CARINE RAMOS PEREIRA LAGE DE OLIVEIRA[1]
(coautora)
LUCAS CAMPOS DE ANDRADE SILVA
(orientador)
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar o Instituto do Patrimônio Digital e destacar a necessidade de regulamentação legal desse tema no ordenamento jurídico brasileiro, visto que a Internet e a sociedade estão cada vez mais entrelaçadas. O objetivo é entender as possíveis consequências e implicações e investigar a possibilidade de penhora das moedas virtuais. Para realizar este estudo, foi realizado uma pesquisa bibliográfica nas principais obras relacionadas ao processo de execução. Em relação ao conceito de criptomoeda, são necessárias pesquisas com foco em vários livros e artigos reconhecidos na área para compreendê-lo. Em seguida, foi realizada a análise da possibilidade de penhora aqueles que utilizam e possui carteira com ativos digitais.
Palavras- Chave: Criptomoedas, Exchenges, Moeda Digital, Penhora, Processo de Execução.
Abstract: This work aims to analyze the Institute of Digital Heritage and highlight the need for legal regulation of this topic in the Brazilian legal system, since the Internet and society are increasingly intertwined. The objective is to understand the possible consequences and implications and investigate the possibility of pawning virtual currencies. To carry out this study, a bibliographic research was carried out in the main works related to the execution process. Regarding the concept of cryptocurrency, research focusing on several recognized books and articles in the area is needed to understand it. Then, the analysis of the possibility of attachment of those who use and have a portfolio with digital assets was carried out.
Keywords: Cryptocurrencies, Exchenges, Digital Currency, Pledge, Execution Process.
As novas tecnologias, principalmente as criptomoedas e outras moedas digitais, estão se tornando parte da consciência pública e têm tudo para crescer, principalmente nos mercados emergentes, o que trouxe grande curiosidade sobre o direito, principalmente o Direito Privado. (TARTUCE, 2018) Fica claro que a regulamentação legal em matéria de Bens Digitais necessita de uma atualização, pois o direito processual com suas regras e procedimentos também passou por uma atualização para atender a uma nova realidade do código da era digital, em consonância com o Código de Processo Civil, atualizado em 2015, propiciando maior segurança jurídica a quem navega na rede.
Em busca de uma resposta mais precisa às dúvidas da sociedade, a jurisprudência ganhou um novo ramo denominado Direito Digital, que visa estudar o direito nos avanços tecnológicos, pois não poderia ser de outra forma, o legado do direito não escapa dessa influência, o que gerou intensos debates sobre a transmissão do chamado patrimônio digital.
À medida que a tecnologia avança, as transações digitais estão se tornando mais comuns devido à facilidade de uso e praticidade. O dinheiro digital tem sido amplamente utilizado desde o surgimento contemporâneo das criptomoedas, e a primeira moeda digital a ser concebida foi o Bitcoin, criado por Satoshi Nakamoto em 2008. (EDERLI, PALMA, BERTONCELLO, 2021) Foi a porta de entrada para este novo modelo de dinheiro digital, por meio de sua forte segurança e proteção fornecida pela infraestrutura de uma nova tecnologia de segurança denominada Blockchain. (FOXBIT, 2019, ).
A criptomoeda é um dinheiro que, diferentemente dos outros, é totalmente digital, além de ser independente e descentralizada, ou seja, não tem influência do governo e de bancos físicos ou digitais. Funciona como um sistema monetário baseado em um dinheiro sólido, internacional e apolítico, seja na forma de Bitcoin ou de um sistema de ouro privado, seria um sistema genuinamente capitalista, um sistema que facilitaria as transações livres e voluntárias entre indivíduos e empresas dentro e além das fronteiras, um sistema estável e fora do controle de políticos. (GIBRAN, 2017, ).
As pessoas acumulam bens durante toda a vida, nos últimos tempos é evidente o aumento da aquisição de bens no ambiente virtual. Cada vez mais, as mudanças sociais ocorrem em prazos mais curtos e a adaptação deve ser rápida o suficiente para acompanhá-las. Os modelos de negócios e as relações interpessoais e de trabalho estão mudando, mas para o Direito é impossível acompanhar tantas mudanças. Portanto, na medida do possível, é necessário realizar um exercício hermenêutico, usando uma abordagem integrada de analogia e interpretação sistemática, principalmente no âmbito do Direito Digital.
Pois com o crescente uso da Internet e as grandes oportunidades que ela oferece no ambiente virtual, se torna necessário analisar a situação de uma possível carteira digital com criptoativos e seu impacto no mundo do Direito, o presente estudo tem como arcabouço tratar de forma clara e objetiva a relação jurídica dessas novas moedas com a possibilidade de penhora.
2 A EXCHANGE
Exchange é uma palavra em inglês que significa intercâmbio, troca, permuta, câmbio, ou seja, uma exchange é uma corretora de criptoativos, mas diferentemente das casas de câmbio tradicionais ela é uma plataforma eletrônica que só existe no ambiente digital, e visa facilitar a compra, a venda e a troca de moedas digitais e tokens. (CHAVES, 2021,)
Essas empresas trabalham ligando compradores e vendedores, objetivando garantir uma transação prática e segura. Para que se possa começar a comprar ou vender, é necessário preencher um cadastro e, em alguns casos, enviar alguns documentos solicitados, visando assim um ambiente seguro para que sejam realizadas tais transações. (CHAVES, 2021)
É importante frisar a importância dessas exchanges, haja visto que não existe nenhum impedimento entre a troca direta de criptomoedas, ou seja, a venda de um criptoativo de um indivíduo para outro, já que toda transação pode ser feita pela internet. Contudo, sem a mediação de uma exchange, é impossível saber a procedência dos recursos. Sendo assim, quando falamos do comércio de uma criptomoeda de uma pessoa para outra esbarramos na questão da segurança e da confiança, principalmente quando o envio do valor em moeda fiduciária ou outro criptoativo é feito antecipadamente. (CHAVES, 2021)
Essa venda direta entre usuários é chamada de P2P, e, quando ela ocorre, é impossível saber a origem dos recursos que transitaram na conta do comprador, principalmente no caso de moedas fiduciárias. Isso pode ser considerado como uma transação suspeita para alguns órgãos governamentais, como a Receita Federal. Sendo assim, as exchanges existem para reduzir essa exposição a riscos, pois elas trabalham de maneira semelhante às corretoras tradicionais, oferecendo uma estrutura idônea e um ambiente seguro, respeitando toda a legislação vigente para a compra e venda de criptoativos. (CHAVES, 2021)
Segundo Chaves (2021) para atuar, as exchanges não precisam seguir nenhuma regulamentação específica, contudo a Receita Federal exige uma declaração mensal dos investimentos de cada cliente.
2.1 Regulamentação e Natureza Jurídica das Criptomoedas
A Criptomoeda ou moeda digital é criptografado, para garantir a proteção e a segurança de quem o utiliza. Este valor monetário, ao contrário da moeda tradicional, existe apenas no universo virtual.
Conforme informa Maia (2019), o debate sobre a regulamentação ou não das criptomoedas já existe e parte da premissa de que ela pode tornar a economia mais eficiente, afastando assimetrias informacionais e eliminando falhas de mercado. Por conseguinte, a regulação das criptomoedas deve ocorrer e contribuirá decisivamente para o avanço da tecnologia e prestígio das práticas privadas. Sendo assim, uma regulação eficiente para permitir o avanço tecnológico certamente contribuirá para a consolidação do sistema alternativo de moedas virtuais. O Estado, no entanto, deve conjugar essa realidade com o dever de proteção à economia popular, focando em identificar os riscos e criar os instrumentos para reduzi-los. Os atos ilícitos, em qualquer esfera (administrativa, penal ou civil), devem ser repudiados e combatidos. Consoante o pensamento de Maia (2019),
O que não se pode conceber é que o Estado atribua o status de crime a uma atividade econômica pelo simples fato de não saber lidar com ela- e, muito menos, a um ato isolado de compra de uma criptomoeda -, não havendo sequer como justificativa uma resposta penal enquanto não se vislumbra eventuais danos em potencial (NAJJARIAN, 2019, p. 786).
Ao examinarmos a natureza jurídica das moedas virtuais buscando assim a determinação das formas de proteção de seus usuários, observando a emergência de tais moedas como forma de redução de custos na intermediação financeira e sua crescente mercantilização como ativos de investimento, chegamos a conclusão de que essas moedas virtuais ainda possuem uma natureza jurídica indeterminada. Ou seja, juridicamente, não podem ser consideradas moedas, mas suas aplicações criam relações contratuais entre os usuários e os intermediários.
2.2 Responsabilidade Civil das Exchanges
A internet trouxe diversas inovações ao sistema econômico mundial, é certo, também, que diversas novas formas de investimento foram criadas ao longo dos anos e que passamos hoje por um crescimento nunca visto antes. O investimento, que antes era restrito a pessoas de alto poder aquisitivo e realizado em grandes instituições bancárias, agora se distribui em diversos tipos de corretoras e instituições que conseguem abranger um maior número de clientes, devido as baixas taxas e a grande variedade de capital inicial necessário para criação de uma carteira de investimentos.
As criptomoedas e as suas casas de câmbio (exchanges), abriram as portas para investimentos altamente rentáveis e que necessitam de um aporte inicial baixo. Sendo assim, no âmbito jurídico, visto a não regulação, supervisão ou acompanhamento do Banco Central ou qualquer órgão regulador, gera uma insegurança, onde observa-se a necessidade de um estudo jurídico diante dos inúmeros conflitos que surgem e sobre as responsabilidades civis dessas instituições em relação aos seus consumidores, conforme demonstrada a relação eminentemente de consumo estabelecida.
Com a inovação do Marco Civil da Internet, que visa regular as inovações provenientes da rede mundial de computadores, e proteger as informações presentes, além de dispor sobre a aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet. Sobre as proteções oferecidas ao comerciante eletrônico Araújo destaca:
Atuando como agente econômico, precisa ter todas as condições de proteção legal para sua atuação, mais ainda do que o comerciante tradicional, pois ele necessita da preservação de todos os seus dados e informações que transitam em ambiente cibernético, precisa de estabilidade e segurança das funcionalidades proporcionadas pelos meios eletrônicos para ter conexão com a Internet 24 horas, precisa ter acesso à difusão de novos padrões de tecnologias e modelos de uso e acesso. (ARAÚJO, 2017, p. 113).
Neste sentido, a Lei 12.965/2014 dá guarida ao comerciante eletrônico enquanto usuário da rede mundial de computadores, preservando sua liberdade econômica, inclusive a liberdade de inovar, criar e desenvolver livremente quaisquer modelos de negócios no âmbito da rede Internet, ressalvadas as vedações legais (artigo 3o, inciso VIII), o que denota o reconhecimento de que ela é um ambiente de mercado e de oportunidade de lucros. (ARAÚJO, 2017, p. 113)
Posto isso, a partir das normas postas no ordenamento jurídico brasileiro, e sabendo que os criptoativos representam uma relação de consumo quando intermediadas por exchanges, cabe a análise das responsabilidades e as medidas de proteção dos usuários que utilizam desse serviço e o modo em que as normas do Marco Civil da Internet influenciam e protegem o comércio eletrônico. (ARAÚJO, 2017).
Sobre a proteção do Código Civil tem-se que diante da ausência de previsão expressa e específica que trate da natureza da atividade das agências que atuam como casas de câmbio entre moeda nacional e as criptomoedas e as proteções específicas que decorreriam dessas caracterizações torna aplicável a proteção do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor por exclusão.
Embora o Direito Digital e suas normas distintas exploradas no Marco Civil da Internet, é relevante demonstrar que o Direito Digital não é ramo específico do Direito, mas extensão de conceitos e aplicações de ramos tradicionais da ciência jurídica, em que se aplica os institutos desses ramos as relações criadas e que não distintas as normas definidas em específico. Dessa forma, as empresas que operam na intermediação das operações de compra e venda ou troca de criptomoedas, devem obedecer às regras no que concerne à sua constituição como pessoa jurídica e as consequências resultantes dessa atribuição, não podendo se valer da falta de regulamentação específica para se desobrigar de deveres ligados à atividade econômica. Conclui-se então que as empresas focadas no mundo digital devem praticar os mesmos atos que as empresas tradicionais para sua constituição. (CASTRO, 2019 ).
Devendo ser aplicados os dispositivos pertencentes aos ordenamentos do Código Civil, em especial às consequências da responsabilidade civil, danos morais e materiais e as disposições gerais sobre os contratos e as obrigações deles decorrentes, sendo cabíveis nas relações estabelecidas entre os usuários e as exchanges, de modo que, no cenário jurídico brasileiro atual, existe regulação no que tange às criptomoedas no que couber ao Código Civil e Código de Defesa do Consumidor.(CASTRO, 2019).
2.3 Cold Wallet e as Exchanges
A propriedade de criptoativos decorre de registros em uma rede que contém cópias dos pseudônimos dos usuários, que funcionam como endereços para envio e recebimento, e do histórico de transações. Fala-se, assim, de um registro distribuído (distributed ledger), também referido como rede blockchain. Para que o usuário possa "acessar" seu saldo e autorizar transações, ele deve definir um par de números, uma chave pública e uma chave privada, que estão associados a uma "carteira" (wallet), contudo não existem mecanismos de recuperação da chave privada e a propriedade é uma questão de fato, e não de direito, sendo assim, só quem tem a chave privada consegue dispor do saldo em criptoativos. (MUXFELDT, ZUGMAN, BASTOS, COSTA, 2021).
Ressalta-se que um dos maiores desafios para as autoridades tributárias e de prevenção à lavagem de dinheiro é a dificuldade de identificação dos titulares dos criptoativos, haja visto que o acesso à rede blockchain se dá por meio de pseudônimos, com o uso de chaves criptográficas. Contudo, algumas exchanges, viabilizam a sua negociação com maior segurança, exigindo dados dos seus clientes para a criação de contas e, nesses casos, é possível requerer desses intermediários as informações necessárias para fiscalização — o que a Receita Federal previu na IN nº 1.888/2019 para viabilizar a cobrança de IR — e constrição de patrimônio, como tem sido praticado pelo Poder Judiciário ao enviar ofícios para as exchanges em processos de execução. (MUXFELDT, ZUGMAN, BASTOS, COSTA, 2021).
Por outro lado, temos a cold wallet conhecida como carteira fria, ou como paper wallet, é uma carteira utilizada para armazenar criptomoedas offline. Ou seja, é uma forma para guardar os ativos em uma carteira que não está conectada à internet. Neste local, é possível guardar desde as chaves públicas até as privadas, que permitem o acesso às criptomoedas Bitcoins e altcoins, além de validar as transações e guardar as criptomoedas, a sua principal função. (ISMAR, 2021)
De maneira geral, as carteiras de criptomoedas possuem chaves privadas e restritas ao usuário, porém, o endereço público. Por outro lado, uma cold wallet tem a função de armazenar criptomoedas, o que oferece maior segurança aos investidores, quando o investidor cria uma carteira como essa, ele pode transferir as criptomoedas para o endereço offline, que mantêm os ativos seguros e sem contato com a internet. (ISMAR, 2021)
As carteiras frias, ou cold wallet, têm tipos diferentes e opções físicas, que são: paper wallet: uma carteira de papel, que permite impressão física de chaves; hardware wallet: consiste em um dispositivo eletrônico que arquiva chaves públicas e privadas offline; USB wallet: dispositivo que permite salvar chaves privadas, considerado o mais simples, porém é preciso armazenar o USB em local seguro; desktop 2allet: carteiras instaladas no computador pessoal do investidor e não se conectam a internet. (ISMAR, 2021).
Com a grande incidência de ataques cibernéticos, que causam prejuízos, a cold wallet é uma alternativa para proteção. Ou seja, você pode guardar as criptomoedas em segurança em dispositivos e softwares sem conexão com a rede até o momento que desejar movimentá-las. Assim, a carteira permite maior controle das criptomoedas para o armazenamento seguro e livre de hackers. Entretanto, ainda é preciso utilizar a internet sempre que for necessário fazer movimentações e comercializar as moedas. (ISMAR, 2021).
Portanto, se a corretora não mais estiver custodiando as criptomoedas ou não detiver as chaves privadas, embora possa fornecer informações do usuário, quando solicitados pelo judiciário em um processo de penhora, essa carteira não poderá efetivar a penhora ou o arresto esperado e nada mais poderá ser feito, pois a criptomoeda não permite o atendimento de ordem judicial à revelia da vontade do seu titular. (AZI, 2021).
3 SISBAJUD E A EXPROPRIAÇÃO
3.1 O Novo Sistema Sisbajud e Suas Inovações
O Sisbajud é um sistema que a justiça brasileira utiliza para realizar bloqueios e desbloqueios de contas bancárias, transferir valores de contas correntes e afastar o sigilo bancário. O Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud) faz a integração entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, por meio do Banco Central (BC). (VICENT, 2021).
Esse sistema foi desenvolvido sem olvidar do princípio da menor onerosidade, com a existência de campo para indicação do limite do valor que se pretende bloquear. Vale lembrar que, nos termos do art. 854, §3º, do CPC/2015, é ônus do executado demonstrar que as quantias tornadas indisponíveis eram impenhoráveis, ou que houve excesso de constrição dos ativos financeiros, o que é suscitado e decidido a posteriori, isto é, após a realização do bloqueio. (BECKER, 2021).
Lançado em 25 de agosto de 2020 durante a segunda reunião preparatória da 14ª Conferência Nacional do Judiciário. BRASIL, 2020 . O nome é uma sigla para o Sistema de Busca de Ativos Judiciais, que surgiu por meio de um acordo de cooperação técnica entre o Conselho Nacional de Justiça, o Banco Central do Brasil e a Procuradoria Geral do Ministério da Fazenda Nacional. Substitui o anterior Bacenjud e tem como objetivo garantir a validade das decisões judiciais e a flexibilidade na liquidação de dívidas. Por meio do novo sistema, os investimentos em imóveis, móveis, ações e títulos de renda fixa podem ser bloqueados. Além disso, o Sisbajud permite maior acesso à pesquisa de dados. (SHINGAKI, OIOLI, 2021).
O Sisbajud substituiu o BacenJud, e as mudanças que ele traz são significativas sua função é encurtar os prazos de execução e melhorar a eficácia dos anexos judiciais, simplificando a transmissão de pedidos de informação e ordens judiciais ao sistema financeiro nacional. Isso porque antes disso, esses procedimentos só eram realizados naturalmente por meio de cartas enviadas às instituições financeiras, o que acabou resultando em um tempo de espera muito maior para a execução de qualquer procedimento. Além da maior probabilidade de localização de bens em nome do devedor, a grande novidade do Sisbajud é a repetição automática de ordens de congelamento, congelamentos de agendamento e transferências de bens até o total congelamento do valor da dívida. Assim, o sistema Sisbajud, sem dúvida, proporciona maior eficácia, garantindo um leque de possibilidades de satisfação do crédito em favor dos credores. (NEVES, 2020).
O Sisbajud é fruto de um acordo de colaboração tecnológica anunciado entre o CNJ e a Procuradoria da fazenda Nacional (PGFN) com o objetivo de melhorar a forma como o Judiciário comunica ordens às instituições financeiros. O BC faz parte do Grupo Gestor do Sisbajud e é responsável pela manutenção da infraestrutura de comunicação com as instituições financeiros e pela articulação com o Cadastro Nacional de clientes do Sistema Financeiro (CCS). (SHINGAKI, OIOLI, 2021).
Já com relação às criptomoedas não é possível a penhora através desse sistema, por isso, cabe ao interessado arrolar cada uma das Exchanges e requerer o envio de Ofício para cada uma delas. Por isso torna-se imprescindível, que o interessado possua indícios de que a parte demandada seja titular de bens dessa natureza, conforme bem ressaltado na jurisprudência colacionada. ( SILVA, 2020).
3.2 O Exequente e a Expropriação
A expropriação é o instituto jurídico que visa, para fins de satisfação do crédito do exequente, desapossar o executado de seus bens. O Código de Processo Civil reconhece duas maneiras para a realização da satisfação de crédito, a primeira é o cumprimento de sentença, o qual se insere na mesma relação processual do processo principal e a segunda o processo de execução, que é uma relação autônoma, que origina novos autos.
Podem ser executados tanto os títulos judiciais quanto os extrajudiciais, desde que nenhuma nulidade os atinja, pois a execução será nula sempre que se basear em um crédito que não seja líquido, certo e exigível, conforme o artigo 783 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973).
Humberto Theodoro (2019, p.465) conceitua o instituto da penhora como:
O primeiro ato por meio do qual o Estado põe em prática o processo de expropriação executiva. Tem ela a função de individualizar o bem, ou os bens, sobre os quais o ofício executivo deverá atuar para dar satisfação ao credor e submetê-los materialmente à transferência coativa. É, em síntese, o primeiro ato executivo e coativo do processo de execução por quantia certa.
A expropriação judicial se caracteriza pela finalidade de se transferirem bens ou valores do patrimônio do executado para o patrimônio do exequente nos limites do crédito exequendo a referida etapa para obter a satisfação do crédito exequendo pode apresentar diversas variantes, a depender da ocorrência de certas condições previstas na lei processual.
O art. 825 do Código de Processo Civil elenca as três espécies de expropriação de bens, quais sejam, a adjudicação, a alienação e a apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens, in verbis. Há doutrinadores que, inclusive, apontam quatro espécies ou formas expropriatórias, subdividindo a alienação em duas subespécies ou modalidades: por iniciativa particular e por leilão público.
O novo sistema Sisbajud em funcionamento possibilita aos magistrados a emissão de ordens às instituições financeiras, que incluem cópia dos contratos de abertura de conta corrente e de conta de investimento, fatura do cartão de crédito, contratos de câmbio, cópias de cheques, além de extratos do PIS e do FGTS. Esses mecanismos constituem ferramentas importantes para localização e compreensão adequada da capacidade financeira dos executados. Também podem ser objeto de bloqueio valores em conta corrente, assim como ativos mobiliários, como títulos de renda fixa e ações.
Dentre as inúmeras ferramentas disponibilizadas no âmbito do Poder Judiciário, a penhora de ativos financeiros representa uma importante aliada dos credores, já que o dinheiro (em espécie ou aplicação) corresponde ao meio com maior liquidez no rol de bens passíveis de penhora, hoje representado por 13 modalidades enumeradas no artigo 835, do Código de Processo Civil.
A forma como se deu a evolução dos mecanismos de penhora de ativos financeiros espelha claramente os impactos da tecnologia, especialmente da internet. Isso impacta positivamente na eficiência e duração razoável do processo, considerando a redução de riscos do exequente quanto ao enfrentamento dos prazos decorrentes desses procedimentos.
3.3 Possibilidade de Penhora de Criptomoedas
Todos os recursos de domínio sobre criptomoedas têm um recurso sutil. Por ainda não estarem sujeitos a qualquer regulamentação ou controle governamental, seu valor é determinado com base na oferta e demanda, resultando em alta volatilidade e dificuldade no valor patrimonial.
No entanto, é incontroverso que são bens imateriais dotados de valor econômico em teoria, eles são vulneráveis à restrição de propriedade pelos tribunais. Conforme mencionado acima, o artigo 789 do Código de Processo Civil de 2015 enfatiza que o devedor é responsável por suas dívidas com todos os seus ativos presentes ou futuros obrigações, exceto quando limitado por lei. Sendo assim, pelo fato de as criptomoedas possuírem conteúdo econômico, elas fazem parte do patrimônio do devedor, podendo ser executadas.
Nos últimos anos, o preço do Bitcoin (BTC) atingiu impressionantes US$ 66.000. (SUBERG, 2021). Embora o futuro das principais criptomoedas e o futuro das criptomoedas em geral ainda suscitem ceticismo de governos, instituições financeiras e participantes do mercado, alguns investidores foram atraídos por sua escalada vertical. Para se ter uma ideia, o Mercado Bitcoins, uma das bolsas nacionais do setor, revelou que possui uma base impressionante de três milhões de clientes, mais do que o número de correntistas de muitos bancos que se fundiram. (SANTOS, 2021).
Para a penhora de criptomoedas localizadas em armazenamento virtual nas corretoras é indispensável que se tenha indícios da titularidade das criptomoedas por parte do executado, o que não se torna tão difícil atualmente pois “muitas informações deste tipo (acerca dos hábitos e atividades das pessoas) estão disponíveis nas redes sociais de forma pública e inseridas pelos próprios devedores no ensejo de demonstrar poder, riqueza ou por ato de vaidade” (ALVES; SILVA, 2018, p. 83).
Não demorou muito para que as contribuições de patrimônio do BTC despertassem o interesse dos juristas, devido ao sistema de armazenamento criptografado das criptomoedas a identificação de existência, localização e propriedade das criptomoedas, pode ser tarefa complexa, mas, em alguns casos, possível. Entretanto, A 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, na pessoa do relator do caso, o Desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, em dezembro de 2017, proferiu a primeira decisão do Brasil sobre o pedido de penhora da moeda virtual Bitcoin, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000 - Voto nº 19863, conforme ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Penhora de moeda virtual (bitcoin). Indeferimento. Pedido genérico. Ausência de indícios de que os executados sejam titulares de bens dessa natureza. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJ-SP 22021573520178260000, SP 2202157-35.2017.8.26.0000, Relator: Milton Carvalho, Data do Julgamento: 21/11/2017, 36ª Câmara de Direito Privado, Data da Publicação: 21/11/2017) (TJ-SP, 2017, s.p). Com fundamento na celeridade processual, deve haver a existência de indícios de que a parte executada possua moedas digitais, ponto que se contrapõe a tarefa complexa de identificação de existência das criptomoedas quando armazenadas.
O TJ-SP debruçou-se sobre pedido de penhora de uma criptomoeda, negando-lhe provimento sob a alegação de não haver “sequer indícios de que os agravados tenham investimentos em bitcoins ou, de qualquer outra forma, sejam titulares de bens dessa natureza”. Apesar disso, deixou-se claro que, “por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução”.
Embora não sejam essenciais para a realização de transações envolvendo criptomoedas, as corretoras são amplamente utilizadas devido à utilidade de suas plataformas, facilitando as operações envolvendo criptomoedas e moedas nacionais. Troca para vender Bitcoin.
Em primeiro lugar, solicitar que seja entregue à sua custódia, as negociações com terceiros são possíveis desta forma. Simultaneamente, O BTC adquirido por meio desse intermediário também é mantido na própria corretora de forma contínua.
De fato, não há nada que garanta que as criptomoedas durem por algum tempo sob a supervisão de uma exchange. Uma vez que o vendedor contribuinte do BTC ou comprador de recibo chegue ao sistema de transação, ele pode ser transferido para meios difíceis de encontrar (por exemplo, carteiras de papel e outros mecanismos de armazenamento já mencionados). Esta breve janela pode dar ao juiz estadual a chance de executar quaisquer comandos adicionais de bitcoin bloqueando a circulação da criptomoeda em favor dos credores do negociante. (LEITE, 2017)
Seria possível a penhora de criptomoedas quando disponíveis para saque nas exchanges, ou quando armazenadas em carteira online, já que, nesses casos o juiz pode enviar uma ordem para que as empresas se abstenham de disponibilizar os criptoativos ao devedor. (LOPES FILHO, 2021)
3.4 Reconstrução da Jurisdição sob o Olhar das Moedas Digitais
Novas tecnologias precisam ser traduzidas em modelos de confiança pré-definidos controlados pelo Estado para que sejam absorvidos pelos sistemas sociais: seus custos de transação são reduzidos e eles podem usufruir da proteção estatal/obediência da força coercitiva quando outros membros violam seu espaço de ação ou falham obrigações previamente acordadas.
O direito tem a função de estabilizar as expectativas da sociedade para lidar com novos objetos, e determina pelo binômio quais ações serão ou não aceitas naquela sociedade: legal/ilegal. No entanto, isso não significa que todas as expectativas serão atendidas. Em caso de conflito, a estabilidade desejada funciona definindo os procedimentos a serem aplicados e o fato de que o sistema dará respostas sobre sua legitimidade.
A elaboração de respostas jurídicas por meio da compreensão de novos fenômenos visa primeiramente relacioná-los com definições e categorias jurídicas existentes. Esse fato pode ser explicado pela construção do dogma da integridade do ordenamento jurídico. Mesmo diante dos vazios legislativos, outro ramo do Estado, o Judiciário, terá legitimidade e capacidade de preencher seu espaço normativo por meio do costume, da analogia e dos princípios gerais do direito.
Os novos recursos tecnológicos estão impulsionando diversos setores da sociedade, o que também inclui as atividades relacionadas ao Direito, como as funções desempenhadas pelos advogados. A tecnologia no poder judiciário, portanto, nunca esteve tão presente nos fóruns e tribunais como agora. Como todas as inovações tecnológicas, principalmente aquelas que geram interesse, as criptomoedas têm suscitado debate e demandado interpretação e inovação dos advogados e do judiciário na aplicação da legislação vigente.
Em um processo de divórcio litigioso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) oficiou ao Bitcoin.org para que revelasse quantos Bitcoins um brasileiro possuía. Acontece que o Bitcoin.org não é uma corretora de criptomoedas, mas um site com informações sobre a tecnologia. Por lá, até algumas carteiras são indicadas para usuários da criptomoeda, mas o site não armazena nenhum Bitcoin. (BERTOLUCCI, 2020).
Nesse sentido, dificilmente a justiça terá um retorno sobre sua solicitação, além disso, ninguém sabe ao certo a identidade de quem está por trás da plataforma pois atualmente, o site é um projeto de código aberto ou open source independente, com a participação de pessoas do mundo inteiro. A autoridade final de publicação pertence aos coproprietários do domínio. Porém, todas atividades de rotina são organizadas através do processo de “pull-requests” e gerenciadas pelos comantenedores do site. Portanto esse caso evidencia como o judiciário ainda desconhece o mercado de criptomoedas como um todo. (BERTOLUCCI, 2020).
É fato que Judiciário brasileiro ainda não compreende as nuances do mercado de criptomoedas, pois magistrados ainda solicitam que corretoras de moedas digitais compartilhem informações. Contudo, o judiciário também tem sido tomado de casos envolvendo golpes contra brasileiros. Dessa forma, o próprio TJSP começou a promover cursos para Juízes de São Paulo sobre a tecnologia do Bitcoin. Dessa forma, os profissionais do setor seguem se capacitando sobre os assuntos e buscando compreender como regular essas inovações, através de estudos. (BERTOLUCCI, 2020).
CONCLUSÃO
Acredita-se que é necessário atualizar a lei para que ela corresponda à realidade real que as pessoas vivem hoje. É fundamental estudar as novas tecnologias: entender as criptomoedas como a única ferramenta eficaz contra a desinformação e deturpação sobre o assunto, que é um fato no mundo moderno.
O fato de tais moedas serem transacionadas em um ambiente criptografado e descentralizado (Blockchain) por si só não inviabiliza sua identificação e penhora, pois muitos dos bens sujeitos à esta medida, também não contam com uma entidade certificadora, controladora ou registradora, como os bens que guarnecem um imóvel residencial ou comercial, por exemplo.
A dificuldade é de ordem prática, em concretizar a penhora identificando a titularidade da criptomoeda quando não declarada no Imposto de Renda, bem como determinar o local virtual onde a moeda está custodiada para obter as chaves necessárias para a efetivação da penhora, e nos casos de armazenamento em hard wallets havendo a falta de cooperação pela parte devedora a determinação de busca e apreensão. vício esse que pode ser sanado pelo próprio Estado, por meio da normatização das criptomoedas e a aprovação de uma entidade reguladora das corretoras, evitando deste modo no judiciário, decisões conflitantes com fundamento em interpretações análogas.
Portanto, é urgente pensar sobre a legislação civil de penhora e a regulamentação das moedas digitais, uma vez que não é mais possível adequar velhos princípios e leis, às novas ordens de relação dos serem humanos para com seus bens digitais. Além disso, é importante reavaliar institutos como a legítima e princípios seculares que versam sobre a expropriação de carteiras digitais de criptoativos, uma vez que evidentemente, tais institutos não acompanham as modificações de ordem tecnológica e de ordem social, como a concepção, antes impossível, de que nem sempre o autor da herança pretende deixar seus bens para seus herdeiros necessários. Para que as criptomoedas saiam de um estigma de serem usadas para burlar legislações e sistemas engessados, é preciso encará-las como, sim, um desafio, mas principalmente como o futuro que irá permear diversas relações jurídicas., mas sobretudo o futuro permeará relações jurídicas diversas.
REFERÊNCIAS
ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; SILVA, Priscilla Menezes da. Exequibilidade da penhora de criptomoedas no processo de execução brasileiro. Revista de Processo, Jurisdição e Efetividade da Justiça, 2018. p. 70-90.
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[1] Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una Contagem. Endereço eletrônico: [email protected]
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una Contagem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Alessandra Gabriela Gomes De. Direito digital: a importância da regulamentação jurídica das criptomoedas sob perspectiva de sua penhora para a satisfação do crédito exequendo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2022, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58823/direito-digital-a-importncia-da-regulamentao-jurdica-das-criptomoedas-sob-perspectiva-de-sua-penhora-para-a-satisfao-do-crdito-exequendo. Acesso em: 22 nov 2024.
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