RESUMO: O presente artigo objetiva fazer uma análise da forma de contagem de prazo para a formulação de pedido principal em sede de tutela cautelar antecedente, na medida em que este instituto foi modificado com o Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) e que há decisões divergentes proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-Chave: Contagem de Prazo. Tutela Cautelar. Superior Tribunal de Justiça.
ABSTRACT: This article aims to analyze the way in which the deadline is calculated for the formulation of a main claim in the context of a preliminary injunction, as this institute was modified by the new Code of Civil Procedure (Federal Law No. 13.105/2015) and that there are divergent decisions handed down by the Superior Court of Justice.
Keywords: Deadline. Preliminary Injunction. Superior Court of Justice.
1. INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) inaugurou moderna ótica procedimental no ordenamento jurídico brasileiro, na medida que, adotando expressamente a constitucionalização do processo civil, racionalizou seus instrumentos e os voltou à consecução do respeito ao direito fundamental à tutela jurisdicional.
Nesse sentido, dentre as várias mudanças promovidas, cita-se a priorização da resolução de mérito e o abandono, tanto quanto possível, do excessivo formalismo que minava a própria atuação dos magistrados, para além da produção de injustiça, já que, na lição de Rui Barbosa, “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.
No bojo das referidas mudanças, extinguiu-se o procedimento cautelar, transferindo sua essência à disciplina do procedimento de tutelas cautelares (cuja efetivação se dá nos termos do art. 301 do CPC). O Código mantém a distinção entre tutela antecipada e tutela cautelar, cujos procedimentos são diferenciados, e ainda baseados nas máximas “segurança para execução” (cautelar) e “execução para segurança” (antecipada).
Quando do CPC/73, a existência da ação cautelar preparatória era autônoma e reclamava o manejo de outra ação, principal, para viabilizar a pretensão autoral. Nesse sentido, a legislação anterior assim previa:
"Artigo 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório"
Nota-se, portanto, que o prazo em tela era notadamente decadencial e, portanto, contados em dias corridos (até porque era essa a tônica da contagem dos prazos no Código Buzaid).
Contudo, a modernização do processo civil trouxe à tona o sincretismo processual, primeiramente com a unificação das fases cognitiva e executiva (consolidado pela Lei nº 11.232/2005) e, depois, com a extinção das cautelares autônomas no Código de 2015. Nesse sentido, o pedido de tutela cautelar antecedente abre espaço para dúvidas em relação à natureza do prazo para deduzir o pedido principal, uma vez que o prazo é cujo lapso temporal permanece o mesmo: trinta dias. Nesse sentido:
"Art 308. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais."
É inequívoco que o ônus indicado ao requerente corre endoprocessualmente (“nos mesmos autos”), diferente da sistemática antiga (onde o autor deveria “propor a ação”). Contudo, acresça-se que o CPC/2015 passou a aplicar a contagem de prazo, quando marcados em dias, computar-se-ão apenas os úteis, nos termos do art. 219. E aqui a celeuma foi instaurada: o prazo para aduzir o pedido principal seria decadencial, em dias corridos, ou processual, em dias úteis? Duas turmas do Superior Tribunal de Justiça se debruçaram sobre a questão recentemente, chegando a conclusões distintas.
2. A NATUREZA E A FORMA DE CONTAGEM DE PRAZO – DECISÕES RECENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
A primeira turma do Tribunal da Cidadania (que julga temas relacionados ao direito público), no julgamento do Recurso Especial nº 1.982.986/MG, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, publicado em 22/06/2022, entendeu que os prazos devem ser contados em dias corridos, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. PRAZO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. NATUREZA JURÍDICA. DECADENCIAL. CONTAGEM EM DIAS CORRIDOS.
1. Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC (Enunciado n. 3 do Plenário do STJ).
2. À luz dos arts. 806 e 808 do CPC/1973, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual ?a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar? (Súmula 482 do STJ). À época, a orientação jurisprudencial deste Tribunal era pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal. Precedentes.
3. Na vigência do CPC/2015, mantem-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único).
4. No caso dos autos, o recurso não pode ser conhecido porque o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação jurisprudencial deste Tribunal. Observância da Súmula 83 do STJ.
5. Agravo interno não provido.”
(AgInt no REsp n. 1.982.986/MG, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 22/6/2022.)
Em razão da extrema acurácia do voto do Ministro relator, traz-se trecho em que se delimita e analisa a controvérsia apresentada:
“(...)Deve ser mantido, à luz da jurisprudência deste Tribunal Superior.
Com efeito, ainda na vigência do CPC/1973, à luz dos arts. 806 e 808, este Tribunal Superior sedimentou entendimento jurisprudencial segundo o qual “a falta de ajuizamento da ação principal no prazo do art. 806 do CPC acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar” (Súmula 482 do STJ).
Ao se consultar os precedentes mencionados na proposta da referida súmula, percebe-se que, à época, havia orientação jurisprudencial deste Tribunal pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação principal, daí porque a não observância resultava na extinção do processo cautelar. Nesse sentido, dentre outros:
(…)
Ainda pela natureza decadencial do prazo, confiram-se: AgInt no AREsp 1351646/CE, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021; AgInt nos EDcl no REsp 1801977/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe 20/11/2020; AgInt no AREsp 898.521/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 01/02/2017.
Na vigência do CPC/2015, mantém-se a orientação pela natureza decadencial do prazo de 30 dias para a formulação do pedido principal (art. 308 do CPC/2015), razão pela qual deve ser contado em dias corridos, e não em dias úteis, regra aplicável somente para prazos processuais (art. 219, parágrafo único).
De fato, quanto aos prazos processuais, a Lei n. 13.105/2015 - CPC/2015 estabelece, que, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis (art. 209); e que, “decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa” (art. 223). E, no que se refere ao processo cautelar, o CPC/2015 dispõe, ainda, que, efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, sob pena de cessar a eficácia da cautelar, hipótese em que será vedado a renovação do pedido, salvo sob novo fundamento (arts. 308 e 309).(...)”
Nota-se que a razão que fundamenta a decisão em análise é que o art. 308 do CPC/2015 indicaria a natureza decadencial do prazo de trinta dias e, portanto, deveria ser contabilizado em dias corridos, mantendo-se a lógica firmada sob a égide do CPC/73, na medida em que a contagem de prazos em dias úteis somente são declinados aos prazos de natureza processual.
Por outro lado, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça (que julga temas relacionados ao Direito Privado), no julgamento do Recurso Especial nº 1.763.736/RJ, de relatoria do Ministro Antônio Carlos Ferreira, publicado em 18/08/2022, fixou entendimento diametralmente ao exposto acima, senão vejamos:
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TUTELA CAUTELAR. CARÁTER ANTECEDENTE. PRETENSÃO PRINCIPAL. PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS. RECURSO PROVIDO.
1. O prazo de 30 (trinta) dias para apresentação do pedido principal, nos mesmos autos da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, previsto no art. 308 do CPC/2015, possui natureza processual, portanto deve ser contabilizado em dias úteis (art. 219 do CPC/2015).
2. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja processado o pedido principal já apresentado, cuja tempestividade deverá ser aferida , computando-se apenas os dias úteis.”
(REsp n. 1.763.736/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 18/8/2022.)
Nota-se que a circunstância do pedido principal ser realizado nos mesmos autos (ou seja, endoprocessualmente) é o que dá tônica ao entendimento. Segundo o voto do Ministro relator:
Nesses termos, a controvérsia cinge-se à natureza jurídica do prazo de 30 (trinta) dias para apresentação do pedido principal, nos mesmos autos da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, prevista no art. 308 do CPC/2015, o qual transcrevo:
(…)
Dessa forma, caso compreendido que o prazo de 30 (trinta) dias possui natureza jurídica processual, a contagem deve ser realizada em dias úteis (art. 219 do CPC/2015), do contrário – natureza material –, conta-se em dias corridos.
Nesse aspecto, a questão possui elevada relevância. Insta ainda consignar a existência de decisões judiciais divergentes nas instâncias de origem, com consequentes reflexos negativos para a segurança jurídica, tendo em vista a possibilidade de perda de prazo e de extinção prematura do processo, decorrente dessa imprevisibilidade jurídica.
Importante ressaltar que no Código de Processo Civil de 1973 havia previsão legal de se propor a ação principal após a efetivação de medida cautelar preparatória, conforme se depreende do disposto no art. 806:
(…)
A jurisprudência desta Corte Superior é unânime ao considerar decadencial a natureza jurídica do prazo previsto no referido art. 806 do Código Buzaid, seguindo o entendimento desta Quarta Turma, exarado no voto do saudoso Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:
(…)
Nesse mesmo sentido cito os seguintes precedentes: AgInt no REsp 1444419/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 10/11/2016; AgInt no AREsp 1351646/CE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2021, DJe 15/03/2021; AgRg no Ag 1319930/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 03/02/2011; REsp 196.519/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/06/2001, DJ 27/08/2001, p. 300; REsp 392.675/DF, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/03/2002, DJ 29/04/2002, p. 192; REsp 162.379/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 04/11/1999, DJ 05/06/2000, p. 220; REsp 58.350/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/12/1996, DJ 17/03/1997, p. 7497; e REsp 69.870/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 13/11/1995, DJ 18/12/1995, p. 44584.
Infere-se daí que a divergência jurisprudencial surgiu apenas com a vigência da Lei n. 13.105/2015. Isso porque, apesar de o art. 308 do CPC/2015 corresponder ao art. 806 do CPC/1973, houve uma importante inovação legislativa com o novo Código, estabelecendo que o pedido principal deve ser formulado pelo autor nos mesmos autos da tutela cautelar deferida.
Observe-se que o art. 806 do CPC/1973 determinava o prazo de 30 (trinta) dias para propositura de uma nova ação após efetivada a medida cautelar, enquanto o art. 308 do CPC/2015 prevê que o pedido principal deve ser apresentado nos mesmos autos da cautelar, sob pena de cessar a eficácia da tutela concedida (art. 309).
Logo, pelo Código vigente, não se trata mais de lapso temporal para ajuizamento de uma ação, sujeita, por exemplo, aos prazos materiais de prescrição e decadência, mas sim ao prazo para a prática de um ato interno do processo, com previsão de ônus processual no caso do seu descumprimento.
Gerson Luiz Carlos Branco e Eduardo Siqueira Neri, ao analisarem a natureza jurídica dos prazos contidos na Lei n. 11.101/2005, afirmaram que, "se disser respeito a incidentes processuais, a recursos ou à prestação jurisdicional o prazo será processual e seguirá o modo de contagem do Código de Processo Civil" (BRANCO, Gerson Luiz Carlos; NERI, Eduardo Siqueira. A contagem dos prazos nos procedimentos previstos na Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Revista de Direito Recuperacional e Empresa. Vol. 9/2018. Jul-Set/2018).
Nessa perspectiva, estando o prazo do art. 308 do CPC/2015 diretamente relacionado à prática de um ato processual de peticionamento e, consequentemente, à efetivação da prestação jurisdicional, possui, por desencadeamento lógico, natureza processual, a ensejar a aplicação da forma de contagem em dias úteis estabelecida no art. 219 do CPC/2015.
Assim, cuidando-se de lapso temporal para a prática de ato processual – apresentação de uma petição –, cuja omissão acarreta consequências para o processo, filio-me à corrente doutrinária que entende tratar-se de prazo processual:
(…)
Nessa linha, Fernando Gajardoni compreende que o prazo de 30 (trinta) dias deve ser classificado "como mero prazo preclusivo (interno ao processo), considerando que a formulação do pedido se faz na mesma relação jurídica processual já inaugurada com o pleito de tutela cautelar antecedente (tratando-se, pois, de prazo para a prática de ato processual)" (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Comentários ao Código de Processo Civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2021, p. 439).
Sob o mesmo raciocínio, a Terceira Turma desta Corte firmou entendimento segundo o qual o prazo de 15 (quinze) dias do art. 523 do CPC/2015, para pagamento do débito advindo de condenação em quantia certa, possui natureza jurídica processual, nos termos do voto do Relator Min. Marco Aurélio Bellizze (grifei):
(…)
Confira-se a ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ART. 523, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRAZO DE NATUREZA PROCESSUAL. CONTAGEM EM DIAS ÚTEIS, NA FORMA DO ART. 219 DO CPC/2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o prazo para o cumprimento voluntário da obrigação, previsto no art. 523, caput, do Código de Processo Civil de 2015, possui natureza processual ou material, a fim de estabelecer se a sua contagem se dará, respectivamente, em dias úteis ou corridos, a teor do que dispõe o art. 219, caput e parágrafo único, do CPC/2015.
2. O art. 523 do CPC/2015 estabelece que, "no caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver".
3. Conquanto o pagamento seja ato a ser praticado pela parte, a intimação para o cumprimento voluntário da sentença ocorre, como regra, na pessoa do advogado constituído nos autos (CPC/2015, art. 513, § 2º, I), fato que, inevitavelmente, acarreta um ônus ao causídico, o qual deverá comunicar ao seu cliente não só o resultado desfavorável da demanda, como também as próprias consequências jurídicas da ausência de cumprimento da sentença no respectivo prazo legal.
3.1. Ademais, nos termos do art. 525 do CPC/2015, "transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação". Assim, não seria razoável fazer a contagem dos primeiros 15 (quinze) dias para o pagamento voluntário do débito em dias corridos, se considerar o prazo de natureza material, e, após o transcurso desse prazo, contar os 15 (quinze) dias subsequentes, para a apresentação da impugnação, em dias úteis, por se tratar de prazo processual.
3.2. Não se pode ignorar, ainda, que a intimação para o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o destinatário, tem como finalidade a prática de um ato processual, pois, além de estar previsto na própria legislação processual (CPC), também traz consequências para o processo, caso não seja adimplido o débito no prazo legal, tais como a incidência de multa, fixação de honorários advocatícios, possibilidade de penhora de bens e valores, início do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença, dentre outras. E, sendo um ato processual, o respectivo prazo, por decorrência lógica, terá a mesma natureza jurídica, o que faz incidir a norma do art. 219 do CPC/2015, que determina a contagem em dias úteis.
4. Em análise do tema, a I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF aprovou o Enunciado n. 89, de seguinte teor: "Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC".
5. Recurso especial provido. (REsp 1708348/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/08/2019.)
Concluo que a instância de origem, ao contabilizar em dias corridos o prazo para apresentação do pedido principal e, consequentemente, julgar extinto sem resolução de mérito o processo cautelar, por perda da eficácia da tutela concedida, desconsiderou a natureza jurídica processual do prazo de 30 dias e, por conseguinte, violou o disposto no art. 308 do CPC/2015.
Nota-se que a análise realizada no voto acima possui maiores aprofundamentos em relação ao entendimento que classificou como decadencial o prazo para adução do pedido principal. Fica patente que o prazo corre “internamente”, dentro do processo, e serve justamente para que o réu não fique à mercê, ad eternum, da tutela cautelar contra ele concedida.
Descumprido o ônus de aduzir o pedido principal, a tutela cautelar perde eficácia, além de que ao Autor fica vedado, salvo novo fundamento, renovar o pedido de tutela cautelar (art. 319, parágrafo único).
Observa-se, então, que a índole do prazo acima é naturalmente processual, seja porque preclusivo, seja porque ocorre dentro dos próprios autos. Afasta-se o caráter decadencial porque a perda de eficácia da tutela cautelar em razão da não apresentação do pedido principal não impede o autor de, no futuro, propor uma ação ordinária e nela veicular suas pretensões. Na lição de LÊNIO STRECK, DIERLE NUNES e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA:
“De qualquer modo, não se trata de um prazo de direito material, pois o seu transcurso in albis não provoca encobrimento das eficácias da pretensão e da ação que defluem da relação material objeto da lide principal (o que seria a prescrição). Também não é provocada a perda ou a morte do direito subjetivo de que irradiam a pretensão e a ação (o que seria a decadência) (sem razão, portanto, STJ, 2. a T., REsp 669.353, reI. Min. Mauro Campbell Marques, Dle 16-4-2009; STJ, 3. a T., REsp 687.208, reI. Min. Nancy Andrighi, Dl 16-10-2006, p. 365). Tampouco se trata de um prazo preclusional de índole pré-processual, cujo transcurso in albis impossibilitaria a dedução do pedido principal. Na realidade, está-se diante de um prazo processual, criado para o requerido não ficar indefinidamente à mercê dos efeitos da tutela cautelar contra ele concedida, sem que seja instaurada a pendência da lide principal. Por razões de política processual, sujeita-se a eficácia da medida cautelar à condição resolutiva da não dedução do pedido principal em trinta dias. Só isso. Daí ser inaceitável cogitar-se da impossibilidade de interrupção ou suspensão do prazo, como se fosse ele decadencial. Não se trata de prazo fatal e improrrogável. É corriqueira no dia a dia forense, p. ex., a sua suspensão durante o período de recesso forense; além do mais, nada impede a suspensão por qualquer das causas previstas nos arts. 220, 221, 222 e 313, I, II e III, do CPC/2015.”[1]
Também se filia a esta corrente MISAEL MONTENEGRO FILHO:
“Da mesma forma como observamos na tutela antecipada requerida em caráter antecedente, quando o autor primeiramente requer a concessão da tutela cautelar em caráter antecedente, após a sua efetivação, deve formular o pedido principal, complementando a petição inicial. Nos mesmos autos do processo anteriormente formado, sem que tenhamos nova ação judicial, o que nos permite concluir que a petição inicial anteriormente apresentada (na qual o autor se limitou a requerer a concessão da tutela cautelar) era provisória, tornando-se definitiva com a formulação do pedido principal. (...) O prazo fixado na norma só deve considerar os dias úteis.”[2]
3. CONCLUSÃO
O CPC/2015 operou verdadeira modernização do processo civil no ordenamento jurídico pátrio, empregando mais racionalidade e conferindo primazia aos princípios constitucionais, que agora são vetores axiológicos expressos.
Quanto ao tema da tutela cautelar antecedente, apontou-se que houve verdadeiro movimento sincrético, abolindo as ações cautelares e imiscuindo-as ao regimento de tutelas do procedimento ordinário, o que, por conseguinte, causou a extinção da necessidade de se ajuizar nova ação para veicular os pedidos principais (os quais estariam resguardados justamente pelo pedido cautelar).
Porém, considerando o intenso debate doutrinário e jurisprudencial empregado à questão ora analisada e em que pese se concordar com a natureza processual do prazo de trinta dias para aduzir o pedido principal em sede de tutela cautelar antecedente, deve-se adotar a máxima cautelar na atuação processual, uma vez que se trata de matéria com entendimento divergente dentro do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Contudo, até que o tema seja afetado para pacificação perante a Corte Especial do Tribunal da Cidadania, deve-se considerar, para fins de segurança jurídica, que o prazo é decadencial, o que evitaria qualquer tipo de prejuízo processual à parte litigante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <https://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 18 de Novembro de 2022.
BUENO, Cassio Scarpinella, Novo Código de Processo Civil Anotado. 2 ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016.
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STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Coordenador executivo Alexandre Freire. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
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[1] STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Coordenador executivo Alexandre Freire. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 308.
[2] MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, pp. 296-297.
Advogado, pós-graduado em direito processual civil pela rede de ensino Luiz Flávio Gomes (LFG)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRAIHA, RAUL YUSSEF CRUZ. A forma de contagem de prazo do pedido principal em sede de tutela cautelar antecedente e suas repercussões à luz dos entendimentos firmados pelo Superior Tribunal de Justiça. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2022, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60227/a-forma-de-contagem-de-prazo-do-pedido-principal-em-sede-de-tutela-cautelar-antecedente-e-suas-repercusses-luz-dos-entendimentos-firmados-pelo-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
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