IGOR DE ANDRADE BARBOSA
(orientador)
RESUMO: A violência contra a mulher é uma temática de grande preocupação para sociedade, especialmente quando ela se faz tão presente mesmo com tantos dispositivos legais para prevenir e punir tal prática, voltando-se para este tema, o presente trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa cujo caminho metodológico foi de uma pesquisa bibliográfica e documental, apropriando-se de literatura disponível e das leis vigentes no Brasil acerca da problemática estudada. Objetivando compreender acerca da relação existente entre o paradigma da inferioridade feminina e a violência doméstica e como essa questão vem se mantendo presente no meio social em que se vive mesmo com tantos dispositivos legais que tratem sobre tal temática. Para isso, a pergunta norteadora do trabalho é: Apesar dos avanços da proteção da mulher, como é possível compreender a relação entre violência doméstica e o conceito de inferioridade feminina? Através dos estudos realizados, construiu-se um texto dividido em três partes, que traz à tona o fato de que as falhas de implementação da Lei Maria da Penha tornam, por vezes, impunes as práticas de violência contra a mulher o que consequentemente perpetua a visão de inferioridade feminina, mesmo que esta já não exista perante a lei, mas que se faça presente na sociedade devido à falta de efetividade desta mesma lei.
PALAVRAS-CHAVE: Lei Maria da Penha; Violência Doméstica; Pandemia; Opressão de Gênero.
ABSTRACT: Violence against women is a topic of great concern for society, especially when it is so present even with so many legal provisions to prevent and punish such practice, turning to this theme, the present work is a qualitative research whose methodological path was a bibliographic and documental research, appropriating available literature and the laws in force in Brazil about the problem studied. Aiming to understand about the relationship between the paradigm of female inferiority and domestic violence and how this issue has remained present in the social environment in which we live even with so many legal provisions that deal with this issue. For this, the guiding question of the work is: Despite advances in the protection of women, how is it possible to understand the relationship between domestic violence and the concept of female inferiority? Through the studies carried out, a text divided into three parts was built, which brings to light the fact that the failures in the implementation of the Maria da Penha Law sometimes make the practices of violence against women go unpunished, which consequently perpetuates the vision of female inferiority, even if it no longer exists before the law, but is present in society due to the lack of effectiveness of this same law.
KEYWORDS: Maria da Penha Law; Domestic violence; Pandemic; Gender Oppression.
INTRODUÇÃO
A sociedade tem evoluído muito no decorrer dos anos, abrindo mão de práticas e conceitos que outrora inferiorizavam grupos, dentre estes grupos está o grupo feminino, composto pelas mulheres, aquelas que carregam consigo o gênero feminino.
Por diversos séculos, a mulher foi vista como mera reprodutora, ou como mera cuidadora de casa e papéis sempre secundários perante a sociedade, o que influenciou na maneira como se aceitavam as relações sociais entre os homens e as mulheres. Dentre essas relações, por vezes, as agressões e violência contra as mulheres eram tidas como normais, uma vez que a mulher era inferior ao homem, mas com o decorrer do tempo esta situação deixou de ser aceita e caminha para uma superação eficaz de uma prática tão antiga.
Tomando como pauta tal situação é que se propõe a pesquisa apresentada que é guiada pelo questionamento: Apesar dos avanços da proteção da mulher, como é possível compreender a relação entre violência doméstica e o conceito de inferioridade feminina?
O trabalho de pesquisa tomou como caminho metodológico de uma pesquisa qualitativa considerando o que é apresentado por Oliveira (2008) que esclarece que o pesquisador deste tipo de pesquisa interpreta o mundo real, buscando pesquisa sobre vivências dos seres humanos. Além disso, o trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental que baseia-se na revisão de literatura disponível e de documentos, documentos neste caso, voltando-se para as leis regentes do Brasil no que se refere à temática estudada.
Assim, é preciso reconhecer ainda que o trabalho em questão objetiva compreender acerca da relação existente entre o paradigma da inferioridade feminina e a violência doméstica e como essa questão vem se mantendo presente no meio social em que se vive mesmo com tantos dispositivos legais que tratem sobre tal temática.
O trabalho está organizado em três tópicos principais: o primeiro para tratar acerca de um apanhado histórico sobre a invisibilidade da mulher perante a sociedade e como a Constituição Federal e a Lei Maria da Penha são marcos frente a tal problemática; o segundo visando discutir acerca do processo de dominação e opressão do gênero masculino sobre o feminino e como tal situação evidenciou-se na pandemia através do aumento da violência contra as mulheres; e o terceiro tecendo análises críticas a respeito de como a Lei Maria da Penha passa por desafios para ter uma implementação eficaz.
1.O PARADIGMA DA INFERIORIDADE FEMININA E A LEI MARIA DA PENHA
Os atos abusivos contra as mulheres passaram a ser reconhecidos como formas de violação dos direitos humanos. Estes se fazem cada vez mais presentes no cotidiano, gerando diversos danos às mulheres, sejam danos psicológicos, físicos ou até mesmo a morte.
Ocorre que quando o tema é pauta em uma discussão, é de extrema essencialidade compreender a trajetória histórica, visto que por muito tempo a mulher foi concebida socialmente como inferior aos homens diante a gênese de patriarcado e por isso, tais atos abusivos foram normalizados perante a sociedade.
Sabe-se que a dominação do homem sobre a mulher se faz presente desde os primórdios, mas o período de maior evidência foi durante o Período Neolítico, quando o homem se autodeterminou “fertilizador” das mulheres e atribuiu a si mesmo superioridade física e ideológica, oprimindo a mulher a partir do controle de sua sexualidade e de sua fecundidade.
Com o decorrer do tempo, o cenário não mudou muito, na verdade, as mulheres casadas, por exemplo, quando busca-se historicamente eram impedidas de exercer determinados direitos, sendo praticamente invisibilizadas socialmente, lê-se no Código Civil de 1916:
Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer: I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156). II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal. III. Os pródigos. IV. Os silvícolas. (grifo nosso)
Realizando análise deste mesmo Código, observa-se que o marido ainda era reconhecido como o chefe da sociedade conjugal e visto como o único que poderia realizar a representação legal da família, desde a mudança ou fixação de endereço familiar, administração de seus bens ou mesmo da esposa, sendo esta dependente de permissão do esposo para trabalhar e até viajar.
A questão em pauta demonstra claramente a respeito de como a mulher sempre esteve em uma posição inferiorizada perante aos homens, não podendo sequer exercer seus direitos e ações sem a devida permissão do esposo, uma vez que estivesse casada.
A história da mulher no Direito, ou, o lugar dado pelo Direito à mulher, sempre foi um não-lugar. Na realidade, a presença da mulher é a história de uma ausência, pois ela sempre existiu subordinada ao marido, ao pai, sem voz e marcada pelo regime da incapacidade jurídica (PEREIRA, 1999, p. 4)
Reconhecendo esse apagamento da mulher perante a sociedade é que Simone de Beauvoir trata acerca do estabelecimento da hierarquia dos sexos:
Quando duas categorias humanas se acham em presença, cada uma delas quer impor a outra sua soberania; quando ambas estão em estado de sustentar a reivindicação, cria-se entre elas, seja na hostilidade, seja na amizade, sempre na tensão, uma relação de reciprocidade. Se uma das duas é privilegiada, ela domina a outra e tudo faz para mantê-la na opressão. (BEAUVIOR, 1986, p.81).
Ficando evidente a partir dos autores apresentados e através do contexto histórico que a mulher sempre passou por uma situação não recíproca no que tange ao exercício de direitos, de forma que o homem, por sempre desfrutar de seus direitos acabou estabilizando uma prática de dominação e consequentemente de opressão à mulher, gerando espaço para a prática de atos abusivos contra a mulher e a violação dos direitos humanos.
Todavia, a questão de opressão e aceitação à tal sistema não se manteve por muito tempo, e já foi questionada logo após se estabelecer, a Revolução Francesa é reconhecida como uma das épocas de referência deste movimento, sendo a França conhecida como um dos berços do Feminismo.
No século 70, surgiu o “feminismo” como um movimento estruturado com o escopo de denunciar a experiência masculina que é privilegiada, enquanto a feminina é negligenciada, sendo este movimento feminista o marco inicial da luta em busca de direitos e lugares iguais aos dos homens.
A pretensão feminina em conquistar a independência econômica, de seus corpos e atos, causou insegurança na figura masculina, acarretando dificuldades em aceitar a igualdade perante os sexos, e como meio de defesa este apela para o lado brutal, a violência.
De acordo ainda com Pereira (1999), o filósofo italiano Norberto Bobbio comenta sobre como a revolução da mulher, ocorrida no século XX, foi a mais importante e ainda complementa dizendo que até então a mulher preenchia apenas o espaço doméstico, sendo este lugar para qual era destinada, evidentemente uma prática efetiva de inferiorização, perpetuando a mulher abaixo do homem.
A partir daí a feminilidade e a sexualidade feminina começaram então a ser vistas independentemente do espaço doméstico. A ausência histórica da mulher no espaço público tinha, por outro lado, uma produção silenciosa das possibilidades desejantes e da subjetividade (PEREIRA, 1999, p. 9).
É de suma importância citar a Carta Magna brasileira, aprovada no século XX, respectiva Constituição Federal, destacando o 5º artigo que estabelece a igualdade entre todos os cidadãos, não estando a mulher distante dessa garantia igualitária, pelo contrário, o texto expõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e garante a todos “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, mais adiante no texto, a Constituição Federal ressalta e esclarece “I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988), extinguindo de vez a possibilidade de superioridade e inferioridade que têm sido perpetuada perante os gêneros.
Outro grande ato do processo revolucionário das mulheres é a Lei Maria da Penha, que abrange questões jurídicas relacionadas a agressões sofridas por mulheres no Brasil e ocupa o espaço de dispositivo legal referência de combate à violência contra a mulher.
A Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, é o dispositivo legal com o objetivo é coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em consonância com o que prevê a Constituição Federal, os tratados e convenções assinadas pelo Brasil, em seu texto, a Lei apresenta-se:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
O nome da legislação é uma "homenagem" à Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica durante 23 anos de casamento. O autor do crime, seu marido, tentou assassiná-la por duas vezes: a primeira vez, com uma arma, resultando a vítima uma paraplegia. A segunda, eletrocussão e afogamento, que foi onde fez que com que a vítima tomasse coragem e apresentasse a denúncia.
A situação de violência contra Maria da Penha por parte de seu marido e ainda pior, o desamparo ocorrido juridicamente pelo Estado chamou a atenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que chegou a encaminhar um relatório às autoridades brasileiras e tecendo as seguintes recomendações presentes no Relatório N° 54/01 - Caso 12.051 - Maria da Penha Maia Fernandes.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado Brasileiro as seguintes recomendações:
1. Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável da agressão e tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Fernandes Maia.
2. Proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do responsável, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes.
3. Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil.
4. Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda particularmente o seguinte:
a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica;
b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo;
c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera;
d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais.
e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares.
A própria ação tardia e favorável à impunidade desse caso demonstra como a mulher passou e ainda passa pelo processo de desrespeito e inferiorização, sendo a aprovação dessa lei um marco significativo para o combate à violência contra a mulher, isto se dá, pois como expõe-se:
A Lei Maria da Penha marca o início de um novo tempo, pois essa norma jurídica transformou os casos envolvendo mulheres vítimas de violência, uma vez que antes eram tratados pelo direito penal como irrelevantes, pois se enquadravam em crimes de menor potencial ofensivo. Para a mesma autora, esse marco caracteriza uma mudança de um tempo onde as mulheres eram oprimidas por toda a ordem de violência para, a partir dessa lei, recuperar sua dignidade, por meio da conquista do respeito e consideração pelos operadores jurídicos. (CÔRREA, 2010).
Sendo assim, a minimização da violência contra a mulher era o que fornecia impunidade para os agressores, inibindo denúncias e/ou práticas de combate aos atos abusivos realizados pelos homens, efetivando a lei como uma evolução e grande ganho no processo de proteção às mulheres.
Recentemente mais um passo foi dado em defesa da mulher, quando a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça - STJ votou e aprovou a legitimidade da aplicação da lei 11.340/06 para uma mulher trans agredida pelo pai no ambiente doméstico, o que vai de encontro aos avanços de defesa da mulher, seja cisgênero ou trans.
No que se lê na plataforma do Superior Tribunal de Justiça - STJ, o relator do caso fez questão de mencionar a importância de reconhecer as relações humanas como complexas e entender como deve-se deixar de considerar discursos considerados rasos, simplistas e reducionistas a fim de não deixar desamparadas as minorias. Entendeu-se e ressaltou-se ainda que sexo biológico e identidade de gênero eram questões diferentes, mas que a identidade de gênero já era razão para o sofrimento de opressão por parte do pátrio poder, o que validava o direito da vítima e uso da Lei Maria da Penha em seu favor. (STJ, 2022)
2.A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E O IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19 EM SUA INCIDÊNCIA
A Lei Maria da Penha é de grande importância, ao fazer a leitura de seu texto é preciso reconhecer que seu art. 5º define que violência doméstica e familiar contra a mulher é a ação ou o ato omisso que se baseio no gênero e que pode causar qualquer tipo de prejuízo à vítima, na íntegra do artigo é possível ler:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Com base nisso é que a pandemia tornou-se um momento de grande atenção para a problemática da violência contra a mulher, afinal, foi nessa fase que nitidamente houve um aumento significativo no número de casos de violência contra a mulher.
De acordo com dados apresentados por Miranda e Preuss em sua pesquisa realizada em 2020, as situações de violência e solicitação de proteção às mulheres subiram desde o decreto da pandemia ocasionada pela Covid-19 em cerca de 25% na Argentina, 30% na França, além de grande aumento em países como a Inglaterra, o Canadá, os Estados Unidos e a Alemanha. (MIRANDA; PREUSS, 2020).
Os autores comentam ainda que no Brasil até o momento da pesquisa, feita no início do período pandêmico, os números já representavam um aumento, mas ainda sem estatísticas suficientes para um levantamento mais consistente (MIRANDA; PREUSS, 2020).
A pesquisa de Sousa, Santos e Antonietti (2021), por sua vez faz um levantamento acerca das pesquisas sobre a temática da violência contra a mulher na pandemia, os dados apresentados são ainda mais alarmantes, como se apresenta abaixo:
Marques et.al6 apontou em seu estudo dados nacionais e no Rio de Janeiro, o Ministério Público Estadual revelou um aumento de 50% nos casos de violência doméstica, no primeiro final de semana após decreto do governo estadual recomendando o distanciamento da social, a maior parte dos boletins ocorrência que envolveram a violência contra a mulher. Do mesmo modo, no Paraná, que obteve um aumento de 15% nos registros de violência doméstica atendidos pela Polícia Militar no primeiro final de semana de distanciamento social. Situações semelhantes são reportadas no Ceará, Pernambuco e São Paulo. Nessa mesma linha de argumentação o autor Santos et.al evidenciou, em São Paulo, o aumento dos crimes por feminicídios chegou a 46% na comparação entre março de 2020 e março de 2019, tendo duplicado na primeira quinzena de abril. No Acre, o crescimento foi de 300%, no Maranhão, a variação foi de 166,7%, e no Mato Grosso o aumento foi de 150%. Apenas três estados registraram redução no número de feminicídios: Espírito Santo (-50%), Rio de Janeiro (-55,6%) e Minas Gerais (SOUSA; SANTOS; ANTONIETTI, 2021, p. 57-58)
Dados gerais apresentados pelas autoras ainda comentam que a taxa de feminicídio entre março e abril de 2020 cresceu 22,2% quando comparado a este mesmo período no ano de 2019. São dados extremamente preocupantes e que reiteram novamente a dominação de gênero existente a ponto de que em um fim de semana de isolamento social ocorra tamanha elevação nos números de casos de violência contra a mulher no âmbito doméstico.
Na pesquisa de Marques et al (2020), este expõe o aumento de 17% de ligações com denúncias de violência contra a mulher no mês de março de 2020, de acordo com dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MARQUES et al, 2020).
Observando os dados estatísticos será possível ver algumas contradições numéricas de pesquisa para pesquisa, todavia, a interpretação básica é simples: o aumento é claro e durante a pandemia as mulheres ficaram ainda mais expostas ao risco de violência, especialmente por estarem isoladas dentro de casa com seus maridos, pais ou outros familiares do gênero masculino.
Esta situação evidencia claramente as situações de dominação e opressão que se fazem presentes nos discursos feministas de luta pelos direitos e proteção da mulher. A pesquisa de Miranda e Preuss (2020) apresenta ainda uma estimativa realizada pela Organização das Nações Unidas - ONU comenta que a projeção era que apenas 40% das vítimas denunciassem as violências vivenciadas.
Esta situação direciona para discussões teóricas acerca da ação de dominação e opressão do homem sobre a mulher, por exemplo, quando Chauí (1985) pontua a respeito da violência perfeita esclarecendo que:
[...] A violência perfeita é aquela que obtém a interiorização da vontade e da ação alheias pela vontade e pela ação da parte dominada, de modo a fazer com que a perda da autonomia não seja percebida, nem reconhecida, mas submersa numa heteronímia que não se percebe como tal. Em outros termos a violência perfeita é aquela que resulta em alienação, identificação da vontade e da ação de alguém e a ação contraria que a dominam [...] (CHAUÍ et al., 1985, p. 35).
A afirmação em questão vai de encontro a preceitos comentados por Simone de Beauvoir que pontua também sobre uma questão de cumplicidade, consequência da dominação do homem sobre a mulher, ou seja, uma cumplicidade prejudicial à mulher, consequência de seu processo de opressão e fruto de uma dominação que ocorre há um tempo considerável sobre ela, a autora expõe a questão frisando:
Pondo-se como soberano ele encontra a cumplicidade da própria mulher, porque ela é também um existente, ela é habitada pela transcendência e seu projeto não está na repetição e sim na sua superação em vista de um futuro diferente; ela acha no fundo de seu ser a confirmação das pretensões masculinas. Associa-se aos homens nas festas que celebram os êxitos e as vitórias dos machos. Sua desgraça consiste em ter sido biologicamente votada a repetir a Vida, quando a seus próprios olhos a Vida não apresenta em si suas razões de ser e essas razões são mais importantes do que a própria vida. (BEAUVIOR, 1986, p.85).
Beauvior expressa sobre como o processo de vida da mulher se torna tão apagado que a vitória da figura masculina torna-se um motivo para a celebração por parte da mulher, tudo isso resultado de uma construção social do próprio conceito feminino do que é feminino.
Há pensadoras que vão por outra perspectiva, desconsiderando a questão da cumplicidade, Rodrigues e Araújo ao tratarem sobre as perspectivas de Saffioti comentam que:
[...] ao contrário de Marilena Chauí, a perspectiva de Saffioti rejeita a ideia de que as mulheres sejam “cúmplices” da violência. Embora as conceba como “vítimas”, a autora as define como “sujeito” dentro de uma relação desigual de poder com os homens. Ou seja, as mulheres se submetem á violência não porque “consintam”: elas são forçadas a “ceder” porque não têm poder suficiente para consentir (RODRIGUES; ARAÚJO, 2016, p. 8).
Por cumplicidade ou não, o que fica evidente é que o paradigma de inferioridade que outrora fora relacionado à mulher, segue ainda reverberando na sociedade, de maneira que as mulheres são silenciadas, agredidas e abusadas por homens, e por vezes sentem-se tão invalidadas ao ponto de não acreditarem ter o direito ou o poder de denunciarem tais abusos.
E como já demonstrado, a pandemia é vista como um grande fator de influência e aumento para essa situação, visto que já no mês de março (mês de decreto do isolamento social) os casos e denúncias de violência doméstica foram ampliados exponencialmente. A situação foi tão preocupante que foi necessário que mais um dispositivo legal fosse aprovado a fim de respaldar e proteger as mulheres mesmo durante a pandemia.
Trata-se da Lei de nº 14.022, de 07 de Julho de 2020 (BRASIL, 2020b) que foi realizada a fim de alterar alguns pontos da Lei de nº 13.979 de 05 de Fevereiro de 2020 (BRASIL, 2020a), sendo esta última a lei de medidas que deveriam ser adotadas frente às necessidades de enfrentamento da situação emergencial de saúde pública ocasionada pelo novo coronavírus. No artigo inicial a lei apresenta-se:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019 (BRASIL, 2020b)
É preciso mencionar que lei nº 14.022, cujo trecho foi apresentado, nasceu de uma urgência e calamidade tão alarmante frente à violência contra a mulher, havendo necessidade em especificar as situações de risco corridas pela mulher através de uma norma jurídica de como deveriam ocorrer às ações de proteção e intervenção, uma vez que houvessem denúncias de violência contra a mulher e também às crianças e idosos.
A necessidade de uma lei tão específica a fim de lidar com tal problemática de uma taxa de agressão devido ao isolamento social, deveria ser reconhecido como um dado extremamente preocupante, e de fato é, todavia é preciso relembrar que não chega a ser surpreendente quando se analisa os dados do Brasil frente ao enfrentamento à violência contra a mulher ou mesmo as taxas de feminicídio.
3.ANÁLISE CRÍTICA DA LEGISLAÇÃO PROTETIVA À MULHER E A QUESTÃO DA IMPUNIDADE NOS CRIMES DE GÊNERO
Na construção da contextualização histórica dessa pesquisa, observou-se que aquela que carrega o nome de lei que protege as mulheres da violência, Maria da Penha, tem sua historicidade pautada em opressão, dominação de gênero e especialmente, impunidade.
Essa informação é impactante, todavia, o que deve gerar ainda mais impacto é o fato de que apesar da legislação brasileira supracitada ser voltada para tal crime, ainda assim, há taxas alarmantes de violência contra a mulher e até feminicídio, esta informação é apresentada na pesquisa de Santos et al (2019) que pontua:
Segundo relatório do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEVUSP, 2018), em 2017 em média 12 mulheres foram assassinadas por dia no Brasil, um dado alarmante que representa um aumento de 6,5% dos casos em relação a 2016. Com um total de 4.473 homicídios dolosos, sendo 946 casos de feminicídio, ou seja, uma taxa de 4,3 mortes por 100 mil pessoas do sexo feminino, fazendo o Brasil ocupar o 7° lugar dentre os países mais violentos do mundo, dentre 87 nações, em relatório da organização Mundial de Saúde (OMS) (SANTOS et al, 2019, p. 98)
Enquanto Soares, Charles e Cerqueira (2019, p. 2) comentam que:
No Brasil o número de registros nos últimos anos coloca o país em quinto lugar no ranking composta por 83 nações de crimes contra a mulher, ainda que o país seja considerado referência em leis voltadas ao combate à violência contra a mulher.
Dessa forma, fica evidente que legislação de combate aos atos abusivos contra as mulheres não faltam, pelo contrário, os dispositivos legais existem e ainda são referências nesta luta, todavia, a prática e aplicabilidade da lei é o desafio que ainda permite que mulheres continuem correndo riscos contra sua integridade física, psicológica, patrimonial e até de vida.
É preciso reconhecer que a impunidade é uma preocupação que impede que haja a ação eficaz da garantia de direitos e respeito às leis, afinal, se um indivíduo não é punido, cria-se inibição às denúncias. Por esse motivo e devido ao processo de domínio patriarcal, observa-se que as mulheres por vezes acabam se submetendo ao esposo e suas agressões, mesmo estando em risco, essa questão fica evidente quando fazemos a leitura:
Na maioria dos casos de violência doméstica, as mulheres em seus relatos falavam da dificuldade de sair da situação de violência, do medo das mudanças, do sentimento de não saber o que pode ser melhor para os filhos. E o velho ditado permeia sempre o discurso “ruim com ele, pior sem ele”. Toda essa violência contra a mulher no Rio Grande do Sul revela que também no Estado, assim como em tantos outros Estados e países, a mulher ainda sofre a influência do modelo patriarcal, transgeracional e de uma cultura sexista. (GERHARD, 2014, p. 136)
Tais situações corroboram com o que já foi mencionado anteriormente quando se tratou acerca dos pensamentos de Beauvior (1986) e Chauí (1985) a respeito de uma certa cumplicidade entre a esposa e o marido, apesar das agressões, mas é válido também que não se dispense o que pontua Rodrigues e Araújo (2016) quando tratam acerca dos pensamentos de Saffioti, quando comentam que não se trata necessariamente de uma cumplicidade, mas sim de uma impotência frente à situação vivenciada.
Entretanto, é preciso reconhecer que não apenas a falta de denúncias é o que garante a impunidade nesses casos, há de fato situações em que outros fatores são tidos como cruciais para a perpetuação de uma prática impune de violência, enfraquecendo a proteção das mulheres e de seus direitos.
Balz (2015) discute a respeito das ações de medida protetiva à mulher, uma vez que se constata o risco que a mulher está correndo, seja por ameaça ou pela agressão propriamente dita. São muitas as possibilidades de medidas protetivas, dentre elas, a prisão preventiva que é uma das mais conhecidas.
A autora comenta a respeito dos três eixos de intervenção no que se refere às medidas e ações de proteção embasadas na Lei Maria da Penha que são: punição, quando há aplicação de penas; proteção e assistência, que se refere às medidas que buscam proteger a vítima do agressor; e por fim, a prevenção que se refere às políticas que buscam prevenir a violência (BALZ, 2015).
A respeito das ações de proteção e prevenção, recorre-se ao art. 22 da Lei Maria da Penha que expõe:
Art. 22: constatada a prática de violência domestica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – suspensão da posse restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) Aproximação da ofendida, de seus familiares e testemunhas, fixa o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) Contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) Frequentarão de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios:
§1º: As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstancias o exigirem, devendo a providencia ser comunicado ao Ministério Público.
§2º: na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e inciso do art.6º da Lei nº10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicara aos órgãos, corporações ou instituições as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de arma, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, o auxilio da força policial.
§4º aplica-se as hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei 5,869, de 11 de janeiro de 1973 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2006).
Fica evidente perante a lei que é de interesse do Estado brasileiro que as mulheres tenham direito ao respeito e sua integridade mantida, todavia, é preciso questionar se há também a aplicabilidade a fim de que esse interesse seja efetivado de maneira eficaz.
Para iniciar, pode-se recorrer ao fato de que quando se refere à violência moral, patrimonial e até psicológica, torna-se difícil de realizar a produção de provas que se fazem necessárias para efetivar a medida exposta no inciso I, por exemplo (HERMANN, 2008).
Por vezes, outra questão que pode ser levantada é o ato de remeter expedientes para os juízes, o que levanta o questionamento de tempo e viabilidade, afinal, cidades do interior nem sempre contam com um juiz presente, e quando há, quanto tempo leva até que seja expedido um parecer por parte do magistrado? Por diversas vezes, o tempo é fator decisivo na corrida de proteção às mulheres.
Autores como Pacheco (2015) e mesmo Campos (2008) comentam acerca dessa temática, dentre estes posicionamentos é possível observar o relato dos desafios voltados para a fiscalização a respeito do afastamento do agressor em relação à vítima não é feita de forma eficaz, havendo até casos de coerção para a retirada das denúncias feitas por parte da vítima, bem como quanto à aplicação das medidas protetivas, mencionando que não há aplicabilidade das medidas integralmente (CAMPOS, 2008) (PACHECO, 2015).
A pesquisa de Campos (2015) trata a respeito dos desafios inerentes à implantação da Lei Maria da Penha na prática, por exemplo, a autora comenta que a Lei enquanto dispositivo legal é de grande importância, todavia, encontra desafios muito específicos para uma aplicabilidade qualitativa.
Comenta-se sobre um inquérito já realizado entre os anos de 2012 e 2013, ou seja, há quase 10 anos, e explicita-se que o relatório final de tal Inquérito aponta para situações como "falta de prioridade política no enfrentamento à violência contra as mulheres", "maiores dificuldades enfrentadas por grupos de mulheres mais vulneráveis, tais como negras quilombolas, ribeirinhas, indígenas", "pouca articulação da rede especializada", "um possível esgotamento de alguma dessas políticas públicas" (CAMPOS, 2015, p.392).
A autora reitera em outro momento da pesquisa que a ausência de determinados serviços é o que contradiz a afirmação de que há interesse em proteger as mulheres e seus direitos, e ainda retifica a fala que faz a respeito de esgotamento de políticas públicas mencionando que "pois não pode haver esgotamento de uma política se sequer ela existiu plenamente", sendo assim, esta fala leva a refletir se a Lei Maria da Penha foi de fato implementada junto aos serviços que se fazem necessários para que haja sua efetivação.
A partir disso, o que se pode observar é que a legislação protetiva brasileira no que se refere à defesa da mulher é muito bem construída e elaborada, sendo até mesmo uma referência para os outros países, todavia, é de fato interessante voltar-se para o fato de que ainda assim o Brasil se encontra posicionado entre um dos primeiros quando o assunto é feminicídio e até violência contra a mulher.
Essa situação demonstra que apesar do desenvolvimento de dispositivos legais bem estruturados, o Brasil perde em aplicação e fiscalização das leis que aprova, de maneira que as regulamentações de diversos crimes e de diversas práticas preventivas terão baixo valor no que se refere aos seus resultados efetivos.
Não suficiente, ainda se lida com a cultura machista e opressora que por vezes silencia as mulheres, construindo-as como incapazes e impotentes perante diversas situações, o que somado à ineficácia da aplicação de dispositivos legais já mencionadas produz diversos casos de impunidade, morte, agressão e constante risco para as mulheres brasileiras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no que foi exposto no texto foi possível observar em um primeiro momento a respeito da jornada da mulher enquanto indivíduo detentor de direitos e como a história revela o processo de inferiorização da mesma perante o sexo masculino, o que validou por diversos momentos a violência e opressão sofrida pelas mulheres, até que passam-se os anos e a Constituição Federal e também a Lei Maria da Penha surgem como dispositivos de lei que são base para o combate e violência sofrido e socialmente validado pelas mulheres até então.
Ainda no decorrer da pesquisa apresentada, foi possível observar um pouco mais a respeito da relação de gênero existente e como há uma construção social que inferioriza a mulher a ponto de que ela torne-se cúmplice do homem, mesmo que essa cumplicidade represente por vezes, um ataque contra si mesma. Tratando a respeito disso é que comentou-se a respeito de como a dominação do homem sobre a mulher é tão evidente que durante o isolamento social ocasionado pela pandemia da Covid-19, mesmo no primeiro mês, os casos de violência contra a mulher e até mesmo feminicídio cresceram consideravelmente, conforme os dados apresentados, a ponto de novos dispositivos de lei que buscassem proteger a mulher em meio a pandemia fossem propostos.
Questões como essas caminham para a reflexão de uma análise crítica a respeito da efetividade da Lei Maria da Penha, assim como foi feito, e observou-se que diversos desafios no que se refere à aplicabilidade da lei, de modo que pode-se até mesmo haver um questionamento acerca da efetivação deste dispositivo legal quanto aos serviços necessários para a garantia da proteção da mulher no Brasil. Ficando evidente que não faltam dispositivos legais para a defesa da mulher, pelo contrário, faltam recursos e meios para a efetivação de tais dispositivos.
Sendo assim, acredita-se que a inferiorização feminina segue ocorrendo através de opressões e domínios masculinos que vêm se perpetuando através da implementação ineficaz da Lei Maria da Penha, o que garante impunidade para os agressores e riscos para as agredidas. Em teoria, a mulher não é mais inferior como outrora foi taxada, e mesmo perante a lei essa inferioridade foi extinguida, todavia, perante a prática judicial e a proteção efetiva da mulher, a inferiorização segue ocorrendo e abrindo espaço para a violência doméstica.
Tendo visto o que foi exposto, acredita-se que a pesquisa apresentada alcançou seu objetivo, uma vez que trouxe à tona a compreensão de que através da ineficácia das ações e falhas de implementação Lei da Maria da Penha é que se perpetua a violência doméstica que pauta-se no conceito de inferioridade feminina, conceito este inexistente perante lei, porém que tem sido mantido pela insuficiência de ações de proteção às mulheres apesar da legislação existente.
Ficando respondida a pergunta que norteia este estudo, o conceito de inferioridade feminina é o que abre precedentes para a violência doméstica, de modo que, as falhas para a prevenção e punição de tal prática é o que mantém esse conceito em vigor.
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