RESUMO: O presente artigo aborda as características basilares do acordo de não persecução Penal, nova modalidade do Processo Penal Brasileiro que vem apresentando mudanças significativas. O respectivo tema apresenta grandes debates jurídicos acerca da possível aplicação do acordo a fatos pretéritos, desde as persecuções que estejam em curso até aquelas que já foram transitadas em julgado. Juristas e doutrinadores conflitam entendimento de cabimento e não cabimento, visto ao teor misto que a novíssima norma possui, levando então aos operadores do direito a necessidade de pesquisar, estudar e buscar as atualizações que o âmbito penal tem sofrido. Este artigo também traz a reflexão e análise do princípio da (ir)retroatividade da lei penal ao momento que ele está sendo inserido nos acordos de não persecução, verificando os reflexos em âmbito constitucional e criminal. Infelizmente o período de vacância da respectiva lei foi muito curto. Mudanças legislativas relevantes precisam de necessária maturação teórica para consequente aplicação prática, visto mormente a confissão do agente, as possíveis condições ajustáveis entre as partes e a atuação do magistrado nesse novo espaço de consenso.
PALAVRAS-CHAVE: Acordo de não persecução. Irretroatividade. Processo penal. Pacote anticrime. Direito penal.
ABSTRACT: This article addresses the basic characteristics of the non-prosecution agreement, a new modality of the Brazilian Criminal Procedure that has been showing significant changes. The respective theme presents major legal debates about the possible application of the agreement to past facts, from the prosecutions that are in progress to those that have already become final. Jurists and scholars conflict the understanding of appropriateness and non-appropriation, given the mixed content that the newest norm has, thus leading to the operators of law the need to research, study and seek updates that the criminal scope has undergone. This article also brings the reflection and analysis of the principle of (ir)retroactivity of the criminal law to the moment it is being inserted in the non-persecution agreements, verifying the reflexes in the constitutional and criminal scope. Unfortunately, the vacancy period of the respective law was very short. Relevant legislative changes need the necessary theoretical maturation for consequent practical application, especially given the confession of the agent, the possible adjustable conditions between the parties and the performance of the magistrate in this new space of consensus.
KEYWORDS: Criminal non-prosecution agrément; Irretroactivit; Criminal proceedings; Anti-crime package; Criminal law.
1 INTRODUÇÃO
Em virtude da excessiva burocratização dos necessários ritos judiciais, as mais diversas demandas de litígios e as deficiências estruturais, sejam financeiras e administrativas, grandes problemas foram gerados ao poder judiciário com o passar dos anos. A exemplo temos uma quantidade quase invencível de processos e uma morosidade nos andamentos, gerando insatisfação seja para a parte, seja para os que no meio estão envolvidos de alguma maneira.
A partir desse pensamento, partilhado entre as várias searas, que então surge o acordo de não persecução penal, inspirado em uma justiça negocial, tendo a estrutura “acordo contratual”, cumulada a uma confissão arrolada de critérios, levando então a praticidade dos membros do Ministério Público em ter o artifício contrário as formalidades de uma acusação com todas instancias judiciais, trazendo então o termo agilidade para prova.
Algo tão inovador, obviamente ensejou inúmeros debates doutrinários e jurisprudenciais, os quais certamente irão chegar em um consenso benéfico para uma aplicação mais pratica.
Sendo então o objetivo deste artigo, um tópico que se tornou importante com o passar das execuções dos ANPPs, foi a respeito de sua retroatividade e os limites dela, tudo com base na natureza jurídica dos mesmos, uma vez que poderá alterar e afetar diretamente inúmeros acusados, condenados e reeducandos, sendo então necessárias analises das diversas teses e interpretações a seguir apresentada, buscando um entendimento perene e consolidado para mais uma forma de composição no âmbito penal e criminal.
2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
O acordo de não persecução penal foi trazido pela Lei 13.964/2019, no artigo 28-A, do Código de Processo Penal, no intitulado ‘’Pacote Anticrime’’, haja vista, que o principal objetivo é o Ministério Público propor ao investigado o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
Inicialmente quando falamos da motivação para o surgimento do ANPP, podemos falar que foi quando o Conselho Nacional do Ministério Público- (CNMP), em sua Resolução nº181/2017 (com alterações na Resolução nº 183/2018), implementou um ato normativo primário, em que buscou sanar problemáticas relacionadas a tardança de resoluções dos processos judiciais criminais. Tudo isso com base nas reclamações feitas por parte dos servidores que compõem o Poder Judiciário e também a sociedade como um todo.
Também se segue Marcelo Oliveira da Silva, com o que diz a respeito da natureza jurídica do ANPP, de um início para um pensamento a respeito da temporalidade, aplicação e competência.
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) deve ser considerado como um negócio jurídico pré-processual de natureza extrajudicial operado na esfera criminal, a fim de se atingir um fim consensual, de modo a otimizar o sistema de justiça criminal com restrição da criminalização, por ser a medida necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
A aplicação do acordo relativizou a obrigação de propor a ação penal pública por parte do autor da ação penal, que em consequência, será objeto de demanda judicial somente os casos de maior relevância e que tenha lesionado bem jurídico plausível.
Em continuidade acerca da natureza jurídica do Acordo de Não Persecução Penal, Renato Brasileiro de Lima (2019) apresenta a tese de que este por sua vez, constitui um negócio jurídico extrajudicial, pois não se tem a presença de um juiz togado, tão somente do Ministério Público e do acusado acompanhado de seu advogado representante, sendo assim então sua natureza é extrajudicial porque não é pertencente ao judiciário realizar audiências a fim de estabelecer negociação, bem como promover a aplicação da ANPP, pois esta forma negociadora configura pratica extrajudicial.
2.1 Cabimento do ANPP
Tratando-se as especificações do cabimento do ANPP, é necessário conceitualizar e contextualizar, para isso Mauro Messias (2020, p. 20) nos diz que:
O acordo de não persecução penal, instituído pela Lei Anticrime no artigo 28-A do Código de Processo Penal, consiste no ajuste, em procedimento que apure crime de média gravidade, isto é, com pena mínima inferior a quatro anos (e. g. uso de documento falso, furto qualificado e embriaguez ao volante), entre o membro do Ministério Público (ou querelante) e o investigado, no qual sejam pactuadas condições (e não penas), com a obrigatória homologação do acordo pelo juiz das garantias (artigo 3º-B, XVII, do CPP).
A postura do Ministério Público, é prioritária e de necessário esclarecimento, uma vez que a ferramenta busca o enxugamento de situações futuras, “uma premissa parece-nos clara: o acordo de não persecução penal foi criado para as situações (futuras, a partir da vigência da lei) em que não tenham sido ainda recebidas as denúncias.” diz o Procurador Regional da República Douglas Fischer (2020). Em continuidade sobre o esclarecimento da funcionalidade do acordo de não persecução diz Renato Brasileiro (2020, p. 275):
Como espécie de exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, o acordo de não-persecução penal guarda relação muito próxima com o princípio da oportunidade, que deve ser compreendido como um critério de seleção orientado pelo princípio da intervenção mínima, o que, em tese, permite ao Ministério Público estipule regras de seleção conforme a política criminal adotada pela instituição.
2.2 Requisitos objetivos e subjetivos para a celebração do ANPP
No que diz respeito a parte objetiva e subjetiva da celebração do ANPP, primeiramente de maneira resumida, cabe como requisito objetivo, o não cabimento de Transação Penal, a confissão em toda complexidade, crime não praticado na vertente de violência doméstica ou familiar, ou contra mulher e não trazer as previsões hediondas. Nos requisitos subjetivos temos, a não reincidência justificada por habitualidade, na infração ou delito, também a não participação do investigado em organizações criminosas, sendo o acordo não suficiente para reprovação e prevenção de tais crimes, conforme o parágrafo pontuado de Diogo Toscano (2020) e Fábio Barros (2020).
Quando se fala em poder do Ministério Público no oferecimento da proposta de ANPP, refere-se à observância não só dos requisitos objetivos previstos, mas também na parcela de subjetividade deixada pelo legislador para a aplicação do instituto. Essa subjetividade está insculpida na expressão "desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime", permitindo que para determinados casos se possa deixar de oferecer o acordo.
O art. 28-A do CPP traz expressamente o regramento do ANPP, no qual está incluso os requisitos objetivos e subjetivos para a sua concessão. O referido dispositivo também traz a possibilidade de o Ministério Público eleger condição extralegal, para, cumulativamente, ser ajustada em proposta alternativa de acordo.
São requisitos legais objetivos do ANPP, portanto, vinculado ao fato: i) pena mínima cominada ao delito (pena mínima inferior a 4 anos); ii) ausência de emprego de violência e grave ameaça no cometimento do delito; iii) necessidade do cumprimento das funções político-criminais; iv) não envolver delito passível de transação penal; v) não tenha sido cometido no âmbito de violência doméstica ou familiar ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor; e, vi) a investigação criminal deve estar madura para o oferecimento de denúncia, não sendo, portanto, caso de arquivamento.
A respeito de que a investigação esteja madura (citada no item vi) para a realização e execução do ANPP, significa dizer que devem estar plenamente preenchidas as condições da ação penal, portanto deve existir a aparência de prática de um crime (fumus comissi delicti - Pode se entender por Fumus Commissi Delicti a comprovação da existência de um crime e indícios suficientes de autoria), devendo então existir legitimidade de parte (ou seja, a ação deve ser penal pública), a punibilidade concreta e logo contundente deve estar preservada não falando em prescrição a pretensão acusatória e deve estar presente a justa causa, consubstanciada pelos elementos informativos e probatórios mínimos que emprestem fundamento empírico para o oferecimento de denúncia (CABRAL, 2020, p. 88/114)
São determinados requisitos subjetivos, para que possa ser beneficiado pelo ANPP, ou seja, deverá cumprir determinadas condições pessoais, quais sejam: i) não poderá ser criminoso reincidente, habitual, reiterado ou profissional; ii) não ter celebrado ANPP, transação penal ou suspensão condicional do processo nos últimos 5 anos (período depurador), e; iii) deverá realizar confissão formal e circunstanciada da prática do delito. Pode se falar que os impeditivos de não ser o investigado um criminoso reincidente, habitual, reiterado ou profissional, já são a composição da estrutura basilar da política criminal de não conceder outros benefícios penais, bem como o ANPP.
Aqueles que já tenham se valido de outro benefício “despenalizador”, dependem da conduta ilibada de vida pregressa. Em observação importante a respeito do histórico da parte, o dispositivo legal em questão não exige o trânsito em julgado das ações penais em curso contra o investigado, até mesmo inquéritos policiais e outros procedimentos investigativos em andamento, o que sem dúvidas, fere o princípio da presunção de inocência.
2.3 Finalidades e objetivos a serem atingidos pelo ANPP
Celeridade, eficiência e economia processual, podem ser termos considerados pontuais para exemplificar a finalidade dos ANPPs, sendo como um remédio aos excessos de trabalho do sistema que rege a Justiça Criminal que segundo Cabral, podem ser resolvidos com as seguintes medidas:
i) o aumento proporcional do número de juízes e promotores para fazer frente ao excesso de serviço; ii) a descriminalização de delitos, a ponto de diminuir drasticamente o número de processos; e, iii) a ampliação substancial da possibilidade de celebração de acordos em matéria penal, fundamentalmente para os crimes de média e baixa lesividade. Por meio da ampliação substancial da possibilidade da celebração de acordos de natureza penal, fundamentalmente para os crimes de média e baixa lesividade, aparentemente, é a mais promissora, uma vez que a experiência prática dos outros países demonstrou que essa medida efetivamente acarreta uma diminuição sensível no tempo de tramitação processual. (2020, p. 44/50).
Ao lado da transação penal, o ANPP mitiga então a obrigatoriedade da ação penal pública, de ao haver a materialidade, o então oferecimento de denúncia é imposto para o Ministério Público adotar, figurando então a última chance para os investigados de fato isolado e primário, a respeitarem os bens jurídicos alheios e retornarem a vida pós-confissão.
É imperioso não deixar de fazer referência ao seu importante papel na possibilidade de diminuição da superlotação carcerária, assunto que se arrasta com o decorrer dos anos. O Ministério Público passa então a ter uma postura de resolução de conflito, dando uma transformação a sua atuação de somente interpor, deixando a judicialização para o último caso, tratando o princípio da obrigatoriedade penal com maior flexibilidade.
Nesse contexto, vale a transcrição da apresentação firmada pelo Ministro Ricardo Lewandowski à introdução da Regras de Tóquio no Brasil (2016, pág. 11), vejamos:
[...] Esse crescimento desenfreado da população prisional, dá-se em meio à sofisticação e o aprimoramento das formas de organização e funcionamento do aparato repressivo, notadamente sob a perspectiva de uma autorização legislativa mais punitivista. Inspeções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denunciaram, porém, que o ambiente prisional, no Brasil, ainda está marcado por outra modalidade de castigo, consistente na forma como é executado. Estruturas arquitetônicas em ruínas, celas superlotadas, úmidas e escuras e a falta de higiene qualificam, negativamente, um sistema de punições sem nenhum comprometimento com um prognóstico de não-reincidência. A superlotação desses espaços adiciona, inclusive, um componente agravante a todo esse contexto. Enfim, o instituto da prisão, no Brasil, assim como em todo o continente sul-americano, é um assunto que reivindica uma indispensável revisitação, notadamente porque a seletividade como opera o sistema penal, majoritariamente alcançando as populações menos favorecidas, econômica e socialmente, denota o quanto tentamos encobrir, através de respostas penais, situações que demandam outra modalidade de intervenção e interferência.
A titularidade de “réu” em uma ação penal, insere um enorme peso para a parte, visto a constante reprovação ou aprovação de vida pregressa em sociedade, atingindo diretamente e de forma instantânea aquela que vem a ser a reputação do denunciado. Dependendo da natureza do crime cometido, podemos dizer que as consequências serão eternas e extremamente negativas.
2.4 Execução do ANPP
Lima (2020, p,283) discorre que, uma vez homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz então devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. Deste modo, visa que após sua homologação ocorra a execução das condições elencadas com o compromissário.
É dada a competência para Vara de Execução o monitoramento e fiscalização do cumprimento do ANPP, obedecendo por óbvio as condições de cumprimento estabelecidas entre a parte passiva e o Ministério Público, assinaladas em um termo de compromisso e suas cláusulas, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, sendo ajustadas de maneira cumulativa e alternativamente:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
Caso o Magistrado considere inadequada, insuficiente ou abusiva as condições dispostas no acordo, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta, com anuência do investigado e seu defensor. Em continuidade uma vez cumpridas as condições, será dada a extinção de punibilidade, salvo em caso de descumprimento de qualquer das condições, fica a cargo do representante do Ministério Público, seja estadual ou federal, então o oferecimento da denúncia, visto que já se restou formulado o delito, tirando então a necessidade do ANPP e dando continuidade ao curso penal.
3.A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL NO DIREITO BRASILEIRO
A ideia de irretroatividade da lei penal, que traz consigo a exceção para sua aplicação quando mais benéfica ao réu, com um foco especial nas necessidades de reflexão da presença de segurança e liberdade. Nesse sentido, leciona Cesar Roberto Bitencourt:
A irretroatividade, como princípio geral do Direito Penal moderno, embora de origem mais antiga, é consequência das ideias consagradas pelo Iluminismo, insculpida na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Embora conceitualmente distinto, o princípio da irretroatividade ficou desde então incluído no princípio da legalidade, constante também da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. (BITENCOURT, 2007, p. 18)
3.1 Entendimentos doutrinários e dos tribunais sobre a retroatividade de lei benéfica
A retroatividade da lei mais benéfica, conforme o art. 2º, do CP, diz que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. Damásio de Jesus, em termos claros e objetivos, traz a definição literal em que “Constituição Federal, art. 5º, XL; CP, art. 2 o e parágrafo único: a lei posterior mais severa é irretroativa; a posterior mais benéfica é retroativa; a anterior mais benéfica é ultra-ativa.” Tal previsão constitucional trás que uma nova lei não poderá trazer uma consequência maior para um agente que praticou um ilícito, do contrário, poderá lhe beneficiar. Assim, caso ocorra de uma conduta tipificada ser descriminalizada, o sujeito condenado por sua prática poderá deixar de cumprir a penalização imposta (BORGES; FOGAÇA, 2013).
Assis Toledo (1994, p. 35-36), ao tratar da lei penal mais benigna traz os seguintes critérios:
Pode-se, entretanto, afirmar que, de um modo geral, salvo excepcional demonstração em contrário, reputa-se mais benigna a lei na qual: (…) d) se estabelecerem novas causas extintivas da punibilidade ou se ampliarem as hipóteses de incidência das já existentes, notadamente quando são reduzidos prazos de decadência, de prescrição, ou se estabelece modo mais favorável de contagem desses prazos; e) se extinguirem medidas de segurança, penas acessórias ou efeitos da condenação;
3.2 Entendimentos favoráveis e contra a retroatividade do acordo de não persecução penal
Deve-se ficar esclarecido e pontuado sobre a conceituação do princípio e as justificativas para sua aplicabilidade em normas materiais, tratando os ANPPs, em sua essência hibrida, ou seja, com aspectos de direito material e processual penal, será aplicada a retroatividade da lei penal benéfica. A previsão do Pacto de San José da Costa Rica, diz em seu art. 9º:
Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.
De maneira mais reflexiva e extremamente válida para a discussão-debate, dizem Leonardo Schmitt de Bem e João Paulo Martinelli.
Há quem possa argumentar que não é razoável, e muito menos exequível, que todas as condenações pretéritas tivessem de ser reformadas diante da nova legislação que passou a prever uma atenuação dos efeitos jurídico-penais por meio do ANPP. Este argumento, não obstante relevante, pode ser relativizado, definindo-se uma limitação temporal da retroatividade. A propósito, para obstar um efeito regressivo infinito, ainda nos resta definir até que momento o Ministério Público estaria obrigado a analisar o eventual preenchimento dos requisitos legais do acordo no que diz respeito às infrações pretéritas
A abjunção jurisprudencial e doutrinária, porém, não se restringe à irretroatividade ou retroatividade da legislação, pois, dentro do sistema retroativo estruturado, há que se estabelecer o marco temporal processual, até o qual se admitiu o alcance do ANPP, considerando que enquanto o legislador parece ter optado pelo recebimento da denúncia como termo final ao oferecimento do instituto, há posições que o aceitam até a prolação de sentença condenatória, em grau recursal e, até mesmo, após o trânsito em julgado, se segue então as reflexões especificas
3.2.1 Na Doutrina
Em contextualização favorável para o uso e aplicação da retroatividade perante os acordos de não persecução penal, se manifesta Ali Mazloum (2020, np)
Iniludível, pois, a natureza híbrida da norma que introduziu o acordo, trazendo em seu bojo carga de conteúdo material e processual. O âmbito de incidência das normas legais desse jaez, que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, deve ter aplicação alargada nos moldes previstos no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” Nesta senda, entendemos incidir também aos processos criminais em curso, apanhados pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal. Cabe ao Estado, agora, abrir ao réu a oportunidade de ter sua punibilidade extinta mediante a proposição de acordo pelo Ministério Público e consequente cumprimento das condições convencionadas.
No mesmo raciocínio, dando então bojo para o pensamento da doutrina majoritária, Lopes Júnior & Josita (2020), ressaltam que ao criar uma causa extintiva da punibilidade (art. 28-A, § 13, CPP), o ANPP adquiriu natureza mista de norma processual e norma penal, devendo retroagir para beneficiar o agente (art. 5º, XL, CF) já que é algo mais benéfico do que uma possível condenação criminal. Deve, pois, aplicar-se a todos os processos em curso, ainda não sentenciados até a entrada em vigor da lei.
3.2.2 No Ministério Público
O Ministério Público Federal, órgão fundamental dos ANPPs, se manifestou contrário a irretroatividade dos mesmos, defendendo no STF que acordo de não persecução penal só pode ser firmado até o recebimento da denúncia. Destacou-se o Parecer do Subprocurador Geral da República Wagner Natal Batista, emitido no dia 10 de janeiro de 2022, nos autos do RHC 209955/SC (0318237-54.2020.3.00.0000 - Relatoria do Min. Dias Toffoli), em trâmite no STF, no sentido de que “o ANPP não pode ser firmado após a condenação, devendo ser estabelecido o ato de recebimento da denúncia como marco limitador da sua viabilidade” (MPF, 2020).
3.2.3 Na Jurisprudência (TJ, STJ e STF)
Ao abrir casos que dão margem para precedentes, a fundamentação jurisprudencial segue divergindo, abrindo a possibilidade para que mais acordos sejam realizados em segunda instância. Na decisão no Habeas Corpus 199.180, proferida pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de relator o Ministro Gilmar Mendes, foi concedida a ordem para anular o trânsito em julgado do processo, suspendendo a execução da pena e determinando o retorno dos autos ao MP para análise dos requisitos exigidos para a celebração do ANPP. Nas palavras de Gilmar Mendes (2022, p. 9):
Portanto, o objeto deste HC não é o cabimento do ANPP, sua retroatividade ou limitação temporal, mas o fato de que houve uma decisão do órgão superior do MP, no sentido do oferecimento do acordo, que não foi implementada em razão da demora procedimental, em prejuízo do imputo, que havia requerido em tempo adequado a revisão nos termos do art. 28-A, § 14, CPP.
A decisão em tela, portanto, reporta-se ao posicionamento individual do Ministro Gilmar Mendes, que, no entanto, poderá levar o tema ao plenário, permitindo a discussão e definição, ainda que por maioria, do posicionamento do próprio Supremo Tribunal Federal a respeito do limite temporal de retroatividade da lei que instituiu o acordo de não persecução penal, em continuidade ao pensamento de cabimento positivo para tal.
Seguindo outra vertente, estão aqueles que contrariam a aceitação da retroatividade para os ANPPs, considerando o objetivo lógico com que ele foi criado, conforme destaca Laurita Vaz, em julgamento de Habeas Corpus.
O benefício a ser eventualmente ofertado ao agente sobre o qual há, em tese, justa causa para o oferecimento de denúncia se aplica ainda na fase pré-processual, com o claro objetivo de mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal.
Laurita observou que a consequência jurídica do descumprimento ou da não homologação do acordo é exatamente a retomada do curso do processo, com o oferecimento da denúncia, como previsto nos parágrafos 8º e 10 do artigo 28-A do CPP. Segue também o debate para a validação dos atos, nos termos práticos, sem o abandono da legislação processual, reflete o Procurador Regional da República Douglas Fischer (2020, np).
Não se pode esquecer que a legislação processual penal prevê (também) o princípio do tempus regit actum (a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior), que precisa a devida contextualização e compatibilização com as regras eventualmente penais previstas em mesmo dispositivo eventualmente existente (híbrido), como é o caso do ANPP: o art. 28-A do CPP é, de forma indiscutível, de caráter híbrido. A situação do ANPP definitivamente não é de regra exclusivamente processual, que faria com que, em caso de colisão com regra de cunho penal mais benéfica, preponderasse a primeira premissa. (falta o restante da jurisprudência)
4.CONCLUSÃO
É sabido perfeitamente que o ANPP, por si só, não é suficiente para resolver todos os graves problemas da Justiça Penal Brasileira, porém, sem sombra de dúvidas é trivial que a “redução” da carga de trabalho para Poder Judiciário e os órgãos que o compõem, dará recursos humanos e financeiros com maior destaque para os crimes elencados em maior periculosidade e gravidade, estes que por sua vez colocam a paz social em risco. Todavia, a aplicação prática do ANPP trouxe consigo divergências sobre qual seria o marco temporal limite para o seu oferecimento ao imputado, nos casos de crimes cometidos antes da vigência da lei, surgindo então várias teses, com diferentes marcos temporais, destacando-se o recebimento da denúncia o período até a sentença condenatória transitada em julgado e pôr fim a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado.
A utilização da retroatividade nas ações penais já em curso, para aplicação do ANPP, fere a estrutura basilar com que ele foi criado, sendo que a finalidade da norma, visa a não judicialização criminal, portanto, a interpretação que conclui pela possibilidade de celebração do ANPP após o recebimento da denúncia e a qualquer tempo, com base na retroatividade da lei mais benéfica, não merece prosperar, tendo em vista sua não exclusividade material, seu caráter hibrido de norma e o oferecimento de denuncia sendo critério de aceitação e rescisão de ANPP, conforme constantemente já exposto.
No decorrer da pesquisa foram abordados variados posicionamentos doutrinários, notadamente “os favoráveis à retroatividade penal benéfica mesmo após o trânsito em julgado”, por ser a tese que parece mais conforme à Constituição Federal. Já na Jurisprudência, diversos julgados foram analisados, restando constatado que é necessária a avaliação das discordâncias que comprovam que a adoção de certas diretrizes não deve ser precipitada, visto a importância do ANPP para a sociedade como um todo, postergando o seu período de vacância tão insuficiente e curto para tal ferramenta criminal, para o óbvio se requer muita cautela e é sempre salutar duvidar de certezas absolutas.
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SILVEIRA, Eraldo Ribeiro Aragão - Acordo de Não Persecução Penal - Art. 28-A do CPP. Disponível em: https://eraldoaragao.jusbrasil.com.br/artigos/839865077/acordo-de-nao-persecucao-penal-art-28-a-do-cpp Acesso em: 28/09/2022
SOUZA NETTO, José Laurindo de; LEAL, Jenyfer Michele Pinheiro; GARCEL, Adriane. Limites à retroatividade do acordo de não persecução penal no pacote anticrime. Pacote Anticrime. Organizadores: Eduardo Cambi, Dani Sales Silva, Fernando Marinela. Curitiba: Escola Superior do MPPR, 2020, pp. 169-186. v. 1. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal//images/Publicacoes/documentos/2020/Anticrime_Vol_I_WEB.pdf.
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Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, JULIA DE VILHENA. Acordo de não persecução penal: Análise da Retroatividade do Acordo de Não Persecução Penal em ações penais em curso e sua composição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2022, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60026/acordo-de-no-persecuo-penal-anlise-da-retroatividade-do-acordo-de-no-persecuo-penal-em-aes-penais-em-curso-e-sua-composio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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