RESUMO: O presente estudo teve como objetivo averiguar a eficácia da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva no curso persecução penal, de modo a demonstrar que a prisão domiciliar não se mostra eficaz, principalmente em se tratando de delitos de colarinho branco, como a corrupção, por exemplo. Nesse sentido, a pesquisa se classifica como dedutiva, descritiva e bibliográfica. Onde se constatou que a utilização desarrazoada da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva no curso da persecução penal, como comumente se tem visto, principalmente, em se tratando dos crimes de colarinho branco, não se mostra eficaz, seja porque não há meios efetivos de monitoramento do investigado, o que pode comprometer a investigação criminal, seja porque incute na sociedade a sensação de privilégios e vantagens a determinados grupos de criminosos. Esses casos que envolvem figuras públicas desencadeiam desconfiança generalizada em se deflagrar impunidade, dada a influência econômica, social e política, o que não pode por si só impedir que lhe seja dispensado o mesmo trato dispensado aos demais, ou que se altere entendimentos que vinham sendo consolidados, não fosse a expectativa que geraria nas demais presas, os argumentos poderiam ter sido acolhidos e a partir de então se apregoe um direito subjetivo à prisão domiciliar. Portanto, não deve o instituto ser utilizado em uma visão ampliativa, ficando restrita às hipóteses expressamente previstas na legislação processual penal, e observando, claro, as peculiaridades do caso em concreto.
PALAVRAS-CHAVE: Artigo científico. Normatização. Elementos. Formatação.
ABSTRACT: This study aimed to investigate the effectiveness of home detention to replace the remand in custody in the course of criminal proceedings, in order to demonstrate that home detention is not effective, especially when it comes to white-collar crimes, such as corruption, for example. In this sense, the research is classified as deductive, descriptive and bibliographic. Where it was found that the unreasonable use of home detention to replace the remand in the course of criminal prosecution, as has commonly been seen, especially when it comes to white-collar crimes, does not show effective, either because there is no effective means of monitoring the investigated, which can compromise the criminal investigation, either because it instills in society the sense of privilege and advantages to certain groups of criminals. These cases involving public figures trigger generalized distrust in deflagrating impunity, given the economic, social and political influence, which cannot by itself prevent it from being dispensed the same treatment given to others, or that it changes understandings that were being consolidated, if not the expectation that would generate in other prisoners, the arguments could have been accepted and from then on it is proclaimed a subjective right to home detention. Therefore, the institute should not be used in a broad view, being restricted to the cases expressly provided for in the criminal procedural legislation, and observing, of course, the peculiarities of the particular case.
KEYWORDS: Home Detention. Preventive Prison. Substitution. Criminal Prosecution. Ineffectiveness.
1 INTRODUÇÃO
O sistema prisional brasileiro apresenta, já há alguns anos, vários problemas, desde a superlotação, a falta de estrutura física e de pessoal, a não observância aos direitos do preso, dentre outros, o que compromete sobremaneira a ressocialização do indivíduo, fim precípuo da pena privativa de liberdade. Em relação à superlotação, trata-se de problema que assola todo o país, sendo o número de vagas insuficiente, o que se agrava em virtude do grande número de presos provisórios, ou seja, aqueles que se encontram recolhidos no curso de uma investigação ou processo judicial.
Tal situação vem corroborando para a busca de alternativas não apenas quanto aos presos definitivos, mas também em relação aos presos provisórios, ou seja, aqueles recolhidos à prisão antes do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Não bastasse isso, a privação da liberdade é sanção das mais extremas, pois priva o indivíduo de bem jurídico mais precioso, qual seja, a liberdade. Por isso, a prisão antes da sentença penal condenatória deve ser aplicada com grande cautela, apenas nos casos em que se faz necessária a segregação do convívio social do acusado, sob pena de ferir o princípio da presunção da inocência e configurar antecipado sancionamento.
O legislador, no afã de estabelecer alternativas à prisão, vem instituindo medidas nas últimas décadas, a exemplo das cautelares introduzidas pela Lei nº 12.403/2011 no Código de Processo Penal, que buscam substituir a prisão. Dentre tais institutos se encontra a prisão domiciliar, que se difere do instituto regulamento na Lei de Execução Penal, seja quanto à sua finalidade, seja quanto aos requisitos para a concessão. Ao presente estudo interessa, portanto, a prisão domiciliar regulamentada no Código de Processo Penal. Dentro desse contexto emerge a problemática de nosso estudo, que repousa no seguinte questionamento: Qual a eficácia da prisão domiciliar substitutiva a prisão preventiva dada a persecução penal?
Assim, tem-se como objetivo geral averiguar a eficácia da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva no que tange a realização das investigações e instrução processual, haja vista a impossibilidade de efetivo monitoramento do investigado. E, como objetivos específicos, busca-se analisar o conceito, fundamentos e objetivos da prisão domiciliar no Código de Processo Penal; compreender os requisitos para a concessão da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva; ressaltar a inadequação da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva no que tange a eficácia a persecução penal.
A escolha do tema se justifica pelo pressuposto de que a prisão domiciliar, regulamentada nos arts. 317 e seguintes do Código de Processo Penal consistem, em suma, no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela se ausentar com autorização judicial. E o art. 318, por sua vez, trata da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva, permitida nas hipóteses dos incisos I a VI, enquanto o art. 318-A regulamenta especificamente a prisão domiciliar em substituição à preventiva para a mulher gestante ou que for mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência.
Por isso, a prisão domiciliar concedida na fase da investigação criminal ou instrução penal, em substituição à prisão preventiva, fomenta debates quanto à própria eficácia da medida, já que pode frustrar a persecução penal. Isso se deve porque, a exemplo dos crimes de colarinho branco, há medidas inúmeras que podem comprometer a investigação criminal, o que é patente, pois embora o réu não possa sair da sua residência, não há restrições, via de regra, ao recebimento de visitas, ou mesmo a contato telefônico ou de outro meio; e, ainda, que estabelecidas tais condições, o Estado não possui efetivos meios para monitorar o investigado ou acusado. Desta se feita, dar-se-á seguimento ao estudo pautando-se no seguinte problema de pesquisa: A prisão domiciliar, em substituição à prisão preventiva, é medida que compromete a eficácia da persecução penal, devendo ser evitada pelos magistrados?
Para atender aos objetivos supra, adota-se, como método de abordagem, o dedutivo e, como método de procedimento, o descritivo. E, quanto à técnica de pesquisa, esta classifica-se como bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação, artigos, dentre outras fontes físicas e virtuais, elementos para a compreensão do tema. Destarte, divide-se o estudo em três seções. Na primeira, analisam-se o conceito, fundamentos e objetivos da prisão domiciliar regulamentada no Código de Processo Penal, distinguindo-a brevemente do instituto tratado na Lei de Execução Penal. Na segunda seção, por sua vez, destacam-se as hipóteses de cabimento da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva. Por fim, na terceira seção, ressalta-se a inadequação da substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, mormente nos crimes de colarinho branco.
2 PRISÃO DOMICILIAR: CONCEITO, FUNDAMENTOS E OBJETIVOS
A primeira questão a ressaltar, neste ponto, é que duas são as modalidades de prisão domiciliar regulamentadas no ordenamento jurídico brasileiro. A primeira delas é de natureza cautelar, regulamentada nos arts. 317 e seguintes do Código de Processo Penal; e, a segunda, somente é concedida aos presos definitivos, possui cunho humanitário e se encontra regulamentada no art. 117 da Lei de Execução Penal.
De acordo com Avena (2018), a prisão domiciliar consagrada na Lei de Execução Penal tem os seus requisitos elencados no art. 117, quando se admite seja o condenado à pena privativa de liberdade cumprir a pena a que fora condenado em sua residência particular. Assim, pode ser concedida a prisão domiciliar ao condenado maior de 70 (setenta) anos, em virtude da maior fragilidade do apenado, sua menor periculosidade e as naturais dificuldades para suportar a pena; o condenado acometido de doença grave, quando a prisão domiciliar se reveste de cunha humanitário; a condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental, quando é a prisão domiciliar concedida em benefício da prole, que necessita de maior amparo; e, ainda, à condenada gestante, quando a prisão domiciliar visa proporcionar à mulher condições dignas e adequadas durante a sua gestação.
Avena (2018) destaca, ainda, que o rol do art. 117 é taxativo, ou seja, o legislador enumera, de forma rigorosa, as situações em que se admite o deferimento da prisão domiciliar. Porém, a jurisprudência majoritária tem entendido que, ante a inexistência de “[...] vaga em estabelecimento penal compatível com o regime semiaberto ou aberto, é legítima a prisão domiciliar do apenado, já que a este não se pode impor o cumprimento da pena em local mais severo [...]” (p. 1592).
No Código de Processo Penal, porém, a prisão domiciliar é regulamentada a partir do art. 317, cujos requisitos/hipóteses de cabimento, dada a importância ao presente estudo, serão abordadas no próximo tópico. No que diz respeito ao fundamento e objetivos da prisão domiciliar consagrada no Código de Processo Penal, Lima (2020) defende tratar-se da adoção de medida menos desumana, “permitindo que, ao invés de ser recolhido ao cárcere, ao agente seja imposta a obrigação de permanecer em sua residência” (p. 1123). Acerca da distinção entre a prisão domiciliar consagrada no Código de Processo Penal e a regulamentada na Lei de Execução Penal, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Lima (2015, p. 996), in verbis:
“Essa substituição da prisão cautelar pela prisão domiciliar prevista nos arts. 317 e 318 do CPP não se confunde com a medida prevista no art. 117 da Lei de Execução Penal. Este dispositivo cuida da possibilidade do recolhimento do beneficiário do regime aberto em residência a particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; 11 – condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante. Além das hipóteses previstas no art. 117 da LEP, é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que, na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime a que faz jus o apenado (v.g, semi-aberto), configura constrangimento ilegal a sua submissão ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de Casa de Albergado.”
Avena (2018) destaca, ainda, que a prisão domiciliar a que se referem os arts. 317 e 318 do Código de Processo Penal também não se confunde com o instituto regulamentado no art. 319, inciso V, do mesmo diploma legal, que consiste no recolhimento domiciliar no período noturno e dias de folga. Tal medida complementa o autor, não pode ser compreendida como prisão domiciliar, pois possui natureza cautelar, é autônomo, o que não ocorre em se tratando da prisão domiciliar.
Complementa Pacelli (2020) que, de fato, a prisão domiciliar não encontra amparo como modalidade autônoma de prisão cautelar na legislação brasileira, mormente no Código de Processo Penal. Portanto, sempre será fundamentada como medida adotada em substituição à prisão preventiva, esta sim autônoma e opera-se sempre após a decretação da preventiva.
Ainda segundo Lima (2015), não se pode ignorar que a prisão domiciliar, regulamentada nos arts. 317 e 318 do Código de Processo Penal, foi pelo legislador inserido em tópico diverso das medidas cautelares diversas da prisão que, por sua vez, são disciplinadas nos arts. 319 e 320 do mesmo diploma (p. 996). E, justificando o posicionamento do legislador, ainda acrescenta:
[...] isso significa que a prisão domiciliar é considerada pelo legislador como uma forma de prisão preventiva domiciliar e não como medida cautelar alternativa à prisão. Portanto, a prisão domiciliar não foi criada, em princípio, com a finalidade de impedir a decretação da prisão preventiva, mas justamente de substituí-la, por questões humanitárias e excepcionais, previstas no art. 318 do CPP (LIMA, 2015, p. 996).
Outra questão importante, e que diferencia a prisão domiciliar do instituto consagrado no inciso V, do art. 319, é que a domiciliar substituiu a preventiva em tempo integral, não podendo o investigado ou acusado deixar sua residência sem autorização judicial, como já dito alhures. Porém, a medida de recolhimento domiciliar, por expressa disposição legal, somente ocorre no período noturno ou dias de folga (BRASIL, 1941). É, pois, mais branda.
Portanto, como aponta Pacelli (2020), a domiciliar em comento “não se inclui como alternativa à prisão preventiva, tal como ocorre com as medidas preventivas do art. 319” (p. 710-711), ou seja, é medida substitutiva, desde que presentes as hipóteses arroladas na legislação processual vigente. Não bastasse isso, Avena (2018) lembra que a prisão domiciliar substitui a preventiva e destina-se a determinados beneficiários, expressamente nos casos previstos em lei, considerando as condições pessoais. Este é, pois, seu fundamento. Já a medida de recolhimento domiciliar no período noturno e dias de folga, enquanto medida cautelar, busca tão somente dificultar que o agente pratique novas infrações penais, impondo restrições.
Nucci (2016), por sua vez, destaca que o “[...] juiz somente deve autorizar a transferência ou o recolhimento do agente, quando decretada a prisão preventiva, para sua residência nesses casos extremos (p. 612). Nenhuma outra hipótese pode ser admitida”. Por isso bem observa Lima (2020) que a finalidade da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva sempre será a mesma da medida original, ou seja, mantém o mesmo caráter da prisão preventiva e, por conseguinte, seus objetivos, elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal nas hipóteses em que o investigado/acusado possa comprometer a elucidação dos fatos.
Complementa o autor que tal questão é pacífica na doutrina, tanto que se admite, em face da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva, a utilização do habeas corpus, a detração da pena, a limitação temporal por prazo razoável, dentre outros institutos que podem ser manejados pela defesa em favor do preso preventivo (LIMA, 2020). Portanto, percebe-se que a prisão domiciliar, “que determina o recolhimento permanente do indiciado ou acusado em sua residência, dali não podendo ausentar-se senão por meio de autorização judicial expressa” (PACELLI, 2020, p. 710), é medida substitutiva à prisão preventiva, nunca alternativa, devendo estar presentes, para a sua concessão, as hipóteses taxativamente elencadas no art. 318 do Código de Processo Penal, como se passa analisar no próximo parágrafo,
O art. 318 do Código de Processo Penal traz as hipóteses em que será possível a substituição da prisão preventiva em prisão domiciliar, em seus incisos I a VI, que assim dispõe:
[...]:
I – maior de 80 (oitenta) anos;
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos ou com deficiência;
IV – gestante;
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (BRASIL, 1941).
Os requisitos para a concessão da prisão domiciliar, elencados no art. 318 do Código de Processo Penal, segundo Nucci (2016), “podem ser sintetizados nos seguintes termos: a) maior de 80 anos; b) pessoa extremamente debilitada por motivo de doença grave; c) agente imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência; d) gestante a partir do sétimo mês ou sendo a gravidez de alto risco” (p. 612).
Não se pode ignorar que mais recentemente o art. 318 teve os incisos V e VI incluídos pela Lei nº 13.257/2016, para possibilitar a prisão domiciliar também à mulher com filho de até 12 (doze) anos incompletos e ao homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho com a mesma idade (BRASIL, 2016).
Ainda no ano de 2018, foi inserido no Código de Processo Penal o art. 318-A, o qual dispõe que para a substituição da prisão preventiva em domiciliar, em se tratando da mulher gestante ou mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, é necessário que a investigada ou acusada não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa (inciso I) ou não tenha cometido crime contra seu filho ou dependente (inciso II) (BRASIL, 2018).
Nesse contexto, verificando o magistrado Lima (2020) comenta que se trata de pessoa maior de 80 (oitenta) anos, e não 70 (setenta) anos, como consagra a Lei de Execução Penal em seu art. 117, com saúde debilitada ou frágil, demonstrada está a “[...] inconveniência e a desnecessidade de sua manutenção no cárcere, é possível a substituição pela prisão domiciliar” (p. 1124). Também se o acusado se encontrar extremamente debilitado por motivo de doença grave, pode ser concedida a substituição da prisão preventiva por domiciliar, hipótese sobre a qual disserta Lima (2020, p. 1125):
[...] não basta que o acusado esteja extremamente debilitado por motivo de doença para grave para que possa fazer jus, automaticamente, à prisão domiciliar. Há necessidade de se demonstrar, ademais, que o tratamento médico do qual o acusado necessita não pode ser ministrado de maneira adequada no estabelecimento prisional, o que estaria a recomendar que seu tratamento fosse prestado na sua própria residência.
A terceira hipótese de substituição da preventiva por domiciliar se encontra consagrada no inciso III, do art. 318 do Código de Processo Penal, que autoriza ao magistrado conceder a domiciliar quando o acusado preso seja imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 06 (seis) anos de idade ou com deficiência. Sobre o requisito em comento, Lima (2020, p. 1126) disserta:
[...] ao contrário da LEP, que permite à mulher condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental cumprir a pena em prisão domiciliar, o CPP não exige que se trate de mulher, já que se refere ao agente que seja imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência. Apesar de não ser tão comum, há situações em que a única pessoa responsável pelo menor ou deficiente é o pai ou outro homem da família, como, por exemplo, na hipótese em que o genitor tem a guarda exclusiva dos filhos. Nesses casos, em virtude da doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta, previstos no art. 227 da CF, no ECA e, ainda, na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Decreto 99.7 1 0/ 1 990, há de se admitir a substituição da prisão preventiva pela domiciliar.
Ainda segundo o autor,
“O que objetiva o legislador é não causar prejuízos à criança menor de 06 (seis) anos de idade ou portadora de deficiência em virtude da prisão preventiva de pessoa que lhe é imprescindível aos seus cuidados. Logo, se houver familiares outros, em liberdade, que possam assumir a responsabilidade pela criança, não há o que se falar em concessão da domiciliar (LIMA, 2020, p. 1126).”
O inciso IV, do art. 318 do Código de Processo Penal, por sua vez, traz a possibilidade de concessão de domiciliar a gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou aquela que está em alto risco. Há também distinção entre o previsto no Código de Processo Penal e a concessão da domiciliar a gestante em cumprimento de pena, como se extrai dos ensinamentos de Lima (2020, p. 1127):
[....] Na LEP, o art. 117, IV, permite o cumprimento da pena em regime domiciliar quando se trata de condenada gestante. No CPP, o art. 318, IV, refere-se à gestante a partir do 7° (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Novamente, há de se entender que a substituição da preventiva pela prisão domiciliar só deverá ocorrer na hipótese em que o estabelecimento prisional não puder conceder tratamento adequado à gestante. A despeito do silêncio do legislador acerca do termo ad quem dessa prisão domiciliar, conclui-se que o direito à substituição cessa com o nascimento ou, ao menos, findo o puerpério, que se estende, em média, por cerca de três meses após o parto. Findo esse lapso temporal, a manutenção da prisão domiciliar somente será possível se presente uma das hipóteses do art. 318, III, do CPP, leia-se, caso a pessoa seja imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade.
No que tange o inciso V, introduzido pelo Estatuto da Primeira Infância, e que possibilita a prisão domiciliar à mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos, leciona Avena (2018) que, inicialmente, o legislador nada falou da imarcescibilidade aos cuidados, tal como consta no inciso III, do mesmo dispositivo de lei, o que poderia levar à interpretação de que faz jus à prisão domiciliar em substituição à preventiva a mulher que tem filho de até 12 (doze) anos incompletos, independentemente de qualquer condicionamento. Tal interpretação, porém, no entender do mesmo autor, é equivocada. E acrescenta:
[...] é evidente que não pode ser este raciocínio. Tampouco cremos tenha sido este o intuito do legislador nessa mal redigida disposição. Fosse assim, poderia usufruir do benefício a pessoa que, conquanto mãe de infante com menos de doze anos, com ele não convive há vários anos, o que seria o mais completo dos absurdos. Logo, é preciso, mais uma vez, analisar o caso concreto, apenas sendo a benesse deferida quanto presente situação de excepcionalidade tal que permita a presunção de que, longe da mãe, a criança está em situação de risco (AVENA, 2018, p. 1185).
O inciso VI, do art. 318, também introduzido pelo Estatuto da Primeira Infância, possibilita a prisão domiciliar ao homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Avena (2018, p. 1186) ressalta,
De igual forma, que o raciocínio realizado para análise da prisão domiciliar a que faz jus a mulher, em semelhante situação, deve ser aplicado, pois não basta que o homem seja o responsável, do ponto de vista jurídico, pelo filho menor de 12 (doze) anos. Tal responsabilidade, segundo o autor, deve ser demonstrada factualmente, sem ignorar a necessidade de que o magistrado se atente para a natureza do crime ou mesmo o modus operandi.
Ainda segundo Avena (2018), para a concessão da prisão domiciliar nas hipóteses dos incisos V e VI do art. 318 não clama a simples adequação do preso preventivo a uma ou outra hipótese, pois o art. 328, parágrafo único, do mesmo diploma legal, dispõe ser necessária, para a substituição da prisão preventiva, a prova idônea dos requisitos legais (p. 1186).
É nesse cenário que Ortega (2016) conclui que assim como não basta que a presa ré esteja grávida para ter direito à prisão domiciliar, em caráter obrigatório, sendo necessário analisar se a concessão de tal medida não acarreta perigo à ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou implique risco à aplicação da lei penal, também não basta a presença dos pressupostos elencados nos incisos V e VI do art. 318 do Código Penal para que a genitora ou genitor sejam colocados em prisão domiciliar. É nesse sentido, aliás, o teor do parágrafo único do art. 318 do CPP: "Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo".
Diversamente do que se dá no âmbito do processo penal condenatório, em que o ônus da defesa é imperfeito, ou seja, basta criar uma dúvida razoável para que o magistrado possa absolver o acusado (v.g., CPP, art. 386, V, in fine), na hipótese de substituição da preventiva pela domiciliar, trata- se de ônus perfeito, ou seja, o in dubio pro reo não favorece o agente, daí por que, ausente a comprovação cabal pelo interessado da ocorrência de qualquer das hipóteses listadas no art. 318, deve ser indeferido o pedido (LIMA, 2020, p. 1187).
Resta evidente, portanto, que não presentes as hipóteses elencadas no art. 318 do Código de Processo Penal, não pode o julgador substituir a prisão preventiva em prisão domiciliar, sob pena de afronta ao princípio da legalidade, já que o rol é taxativo.
3 INEFICÁCIA DA PRISÃO DOMICILIAR NA INVESTIGAÇÃO DOS CRIMES DE COLARINHO BRANCO
A prisão domiciliar, que possui cunho humanitário, também se demonstra, como leciona Pacelli (2020) a incapacidade do Estado de efetivamente gerir o sistema prisional, seja quanto aos condenados definitivos, seja quanto aos provisórios. Por isso, deverá sempre ser uma exceção, não podendo ser utilizada de forma desarrazoada, principalmente em se tratando de medida substitutiva à prisão preventiva, pois como visto alhures, a prisão domiciliar não perde a sua finalidade quando adotada cautelarmente, ou seja, passa a se revestir das funções que detém a prisão preventiva, dentre elas assegurar que o investigado/acusado não comprometerá a persecução penal, por exemplo.
Comunga desse entendimento Nucci (2016, p. 612), ao chamar a atenção para o fato de que a prisão domiciliar não pode ser vulgarizada. Por isso, somente pode ser concedida quando efetivamente se encontrarem presentes os requisitos legais, sob pena de ocorrer algo semelhante ao que se denominou prisão albergue domiciliar:
[...] não se deve vulgarizar a prisão domiciliar como já se fez com a prisão albergue domiciliar. Esta somente seria possível às pessoas enumeradas no art. 117 da Lei de Execução Penal (situações similares ao art. 318 do CPP), mas foi estendida a todos os condenados ao regime aberto, onde não houvesse Casa do Albergado. Exterminou-se o regime aberto em determinados lugares, por falta de fiscalização.
Embora as considerações do autor supracitado digam respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal quanto aos presos definitivos, e a inexistência de estabelecimento prisional adequado, percebe-se que o autor não ignora o fato de que a prisão domiciliar regulamentada no art. 117 da Lei de Execução Penal possui similaridades com a prevista no art. 318 do Código de Processo Penal. Por conseguinte, conclui-se que para Nucci (2016) a prisão domiciliar não pode ser vulgarizada em nenhuma situação.
Outra consideração tecida por Nucci (2016) é a necessidade de se atentar ao fato de que a prisão domiciliar regulamentada no Código de Processo Penal, por sua natureza cautelar, é voltada ao preso presumidamente inocente. Mesmo assim, não pode o benefício ser estendido a qualquer investigado ou acusado, devendo somente ser concedida quando presentes os requisitos legais autorizadores. E conclui o autor que em determinadas situações o melhor a fazer é a revogação da prisão preventiva, pois é “[...] mais adequado ter um réu solto do que um ficticiamente preso em casa” (p. 612).
As ponderações de Nucci (2016) se justificam exatamente pela dificuldade do Estado em efetivamente fiscalizar, monitorar os presos domiciliares. A ficção, portanto, de que o indivíduo se encontra preso, acaba por gerar inseguranças, até mesmo porque, repita-se, embora recolhido em seu domicílio, o investigado/acusado não pode comprometer a persecução penal. Porém, questiona-se: o Estado possui meios efetivos para fiscalizar eventuais ingerências no curso da investigação criminal? Consegue obstar o recebimento de visitas de pessoas que, direta ou indiretamente, possam interessar à investigação? São indagações que, decerto, levam a questionar a efetividade da prisão domiciliar.
A questão ganha ainda mais relevo em se tratando dos crimes de colarinho branco. A expressão em comento, como leciona Albergaria (1988), foi criada por Sutherland para designar os crimes decorrentes dos indivíduos de alta classe, sujeitos estes que detém como atributos o caráter de relacionar crime com o mundo dos negócios. Portanto, crimes do colarinho branco vêm do termo White Collar Crime, nascido na década de 1930, tendo como criador Edwin Sutherland, com o intuito de desmistificar a ideia de que a criminalidade provém de grande parte dos indivíduos de classes sociais menos favorecidas.
Os estudos de Sutherland focaram-se nas peculiaridades do criminoso de colarinho branco, chegando à conclusão que tais crimes envolvem pessoas de elevado poder socioeconômico e de determinada credibilidade ocorrendo normalmente na violação da confiança. Contudo é mister ressaltar, conforme cita Massud (2005), o estudo de delitos aversos a economia já recebe atenção desde a metade do século XIX neste período nasce a expressão “crime do mundo dos negócios” e envolve, em apertada síntese, os crimes da alta sociedade.
É necessário salientar que criminosos do colarinho branco cometem também a chamada criminalidade comum, pois afirmando que crimes de ordem comum não são cometidos por membros da alta sociedade estaríamos perpetuando a ideia de tais crimes tem características de obscuridade e marginalidade, logo se os indivíduos que estão encarcerados são tidos como maus pertencendo à classe social baixa, então, os demais indivíduos que não são de classe baixa tem como atributo a bondade, com esta conclusão chegaríamos a um sistema penal simplificado, pois suas ações estariam focadas em apenas nessa parcela da sociedade.
Dentre os crimes de colarinho branco se encontra a prática da corrupção, que vem ganhando relevo no Brasil nas últimas décadas, na seara pública e privada, evidenciada em investigações amplamente divulgadas nos meios de comunicação, como o Mensalão e a Lava Jato, operações que culminaram na condenação de várias pessoas públicas, políticos, empresários, servidores públicos, dentre outros.
Denúncia: inépcia: atipicidade da conduta descrita (...): suposta prática de operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do país — delito previsto no art. 22 da Lei 7.492/1986 (Lei do Colarinho Branco) — em decorrência de cessão ou transferência de “passe” de atleta profissional para entidade desportiva estrangeira. Não se irroga ao paciente — simples procurador do atleta a ser cedido — a participação em nenhuma “operação de câmbio”, nem o valor negocial do “passe” de um jogador de futebol pode ser reduzido ao conceito de mercadoria e caracterizar ativo financeiro objeto de operação de câmbio. No tocante à figura delineada na parte final do parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/1988, é manifesto que não cabe subsumir à previsão típica de promover a “saída de moeda ou divisa para o exterior” a conduta de quem, pelo contrário, nada fez sair do País, mas, nele, tivesse deixado de internar moeda estrangeira ou o tivesse feito de modo irregular. De outro lado, no caput do art. 22, a incriminação só alcança quem “efetuar operação de câmbio não autorizada”: nela não se compreende a ação de quem, pelo contrário, haja eventualmente, introduzido no País moeda estrangeira recebida no exterior, sem efetuar a operação de câmbio devida para convertê-la em moeda nacional. Da hipótese restante — a de que a parcela dos honorários do procurador do atleta não declarada à Receita Federal se houvesse mantido em depósito no exterior — objeto de incriminação na parte final do parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/1986 —, só se poderia cogitar se a denúncia se fundasse em elementos concretos de sua existência, à falta dos quais adstringiu-se a aventar suspeita difusa, da qual não oferece, nem pretende oferecer, dados mínimos de concretude.
Nesse contexto Freitas e Dellagerisi (2016) destacam que a corrupção assola o Brasil desde a colonização, ou seja, é mister reconhecer que a convivência com pessoas fora do padrão social imposto pelo sistema é uma constante no país e se desenvolveu ao longo dos séculos, embora tenha ganhando evidência nos últimos anos, em virtude da busca de moralização da Administração Pública. Dentro do conceito amplo, desenvolvimento por Sutherland, de crimes de colarinho brando, é que se enquadra a corrupção, prática contrária ao exercício da cidadania e que compromete o desenvolvimento econômico e social do país.
Não bastasse isso, há discussões quanto a efetiva punição daqueles que praticam atos de corrupção no país, questão que embora venha sendo desmistificada nos últimos anos, principalmente pela condenação de várias pessoas públicas, ainda fomenta debates. No acórdão do Supremo Tribunal Federal, que teve como relator o ministro Joaquim Barbosa, conta:
O extenso material probatório, sobretudo quando apreciado de forma contextualizada, demonstrou a existência de uma associação estável e organizada, cujos membros agiam com divisão de tarefas, visando à prática de delitos, como crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional, além de lavagem de dinheiro. Essa associação estável – que atuou do final de 2002 e início de 2003 a junho de 2005, quando os fatos vieram à tona – era dividida em núcleos específicos, cada um colaborando com o todo criminoso, os quais foram denominados pela acusação de (1) núcleo político; (2) núcleo operacional, publicitário ou Marcos Valério; e (3) núcleo financeiro ou banco Rural. Tendo em vista a divisão de tarefas existente no grupo, cada agente era especialmente incumbido não de todas, mas de determinadas ações e omissões, as quais, no conjunto, eram essenciais para a satisfação dos objetivos ilícitos da associação criminosa.
Em que pese tais considerações, o que se percebe é que o Poder Judiciário brasileiro vem concedendo a prisão domiciliar aos autores de crimes de colarinho branco, dentre eles a prática de corrupção. Apenas a título de exemplo, notícia divulgada pelo site R&, em dezembro de 2017, informa que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, concedeu prisão domiciliar para investigados na operação Lava Jato. Trata-se dos investigados Gustavo Estellita Cavalcanti Pessoa e Miguel Iskin, que tiveram a prisão preventiva, determinada pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, em desdobramentos da operação Lava Jato, substituída pela prisão domiciliar (R7, 2017).
Ainda segundo a referida notícia, o Ministério Público Federal criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal ao argumento de que Miguel Iskin era crucial na investigação, já que “braço da organização criminosa que atuava na Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro” no governo de Sérgio Cabral, dono de uma das empresas que forneciam equipamentos médicos e próteses ao Estado. E, Gustavo Estellita, sócio de Iskin na citada empresa, também poderia comprometer as investigações (R7, 2017).
De acordo com Migalhas (20020) mais recentemente, e com justificativa dos problemas decorrentes da pandemia do Covid-19, foi concedida prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva, pelo Superior Tribunal de Justiça, da Dario Messer, preso na operação Lava Jato em 2019, acusado de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, além de ser denunciado por outros delitos, praticados no Estado do Rio de Janeiro também no governo de Sérgio Cabral, que culminou em indiciamentos nas operações Eficiência e Câmbio Desligo.
Os exemplos acima buscam tão somente demonstrar que o Judiciário vem concedendo a substituição da prisão preventiva em prisão domiciliar para investigados e acusados em crimes de corrupção, em operações que ganharam grande evidência nos meios de comunicação e demonstraram como a corrupção sistêmica atinge o país nas searas pública e privada na atualidade.
Tais críticas não são recentes. Quando Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, se encontrava em prisão domiciliar, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro destacou a impropriedade da medida se comparada ao grande número de mulheres presas no sistema penitenciário brasileiro e que não gozavam de igual benefício, ou seja, não podiam deixar a prisão para cuidar dos filhos menores. E ressaltou, ainda, que a acusada, em decorrência da sua condição social, podia se valer de babás, professores e orientadores, bem como parentes para proporcionar amparo aos filhos menores, o que, somado aos riscos que Adriana representava para a investigação criminal, justificava a cassação da prisão provisória (AGÊNCIA BRASIL, 2017).
Para Poltronieri (2017), há de se considerar, também, que tanto a prisão preventiva quanto a prisão temporária, que podem ser decretadas no curso da investigação criminal, possui requisitos bem singulares e não podem ser utilizadas, discricionariamente, pelo julgador. Por isso, a sua substituição por domiciliar deve sempre ser vista com bastante cautela.
Em meio a esse cenário é que tramitam no Congresso Nacional proposições legislativas objetivando vedar a prisão domiciliar em casos de corrupção. Por exemplo, o Projeto de Lei do Senado nº 299, de 2018, de autoria do Senador Rudson Leite, busca alterar o art. 318 do Código de Processo Penal para dar nova redação ao § 2º, vedando a substituição da preventiva por prisão domiciliar quando o indiciado ou acusado estiver respondendo por peculato, corrupção passiva ou ativa, lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro ou contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo (BRASIL, 2018). Ou seja, abrange vários delitos compreendidos como de colarinho branco.
Da análise da justificativa percebe-se que a preocupação do autor do Projeto de Lei é exatamente obstar a concessão da prisão domiciliar para os crimes de colarinho branco, que envolvem pessoas instruídas, de boa situação financeira, geralmente executivos e políticos e que não se enquadram no estereotipo de criminosos, já que os crimes são praticados sem violência. Contudo, as consequências são danosas para a sociedade, principalmente quando envolvem apropriação de recursos públicos, fraudes, sonegação de impostos, dentre outros (BRASIL, 2018). Por conseguinte, conclui o autor do Projeto de Lei que tais delitos causam prejuízos muito maiores que os crimes considerados comuns, mormente quando envolve subtração de recursos públicos, pois toda a sociedade é vitimada.
Assim, defende o autor do Projeto de Lei que “os agentes responsáveis por tais crimes, por serem pessoas com nível superior e bem instruídas, não podem ser agraciadas pela prisão domiciliar”, seja porque o recolhimento na residência não impediria a nova prática de crimes, em decorrência da natureza e do modus operandi, seja por que prisão domiciliar, ainda que como medida cautelar, não é reprimenda eficaz, mas sim um prêmio ao criminoso (BRASIL, 2018).
Notícia divulgada no site Consultor Jurídica (2012), muito antes da apresentação do supracitado Projeto de Lei, já alertava para o fato de que os crimes de colarinho branco retiram dos cidadãos direito básicos, como saúde, educação. Logo, um criminoso de colarinho branco não deve receber tratamento mais benéfico, por exemplo, que um traficante, pois este geralmente não será beneficiado com a prisão domiciliar, pois é rotulado como mais perigo, embora ambos sejam igualmente criminosos.
De fato, quando se concede a substituição da prisão preventiva em domiciliar àquele que praticou crime de colarinho branco, acaba por se transmitir a sociedade a errônea ideia de que o crime ainda compensa, pois de fato não há como assegurar que recolhido em sua residência as práticas delitivas irão cessar, que não serão comprometidos meios de prova, que testemunhas não serão corrompidas ou ameaçadas. A instrução criminal, em curso, pode ser comprometida de forma a culminar numa não condenação, o que precisa ser considerados pelos magistrados quando se trata de crimes como a corrupção, por exemplo.
Exatamente seguindo esta linha de raciocínio é que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Souza (2016) comenta que, ainda no ano de 2016, cassou a prisão domiciliar de José Antunes Sobrinho, sócio da empresa Engevix e réu na operação Lava Jato. Anote-se que a prisão domiciliar havia sido concedida em dezembro de 2015, em decisão monocrática, no curso da persecução penal. Porém, submetida à análise do órgão colegiado, em março de 2016, a domiciliar foi cassada, voltando o acusado à prisão para cumprimento da preventiva decretada anteriormente, pela 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. A 1ª Turma Especializada votou pela cassação da domiciliar ao argumento de que os crimes imputados ao investigado eram muito graves e que a prisão preventiva, nesse caso, objetivava resguardar a ordem pública, já que versam sobre a prática de corrupção ativa, lavagem de dinheiro, embaraço à investigação de organização criminosa, evasão de divisas, dentre outros delitos relacionados à construção da usina Angra III, no Estado do Rio de Janeiro.
De fato, a questão é preocupante, pois como já dito anteriormente, não se vislumbram meios efetivos para que o Estado monitore aqueles que se encontram em prisão domiciliar; e, o modus operandi dos crimes de colarinho brando evidenciam a possibilidade da prática delitiva mesmo com os investigados/acusados recolhidos em suas residências.
Portanto, justifica-se a preocupação com a ineficácia da persecução penal quando da substituição da prisão preventiva em prisão domiciliar, principalmente nas hipóteses em que os investigados/acusados estão supostamente envolvidos na prática de delitos como corrupção, lavagem de dinheiro.
Destarte, presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, e uma vez decretada, em se tratando de crimes de colarinho branco, não deve ser convertida a prisão cautelar em domiciliar, seja pela gravidade dos delitos, seja pela imperiosa necessidade de se resguardar a persecução penal, seja pela impossibilidade de o Estado efetivamente monitorar os presos domiciliares.
Buscou-se compreender, ao longo do presente estudo, a problemática da ineficácia a persecução penal da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva, principalmente nos crimes de colarinho branco, dentre os quais se destacam, por exemplo, a corrupção e os delitos correlatos. Viu-se que a prisão domiciliar se encontra regulamentada tanto na Lei de Execução Penal quanto no Código de Processo Penal. Aquela, porém, somente alcança os presos provisórios e, por isso, não interessa ao presente estudo. Neste sentido, constatou-se que o art. 318 do Código de Processo Penal elenca, taxativamente, as hipóteses de substituição da prisão preventiva em prisão domiciliar.
Portanto, a prisão domiciliar, nesses casos, manterá a mesma finalidade da prisão preventiva, ou seja, é cautelar que objetiva assegurar a ordem pública, da ordem econômica, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, nas hipóteses em que o investigado/acusado possa comprometer a elucidação dos fatos.
Também se viu que a prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva, apesar da natureza cautelar, não se confunde com a medida cautelar prevista no art. 319, inciso V, do Código de Processo Penal. Esta é medida autônoma, aplicada alternativamente à prisão preventiva, e que prevê o recolhimento noturno e nos dias de folga do investigado/acusado. Portanto, é preciso compreender, repita-se, que a prisão domiciliar prevista no art. 318 do Código de Processo Penal é medida cautelar é medida substitutiva à prisão preventiva e, por isso, mantém sua finalidade, objetiva e fundamento, somente podendo ser deferida quando presentes os requisitos legais. É, pois, medida excepcional.
Em que pese tal constatação, o que se percebe é a utilização da prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva de forma mais ampla, alcançando investigados/acusados pela prática de delitos de colarinho branco. Tal fato foi constatado por informações relativas à prisão domiciliar de envolvidos em práticas de corrupção, em operações como a Lava Jato. Diante de tal cenário é que se percebe a impropriedade e vulgarização da prisão domiciliar, pois quando utilizada em tais situações evidencia sérios problemas. A um porque o Estado não consegue efetivamente monitorar o preso provisório, obstando o recebimento de visitas, a realização de telefonemas, a comunicação via e-mail, inclusive com outros acusados ou pessoas de interesse a persecução penal.
A dois porque o modus operandi dos crimes de colarinho branco não inviabilizam a sua prática com o simples recolhimento à residência. A três porque a gravidade dos delitos e os sérios danos à sociedade clamam uma atuação mais enérgica do Estado, até mesmo para não transmitir aos administrados a sensação de impunidade, de concessão de benefícios.
Destarte, em que pese a escassez da literatura específica, conclui-se que a prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva, mormente nos crimes de colarinho branco, comprometem a eficácia da persecução penal, devendo ser evitada pelos julgadores, o que justifica a tramitação de proposição legislativa que busca vedar a concessão da domiciliar em crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e outros, como forma de resguardar os interesses coletivos e buscar, de forma mais eficaz, a punição dos agentes infratores.
5 REFERÊNCIAS
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Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LINS, MATHEUS DEMOSTHENES MARINHO BENACON. A prisão domiciliar como meio substitutivo da prisão preventiva no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2022, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60213/a-priso-domiciliar-como-meio-substitutivo-da-priso-preventiva-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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