ADEMIR GASQUES SANCHES
(orientador)[1]
RESUMO: O presente tema possui uma reflexão sobre os ditames da Lei de Execução Penal no sentido que sua integralidade e aplicabilidade não se amolda ao que se espera por parte do legislador em seu texto legal, discussão que gira em torno da falta de recursos a serem destinados ao sistema carcerário em investimentos nas melhorias adequadas dentro das unidades prisionais já existentes, bem como no que se refere a criação de novos estabelecimentos prisionais para a redução de superlotações em presídios já existentes. O método usado no trabalho foi o hipotético-dedutivo, onde foram consultados, como base para a pesquisa, dados do sistema carcerário, bem como, doutrinas especificas do âmbito processual penal, relacionando estes entendimentos aos dados pesquisados. Em suma, o objetivo principal desse trabalho é estabelecer um liame objetivo entre a falta de recursos empregados ao sistema carcerário e como isso afeta diretamente nas práticas delituosas por reincidentes do sistema carcerário. Entende-se o tema como relevante para o âmbito jurídico por conta dos elevados níveis de criminalidade e como se pode ter uma redução deste número se feito os investimentos necessários no sistema carcerário.
Palavras-chave: Lei de Execução Penal. Sistema Carcerário. Recursos.
ABSTRACT: This theme reflects on the dictates of the Criminal Execution Law in the sense that its completeness and applicability does not conform to what is expected by the legislator in its legal text, a discussion that revolves around the lack of resources to be allocated to the prison system in investments in adequate improvements within existing prisons, as well as with regard to the creation of new prison establishments to reduce overcrowding in existing prisons. The method used in the work was the hypothetical-deductive one, where data from the prison system were consulted as a basis for the research, as well as specific doctrines of the criminal procedural scope, relating these understandings to the researched data. In short, the main objective of this work is to establish an objective link between the lack of resources used by the prison system and how this directly affects criminal practices by repeat offenders in the prison system. The issue is understood as relevant to the legal sphere due to the high levels of crime and how this number can be reduced if the necessary investments are made in the prison system.
Keywords: Criminal Enforcement Law. Prison System. Resources
1 INTRODUÇÃO
Pensar na Lei de Execução Penal é refletir sobre mecanismos legais onde o Estado por meio da lei estabelece regras e ditames que devem ser cumpridos, para que o condenado criminalmente passe por um processo ressocializador quando inserido no sistema carcerário. Este dispositivo legal estipula os parâmetros que o estabelecimento prisional e os agentes que ali estão devem seguir para que a pretensão punitiva ocorra da melhor forma e que esse fator ressocializador do indivíduo seja possível.
O presente trabalho busca explicar por que o Estado falha em manter os estabelecimentos prisionais já construídos e a deficiência em constituir novos estabelecimentos, isto por conta da falta de empregabilidade de recursos que são ou que deveriam ser destinados a este sistema, o que impacta diretamente nas condições a qual o indivíduo encarcerado enfrenta quando ingressa nesse sistema.
A falta de recursos que se destina a esse sistema é um dos principais problemas, se não mais gravoso, a qual se tem nesse quadro penitenciário nacional, a precariedade de recursos que esse sistema encara escancaram os problemas que os detentos enfrentam diariamente, como a superlotação que se destaca como mais gravosa, e também problemas relacionados a falta de estrutura das penitenciarias, como o escasso acesso a saúde, que é ainda mais alarmante para as detentas mulheres, a falta de acesso à educação e a falta de acesso a oficinas e acompanhamento profissional a qual se espera por parte dos mesmos.
Os problemas relacionados a elevada reincidência criminal se encontram em um sistema que falha em cumprir a ressocialização com êxito, explicar os elevados números de reincidência e relacioná-los a falta de recursos destinados a este sistema. A falha em cumprir dispostos simples a qual se determina na Lei de Execução Penal é o principal ponto a ser destacado, como isso afeta diretamente no cumprimento da pena do acusado e como o quesito da ressocialização se distancia da realidade do detento o aproximando mais do fator reincidência por conta dessa falta de recursos.
2 SISTEMA CARCERÁRIO BRASIELEIRO
O que se observa em primeiro ponto é que o atual sistema carcerário brasileiro está em déficit de recursos há vários anos, isso leva a uma reflexão: se todas as medidas de segurança, ressocialização e de direitos humanos estão sendo respeitadas e cumpridas no sistema prisional brasileiro conforme se estabelece as garantias na Lei de Execução Penal, e como estabelece as premissas constitucionais das garantias de direitos humanos, e proteção da vida humana, que é sabido indivisível e indisponível para a pessoa do apenado.
Há de se observar que o sistema prisional é e foi ao longo de décadas tratado de forma defasada e com poucos recursos destinos ao mesmo, o que pode se explicar os inúmeros problemas e fatores que contribuem para a falta de humanidade que os apenados têm no cumprimento dos seus regimes de penas. A destaque desses diversos problemas, se tem a as palavras do doutrinador Carlos Alexandre de Azevedo Campos que em sua obra destaca os diversos problemas:
De acordo com a pesquisa da Clínica UERJ Direitos, nos presídios e delegacias por todo o país, as celas são abarrotadas de presos, que convivem espremidos, não dispõem de camas ou colchões, precisando muitas vezes, revezar para dormir, fazendo-o em redes suspensas no teto, “dentro” das paredes, em pé, em banheiros, nos corredores, pátios, barracos ou contêineres. [...] Os presídios e delegacias não oferecem, além de espaço, condições salubres mínimas. Segundo relatórios de inspeção do CNJ, os presídios não possuem instalações adequadas à vida humana. Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas depreciadas e celas imundas, sem iluminação e ventilação, oferecem perigos constantes para os presos e riscos gravíssimos à saúde ante as oportunidades de infecções diversas. As áreas de banho de sol convivem com esgoto aberto, com escorrimento das fezes. Os presos não têm acesso à água, para banho e para a hidratação, à alimentação de mínima qualidade. A comida está, muitas vezes, azeda ou estragada. Em algumas ocasiões, eles comem com as mãos ou em sacos plásticos (CAMPOS, 2016, p. 265 e 266).
O Livro Estação Carandiru do Dr. Dráuzio Varella é obra de destaque nos relatos e vivencias de um médico dentro de um ambiente prisional caótico, que se compara a visão de uma pessoa comum da sociedade que é inserida naquele ambiente, e de acordo com os esses relatos da década de 90, se observa os ditames procedimentais que existiam dentro de um âmbito carcerário à época e que ao longo de mais de 20 anos após a publicação desta obra se encontram na mesma situação.
Nas palavras do nobre escritor, se tem uma frase que leva a um pensamento muito simplório sobre os ditames e como é a forma de tratamento dos detentos desde aquela época, na frase em destaque, o doutrinador cita que um dos chefes carcereiros escreve em uma placa a seguinte frase: "É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar preso na Casa de Detenção" (Varella, p. 14), onde se observa uma situação de preconceito sobre a condição social dos detentos, que não diverge dos dias atuais do olhar que a sociedade comum possui para com a população carceraria, mas o que chama mais a atenção neste fato é que tais palavras foram escritas por alguém que já conhecia aquele sistema e já se criava em sua mente um pré-conceito dos detentos que ali chegavam, o que pode ser considerado um fator social na pena e no psicológico do detento que adentra a esse sistema.
Não há de se negar que o fator histórico é um forte indicador do sistema atual decadente, passado deste ponto, o atual sistema se encontra muito defasado e com sérios problemas procedimentais, ligados este ao fato do baixo investimento contidos na década de noventa como exemplo anterior e dos dias atuais.
2.1 Superlotação e seus efeitos
A destaque da obra anteriormente citada do Doutor Dráuzio, o ponto da superlotação é algo de fator quase que histórico no passar do tempo do sistema carcereiro, a qual nas palavras do próprio autor em sua renomada obra cita:
É o pavilhão mais abarrotado da cadeia. Movimento intenso nos corredores. Há momentos em que não se consegue alojar um preso a mais sequer. Moram ali 1600 homens, o triplo do que o bom senso recomendaria para uma cadeia inteira. Para tomar conta deles, a Detenção escala de oito a dez funcionários durante o dia e cinco ou seis à noite, às vezes menos. (Varella, p. 26).
Não há duvidas que um dos piores problemas, se não o pior e mais gravoso desse sistema seja a superlotação que em seus efeitos são devastadores tanto para a população carceraria tanto para os agentes que lidam diretamente com esses detentos.
Cabe destaque para a explicação deste fenômeno os dados do site G1 que diz respeito aos números mais atuais da superlotação em presídios brasileiros no ano de 2021, em que segundo o site nos dados do monitor da violência de 2021 pode-se considerar que hoje são 682,1 mil presos no sistema carcerário, mas a capacidade é para 440,5 mil detentos em todas as penitenciarias nacionais, o que representa um déficit de 241,6 mil vagas em todo o país, isto não considerando os que estão cumprindo a sentença em regime aberto por óbvio, e não se considera também os presos em carceragens de delegacias da Polícia Civil por todo o Brasil, onde se contabilizados o número pode alcançar quase que 750 mil em todo o país, situação bem diferente do destacado na Lei de Execução Penal em seu artigo 85 que cita que o estabelecimento prisional deve ter lotação compatível a sua estrutura e finalidade, o que é de fato uma utopia.
A superlotação é a realidade mais injusta do atual sistema prisional quando o indivíduo enfrenta quando ingressa nesse sistema para iniciar o cumprimento de sua pena, que em tal explicação da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 ou denominada também como Lei de Execução Penal garante que a pena do indivíduo será cumprida em local determinado e em condições humanas justas e dignas conforme estabelece a Constituição Federal, o que de fato não é o que se tem por realidade, caso em que a situação são celas com mais presos que a capacidade a qual o local pode oferecer, bem como locais insalubres e o surgimento de doenças devido a sujeira do local, insetos e animais como ratos, baratas e percevejos, pouca iluminação e uma assistência médica quase que inexistente na maioria dos estabelecimentos prisionais.
Diante desse fato de que o individuo ingressa no sistema carcerário para cumprir sua pena, se espera que ele já esteja cumprindo de fato o que se determina na sentença que o condenou a reclusão ou detenção, entretanto se pode destacar oi instituo da prisão temporária ou da prisão preventiva que é determina no momento da investigação. Esta prisão muitas vezes é decretada ao individuo como uma condenação antecipada, o que é gravoso, porem não é o objetivo desse exposto, mas no que se relaciona ao instituto da superlotação, se pode destacar que esse cumprimento antecipado é feito em regime fechado como o da execução penal e em estabelecimentos prisionais que são destinados ao sistema de reclusão convencional para os detentos que já estão no cumprimento da sentença condenatória, o que contribui ainda mais para superlotação, isso dado ao fato de que a forma mais adequada dessa prisão temporária ou preventiva deveria ser em estabelecimento em separado do da execução ou mesmo feitos nas cadeias públicas Municipais ou Estaduais, o que não se observa no Brasil e contribui para esse excesso de detentos em situações diferentes no mesmo estabelecimento.
No que se refere ao artigo 88 da Lei de Execução Penal, o mesmo destaca o direito a cela individual e com condições de saúde básicas garantidas, mas a realidade é diferente como citado, isso se relacionando ao ponto da falta de recursos para a construção de novos estabelecimentos ou para melhora dos já existentes.
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
Em entrevista ao site Gazeta do Povo, o professor do renomado Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) que também é pesquisador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, Leandro Piquet Carneiro é expresso em sua fala: “Presídio cheio é falta de investimento no sistema. O Poder Executivo não está acompanhando a demanda da Justiça. No curto prazo, não há alternativa: é preciso investir num plano consistente, aumentar o número de vagas em novas unidades”.
2.2 Do direito comparado
Neste ponto do exposto, cabe uma diferenciação do sistema penitenciário nacional em relação ao demais sistemas ao redor do mundo, como é de destaque absoluto o sistema americano e os sistemas europeus, que sobretudo tem um conceito avançado de cumprimento de pena e de como lidar da melhor forma com seus detentos e as penas impostas a eles.
Como já destacado acima, o déficit atual brasileiro representa cerca de mais de 640 mil vagas em superlotação, em relação ao sistema americano, de acordo com dados do governo federal americano, em 2018 a atual população carceraria somava um total de 1,465,200 pessoas, distribuídas em todo território nacional, apesar do elevado número não há do que se falar em déficit ou superlotação, pois neste sistema os recursos empregados são eficientes e empregados para resolução destes transtornos observados no sistema prisional brasileiro.
Tais dados podem ser observados segundo trecho traduzido de um levantamento do U.S. Department of Justice, ou seja, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que aponta:
“Do final de 2017 ao final de 2018, a população carcerária total nos Estados Unidos caíram de 1.489.200 para 1.465.200, uma diminuição de 24.000 prisioneiros. Foi um 1,6% diminuição da população carcerária e marcou a quarta queda anual consecutiva de pelo menos 1%”. (bjs.ojp.gov, 2021)
Enquanto neste comparativo anual dos Estados Unidos sua polução carcerária teve uma leve diminuição, a população carcerária brasileira só vem aumentando ao longo dos anos como dados apresentados, e citando o sistema americano, o investimento anual ultrapassa facilmente a casa de US$ 52 bilhões por ano, segundo um levantamento do relatório do Arrest Records.com que traz conhecimento sobre dados públicos ao redor do mundo, onde tais valores não chegam nem próximo do que deveria ser o investido no Brasil, em que dados TCU (Tribunal de Contas da União) publicados em matéria do site Uol, foram gastos R$ 15,8 bilhões de reais para a manutenção do sistema prisional em 2017, valor que poderia ser melhor empregado como o exemplo do sistema americano, em que segundo a TCU, o Brasil precisaria investir mais R$ 5,4 bilhões por ano até 2037 para ter um sistema ao menos digno e ressocializador a que se espera. (Uol, 2019)
Um breve estudo sobre as condições em que o Brasil se pode comparar com um país de mesmo nível econômico e social que o seu , neste caso o México, a disparidade é da superlotação é imensa, nos dados do site internacional “World Prison Brief”, que possibilita acesso à informações sobre sistemas prisionais em todo o mundo, no México a população carcerária total em 2022 é de 226.111 mil presos e seu sistema prisional tem capacidade para 216.532 presos, o que representa uma ocupação de 104.4%, enquanto que no Brasil segundo números de 2020 a população carcerária era de 811.707 presos, e a capacidade do sistema era para 455.283, o que representa uma taxa de ocupação em 146.8%, o que é alarmante e extremamente desconexo com a realidade de países subdesenvolvidos como o Brasil em comparação feita acima com o México, que apesar do baixo número de detentos tem uma ocupação dentro da normalidade. (prisonstudies.org)
2.2 O encarceramento feminino, de travestis e transexuais
A respeito da situação da encarcerada mulher, segundo dados publicados no site agenciabrasil.ebc.com.br, segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas no ano de 2018, as penitenciarias mistas representavam um total de 17% enquanto as exclusivamente femininas um total de 7%, o que se relaciona a tema em estudo no ponto que a falta de estrutura desses estabelecimentos representa de acordo com os dados do relatório do Infopen Mulheres que 90% da unidades mistas e 49% das unidades exclusivamente femininas são consideradas como inadequadas para gestantes e encarceradas, onde a LEP é expressa no artigo 89:
Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.
É dever do Estado propor mecanismos legais para que o direito a saúde da detenta seja garantido da melhor forma, o que não é o ideal como visto anteriormente seja pela falta de estrutura e pela falta de investimentos nesse sistema, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2018, p. 45) aduz:
Portanto, garante-se o acompanhamento médico à presa, durante toda a gestação e na fase do pós-parto, incluindo-se nesses cuidados o recém-nascido. [...] Ora, havendo contato sexual da presa com seu marido, companheiro ou namorado, é possível que ocorra a gravidez, não deixando de ser um direito correlato, portanto, a assistência médica durante o período de gestação e, também, logo após. Ademais, outras modificações introduzidas nesta Lei permitem o contato da presidiária com seu filho, ao menos, até os sete anos.
Outro ponto a ser levantado é a forma de tratamento com as pessoas que se identificam com um outro gênero a qual o não de nascimento, que nesse caso são denominados ou denominadas travestis ou transexuais, a depender da forma que a pessoa se identifica, não se tem uma legislação pertinente sobre o assunto no âmbito penitenciário, tal forma que a situação de encarceramento por esse público é desumana e gravosa quando os mesmos se encontram em cumprimento de pena no sistema prisional.
Segundo levantamento do INFOPEN em 2019, apenas 3% dos presídios brasileiros possuem alas específicas para essa comunidade e apenas 7% tem celas exclusivas, o que escancara um problema de enorme gravidade por se tratar do país que está em 7° lugar no ranking mundial de maior população carcerária, tal fator pode se atribuir na falta de um olhar mais humano por parte do poder público em relação a esses detentos ou essas detentas, onde a precariedade de investimento é clara e os repasses para a ampliação e melhor capacitação dos agentes que irão lidar com essa parcela de encarceradas ou encarcerados.
As medidas tomadas pelo Governo podem muito se traduzir pelo que a sociedade com valores e ideais ultrapassados desejam e ensejam para o poder público no que se refere a essa e as demais parcelas de detentos, que é o cerceamento de direitos e a falta de olhar humano para com os detentos em geral, mas tal Governo deve cumprir o mandamento constitucional da dignidade humana em todos os casos, porém o olhar mais preciso deve se voltar a esta parcela de pessoas travestis e transsexuais que tem 15 vezes mais chances de sofrer abuso sexual dentro das penitenciárias se comparado com os heterossexuais, e são também mais propensos a violência em geral ante o visível descaso do poder público em todas as esferas, segundo levantamento do Centro para o Progresso Americano. (Instituto Terra Trabalho E Cidadania, 2015)
2.3 Da precariedade ao acesso à assistência jurídica e assistência social para os detentos
O direito a acesso a assistência judiciaria em primeiro ponto é observado como direito fundamental e é pé de equilibro na justiça, ser assistido por um profissional da área jurídica como um advogado é direito de todo e qualquer cidadão, no que se refere ao encarcerado que dali não pode sair, estado deve oferecer condições adequadas para que o detento tenha um local reservado para conversar e ser orientado por seu patrono constituído que o representa, tal disposto está na Lei de Execução Penal nos artigos 15 e 16 da referida lei, bem como outros que aduzem sobre esse direito.
No destaque a defensoria pública, cabe ressaltar que cumpre um papel determinante no auxilio aos detentos que em muitos casos são de baixa renda e não possuem condições financeiras para pagar advogado particular, mas cabe a ressalva que em muitas penitenciarias Brasil a fora que não se tem esta figura do defensor público e onde tem é apenas um ou dois para todo estabelecimento prisional, a implementação de medidas mais eficientes para o atendimento aos detentos e o investimento de recursos nas defensorias se fazem necessárias.
A assistência social para os detentos é o ponto mais gravoso, pois a atual precariedade no sistema se dá pela falta de profissionais no sistema, o os que atuam são poucos para tal demanda do sistema prisional brasileiro. Além de atuarem com papel importante na formação da ressocialização do indivíduo, isso em conjunto com os profissionais da área da psicologia, os assistentes socias além de lidar com os problemas de superlotação e excesso de trabalho, tem que enfrentar situações que as penitenciárias os impõem, como destaque no Conselho Federal de Serviço Social, que aduz:
O/a assistente social é chamado a atuar de diversas formas, desde a produção de laudos e pareceres para assessorar a decisão judicial de progressão de regime; a participação nas comissões de classificação e triagem nos conselhos de comunidade e nas comissões disciplinares; o acompanhamento das atividades religiosas, entre outros. Destaca-se que nem sempre as ações propostas pela instituição aos/às assistentes sociais condizem com sua formação ou são de sua competência, algumas, inclusive, podem se mostrar opostas aos fundamentos da ética profissional (CFESS, 2014).
Apesar do mandamento sobre o trabalho do assistente social estar regulamentado na LEP em seus artigos 22 e 23, a assistência social deveria ter uma ampliação do poder público em sua atuação, a contratação de novos profissionais para se ter uma ampliação no atendimento e cuidado com a vida pregressa do indivíduo dentro do estabelecimento prisional, a qual a realidade atual é indubitável do ideal.
3 DAS VERBAS DESTINADAS AO SISTEMA CARCERÁRIO
No ponto máximo deste exposto cabe se destacar o baixo nível a qual se apresenta o sistema carcerário atual como um todo, em comparação com países da extensão territorial parecidas com o Brasil é nítida a grave situação a qual se encontra esse sistema, isto muito pelo fato do baixo repasse destinado a esse sistema.
Em números oficias segundo o site Folha de São Paulo no ano de 2019, do montante total destinado ao sistema carcerário nacional foi gasto apenas 12% até agosto daquele ano, sendo que a expectativa até aquele momento era de criação de 22 mil novas vagas eram esperadas para aquele ano, sendo que foram criadas apenas 6.300 deste total para reduzir um pouco as superlotações em penitenciarias nacionais.
Segundo aponta inda este levantamento do site Folha de São Paulo o que se encontra é ainda mais gravoso para os efeitos de aplicabilidade da Lei de Execução Penal em sua totalidade, segundo o site, do montante a qual se esperava ser destinado ao sistema carcerário nacional e que foi autorizado pelo Governo era de R$ 15,1 bilhões de 2001 a 2018, mas apenas 7,4 bilhões foram efetivamente pagos e empregados no sistema carcerário ao longo destes anos, o que representa cerca de quase 50% do valor total.
Segundo denomina a Lei de Execução Penal o órgão que deve ficar responsável pela fiscalização, repasses e implementações de novos estabelecimentos prisionais é o Departamento Penitenciário Nacional, que em ordem fica subordinado ao Ministério da Justiça, isto segundo o texto do artigo 71 da Lei de Execução Penal:
Art. 71. O Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao Ministério da Justiça, é órgão executivo da Política Penitenciária Nacional e de apoio administrativo e financeiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
No que se refere a este departamento, é de sua responsabilidade, e por ordem hierárquica o Ministério da Justiça, fiscalizar e fazer os repasses necessário para a manutenção e criação de novos estabelecimentos prisionais, a qual não se observa uma efetividade em suas atribuições segundos os dados anteriormente destacados, é de suma importância que para a reversão deste cenário esses órgãos tenham uma maior efetividade em suas políticas, e que façam uma gestão a qual um montante de cerca de 7,5 bilhões de reais que poderiam ser empregados ao longo de 17 anos não se perca por falta de incompetência e ineficácia de seus representantes.
Se observa também a falta de estrutura para os agentes penitenciário e funcionários que lidam diretamente com os detentos diariamente, pensar em formas de valorização do profissional, bem como dar segurança a eles é ponto não explorado em doutrinas ou em trabalhos acadêmicos e que se deve ter um olhar mais fidedignos a esses profissionais que estão diretamente ligados ao cumprimento de penas dos detentos.
Nas palavras da renomada obra de doutorado do psicólogo Arlindo da Silva Lourenço, onde o profissional em destaque exerce suas atividades profissionais como psicólogo em penitenciárias masculinas do Estado de São Paulo, profissional este que também acompanhou diversos trabalhadores e agentes penitenciários vitimados em rebeliões ao longo de sua carreira, escreveu sua obra de doutorado por título: "O trabalho em locais insalubres como as prisões, e as condições de trabalho bastante precarizadas do agente são estressantes, desorganizadoras e afetam sua saúde física e psicológica", que em sua obra se destaca as condições de trabalho desumanas enfrentada pelos agentes bem como o fator psicológico que os afeta.
Para esse profissional da área da psicologia, os fatores psicológicos enfrentados pelos agentes penitenciários é fator importante no afastamento e pedidos de exoneração dos mesmos, agentes que tem uma media de vida destacada por ele entre 40 e 45 anos de idade, onde os agentes desenvolvem problemas de saúde como diabetes e hipertensões decorrentes do trabalho, cabe também os dizeres do profissional em relação a falta de condições dos presídios a qual se relaciona com o tema em estudo:
os recursos atuais não permitem a execução do trabalho do agente penitenciário com decência, o que implica em um não reconhecimento de sentido na profissão e, por consequência, em um não reconhecimento de sua função social e de sua existência. (protecao.com.br, 2021)
O que se tem nas palavras do autor é que a falta de verbas direcionadas a esse sistema prisional afeta não só os detentos que estão cumprindo suas penas em locais desumanos e insalubres, mas implica também na condição de trabalho e saúde dos profissionais responsáveis pela segurança dos detentos, a ponto que tais condições levam os mesmos a graves doenças e até a prematura morte como se apurou esse profissional da área da saúde, a falta de investimento do Governo não implica só na saúde e condições humanas dos detentos, mas nas pessoas a qual o governo confia seus poderes para fazer a segurança e cumprimento da pena, o que é ainda mais gravoso e preocupante.
4 DOS ELEVADOS NÍVEIS DE REINCIDÊNCIA CRIMINAL
O ponto de partida é explicar de acordo com o pensamento de doutrinadores o que se tem por reincidência, ao passo que na reincidência o acusado de infração penal que já sofreu uma anterior condenação criminal, que nas palavras do doutrinador Fernando Capez em sua obra Curso de Direito Penal, cita a reincidência como:
Conceito: é a situação de quem pratica um fato criminoso após ter sido condenado por crime anterior, em sentença transitada em julgada. [...] trata-se de circunstância agravante genérica de caráter subjetivo ou pessoal. [...] A exacerbação da pena justifica-se para aquele que, punido anteriormente, voltou a delinquir, demonstrando que a sanção anteriormente imposta foi insuficiente. (Capez, p. 500).
Pensando nesta fragilidade do Estado em cumprir com êxito a pretensão punitiva a qual se espera com a prisão do indivíduo, os níveis de reincidência criminais são bem elevados por todo o território nacional, problema a qual se perdura por anos apesar do fato que os ditames do Processo Penal Brasileiro são mais rigorosos e punitivos para os que sofrem uma segunda ou demais condenação por uma infração criminal, onde o individuo teria uma serie de consequências gravosas nessa segunda condenação.
Dados apontados pelo site conjur.com.br no ano de 2019 são expressivos nesse aspecto, relevante ao ponto que no espaço de tempo entre os anos de 2015 e 2019 a taxa de reincidência foi bem elevada entre os maiores de 18 anos, que segundo números apontados no site se tem tal afirmação: “onde 42,5% das pessoas com mais de 18 anos que tinham processos registrados em 2015 retornaram ao sistema prisional até dezembro de 2019”. (Conjur, 2019).
O pensamento direcionado sobre esse número é a falta de efetividade do sistema penitenciário nacional, pensar em reincidência é pensar que o mesmo indivíduo irá passar pelo sistema carcerário duas ou mais vezes em poucos anos, o que implica diretamente no fator da superlotação, pensar em formas de destinação de recursos para que os detentos recebam uma educação de qualidade e tenha um acompanhamento com profissionais adequados durante o cumprimento de sua sentença, como psicólogos, assistentes sociais e professores para a educação dos que não a tiveram acesso em tempo adequado, bem como a destacada saúde de qualidade e em condições humanas dignas, é fator fundamental para reversão desse quadro.
4.1 Funções da pena
Após citado conceito de reincidência, a mesma está a anos sob elevados índices, algo que se remete diretamente ao fato de que se o infrator volta ao sistema carcerário é porque cometeu novo crime e foi condenado por isso, isso leva a pensar na falta de efetividade da ressocialização a qual se busca na pretensão punitiva do Estado, que pode e está associado a falta de recursos empregados nesse sistema, em que este Estado deixa de cumprir em suma o que se espera das funções da pena que são estabelecidas como norte para o regresso destes indivíduos em sociedade.
A analise deve ser direcionada neste ponto sobre o que se espera com o cumprimento da pena e qual é a função dela sobre o infrator, cabe citar quer ela tem três funções absolutas e que devem ser cumpridas para o regresso do indivíduo em sociedade, as funções: preventiva, de reprimir o delito e de ressocializar o infrator.
Se tratando destas funções, o conceito de prevenção serve para que o indivíduo após retirado o seu convívio em sociedade deixe de cometer delitos, sendo assim impossível o mesmo cometer crimes estando em um ambiente prisional. A função que reprime o delito funciona com a ideia dos moldes antigos de punição, onde o individuo estando preso sentirá na pele os reflexos de sua conduta, funcionando esta como uma ideia que se o indivíduo voltar a delinquir será aquele ambiente que o aguarda novamente. A função de ressocializar é para retomar nos conceitos morais do indivíduo o convívio em sociedade, dando a ele meios de trabalho, estudo e assistência moral e social para que o mesmo não dependa mais do meio criminoso para sua subsistência e que entenda os efeitos de sua conduta criminosa e não volte a repetir, usando assim o Estado dos meios progressão de regime para retornar gradativamente o mesmo em sociedade.
O que se tem na execução penal brasileira no entanto é uma distorção do que se tem pelas teorias absolutos do conceito antigo que tratava de um direito baseado em Deus como divino, passando para teoria retributiva da pena dos conceitos modernos, tal distorção ocorre pelo fato de que a precariedade do sistema acaba trazendo a tona uma realidade de degradação humana, de superlotação e de falta de investimentos e mecanismos de proteção do Estado para com esses infratores, a qual é tema deste exposto. Segundo as palavras da doutrinadora Maria Lúcia Karam em uma obra antiga, porém que escancarara uma realidade semelhante até os dias atuais, aduz:
A privação da liberdade, o isolamento, a separação, a distância do meio familiar e social, a perda de contato com as experiências da vida normal de um ser humano, tudo isto constitui um sofrimento considerável. Mas, a este sofrimento logo se somam as dores físicas: a privação de ar, de sol, de espaço, os alojamentos superpovoados e promíscuos, as condições sanitárias precárias e humilhantes, a falta de higiene, a alimentação muitas vezes deteriorada, a violência das torturas, dos espancamentos e enclausuramentos em “celas de castigo”, das agressões, atentados sexuais, homicídios brutais. (Karam, p. 173)
Este fato se explica em porque o Estado é falho principalmente no ultimo quesito da função da pena, pois individuo ao sair deste ambiente degradante só leva consigo um sentimento de raiva e dor trazido por esta falsa sensação de repressão e ressocialização que o Estado tenta passar com o atual molde de execução penal.
5 CONCLUSÃO
A falta de recursos impacta diretamente no cumprimento das penas dos detentos inseridos no sistema carcerário nacional como o acesso a saúde, que por hora é o mais importante e nunca irá deixar de ser imprescindível, pensar em ferramentas para melhorar e ampliar o acompanhamento de saúde dos detentos bem como a modernização dos ambientes destinados a prestação de saúde aos detentos nos ambientes carcerários, observando com cautela e cuidado também a pessoa da apenada parturiente e gestante e dos indivíduos que mais necessitam de tratamento individualizado. Como base primordial, os mecanismos de atuação de profissionais que acompanham o desenvolvimento dos encarcerados devem ser ampliados e olhados como olhos diversos dos atuais, não os limitando em atuação, mas abrindo novos postos de trabalho com um investimento efetivo em seus planos de carreiras, bem como aumentar o ganho salarial destes profissionais como um todo, este é passo inicial a ser tomado em direção a melhoria destas instituições.
O Estado falha na pretensão punitiva ideal a qual se espera pela Lei de Execução Penal isto é fato, o que poderia ser feito em relação a isto é o já destacado investimento com maior efetividade na pessoa do detento, isso em relação a educação fornecida nesses estabelecimentos prisionais, fazer com que o detento tenha um acesso ideal a educação básica, é um ponto importante para se pensar em reversão no quadro da elevada taxa de reincidência, e mais que isso, o investimento em educação social com ferramentas de apoio psicológico e oficinas que ensinam novos trabalhos para os mesmos é igual a qual se deve ser buscado a todo momento pelo estado.
Pensar de forma inteligente e com respeito a pessoa humana do detento deve ser umas das principais funções do poder público que atua neste sentido, o aumento de verbas e a construção de novos estabelecimentos prisionais deve ser a prioridade neste pensamento, bem como deve ser ampliado também com o reforço de investimento o acompanhamento e a valorização dos profissionais carcerários que atuam neste setor, os capacitando e dando melhores condições de trabalho aos mesmos.
Se cumpridas as diretrizes e mandamentos da Lei de Execução Penal para a funcionalidade destes estabelecimentos os impactos seriam diretos na redução do elevado índice de reincidência criminal, bem como se poderia imaginar um cenário de cumprimento da pretensão punitiva do Estado, onde o pensamento do cumprimento das três fases da função da pena que tanto de espera seja um fator da ressocialização e inserção do indivíduo novamente na sociedade.
Diante disso, o Estado proporcionou um descaso enorme com esse sistema durante anos, pensar na reversão desse quadro e em políticas de maior destinação de verbas a esse sistema é algo que deveria ter sido feito a anos, todavia isto não é um processo que se mostra efetivo a curto prazo, devendo o Estado além de investir com mais efetividade, fiscalizar a aplicação destes recursos, porque só assim se poderia ter de fato uma mudança nesse sistema e se poderia enxergar um quadro de cumprimento quase que unanime ou perto de uma realidade eficaz da Lei de Execução Penal.
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Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul- SP, UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUCAS KALEBE DOS SANTOS ARAúJO, . Sistema prisional: a ineficácia ante a falta de investimentos no âmbito da execução penal e os altos índices de reincidência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59269/sistema-prisional-a-ineficcia-ante-a-falta-de-investimentos-no-mbito-da-execuo-penal-e-os-altos-ndices-de-reincidncia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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