período da investigação. Fato esse que tornará o processo mais justo e ético, ao evitar o contato do juiz com tais elementos evitará também a formação dos pré-conceitos tratados pela teoria da dissonância cognitiva, o que tornará o juiz do processo mais imparcial.
E é trazer maior imparcialidade para o processo o objetivo principal do juiz de garantias, alinhando desse modo o processo penal à estrutura acusatória, elencada no artigo 3°- A da lei 13.964 de 2019, com o que já era objetivo do constituinte originário.
5 A (DES)NECESSIDADE DO JUIZ DE GARANTIAS COMO SOLUÇÃO DA CONTAMINAÇÃO JUDICIAL
A atuação do juiz do processo deve ocorrer de forma imparcial, tendo a inércia como uma de suas características, de modo que sua atuação ocorra quando demandado pelas partes, acusação e defesa, o que não acontece atualmente no processo penal brasileiro.
Os juízes que atuam nos processos penais brasileiros atualmente, têm contato com as causas a serem julgadas posteriormente desde a fase da investigação criminal, principalmente quando há necessidades relacionadas às reservas de jurisdição.
Quando o juiz atua nessas demandas, que ocorrem mesmo antes da formação do processo, ele acaba por fazer um juízo prévio em relação ao investigado, com base nas informações até ali coletadas pelo delegado de polícia, responsável pela investigação.
E como podemos verificar nos tópicos anteriores, quando tratamos da teoria da dissonância cognitiva e da contaminação do juiz com os elementos informativos coletados na fase investigatória, surge a partir daí a necessidade de um juiz para atender essas demandas da fase investigatória, o juiz das garantias.
Desse modo o juiz do processo, de forma inerte e imparcial, terá sua atuação voltada exclusivamente para análise e julgamento do que foi construído na fase processual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Devemos ressaltar ainda que o juiz das garantias sofreu uma alteração em seu projeto original sobre até onde se daria a atuação do juiz das garantias, com a alegação de que em muitos procedimentos investigatórios não ocorre a atuação do juiz.
Ocorre que no projeto do novo código de processo penal, a atuação do juiz das garantias se daria com o oferecimento da denúncia ou queixa, o que restaria ao juiz do processo a análise dos elementos informativos para recebimento ou não da denúncia ou queixa.
Nessa situação específica, da lei 13.964 de 2019, pacote anti crime, o legislador foi bastante eficiente ao estender a atuação do juiz das garantias até o recebimento da peça acusatória, evitando desse modo que o juiz do processo tenha contato com os elementos colhidos na fase de investigação, os quais poderiam gerar dúvidas em relação à imparcialidade do juiz.
6 CONCLUSÃO
Embora o advento da lei 13.964 de 2019 tenha trazido para o processo penal um grande avanço, o legislador pecou em alguns pontos como é o caso da vacatio legis de apenas 30 dias. A modificação da estrutura do processo penal passando a ter uma sistemática acusatória e ainda com a implementação do juiz das garantias sem sombra de dúvidas demanda um maior período para eficácia.
Não obstante reconheçamos a evolução necessária para o processo penal brasileiro, devemos também reconhecer tal falha na imposição da curta
vacatio legis e que essa foi uma das maiores críticas feitas por operadores do direito e estudiosos da área.
A lei 13.964 de 2019, uma das maiores modificações do código de processo penal brasileiro se não a maior, foi alvo de quatro ações diretas de inconstitucionalidades, com questionamentos a respeito da criação do juiz das garantias (ADIs 6.298, 6299, 6300 e 6305).
Mas como bem sabemos, essa mudança se faz necessária a fim de adequarmos o nosso ordenamento jurídico aos mandamentos constitucionais, alinhando-o ainda às normas internacionais de direitos humanos.
O juiz do processo deve ser uma figura inerte, devendo intervir somente quando demandado pelas partes, acusação e defesa. Dessa forma sanará as dúvidas que pairam sobre a imparcialidade do juiz e tornará o processo mais justo e democrático.
7 REFERÊNCIAS
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Liminar suspende implantação de juiz das garantias. Revista Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/fux-liminar-juiz-garantias-atereferendo.pdf> Acesso em: 03 de mar de 2020.
[1] Mestrando em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins e Escola Superior da Magistratura Tocantinense. Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Ciência Política e Teoria Geral do Estado no curso de Direito na Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Email: [email protected]
Graduando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, Diogo Coelho Pinheiro. Investigação preliminar criminal e o juiz de garantias: um instituto necessário? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58723/investigao-preliminar-criminal-e-o-juiz-de-garantias-um-instituto-necessrio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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