ISRAEL ANDRADE ALVES [1]
(orientador)
Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso tem a finalidade de apresentar as influências que a mídia pode causar para o processo penal no caso da Boate Kiss e nas decisões do Conselho de Sentença, discorre sobre a estrutura e o funcionamento do tribunal do júri. E ainda, como fere os princípios fundamentais assegurados pela Constituição como a liberdade de imprensa e a presunção da inocência. Além de analisar como a mídia influencia na votação dos jurados leigos e como pode ser prejudicial para o julgamento nos casos de grande repercussão, relatando como o sensacionalismo atua na formação do comportamento do indivíduo no direito penal. Diante disso, a análise é feita sobre um estudo teórico, com objetivos descritivos, utilizando-se de metodologia qualitativa e com referenciais bibliográficos, doutrinários e artigos de modo geral.
Palavras-chave: Boate Kiss, Influência, Mídia, Tribunal do júri.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem a finalidade de apresentar as influências que a mídia pode causar para o processo penal, especialmente no rito do tribunal do júri no caso da Boate Kiss.
A imprensa, com todo seu poder de persuasão, pode apresentar um pré-julgamento na sociedade e com isso influenciar os julgadores. Ao passo que incidem na formação de opiniões das pessoas que são leigas em relação às leis, e considerando que são essas pessoas que compõem o conselho de sentença.
Nessa perspectiva, é importante apresentar uma análise no caso da Boate Kiss. Pontua-se de forma clara os elementos relacionados com a vinculação entre tribunal do júri e a mídia social, elencando a imparcialidade e seus efeitos quanto à sentença dada pelos juízes. Vão ser abordados princípios como a soberania dos veredictos e a liberdade de informação, além de trazer o interesse social. O tema poderá contribuir para prevenir ou alertar, além de ajudar a identificar casos futuros, e ainda, acarretar ao leitor um olhar sobre as duas óticas e como cada uma se entrelaça no julgamento.
O objetivo geral da presente pesquisa é apontar negativa de interferência e como pode ser prejudicial para os julgamentos dos crimes que vão ao plenário do júri, principalmente os de grande repercussão midiática e populista.
Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: descrever o evento que envolve o incêndio ocorrido em Santa Maria, no dia 27 de janeiro de 2013, na Boate Kiss, e demonstrar a influência da imprensa no decorrer do caso; compreender na Constituição Federal brasileira o funcionamento da instituição do tribunal do júri, sua estrutura e competência para julgamento dos crimes contra a vida; e analisar o sensacionalismo na formação de comportamento político e social do indivíduo frente ao direito penal.
A classificação da pesquisa quanto aos seus objetivos é a descritiva, dado que descreve situações pessoais, vivências, entre outras (Lüdke e André 1986). A pesquisa tem o objetivo de analisar preceitos através de um estudo teórico que utiliza de metodologias já abordadas, com abordagem qualitativa (Minayo. 1994), na qual expõe dados subjetivos, ligados à motivação, valores, comportamentos ou emoções na qual não podem ser quantificadas numericamente, e é realizada com procedimentos bibliográficos, doutrinários e artigos em geral.
1 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL
Incorporado na Constituição Federal brasileira como instituição, o tribunal do júri, considerado de modo não expressamente como órgão do Poder judiciário, se encontra detalhado no código de processo penal.
No Brasil, sua composição é formada por um Juiz Presidente (togado), e de vinte e cinco jurados leigos, em que deles sete tomam frente no Conselho de Sentença, e é atribuindo-lhe como competência o julgamento dos crimes contra a vida (art.74, § 1.º, do CPP). Classificado como uma das garantias individuais e fundamentais (art. 5.º, XXXVIII, CF), não podendo ser extinto do ordenamento pátrio, nem mesmo por emenda constitucional, por se tratar de cláusula pétrea (art. 60, § 4.º, IV, da CF).
Os crimes de competência do tribunal popular elencados no código penal brasileiro são: homicídio simples (art. 121, caput); privilegiado (art. 121, § 1.º), qualificado (art. 121, § 2.º), induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e as várias formas de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127). Contudo, não impede que o tribunal do júri julgue outros delitos, desde que seja conexo dispostos nos arts. 76, 77 e 78, I, CPP, com um crime doloso contra a vida, como por exemplo: latrocínio, extorsão mediante sequestro e estupro com resultado morte, e demais crimes em que se produz tal resultado.
Desse modo, tratando-se de uma garantia individual, ao devido processo legal, na qual todas as pessoas têm direito a um julgamento justo e imparcial, assegurando-lhe o contraditório, a ampla defesa e o processo legal independente da sua sentença. O instituto em questão é de cláusula pétrea, isto faz com que não possa ser mudada pelo ordenamento jurídico, todavia pode ser ampliada, visto que impede o esvaziamento, essa garantia faz com que o povo participe diretamente no Poder Judiciário.
1.1 Competência e Procedimento do Júri
A ocorrência do crime quanto da infração penal passa por um procedimento especial pré-processual que sucede de um inquérito, trata-se de uma investigação realizada pela polícia com o intuito de encontrar provas de materialidade e autoria, e sejam suficientes para ser encaminhada ao Ministério Público, órgão responsável por oferecer denúncia ou queixa (ao autor, em caso de ação privada). E caso as provas sejam insuficientes se encerra até que novos indícios advenham. Com isso, Nucci (2021), recorda que, diante de um juiz, colhem-se provas sob a análise do contraditório e da ampla defesa, onde não é arguida na fase do inquérito, e após a instrução, reconhece se é possível ou não levar a plenário, no Tribunal do Júri.
A visto, quando se é levado a matéria ao tribunal do júri, é importante ressaltar que o povo, que fará parte do corpo de jurados, não dará voto fundamentado. Vale lembrar que também podem errar, além do voto ser sigiloso, podendo condenar ou absorver, por isso a depender da tese é importante antes haver uma análise crítica pelo juiz magistrado.
Foi elaborado pela Lei 11.689/2008, a audiência única, onde se deve apresentar as provas produzidas e ainda serão ouvidos os ofendidos, as testemunhas arroladas pela acusação e defesa, sendo nessa ordem, e os peritos, caso tenha. Por conseguinte, as acareações e reconhecimentos de pessoas e objetos, vindo depois a interrogação do acusado em seguida o debate e a decisão do juiz. (art. 411). Mas com o fim da instrução há possibilidade do art. 384 CPP, e não sendo o caso, as partes vêm a debate oralmente, esse debate segue no prazo de vinte minutos para cada parte, adiável por mais dez, caso tenha assistente de acusação, este tem direito a dez minutos, neste caso, mais dez minutos à defesa. Contudo, vale lembrar que pode vir a ocorrer outra audiência se caso faltar uma testemunha de acusado e a defesa vir a não concordar com a inversão de ordem de inquirição, além de correr o risco de mudar a data e outra pessoa vir a faltar, ressalta-se que o magistrado pode separar a instrução.
O rito do tribunal segue com base nos arts. 406 a 412 do Código de Processo Penal até a etapa do arts. 413 a 419, composta por duas fases, chamados procedimentos bifásicos. A primeira fase tem início a partir do recebimento da denúncia, que deve conter o rol de testemunhas com no mínimo oito, e termina com a decisão de pronúncia, (pode também ocorrer a impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária). Já a segunda fase tem como início a intimação das partes e indicação de provas, finalizando com a decisão do trânsito em julgado do veredito do tribunal do júri. O autor Norberto Avena (2021.) esclarece que essa divisão ocorre para assegurar que ao colocar uma pessoa no banco dos réus não tenha o mínimo de provas sobre os fatos ou a ilicitude de seus atos, tentando impedir que o processo sem o mínimo de elementos conduza o réu ao tribunal do júri.
Prosseguindo com a instrução, com base na ordem, ocorre a apresentação da resposta à acusação, alegando a sua defesa e a arguição de preliminares, se vim ao caso, além de apresentar documentos, justificativas (excludente de ilicitude), provas e arrolar testemunhas, devendo ser oferecida no prazo de dez dias conforme o art. 406 caput, e § 3.º. Caso não seja apresentado no prazo de dez dias, o juiz deve nomear defensor e reabre o prazo de dez dias, ademais, concede-se vista aos autos (art. 408). Dando seguimento ao procedimento, após a preliminar e a juntada de documentos, o magistrado, no prazo de dez dias, analisa o que foi juntado e designa audiência de instrução e julgamento, ainda determina a realização das diligências cabíveis (art. 410), e sem demora, o juiz de modo facultativo deve ao réu pronunciá-lo ou impronunciá-lo, absolvê-lo sumariamente ou desclassificar a infração penal, concluindo no prazo de 90 dias.
Seguindo a pronúncia (art 413 do CPP), onde foi admitido o suficiente de autoria e prova material do fato, e principalmente o dolo, e não tendo dúvidas, o processo é submetido ao tribunal do júri. Norberto Avena (2021), reitera que, é nesse momento que funciona o princípio do in dubio pro societate, que tem ligação com a materialidade do crime e o in dubio pro reo, e quanto a pronúncia, reforça que essa faz coisa julgado formal, quando esgotada todas as vias.
Nos termos dos artigos 422 a 424 do Código de Processo Penal, segue preparação para o julgamento perante o plenário, segue-se pela notificação ao MP ou o querelante, e do advogado, para que no prazo de cinco dias apresente no máximo, cinco testemunhas, apresenta também as diligências deferidas, repara as eventuais nulidades, esclarece os fatos, e faz o relatório do processo. Seguindo pelos artigos, no 479 do CPP, deverão constar nos autos, com antecedência de três dias úteis, eventuais documentos ou objetos que desejem apresentar, sendo a outra parte informada sobre.
As situações que podem vir a ocorrer o desaforamento, previsto no artigo 427 e 428 do Código de Processo Penal, trata-se da decisão que altera a competência jurisdicional, avaliada pelo tribunal superior, pode se dar em várias situações. Contudo, é importante destacar quando é de interesse público, com foco na segurança existente na comarca na qual o júri será realizado. Então, havendo indícios e motivos que podem provocar conturbação, deve-se haver o desaforamento. Desse modo, o doutrinador Nucci (2021) ressalta que o sensacionalismo da imprensa do lugar ajuda para que tenha essa agitação, e por vezes não é demonstrado a comoção real das pessoas, além de ser discutido em todos os setores da sociedade e por consequência acaba incidindo os jurados à apreciar um dos lados, ocasionando a imparcialidade do Conselho de Sentença, como no caso em análise.
Por conseguinte, a organização do tribunal segue a Lei (art. 453, CPP), em uma lista geral de jurados anual, são sorteados 25, que comparecem à sessão (art. 433, caput, CPP). O sorteio deve ser acompanhado pelo Ministério público, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública, em horário marcado pelo juiz, (art. 432, caput, CPP), seguido de edital que deve constar o nome dos jurados sorteados e data em que ocorrerá o júri, exposto no fórum (art. 435, CPP), em sequência a intimação dos jurados pelos meios que dispõe o artigo 434, CPP.
A função de juízes leigos é considerada de servidor público, diante disso, fica excluído qualquer desconto em seus salários ou outros dessa modalidade, quando este for obrigado a comparecer na sessão (art. 441, CPP), contudo, não há remuneração para esse trabalho. Após a publicação da lista que sempre ocorre no dia 10 de novembro e alterada alguma mudança, se houver, é publicada a lista definitiva (art. 426, § 1.º, CPP). Com a entrada da Lei 11689/2008, impõem a idade mínima para ser jurado, mínimo 18 anos e máximo de 70.
No começo da sessão vale ressaltar aos jurados o modo de agir sem exposição e com ampla liberdade para formação do seu convencimento, e sobretudo, garantido a incomunicabilidade, porém, podem fazer perguntas ao réu, por intermédio do juiz, (art. 474, § 2.º, do CPP). Com o fim dos debates, assegurando o princípio do sigilo das votações, os jurados são encaminhados para a sala secreta para se decidir sobre o caso, na votação pelos jurados, todos recebendo duas células, uma com a palavra “sim” e outra com a palavra “não” (art. 486, CPP). Após o juiz dar início à votação, é passado pelos jurados uma urna para que seja depositado a célula com o seu voto, na contagem é feito uma por uma até atingir quatro votos pelo sim ou pelo não, encerrando a contagem, com a decisão da maioria como determina o art. 489 do CPP.
Para terminar, após a votação, o juiz lavrará a sentença e as demais fundamentações da pena, bem como deve conter todas as principais ocorrências e protestos que ocorreram durante o julgamento nos termos da audiência ou no prazo de dez dias, ordenando que os autos sejam conclusos. Com relação à sentença, a dosimetria da pena segue um sistema trifásico (art. 68, CP): a) estabelece a pena-base (art. 59, CP); b) insere as agravantes e atenuantes; c) considera os aumentos e diminuições da pena, quando encerra a votação dos jurados, o magistrado passa a lavrar a sentença, seguindo as regras do artigo 492 do CPP. Caso o réu venha a ser absolvido, o réu será solto de imediato, caso esteja preso.
1.2 Os Princípios do Tribunal do Júri
A Constituição em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, deixa explícito os princípios constitucionais referentes ao tribunal do júri.
O princípio da Plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII, alínea “a”, CF); consistente na garantia da pessoa não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem passar por um processo legal, que inclui o de ser ouvido, de se manifestar, de ter uma defesa técnica, entre outras, em todas as áreas, como cíveis, penais e até em processos administrativos.
O autor ainda cita o sigilo das votações (art. 5º, LX CF), que é garantido pela incomunicabilidade e pela sala secreta, pois assegura o jurado na manifestação silenciosa de seu voto sem interferência de outras pessoas. No código de processo penal em seu art. 485, “caput”, ainda deixa claro que o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça permanecerão na sala de votação.
Em decorrência ao princípio citado acima transcorre o princípio da soberania dos veredictos, representa a vontade popular, também sendo de garantia constitucional, faz com que a decisão proferida pelo Conselho de Sentença não possa ser modificada. Quanto ao mérito, todavia, podem ser recorridas e definitivas, como afirma Brasileiro (2020), que o acusado pode vir a ser submetido a um novo julgamento perante o tribunal do júri, (CPP, art. 593, III, “d”, e § 3º). E se ressalta ainda que esse órgão especial não tem poder ilimitado.
Contudo, a afirmação do mesmo acrescenta ainda que recaem em cima da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, onde menciona que é de competência do tribunal do júri processar e julgar esses crimes, que são o homicídio (CP, art. 121), o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio – e não a participação em automutilação104 (CP, art. 122, com redação dada pela Lei n. 13.968/19) –, o infanticídio (CP, art. 123) e os abortos (CP, arts. 124, 125 e 126), e evidencia que os crimes conexos e/ou continentes também vão a julgamento no plenário, com exceção dos crimes militares ou eleitorais.
2 A IMPRENSA E SUA IMPORTÂNCIA EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Regulamentada pela lei de nº 2.083, de 12 de novembro de 1953 e pela constituição federal de 1988, artigo 220, rege-se a liberdade de imprensa, onde assegura a livre publicação, mas também pondera a questão do abuso de tal exercício, dado que, as ferramentas de notícias ganharam grande proporção nas suas divulgações. É considerada uma ponte para aproximar as pessoas do que se passa longe delas, uma visão para mostrar o que fazem de bom ou ruim, e há uma ligação entre o que se retrata e a apresentação da informação ao seu destinatário. Em alguns casos seria ideal apresentar os dois lados para que ficasse livre para as pessoas decidirem em quem acreditar, mas nem sempre é assim, podendo interferir na formação da opinião, como explica Barbosa (2019):
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988).
Para construirmos uma sociedade democrática, precisamos ter uma imprensa livre e honesta. Todavia, essa liberdade é limitada, e a honestidade nem sempre se exerce, pois a verdade é exposta de acordo com os interesses de cada jornal, além de possuir uma necessidade imperativa, influi no comportamento e no senso crítico das pessoas sobre a realidade de cada caso, pois quando é exposta na mídia, adquire um caráter coletivo.
Ademais, sendo uma espécie de poder influente, a atuação de forma irresponsável da mídia causa danos e viola valores democráticos. Todavia, é atribuída ao jornalismo uma atividade primária, por este expor suas ideias em prol de ações políticas para consolidação do estado, e deve adquirir condutas que resguardem os direitos.
Desse modo, deve garantir constantemente essa segurança ao povo, fazendo sempre prevalecer a verdade e pensando no bem comum por se tratar a informação de uma necessidade social, visto que a imprensa deve se tornar um instrumento na preservação dos direitos fundamentais.
3 O SIGILO E O DIREITO DE INFORMAÇÃO NO DIREITO JURÍDICO BRASILEIRO
A constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, XIV, XXXIII, reconhece o acesso à informação como direitos e garantias fundamentais. Encontram-se alguns dos limites a esse direito, como a segurança, o direito à privacidade, e a proteção à intimidade.
Continuamente regulada pela lei de nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, a liberdade de manifestação do pensamento e de informação é reforçada pela Convenção internacional de direitos humanos, Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, que dispõe expressamente:
Art. 13º: Liberdade de pensamento e de expressão: 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. (Decreto No 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 1969).
Todavia, por mais que seja assegurado o direito de receber essas informações, esse poder se limita a depender da situação, como é o caso da votação no tribunal do júri, um direito também protegido pela constituição, em seu artigo 5º, XXXVIII, b, e pelo código de processo penal em seu artigo 487, que corre sob sigilo, onde assegura a contagem dos votos que cessa no quarto voto sim, ou quarto voto não, pois se caso venha a ser retirado os sete votos da urna, se faz possível identificar quem condena ou absolve o réu. Dessa maneira, é necessário para evitar que os jurados passem por algum tipo de chantagem, pressão, entre outros, que impeça a sua livre manifestação. Contudo, somente o voto é secreto, o resultado e demais atos da sessão serão divulgados e constatados em ata pelo juiz.
Inerente à informação, para Flávio Cruz Prates e Neusa Felipim (2008) deixam claro que:
“Cumpre observar que o direito de informar, ou ainda, a liberdade de imprensa leva à possibilidade de noticiar fatos, que devem ser narrados de maneira imparcial. A notícia deve corresponder aos fatos, de forma exata e factível para que seja verdadeira, sem a intenção de formar nesse receptor uma opinião errônea de determinado fato. O compromisso com a verdade dos fatos que a mídia deve ter vincula-se com a exigência de uma informação completa, para que se evite conclusões precipitadas e distorcidas acerca de determinado acontecimento”. (PRATES e FELIPIM, 2008, p. 34).
À vista disso, esse direito também está relacionado com a propagação de informações falsas, também chamadas de fake news, e sabemos que a população não tem muitas vezes a capacidade de diferenciar os fatos verdadeiros com os construídos pelas mídias. Havendo uma preocupação de como a sociedade pode reagir com essas informações, busca ainda através desse meio saber como o judiciário agiu diante do caso.
Afinal de contas, o Estado deve apurar e assegurar que a divulgação de fake news não afete a vida das pessoas, através da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Fake News, implantada no Congresso Nacional, que tem como função investigar informações. Pois uma notícia falsa em um jornal de grande alcance pode causar uma dilaceração gigantesca, é explícito a falta de ética profissional com a forma de divulgar os fatos.
4 SENSACIONALISMO, DIREITO PENAL E SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
O jornal foi criado como forma de elevar o interesse de grupos e indivíduos, publicando notícias, expondo suas posições, opiniões e informações através de uma indústria-tecnológica. Uma vez que atua juntamente com grupos econômicos, sociais e políticos, se tornando grandes detentores de poder e comercialização. À vista disso, não se mostra os dois lados de uma notícia com a mesma força, de um lado é abafada e silenciada e do outro uma esfera grande de jornal com monopólio de audiência. Se não for assim, não existiria uma imprensa sem capital e um capitalismo sem imprensa, levando em consideração que cada jornal tem uma visão específica pautada em seu público e local. De acordo Marcondes Filho, Ciro. (1989), que reforça ao dizer que:
“Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isso a informação sofre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo. Além do mais, ela é um meio de manipulação ideológica de grupos de poder social e uma forma de poder político, Ela pertence, portanto, ao jogo de forças da sociedade.” (MARCONDES, 1989, p. 13).
Assim, afirmamos que o ponto principal é o lucro, e a melhor forma de captar é fazendo da notícia algo marcante a começar pela manchete, de forma apelativa, que chama atenção, dessa maneira vai transformando os acontecimentos em mercadoria, caso contrário, não há venda e troca de valores.
Ligado ao capitalismo, o jornalismo também vem com o problema do sensacionalismo, que para Angrimani Sobrinho (1995, p. 16), “é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato." e ainda pontua que “é utilizado um tom escandaloso, espalhafatoso".
À vista disso, as notícias sensacionalistas expõem em sua estrutura aspectos que instigam o interesse humano, a curiosidade, o impacto, e a ganância por espetáculos ligados ao que é catastrófico e ruim. Com a linguagem que apresenta ao público em forma de publicação de textos manipuladores e narrativos focados em palavrões e fotos chocantes, voltada à violência e distorção, e é na maneira como é alterada que ganha visibilidade, como afirma Guy Debord (2003. p.14) que “O espectáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens". Pois tudo que vivemos pode se tornar um espetáculo ao ser anunciado para a sociedade e como são expostas e interpretadas, perante a ideia de que nem tudo que é de interesse individual é jornalístico, mas ao ser trabalhado, torna-se mercadoria.
É um embate com o direito penal e com a Constituição Federal, ao imaginar que quando um jornal publica sobre a vida de uma pessoa que está sendo ré em uma ação penal expondo detalhes de sua vida íntima, na situação descrita, lesa direitos e princípios, como o direito à vida privada artigo 5º, inciso X, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” e a liberdade de imprensa e de expressão (artigo 5º, IV e IX), onde o cidadão pode criar ou ter acesso a vários meios de comunicação e propagação de notícias, e se expressa através da manifestação do pensamento, assegura a emissão de opinião, ideias ou similar sem a interferência do governo. Todavia, é importante ressaltar que esse direito se limita, principalmente, quando é usado para calúnia (Art. 138 CP- Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga, difamação (Art. 139 CP - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação ou injúria (Art. 140 CP – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro).
Em síntese, a imprensa sensacionalista foca em satisfazer instintivas do público por meio de notícias sádicas e caluniosas das pessoas, que ao trabalhar o emocional coletivo, desencadeia atos preconceituosos de ódio e violência contra grupos minoritários, que já sofrem na cultura estrutural social. E por esses veículos de imprensa terem um alcance muito grande pode causar ações em massa, pois o importante é dar ao público o que eles querem, como reitera o autor Marcondes Filho, Ciro.(1989), e ainda afirma que o jornal sensacionalista apela pro sentimental, principalmente na dor popular, dando a ilusão de solidariedade e de apoio.
Contudo, é assegurado pela Lei de Execução Penal (LEP), em seu artigo 40, inciso VIII, “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”, pois qualquer preso pode ser tratado de forma humilhante. À vista disso, deve ser preservada a sua dignidade e proteção contra a mídia, pois não é por que se encontra preso ou respondendo por um processo penal que este fica isento de direitos.
5 O CASO DA BOATE KISS – INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA PRONÚNCIA, JULGAMENTO EM PLENÁRIO E CONDENAÇÃO
Conforme dados obtidos no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o caso em questão se trata do incêndio ocorrido na Boate Kiss, localizada em Santa Maria/RS. A tragédia ocorreu no dia 27 de janeiro de 2013, onde deixou 242 mortos e mais de 600 feridos.
O incêndio ocorreu durante uma apresentação da banda “gurizada fandangueira”, que em suas apresentações utilizava efeitos pirotécnicos. No dia do acidente, o efeito atingiu o teto do local, que de imediato pegou fogo.
No processo criminal ganhou o número 001/2.20.0047171-0. Segundo o art. 413, CPP, “o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”. Com isso foram indiciadas 4 pessoas, levadas ao plenário do tribunal do júri e condenados pelas seguintes penas: os empresários e sócios da Boate Kiss, Elissandro Callegaro Spohr com penas de 22 anos e 6 meses, e Mauro Londero Hoffmann com 19 anos e 6 meses, o vocalista da Banda “Gurizada Fandangueira”, Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Bonilha Leão por 18 anos, que responderam por homicídio simples (Art 121 CP. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos.), e homicídios tentados com dolo eventual. Contudo, em razão do Habeas Corpus preventivo que foi concedido pela 1ª Câmara Criminal, suspende a prisão dos réus, vale lembrar ainda a transferência (desaforamento) de julgamento para outra comarca, passando a transmitir em Porto Alegre, na Capital.
Os autores ESTEFAM, A; LENZA, P; GONÇALVES, V. E. R (2022, p.869), explicam que:
“No dolo eventual, que se verifica quando alguém assume o risco de produzir determinado resultado (embora não o deseje), o resultado não é inerente ao meio escolhido; cuida-se de um evento que pode ou não ocorrer. “
Após a condenação, o Presidente Luiz Fux, deixou claro que:
“Ao impedir a imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri, ao arrepio da lei e da jurisprudência, a decisão impugnada abala a confiança da população na credibilidade das instituições públicas, bem como o necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenação social”.
No que tange o desaforamento, o deslocamento da competência de uma comarca para outra, assegurada nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal, acontece muito em casos midiáticos, como no caso Kiss, onde o Ministério Público dirigiu-se ao Tribunal Superior de Justiça (STJ), com a tese de que os julgamentos na cidade do ocorrido (Santa Maria - RS) seriam imparciais, visto que a cidade ainda estava sobre comoção social e poderia influenciar os jurados de lá.
O processo é considerado uma garantia, assegura que o acusado tenha a possibilidade do contraditório e da ampla defesa, cabendo ao Poder Judiciário efetuar o devido processo legal, onde define o fato, a culpa ou não do acusado, a conduta lícita ou ilícita e a quantidade da pena. No caso dos crimes contra a vida, que se encaixam no incidente em questão, o órgão jurisdicional é formado por juízes leigos, sobre o comando de um juiz togado, (como explicado tópicos acima). Argumenta Vicente Grego Filho (2015), reafirmando que, de acordo com o que ficou decidido entre os jurados, o juiz acata, mas que acha um “fracasso” essa missão dos leigos, visto que o mesmo não tem um preparo, que um juiz togado para lidar com a pressão midiática e sem o conhecimento jurídico necessário, ofendendo assim, direitos e garantias constitucionais.
Dessa forma Andrade (2021. p.43), expõe que:
“A falta de conhecimento jurídico são propagadas informações distorcidas sobre atos judiciais, bem como uma série de críticas infundadas a determinadas decisões prolatadas, conduzindo a opinião pública ao erro, e consequentemente ao desmerecendo da atuação do Poder Judiciário.”
À vista disso, a publicação dos fatos relacionados aos crimes faz com que os suspeitos sejam tratados como condenados antes mesmo da sentença condenatória do trânsito em julgado, ferindo os princípios da presunção da inocência e o devido processo legal.
Ada Silveira (2018.p.9), em seu artigo, retrata bem a enorme cobertura pela televisão e internet, tratando a tragédia de forma “sensacionalista, apelativa e interpelativa'', pois um caso desses provoca crítica, exploração e exposição jornalística.
CONCLUSÃO
Percebeu-se o poder de influência que a mídia tem sobre toda a sociedade, e até mesmo sobre os membros que compõem o plenário do júri, pois através de seus canais vem inserindo uma formada opinião, que muitas vezes não respeitam os princípios éticos e morais e nem mesmo a veracidade acerca dos fatos. Contudo, se torna perigosa diante da mídia sensacionalista, que se aproveita da dor da perda e da comoção social, induzindo o corpo de jurados, estes formados por pessoas alheias e que tem acesso a todos os meios de comunicação social, e são estas que são persuadidas, alienadas e intimidadas pela mídia, intervindo, assim, no veredito, ocasionando consequências que incidem sobre a imagem, a honra e a privacidade do indivíduo.
No caso em estudo, descreve-se o quanto ocorreu essa interferência e pressão sofrida por parte da mídia e da população por ser um caso de grande repercussão e grande quantidade de pessoas envolvidas, tanto vítimas, quanto acusados, ocasiona em decisões as quais foram fundamentadas pelo juiz como uma grande reprovação social, e como a liberdade deles impactaram a sociedade. Diante de tudo isso, é correto afirmar que tem que haver uma balança entre o direito e a informação com coerência e imparcialidade.
Portanto, é necessário esse equilíbrio entre o direito e a informação, pois ambos são assegurados pela Constituição, mas com poderes limitados para que um não acabe passando por cima do outro, preservando a liberdade de imprensa, bem como o princípio do contraditório, ampla defesa e da presunção da inocência.
Diante ao exposto, para assegurar um julgamento justo e imparcial, seria viável que os membros que compõem o plenário sejam compostos por cidadãos de notório saber jurídico, ou que tenham o mínimo de conhecimento acerca dos princípios constitucionais e do direito penal, para que tenham segurança em seus votos e que não sejam tão influenciados pelos noticiários.
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[1] Mestrando em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins e Escola Superior da Magistratura Tocantinense. Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Prática Criminal na Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins.
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Natálya Silva. A influência da mídia no tribunal do júri: uma análise do caso da boate Kiss Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60186/a-influncia-da-mdia-no-tribunal-do-jri-uma-anlise-do-caso-da-boate-kiss. Acesso em: 22 nov 2024.
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