Para além das celeumas doutrinárias acerca da constitucionalidade ou não das limitações legais às hipóteses que possibilitam o manejo do recurso de apelação das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri - constantes do art. 593, III, do Código de Processo Penal - é de suma importância no dia a dia do advogado e de todos os operadores de direito estarem atualizados com a jurisprudência dos tribunais superiores sobre o tema.
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça consolidou importantes teses acerca do assunto, nos informativos 745 (de 22 de agosto de 2022), 747 (de 12 de setembro de 2022) e 748 (também de 12 de setembro de 2022), com implicações diretas em hipótese de cabimento elencada no art. 593, III, do CPP, bem como na dosimetria da pena do processado.
Dispõe o mencionado dispositivo:
“Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
(...)
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
(...)”.
Quanto à alínea d, inciso III, art. 593, do CPP (“decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos”), a 5ª Turma do STJ, no Informativo n.º 747/22, assentou que quando o Tribunal de 2º grau entender pela efetiva configuração de manifesta contrariedade entre o veredito dos jurados e as provas dos autos, a consequência jurídica será a cassação da sentença e a submissão do réu a um novo júri, confirmando o que reza o art. 593, § 3º, do CPP, nestes termos:
“§ 3º. Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação”.
Asseverou a Corte Superior ser inviável a imediata absolvição pelo colegiado quando se evoca essa alínea para a propositura do recurso, e por conseguinte, impertinente o pedido absolutório pelo recorrente, tanto por contrariedade à redação do art. no 593, § 3º, do CPP - endossando a disposição nele contida - quanto por afronta à própria competência constitucional dos jurados para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal).
Segundo a 5ª Turma do STJ, o § 3º do art. 593 do CPP é norma que equaliza a soberania constitucional dos vereditos, possibilitando o seu controle jurisdicional, mas sem permitir a substituição do júri por juízes togados.
Cumpre, agora, adentrar às implicações na dosimetria da pena trazidas nos, noveis entendimentos veiculados pelo STJ nos informativos 745, 747 e 748, deste segundo semestre de 2022.
No tocante à qualificadora do art. 121, § 2º, IV, referente ao homicídio cometido “à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”, a Corte Superior referendou o caráter objetivo dessa qualificadora, e por conseguinte a sua comunicabilidade aos coautores e partícipes, desde que tenha ingressado na esfera de conhecimento destes.
Nessa esteira, reconheceu ser indispensável a inclusão na quesitação aos jurados, de pergunta sobre a ciência ou não dos mandantes do crime quanto ao modo de execução. Equivale dizer, não é suficiente, por exemplo, a mera indagação a respeito de ter sido o crime praticado por meio de emboscada, imprescindível que se questione se o mandante do crime sabia que o homicídio viria a ser executado mediante a emboscada. Do contrário, não é possível reconhecer a qualificadora em desfavor do mandante do delito, mas somente ao seu executor direto.
Decidiu a 5ª turma do STJ que, consequentemente, há nulidade no quesito que não questiona os jurados acerca da ciência dos mandantes do crime de homicídio quanto ao “modus operandi” empregado pelos executores. Isso porque, as qualificadoras só poderiam se comunicar ao (s) mandante (s) que tenham tido ciência anterior do modo de agir que viria a ser utilizado.
No caso analisado, o STJ destacou que da maneira como foi redigido o quesito, só se pôde dessumir que os jurados reconheceram a emboscada aos executores diretos do homicídio (aos pistoleiros, autores dos disparos). O quesito não contemplava a hipótese de a emboscada ter sido o modo eleito pelos mandantes do crime para ceifar a vida das vítimas, tampouco de os pistoleiros terem elegido essa forma mediante prévia aprovação ou ao menos ciência dos mandantes. Assim, concluiu que por não ter sido indagado aos jurados se houve dolo dos mandantes com relação à qualificadora, a imputação da qualificadora deveria ser afastada quanto a estes, cingindo-se o seu reconhecimento aos executores diretos.
Noutro vértice, a 5ª Turma do STJ também firmou relevantes orientações no que atine à causa de diminuição de pena da colaboração premiada no âmbito dos casos de competência do Tribunal do Júri.
Declinou a Corte que malgrado haja a necessidade de quesitação aos jurados com relação à configuração ou não de causas de diminuição de pena ou minorantes, a competência para a eleição do patamar de redução da pena é do juiz sentenciante e não dos jurados.
E mais: reputou ser justificada a redução em menor “quantum” do que o anteriormente ajustado com o Ministério Público no acordo de colaboração, no caso de o acusado colaborador ter prestado declarações falsas no plenário do júri.
Na hipótese concreta apreciada, manteve a decisão do Tribunal de origem que aplicou a fração de 1/2, em vez dos 2/3 pactuados no acordo de colaboração, com base no fato de o colaborador ter prestado declarações falsas contra os corréus, o que foi reconhecido pelos jurados.
Ainda no campo das qualificadoras do crime de homicídio, no que concerne à prevista no 121, § 2º, I, do CP - homicídio qualificado pela prática “mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe” – a 5ª turma do STJ (Informativo 748/22) estabeleceu ser inaplicável aos mandantes do delito a circunstância “mediante paga”, por ser fator integrante das razões que os levam à possibilidade de responderem em concurso de concurso de pessoas com os executores diretos, já que, diferente destes, não praticaram direta e imediatamente o núcleo do tipo “matar”.
Na mesma linha, estatuiu que “como destaca a doutrina, os motivos do mandante - pelo menos em tese - podem até ser nobres ou mesmo se enquadrar no privilégio do § 1o do art. 121, já que o autor intelectual não age motivado pela recompensa; somente o executor direto é quem, recebendo o pagamento ou a promessa, a tem como um dos motivos determinantes de sua conduta. Há, assim, uma diferenciação relevante entre as condutas de mandante e executor: para o primeiro, a paga é a própria conduta que permite seu enquadramento no tipo penal enquanto coautor, na modalidade de autoria mediata; para o segundo, a paga é, efetivamente, o motivo (ou um dos motivos) pelo qual aderiu ao concurso de agentes e executou a ação nuclear típica”. Daí porque, “a paga não é o motivo da conduta do mandante, mas sim o meio de sua exteriorização, referida qualificadora não se aplica a ele”.
Neste caso, entretanto, a Corte ressalvou a desnecessidade de submissão do réu a novo júri, sob os fundamentos de não existir exigência legal ou utilidade prática para tanto (“não haveria nenhuma cognição adicional que os jurados pudessem exercer sobre a qualificadora da paga”), competindo “ao STJ sanar ele próprio, diretamente, a nulidade detectada, a fim de retificar o cálculo das reprimendas dos acusados, como manda o art. 593, § 2o, do CPP” (Informativo 748/2022).
Ademais, a 6ª turma da Corte, consoante exarado no informativo 745/2022, deliberou que no concurso entre agravantes e atenuantes, a atenuante da confissão espontânea tem preponderância sobre a agravante da dissimulação, com supedâneo no art. 67 do Código Penal.
Diz o art. 67 do Código Penal que "no concurso de agravante e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência".
Além dessas, trazidas de modo expresso pela lei, há muito a atenuante da confissão espontânea é tida pelo STJ como circunstância preponderante, o que viabiliza a compensação na dosimetria da pena com a agravante da reincidência. A orientação que foi veiculada no informativo 745 pela Corte Superior foi a de que, à vista da preponderância da confissão espontânea, em cotejo com o fato de a agravante da dissimulação não constar do rol do art. 67 do CP (circunstâncias preponderantes), a atenuante da confissão espontânea prevalece sobre esta, não sendo cabível a compensação, como ocorre com a agravante da reincidência (expressamente elencada no art. 67).
Conclusão.
Estar atualizado (a) com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, especialmente com os precedentes publicados nos recentíssimos informativos do Superior Tribunal de Justiça - 745, 747 e 748, deste segundo semestre de 2022 - é de relevante utilidade prática para a defesa no processo penal no âmbito dos crimes dolosos contra a vida, de competência do Tribunal do Júri, pois há implicações consideráveis nas deliberações possíveis a partir das novas orientações, bem como nas teses que se pretende ver encampadas pelos juízes e tribunais e na própria dosimetria da pena.
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