ANA CARLA SANCHES LOPES FERRAZ[1]
LEANDRA SALUSTIANA DA SILVA OLIVEIRA[2]
(orientadoras)
INTRODUÇÃO
Há tempos a realidade do sistema prisional brasileiro vem mostrando sinais de falência, diante de um cenário precário e desumano, longe da ideia de ressocialização preconizada pela Constituição Federal de 1988 e Lei de Execução Penal (LEP). A realidade demonstrada é de um verdadeiro negligenciamento por parte do Poder Público e, de certa forma, pela sociedade que agem com descaso à situação degradante em que se encontram as penitenciárias brasileiras, gerando como consequência altos índices de violência dentro e fora das penitenciárias.
O encarceramento realizado no Brasil tem se mostrado ineficaz para proporcionar a reintegração social do preso, não promovendo a diminuição do cenário da violência e a sensação de insegurança por parte da população, na medida em que se utiliza como medida punitiva tão somente o segregamento dos indivíduos, em detrimento das medidas ressocilizadoras e de preparo para o melhor retorno ao convívio social.
A ressocialização do apenado deve ser efetivada, conforme prevê a Lei de Execução Penal e Constituição Federal de 1988, respeitando os direitos e princípios fundamentais, em especial o da Dignidade Humana.
Porém, na prática verifica-se que o Estado tem sido omisso em não cumprir com a suas obrigações básicas, falhando em dois aspectos: o indivíduo que vive à margem da sociedade, que por muitas vezes tem como causa a ausência do Estado, e segundo por não oportunizar o mínimo de dignidade, aplicando-lhe apenas o encarceramento, com poucos investimentos em sua ressocialização.
Ademais, podemos verificar a omissão do Estado em relação à superlotação nos presídios, gerando como consequência inúmeras rebeliões e mortes, que, aliado aos parcos investimentos em ressocialização, acabam por aumentar os índices de reincidência.
A Lei de Execução Penal (LEP), considerada um avanço no âmbito prisional, tem por finalidade regulamentar os direitos e deveres do apenado, na prática, não tem sido efetivamente cumprida em todas as penitenciárias brasileiras, principalmente quando se trata da ressocialização do apenado.
1 CONCEITO DE RESSOCIALIZAÇÃO
Para se falar da ressocialização do encarcerado, antes se faz necessário abordar sobre o conceito de socialização, que consiste no processo pelo o qual um indivíduo internaliza as regras sociais, é por meio desse processo que adquirimos cultura. A socialização pode ser entendida como um aprendizado contínuo, pelo qual aprendemos idiomas, símbolos, dentre outros aprendizados.
Quando um indivíduo desobedece às regras que ele aprendeu no processo de socialização, esse indivíduo é excluído da sociedade pelo Estado, respondendo pelo processo do crime praticado, recebendo assim uma pena e ao receber sua pena esse indivíduo passará a ser um detento. Assim, a pena que esse indivíduo recebe tem o papel de prevenção e ressocialização, prevenção para que o indivíduo não cometa outros delitos na sociedade e ressocialização para que, depois que ele cumprir a pena determinada, possa voltar ao convívio social restaurado e restabelecido e poder viver em harmonia com a sociedade.
Portanto, a ressocialização é reintegrar o indivíduo novamente ao convívio social ou socializar “tornar social” aquele que se desviou por meio de condutas reprovável da sociedade e das normas positivadas. Portanto, a ressocialização é preparar o indivíduo infrator ao convívio social. Ambos os conceitos e temas não se desvinculam. É perfeitamente viável garantir-se a punição de quem pratica um crime, mantendo-se o estrito cumprimento da lei, de modo a assegurar, com isso, o respeito aos direitos individuais e fundamentais”. (NUCCI,2018, p.31).
2 DIREITOS HUMANOS E A RESSOCIALIZAÇÃO
A origem dos Direitos Humanos remonta à antiguidade a.c, por uma linha de tempo, constituída por vários marcos históricos. Vale ressaltar que a evolução histórica dos Direitos Humanos compreende fatos sucessivos que ocorreram por milhares de anos e que trouxeram conquistas sociais.
No código de Ur-Nammu é possível identificar dispositivos que já abordavam a reparabilidade do que hoje é tido como um dano moral, ou seja, desde os tempos mais remotos da civilização humana, já se tratava do tema danos morais, que foi, ao longo dos tempos, abordado no meio social. (LIMA, 2017)
Posteriormente, temos o Código de Hamurabi:
[...] Na Suméria antiga, o Rei Hamurabi da Babilônia editou o Código de Hamurabi, que é considerado o primeiro código de normas de condutas, preceituando esboços de direitos dos indivíduos (1792-1750 a.C.), em especial o direito à vida, propriedade, honra, consolidando os costumes e estendendo a lei a todos os súditos do Império. Chama a atenção nesse Código a Lei do Talião, que impunha a reciprocidade no trato de ofensas (o ofensor deveria receber a mesma ofensa proferida). (RAMOS, 2019, p.44)
Podemos observar que até então a sociedade Babilônica não tinha um conjunto de leis codificadas e o intuito da criação deste primeiro código de normas de conduta era disciplinar a sociedade. De acordo com o referido código as punições eram divididas em três classes, ou seja, cada classe teria a sua pena;
1º Awelum: “filho do homem”, era a classe superior, a quem descumprissem as regras eram aplicadas penas pecuniárias, para eles não haveria outro tipo de pena como a pena de morte, pena capital ou pena de mutilação.
2º Mushkenum: “cidadão livre”, era a classe intermediária, a quem violassem as normas uma vez seria aplicada pena reparatória pecuniária e em caso de reincidência era aplicada a pena capital, variando de acordo com a gravidade do delito. Podemos observar que a primeira classe nunca teria uma pena capital como nesta classe.
3º Wardum: “escravo marcado”, era a classe composta pelos escravos que, não obstante serem objeto de propriedade, eram lhes atribuídas penas severamente cruéis, ora de mutilação, ora de morte.
Em se tratando de Leis criminais, vigorava a “lex talionis” chamada Lei de Talião, Castilho (2018, p.55) explana:
É neste documento que se encontra a famosa previsão da forma de “dosimetria de pena” conhecida como “Lei de Talião” ou “olho por olho, dente por dente”, indicando para o delito uma pena equivalente ao dano causado. Em que pese rigorosa, a previsão constituía, de fato, um avanço para a época, uma vez que representava uma limitação legal aos governantes, impedindo-os de aplicar penas arbitrárias. Além disso, o Código contém uma série de dispositivos relativos aos direitos dos indivíduos, como o direito a uma espécie de salário mínimo por dia de trabalho, o direito a alimentos da mãe e seus filhos em face do abandono do marido, a questão de ajuda a fugitivos, entre outros. Esse código vigorou por aproximadamente 1.500 anos. (CASTILHO,2018, p.55).
Em 450 a.C foi criada a Lei Das Doze Tábuas como já diz o próprio nome era composta por doze peças de madeira. Segundo Castilho (2018):
Trata-se da Lei das Doze Tábuas, que nasce da ideia de reunir as várias normas da época em um só texto legal. Este código foi estabelecido para aplacar as reclamações dos plebeus e protegê-los em suas liberdades que não eram até então reconhecidas. Às doze tábuas foram incorporadas várias áreas do direito que protegiam o patrimônio e o reconhecimento do pater famílias como único sujeito de direitos. (CASTILHO, 2018, p.57).
No decorrer de 1.215 surgiu a Magna Carta, através dos barões ingleses que obrigaram o Rei João Sem Terra a ceder direitos sob pena de perder o trono, configurando o fim do absolutismo, sendo assim o rei João Sem Terra não seria mais absoluto, e, cedendo os direitos em prol da legalidade, passando a ser submisso a Lei, ele não seria mais a lei. Este documento limitou o poder dos monarcas da Inglaterra.
Castilho (2018, p.66) fala sobre a cláusula 39 da Magna Carta:
“Nenhum homem livre será preso, encarcerado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra”. (CASTILHO, 2018, p.66).
Como podemos observar a Magna Carta fortaleceu alguns direitos, entre eles, a proteção dos direitos e garantias individuais, habeas corpus, direito de propriedade e do devido processo legal. O habeas corpus tinha por objetivo proteger o indivíduo quando este era preso ilegalmente, o direito à propriedade visava proteger os bens materiais do indivíduo e o devido processo legal garantia a todos o acesso ao direito e à justiça.
Em relação a esse último direito elencado pela Carta Magna, Castilho (2018, p.66) menciona que: “ O artigo 40 no qual menciona que quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.” Nesse sentido, o direito ao devido processo legal significa que “a ninguém venderemos, nem a ninguém recusaremos ou atrasaremos o direito ou a justiça. (CUNHA, 2019)”.
A Lei do Habeas Corpus surgiu em 1679, na Inglaterra, em pleno regime feudal. Foi considerada uma grande conquista para a época, pois o Habeas Corpus era apenas um dispositivo na Magna Carta, então nesse ano passou a ter uma Lei exclusiva. Havia uma exceção quando se tratava de traição ou subordinação contra o senhor feudal, nesses casos não se aplicava o Habeas Corpus. (BRAYNER, 2012)
Castilho (2018) expõe alguns artigos da Lei de Habeas Corpus:
A Lei de Habeas Corpus Habeas Corpus Act (1679)
I − A reclamação ou requerimento escrito de algum indivíduo ou a favor de algum indivíduo detido ou acusado da prática de um crime (exceto tratando-se de traição ou felonia, assim declarada no mandato respectivo, ou de cumplicidade ou de suspeita de cumplicidade, no passado, em qualquer traição ou felonia, também declarada no mandato, e salvo o caso de formação de culpa ou incriminação em processo legal), o lorde-chanceler ou, em tempo de férias, algum juiz dos tribunais superiores, depois de terem visto cópia do mandato ou o certificado de que a cópia foi recusada, concederão providência de habeas corpus (exceto se o próprio indivíduo tiver negligenciado, por dois períodos, em pedir a sua libertação) em benefício do preso, a qual será imediatamente executória perante o mesmo lorde-chanceler ou o juiz; e, se, afiançável, o indivíduo será solto, durante a execução da providência, comprometendo-se a comparecer e a responder à acusação no tribunal competente.
(...)
III − A providência será executada e o preso apresentado no tribunal, em curto prazo, conforme a distância, que não deve exceder em caso algum, vinte dias.
IV − Os oficiais e os guardas que deixarem de praticar os atos de execução devidos, ou que não entregarem ao preso ou ao seu representante, nas seis horas que se seguirem à formulação do pedido, uma cópia autêntica do mandato de captura, ou que mudarem o preso de um local para outro, sem suficiente razão ou autoridade, pagarão 100 libras, no primeiro caso, e 200 libras, no segundo caso, ao queixoso, além de perderem o cargo. (CASTILHO, 2018, p.83-84).
A Declaração de Direito de 1689 (em inglês Bill of Rights), na Inglaterra, assegurou, entre outros direitos, a liberdade, a vida e a propriedade privada, assegurando o poder do Parlamento em detrimento da vontade absoluta do rei.
Ainda na Inglaterra, em 1689, após a chamada Revolução Gloriosa, com a abdicação do Rei autocrático Jaime II e com a coroação do Príncipe de Orange, Guilherme III, é editada a “Declaração Inglesa de Direitos”, a “Bill of Rights” (1689), pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva. Não é uma declaração de direitos extensa, pois dela consta, basicamente, a afirmação da vontade da lei sobre a vontade absolutista do rei. Entre seus pontos, estabelece-se “que é ilegal o pretendido poder de suspender leis, ou a execução de leis, pela autoridade real, sem o consentimento do Parlamento”; “que devem ser livres as eleições dos membros do Parlamento” e que “a liberdade de expressão, e debates ou procedimentos no Parlamento, não devem ser impedidos ou questionados por qualquer tribunal ou local fora do Parlamento”. (RAMOS, 2019, p.51-52).
Com o passar do tempo, foram sendo criados inúmeros dispositivos normativos de garantia dos direitos indispensáveis à vida humana.
“Os Direitos Humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os Direitos Humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”. (RAMOS, 2019, p.35)
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi aprovada pela a ONU em 10 de dezembro de 1948, após a segunda guerra mundial em razão do grande número de perda de pessoas, por governos fascistas e violações a direitos individuais.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, influenciada por esses dispositivos normativos, trouxe o capítulo referente aos Direitos e Garantias Fundamentais.
A Lei de Execução Penal – LEP, Lei n° 7.210, criada em 11 de julho de 1984, espelhada nos direitos humanos, traz em seu conjunto de normas, princípios e regras que regulam a relação entre o Estado e o sentenciado, garantindo os direitos e deveres do preso, evidenciando seu aspecto ressocializador.
Todavia, apesar de esses direitos terem sido positivados na Constituição, na categoria de direitos fundamentais, com o intuito de proteger o cidadão contra a opressão do Estado, acabaram se tornar alvo de inúmeras críticas por não estarem sendo devidamente respeitados.
3 O TRABALHO COMO DIREITO SOCIAL DO PRESO
A Lei de Execução Penal n° 7.210/1.984, ao tratar da assistência ao preso e ao internado, prescreve em seu art. 10, que: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”, destacando além do direito, um aspecto social. No mesmo sentido, a Lei evidencia o trabalho do apenado como um dever social e condicionante da dignidade humana, possuindo assim uma finalidade educativa e produtiva, conforme elencado nos artigos 28 e 29 da LEP:
Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.
§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.
§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.
§ 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;
b) à assistência à família;
c) a pequenas despesas pessoais;
d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
§ 2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.
Apesar de o trabalho prisional não estar submetido ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ao preso são resguardados os direitos inerentes à previdência social, sendo o auxílio-reclusão o principal exemplo.
Segundo a LEP, os condenados à pena privativa de liberdade estão obrigados ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. Apenas para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento. Nesses casos, poderá haver uma recorrência de seu advogado ou defensor, dando assim uma esperança de antecipação da liberdade, pois terá como fundamento não só a remuneração, em alguns casos, mas principalmente a redução da pena.
Entretanto, observa-se que o trabalho prisional, enquanto fator de possível ressocialização do preso, normalmente é remunerado com salários inferiores ao mínimo o que acaba de certa forma frustrando a sua real finalidade, na medida em que o preso recebe menos que o trabalhador comum em razão, única e exclusivamente, de sua real condição, ou seja, de ter sido submetido à pena privativa de liberdade. Fator este que deve ser tratado com cautela a fim de que não configure discriminação injustificada, nem mesmo que venha a favorecer a exploração lucrativa do trabalho do apenado em detrimento de uma das suas principais finalidades que é a sua reintegração ao convívio social.
4 MONITORAMENTO ELETRÔNICO: UM MECANISMO RESSOCAILIZADOR?
O monitoramento eletrônico não é algo que surgiu recentemente com o avanço da tecnologia e com o aumento da população carcerária. Ele surgiu na decada de 60 do século passado e, a partir de então, foi tomando força e crescendo cada vez mais.
Atualmente o monitoramento se tornou uma das ferramentas mais utilizada pelo Estado, sendo uma grande alternativa para os condenados à pena privativa de liberdade. Ele teve seu início nos Estados Unidos, idealizado brilhantemente por dois irmãos Ralph e Robert Schiwitzgebel. Para os dois irmãos o monitoramento é um meio de fornecer uma opção menos onerosa para as pessoas que possuem envolvimento com a justiça. Porém, somente em 1964 que o plano foi finalmente colocado em prática, quando 16 apenados jovens tiveram o equipamento eletrônico instalado em uma de suas pernas.
NUCCI (2018, p.172) destaca alguns requisitos para que o monitorado deverá seguir:
Dessa forma, a saída pode contar com o monitoramento eletrônico, afinal, sem um endereço preciso, torna-se inviável fiscalizar a movimentação do sentenciado; b) recolhimento noturno, consistindo no período decorrido entre o anoitecer e o alvorecer, podendo variar de um lugar a outro. A meta é a proibição de permanência na via pública, longe da residência para a qual se dirigiu, seja familiar ou comunitária, durante a noite, período no qual há menor vigilância das autoridades em geral, além de ser propício a reuniões e festejos, onde há consumo de álcool e outras substâncias; c) proibição de frequentar determinados lugares, que, agora, finalmente, a lei passa a especificar, indicando bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres. (NUCCI,2018, p.172).
Devido a esse avanço testado e muito bem-sucedido que tal modalidade se expandiu e rapidamente foi adotada em inúmeros países. No Brasil, somente em 2007 é que o monitoramento chegou, primariamente na Paraíba, expandindo-se assim para os demais Estados.
Devido à superlotação das penitenciárias brasileiras o monitoramento eletrônico, mais conhecido como “ tornozeleiras”, foi adotado para aqueles que cumprem penas privativas de liberdade. Ele funciona por meio de GPS e é monitorado por funcionários do sistema penitenciário e, caso o detento saia da rota estabelecida, é emitido o sinal imediatamente à central de controle. Caso o apenado não justificar judicialmente o motivo do desvio da rota delimitada, poderá ser recolhido novamente para o regime fechado.
A Lei de Execução Penal traz em seu artigo 146-C a previsão do monitoramento eletrônico e define as regras para o seu uso, nos seguintes termos:
Art:146-C: O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres: I – receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II– abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça; (...); Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa: I – a regressão do regime; II – a revogação da autorização de saída temporária; (...); VI – a revogação da prisão domiciliar; VII – advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo. (BRASIL,1984)
Diante disso pode se concluir que o monitoramento nada mais é que um aparelho totalmente tecnológico que monitora o apenado de forma integral através de uma central de 24 horas de monitoramento.
Durante a pandemia, em meados de 2020, devido ao grande número de casos e a superlotação, ficou decidido que apenados com mais de 60 anos, faixa etária considerada de risco e apresentar problemas de saúde que necessitam de acompanhamento médico constante, passassem a cumprir suas penas em regime domiciliar, com uso de monitoriamento com tornozeleira eletrônica ( STJ.JUS.BR), aproximando assim o preso de sua família e da sociedade favorecendo assim a sua ressocialização.
5 PRINCIPAIS DESAFIOS À RESSOCIALIZAÇÃO DO CÁRCERE NO BRASIL
Atualmente a ressocialização do apenado enfrenta muitos desafios. A superlotação das penitenciárias brasileiras ainda é o principal deles, pois as mesmas encontram-se em condições que desfavorecem a ressocialização dos apenados devido às condições precárias, contribuindo para um resultado inverso do objetivo pretendido que é a reinserção do preso à sociedade.
Devido ao exíguo número de vagas em muitas das penitenciárias brasileiras, nem sempre é possível realizar a separação dos presos por grau de periculosidade, por exemplo. Essa realidade tem levado algumas penitenciárias a ficarem conhecidas como uma “escola de crimes”, onde muitos indivíduos primários condenados a crimes de menor potencial ofensivo são colocados junto com presos de alta periculosidade, que cometeram crimes graves, em verdadeiro descumprimento da Lei de Execução Penal que prevê as hipóteses de separação dos presos. Assim, “[...] o Estado deve assumir a responsabilidade de não prejudicar o seu aprendizado, não permitindo que conviva com delinquentes habituais, muito mais distantes de qualquer chance de ressocialização efetiva”. (NUCCI,2016, p.1540).
A superlotação é uma realidade vivenciada em muitas penitenciárias brasileiras que dificultam o processo de ressocialização do apenado. De acordo com Nucci (2016) a difícil ressocialização se dá pela a superlotação:
[...] Se não houver investimento efetivo para o aumento do número de vagas, respeitadas as condições estabelecidas na Lei de Execução Penal para os regimes fechado, semiaberto e aberto, nada de útil se poderá esperar do processo de recuperação do condenado. Na verdade, quando o presídio está superlotado a ressocialização torna-se muito mais difícil, dependente quase que exclusivamente da boa vontade individual de cada sentenciado. (NUCCI, 2016, p.1.540).
A realidade no interior das penitenciárias revela o quão desafiador é a tarefa de ressocializar o indivíduo. A superlotação revela um cenário caótico em decorrência da falta de vagas aliada à baixa taxa de empregos fornecidos para o apenado para a devida redução da pena.
Convém destacar ainda que a questão da superlotação se tornou um problema ainda maior com o surgimento da pandemia do novo coronavírus - Covid-19 pois, mesmo com a adoção das medidas preventivas, não foi possível evitar a contaminação dos presos. De acordo com dados publicados pelo departamento penitenciário nacional (DEPEN) as penitenciárias estão com 54,9% acima de sua capacidade, fator preponderante para a disseminação do vírus.
Outro desafio a ser enfrentado em relação à ressocialização do apenado é imposto pela própria sociedade que acredita que bandido tem que ficar preso para então não colocar os demais em estado de risco e, acredita ainda, que na prisão o apenado tem que ser tratado da forma mais banal, à base da força e de castigos. Verifica-se que a sociedade ainda possui uma visão retrógrada em relação à pena privativa de liberdade, que as cadeias foram feitas unicamente para castigar o apenado e não para ressocializar.
Desse modo, a sociedade brasileira se preocupa com o encarceramento do preso para então limpar as ruas do perigo, ao invés de se preocupar com o que realmente importa que é o retorno do preso à sociedade e sua ressocialização.
Além disso, a falta de recursos financeiros e de profissionais na área são fatores que contribuem para um processo de ressocialização falho no sistema carcerário, ficando muitas vezes a cargo do próprio detento a opção por ressocializar-se ou não.
Ademais, a reincidência criminal demonstra o grau de deficiência do sistema penal brasileiro pois, o indivíduo normalmente entra no mundo do crime devido a certas circunstâncias, sendo a mais comum delas a falta de estrutura familiar e ao saírem das penitenciárias o apenado se depara com a falta de emprego, muitas vezes decorrente do preconceito, com diferenças culturais, econômicas e principalmente educacionais, e, por não estar preparado para o convívio social acaba cometendo novo delito e retornando novamente à prisão, em verdadeiro círculo vicioso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho objetivou analisar a ressocialização sob a ótica dos direitos e garantias estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e legislações. A realidade que este estudo constatou é de uma fragilidade do sistema carcerário no tocante à ressocialização dos apenados e de uma pouca efetividade dos princípios consagrados, em especial o da isonomia ou igualdade de direitos.
Desse modo, verifica-se que a ressocialização no âmbito do sistema carcerário brasileiro está longe de ser efetiva e justa, apesar de necessária numa sociedade onde se evidenciam a desigualdade de oportunidades e milhares de pessoas vivendo à margem da sociedade.
Resta evidente que a superlotação tem sido um dos principais problemas enfrentados pelo sistema penitenciário de forma geral. O ambiente insalubre e hostil a que estão submetidos os apenados em celas superlotadas propiciam a proliferação não só de doenças, mas também de aperfeiçoamento e prática de atividades criminosas pois, devido à superlotação e falta de vagas, nem sempre o Estado consegue efetivar, na prática, a separação dos presos, por grau de periculosidade, por exemplo. Tudo isso evidencia a precariedade e fragilidade do sistema carcerário refletindo em rebeliões e altos índices de reincidência, cujas consequências são prejudiciais a toda sociedade.
Por outro lado, o preconceito ainda arraigado na sociedade é preciso ser trabalhado, a fim de que haja um novo olhar sobre o delinquente, de forma mais ampla, tratando-o como uma pessoa que já pagou pelos seus erros e não como um criminoso pelo resto da vida. A manutenção do preconceito e da rotulação de que o preso sai pior do que entrou na prisão só contribui para a exclusão e marginalização desse grupo e em nada contribui para o processo de ressocialização.
Nesse sentido, a recuperação do sistema prisional depende de uma série de fatores a começar pela postura da sociedade, no sentido de entender que o problema também é seu e não somente criticar as reformas sob o prisma de beneficiar delinquentes, além de compreender que a partir do momento em que o Estado direciona melhores tratamentos aos encarcerados, não está fazendo em razão de merecimento, mas sim em busca de solucionar os problemas criminais.
A adoção de medidas de cunho ressocializador, como o trabalho e o estudo, por exemplo, ainda são as mais prudentes, sem deixar de levar em consideração os princípios de segurança e retribuição pelo mal cometido. Assim, permite que o apenado se sinta útil, produzindo algo para si e para a sociedade, além de contribuir para a sua ressocializaçao.
A princípio, pode parecer que oferecer condições dignas de vida, atendendo inclusive a requisitos de direitos humanos, não seja punir o indivíduo que cometeu um crime, pois a punição, segundo o entendimento do senso comum, deve ser cruel e contínua. Entretanto, deve-se lembrar de que o simples fato de retirar a liberdade já é uma punição severa na vida do indivíduo, haja vista que a liberdade, muitas vezes, é a única coisa que ele verdadeiramente possui. Além disso, a privação do convívio com amigos e familiares, a imposição de regras e horários, já se tornam meios de penalizar o indivíduo que não detém tais regras sociais como suas.
A adoção de medidas ressocializadoras aos encarcerados podem gerar uma mudança de comportamento, se tornando mais dóceis, o que permite tratamentos menos hostis e menos investimento em aparelhamento de segurança, além da redução de motins e rebeliões.
Todavia, a resposta para esta problemática consiste na exigência do fiel cumprimento da legislação existente, bem como uma maior efetividade na formulação de políticas públicas e projetos e/ou maior fiscalização no cumprimento dos existentes, a fim de que se possa alcançar a reconstrução do sistema prisional, restabelecendo a ordem jurídica e social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm >. Acesso em 09 dez 2020.
BRAYNER, Marcos Aurélio Pereira. Origem, desenvolvimento, uso e abuso do Habeas Corpus.2012. Revista Consultor Jurídico. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2012-set-07/marcos-brayner-origem-desenvolvimento-uso-abuso-habeas-corpus>. Acesso em: 09 dez 2020.
CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. 5º ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
CUNHA, Rogério Sanches. STJ: A remessa de documentos ao MP e a interpretação restritiva do art.40 do CPP, 2019 – São Paulo. Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2019/05/30/stj-remessa-de-documentos-ao-mp-e-interpretacao-restritiva-art-40-cpp/>. Acesso em: 09 dez 2020.
LIMA, André Barreto. O dano moral ao longo da história. Publicado na Revista Âmbito Jurídico,2017- São Paulo – Qualis – ISSN- 1518-0360 – Rio Grande do Sul 2016 – Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/56890/o-dano-moral-ao-longo-da-historia#:~:text=No%20c%C3%B3digo%20de%20Ur%2DNammu,tempos%2C%20abordado%20no%20meio%20social>. Acesso em 09 dez 2020.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. 13º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. 1º. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2019.
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[1] Direitos Humanos (FIPAR). Mestre em Direito pela Universidade de Marília - UNIMAR e Professora das Faculdades Integradas de Paranaíba - FIPAR. E-mail: [email protected]
[2] Direitos Humanos (FIPAR). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS e Professora das Faculdades Integradas de Paranaíba - FIPAR. E-mail: [email protected]
Graduanda do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Paranaíba - FIPAR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: POLLI, Taylla vitória rodrigues. Ressocialização carcerária: uma abordagem dos aspectos legais e dos desafios à sua efetivação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 set 2022, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59239/ressocializao-carcerria-uma-abordagem-dos-aspectos-legais-e-dos-desafios-sua-efetivao. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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