RESUMO: A presente pesquisa tem o objetivo de analisar a incidência do crime de violação sexual mediante fraude e a atividade probatória a ser desenvolvida no processo penal que julga esses casos. Defende-se na necessidade de demonstração das mudanças constantes nos crimes contra a dignidade sexual, e o modo como se dá a comprovação do fato delituoso por meio das provas no processo. Pela metodologia descritiva observacional, pesquisa em artigos científicos e nos meios doutrinários, legais e jurisprudenciais, busca delinear o valor dado à palavra da vítima, nas ocasiões em que não há outras provas substanciais para viabilizar uma condenação. A pesquisa inicia-se falando sobre o histórico dos crimes sexuais no Brasil. Também analisa as novidades legislativas referentes ao tema, e sua evolução de crimes contra os costumes, para crime contra a dignidade sexual. Por fim, procura definir a meios de prova em ações penais, referente a crimes que ofendem a liberdade sexual. Desta forma, compreende-se que a palavra da vítima tem relevância nos casos em que não subsistem provas materiais passíveis de exame de corpo de delito. Essa visão é confirmada pela doutrina pátria e jurisprudência dos Tribunais.
ABSTRACT: This research aims to analyze the incidence of the crime of sexual violation through fraud and the probative activity to be developed in the criminal process that judges these cases. It defends itself in the need to demonstrate the constant changes in crimes against sexual dignity, and the way in which the proof of the criminal fact is given through the evidence in the process. Through observational descriptive methodology, research in scientific articles and in doctrinal, legal and jurisprudential means, it seeks to outline the value given to the victim's word, on occasions when there is no other substantial evidence to enable a conviction. The research begins by talking about the history of sexual crimes in Brazil. It also analyzes the legislative novelties related to the subject, and its evolution from crimes against customs, to crimes against sexual dignity. Finally, it seeks to define the means of proof in criminal actions, referring to crimes that offend sexual freedom. In this way, it is understood that the word of the victim is relevant in cases where there is no material evidence that can be examined in the body of the crime. This view is confirmed by the homeland doctrine and jurisprudence of the Courts.
Keywords:Crime of sexual violation through fraud, abuse, sexual freedom.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como centro o estudo do tema de violação sexual mediante fraude. Pelo método descritivo observacional, pela pesquisa em artigos científicos, renomados doutrinadores brasileiros e Jurisprudências atuais, tem o propósito de esclarecer as principais semelhanças entre dois crimes sexuais, e também as controvérsias acerca do tema.
De início examina o contexto histórico deste crime no direito brasileiro, juntamente com suas características, acompanhando a sua evolução, e os motivos que levaram a priorizar os direitos da vítima como sujeito de garantias. Também expõe a diferença com o crime de estupro de vulnerável, bem como suas características e especificidades, e a aplicação no caso concreto.
Além disso, explora os meios de provas que possivelmente podem ser aplicados no caso concreto para elucidar um crime contra a dignidade sexual, o valor probatório de cada um deles e a sua atuação dentro do processo penal. Perante a dificuldade de colheita de provas, por se tratar de crime que ocorre de forma oculta, delimita a validade da palavra da vítima para ensejar uma condenação.
A presente pesquisa justifica-se na necessidade de compreender as constantes alterações nos crimes sexuais, o que as fometam, e o anseio popular de fazer justiça nesses casos práticos, que existem desde os primeiros Códigos de normas criminais do Brasil.
2. DO CRIME DE VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE
2.1 Do contexto histórico
Desde a criação do código penal, grandes e importantes mudanças aperfeiçoaram as leis que vigoram atualmente, sendo necessárias para acompanhar a constante evolução da sociedade, e uma das mais importantes alterações realizadas no código, são as que tratam dos crimes sexuais, com ênfase no artigo 215 do referido diploma legal.
O código penal, trazia em sua essência um título dedicado aos crimes sexuais, chamados de crimes contra os costumes, desta forma, em sua redação original, datada de 1940, existiam dois crimes contra a liberdade sexual cometidos com emprego de fraude. No artigo 15, era prevista a posse sexual mediante fraude, enquanto no artigo 16 encontrava-se tipificado o atentado ao pudor mediante fraude (MASSON,2018 p.44) A saber:
Art. 215 - Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de dois a seis anos.
Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diversos da conjunção carnal: Pena- reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 {dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos. Pena- reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro} anos".
Contudo, decorrente a evolução social, esse regulamento ficou defasado e viu-se a necessidade de adequação aos novos costumes, verificou-se uma carência de mudança no bojo da legislação penal.
Conforme o entendimento de Masson (2018, p. 3) “determinados crimes, em face da mudança dos valores e princípios das pessoas e da sociedade, precisavam ser revistos. E, sem dúvidas, o ponto em que esse fenômeno se mostrava mais categórico, este reincidia nos “crimes contra os costumes”.
A primeira alteração efetuada no artigo 215 foi trazida pela Lei 11.106 de 28 de março de 2005, pois esta vinha sofrendo duras críticas pela utilização da expressão “Mulher honesta”, uma vez que, era considerada discriminatória, e vinha sendo utilizada nas codificações brasileiras desde as Ordenações Filipinas, seguido pelo Código Criminal do Império de 1830 pelo Código Penal de 1890 e, finalmente pelo Código Penal de 1940. (BARBOSA, 2016, p.1).
Segundo Greco (2017, p. 122):
Basicamente, a partir da década de 1980, acirraram-se as críticas no que dizia respeito à expressão mulher honesta. A mulher do final do século XX já não podia sofrer esse tipo de discriminação. Era um evidente preconceito que tinha de ser suprimido da nossa legislação penal. Essa mobilização ganhou força e, em 28 de março de 2005, o tipo penal foi modificado, passando a prever o comportamento de ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude. Era o fim da expressão que tanto causou polêmica no meio jurídico.
Com a alteração que trouxe a Lei 11.106 de 28 de março de 2005 passou então a vigorar o seguinte texto legal:
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único. Se o crime for cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
Sucessivamente, a Lei 12.015/2009 voltou a modificar o supramencionado artigo desta lei, no entanto, desta vez, tal mudança não foi somente em seu texto, para mais, alterou-se a nomenclatura do título “dos crimes conta os costumes” para a expressão “dos crimes contra a dignidade sexual” enfatizando a dignidade sexual, que é um reflexo da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente assegurada no artigo 1° inciso III da Constituição Federal de 1988. (NUCCI, 2014, p.909).
Na lição de Masson (2018, p. 3):
A expressão crimes contra os costumes era demasiadamente conservadora e indicativa de uma linha de comportamento sexual imposto pelo Estado às pessoas por necessidade ou conveniências sociais. Além disso, revelava-se preconceituosa pois alcançava sobretudo as mulheres.
Assim sendo, as modificações provocadas pela Lei 12.015/2009 foram de total relevância ao que tange a liberdade sexual na sociedade. “O foco da proteção já não era mais a forma como as pessoas deveriam se comportar sexualmente perante a sociedade do século XXI, mas, sim, a tutela da sua dignidade sexual”. (GRECO, 2017, p. 63). O tipo penal passou a tutelar a dignidade e principalmente a liberdade sexual, que segundo Masson (2018, p. 5), “é o direito de dispor do próprio corpo. Cada pessoa tem o direito de escolher seu parceiro sexual e, com ele praticar o ato desejado no momento em que reputar adequado. A lei protege o critério de eleição sexual que todos desfrutem na sociedade”.
2.2 Do conceito do crime de violação sexual
O bem jurídico penalmente tutelado é a liberdade sexual da pessoa humana, isto significa, que é o direito que a pessoa tem de dispor do seu próprio corpo de acordo com sua vontade, vontade esta que não pode estar maculada pelo emprego da fraude, garantindo assim a inviolabilidade da intimidade de qualquer pessoa. (JESUS, 2020, p. 140)
O crime de violação sexual mediante fraude, foi intitulado pela doutrina como estelionato sexual, e está conceituado como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”, ou seja, o sujeito ativo do crime se vale de meios fraudulentos, sem o emprego de violência ou grave ameaça para viciar a vontade de suas vítimas. Obtendo assim, vantagens sexuais, induzindo-as ou as mantendo em erro. (JESUS, 2020, p. 140).
Verifica-se, portanto, que o agente obtém êxito em seu desígnio, com o emprego de formas que enganam a vítima, induzindo-as ao erro, ou as mantendo em erro “de fato, se não fosse empregada a fraude, a vítima jamais ter-se-ia prestado a relação sexual” (CAPEZ, 2019, p. 123).
À vista disso, não se pode conceituar o crime de violação sexual mediante fraude sem dizer o que é a fraude de fato, segundo Masson, (2018, p. 46)
Fraude é o artifício, o ardil o estratagema utilizado para enganar determinada pessoa, afetando a livre manifestação de sua vontade. A vítima do crime tem sua vontade viciada, onde ela é levada ou é mantida em erro.
Nas palavras de Greco (2017, p. 1170):
A fraude, portanto, é um dos meios utilizados pelo agente para que tenha sucesso na prática da conjunção carnal ou de outro ato libidinoso. É o chamado estelionato sexual. A fraude faz com que o consentimento da vítima seja viciado, pois que se tivesse conhecimento, efetivamente, da realidade não cederia aos apelos do agente. Por meio da fraude, o agente induz ou mantém a vítima em erro, fazendo com que tenha um conhecimento equivocado da realidade.
Ademais, o bem jurídico penalmente tutelado é a liberdade sexual da pessoa humana, isto significa, que é direito da pessoa, de dispor do seu próprio corpo de acordo com sua vontade, vontade esta que não pode estar viciada pelo emprego da fraude, garantindo assim a inviolabilidade da intimidade de qualquer pessoa. (JESUS, 2020, p. 140).
Ademais, vejamos na prática uma situação de violação sexual mediante fraude:
Violência sexual mediante fraude: entenda crime pelo qual médico foi autuado e preso no interior do Ceará
Crime tem como pena reclusão de 2 a 6 anos.
Por g1 CE
30/03/2022 11h48 Atualizado há 7 meses
O médico de 71 anos é suspeito de assediar sexualmente uma paciente de 22 anos durante exames, em hospital de Orós, no interior do Ceará. — Foto: Reprodução/Google Maps
O médico preso suspeito de apalpar e tentar fazer sexo com uma paciente durante uma consulta em um hospital municipal em Orós, no Ceará, foi autuado em flagrante nesta terça-feira (29), por violência sexual mediante fraude. O crime está previsto no artigo 215 do Código Penal. Esse artigo diz que é crime:
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.
A pena é de reclusão, de dois a seis anos. Se o crime for cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa, conforme o parágrafo único do artigo. No caso ocorrido no Estado, a vítima relatou à polícia que após trancar a porta do consultório, o médico apalpou o corpo dela e tentou fazer a penetração no momento da realização de exames íntimos. Ou seja, o suspeito aproveitou da ocasião para a prática dos atos libidinosos.
A violação mediante fraude é a unificação dos crimes de posse sexual mediante fraude e o atentado violento ao pudor mediante e foi inclusa no Código Penal após a Lei n° 12.015/2009. Antes disso, havia a separação do crime de posse sexual mediante fraude, que consistia na conjunção carnal com mulher mediante a utilização de fraude e o atentado violento ao pudor mediante fraude, no uso de fraude para induzir alguém, homem ou mulher, à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Vítimas desde 1989
Após a prisão do médico, ex-pacientes do profissional entraram em contato com a Delegacia Regional de Icó ainda na terça-feira (29) e relataram que também foram vítimas dele. Um dos casos, inclusive, ocorreu em 1989.
"Uma vítima me ligou chorando e disse que ele [médico] se aproveitou dela em 1989, mas na época ela não teve coragem de denunciar. Outra mulher relatou que o médico ameaçou de fazer os pais dela perderem os empregos, caso ela denuncia-se", afirma o delegado Glauber Ferreira, titular da delegacia de Icó.”
Diante do exposto, verifica-se que o médico utilizou-se de sua profissão para enganar a vítima, não só ela, mas conforme a reportagem, as diversas outras começaram a surgir, uma vez que este usava dessa artimanha desde o ano de 1989.
3. DA DISTINÇÃO DO CRIME DE VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E CRIME DE ESTUPRO DE VULNERAVEL
3.1 Da dignidade e liberdade sexual
A constituição estabelece no Título I, os seus princípios fundamentais e norteadores, alicerce do Estado Democrático de Direito, são eles, a soberania, cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e por fim, o pluralismo político.
A mudança do título VI do Código Penal foi fundamentada no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um dos princípios primordiais da Constituição Federal de 1988 que possui dois aspectos, quais sejam, objetivo e subjetivo. Objetivo no sentido de garantir o mínimo existencial ao indivíduo, e no enfoque subjetivo, abrangendo o sentimento de honra, respeitabilidade e autoestima do ser humano.
Sobre o tema discorre Nucci (2014, p. 27):
Por outro lado, a alteração do Título VI foi positiva, passando a constar “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Dignidade fornece a noção de decência, compostura, respeitabilidade, enfim, algo vinculado à honra. A sua associação ao termo sexual insere-a no contexto dos atos tendentes à satisfação da sensualidade ou da volúpia. Considerando-se o direito à intimidade, à vida privada e à honra, constitucionalmente assegurados (art. 5.º, X, CF), além do que a atividade sexual é, não somente um prazer material, mas uma necessidade fisiológica para muitos, possui pertinência a tutela penal da dignidade sexual. Em outros termos, busca-se proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver formas de violência.
Desse modo, não se pode falar em dignidade sexual sem falar em liberdade sexual.
Liberdade sexual é o direito de dispor sobre o próprio corpo. Cada pessoa tem o direito de escolher seu parceiro sexual, e com ele praticar o ato desejado no momento em que reputar adequado. A lei protege o critério de eleição sexual que todos desfrutem na sociedade. (MASSON, 2018, p. 5).
O Estado então busca proteger a dignidade sexual que está interligada a liberdade de autodeterminação sexual, e a preservação destes bens impacta diretamente em outras áreas da vida, tais como em aspectos sociais, psicológicos, morais e físicos, no qual contribuem diretamente para a integridade da personalidade do indivíduo.
Por conseguinte, quando um agente fere a dignidade sexual de alguém, esta não está apenas ferindo a dignidade sexual, mas sim um complexo de direitos e garantias fundamentais inerente a toda pessoa humana. (CAPEZ, 2019, p. 85).
A dignidade é inerente a todas as pessoas sem qualquer distinção e alcança todos os âmbitos de suas vidas, incluindo a vida sexual, desta forma, toda pessoa humana deve ter sua vida sexual respeitada bem como respeitar a vida sexual alheia e “O Estado deve assegurar meios para todos buscarem a satisfação sexual de forma digna, livre de violência, grave ameaça ou exploração”. (MASSON, 2018, p. 4
3.2 Das características e distinções entre os crimes
Os crimes tipificados nos artigos 215 e 217-A do Código Penal, são de elevado potencial ofensivo, que ferem a dignidade e liberdade sexual e a integridade do sujeito passivo dos crimes, e suas principais características e distinções são, que o crime de Violação Sexual Mediante Fraude tipificado do artigo 215 caput do Código Penal que assim determina que: “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”.
A palavra estupro vem do latim Stuprum que significa relações culpáveis ou estupro (SQUARISI, 2020, online). Não se pode definir a origem certa desse crime. Pode-se até inferir que está ligado à origem humana, sendo um problema desde os povos mais antigos, já que se tem registros dessa problemática. O estupro é um exemplo de um dos crimes que é amplamente combatido desde as civilizações antigas, por violar a dignidade da pessoa humana. O que altera ao longo do tempo é o bem jurídico tutelado, já que a conquista dos direitos das mulheres as colocaram como sujeitos passivos principais, sendo que antes o que estava em perigo era a honra do marido e da família, pois a mesma nunca era vista como dona de sua própria vida.
Desse modo, “o núcleo do tipo deste crime consiste em ter conjunção carnal (penetração vaginal) ou outro ato libidinoso com alguém, isto é, praticá-los, realiza-los, executá-los”. (ESTEFAM, 2018, p.653). E para a prática destes conduta o agente causador do dano ao contrário do que ocorre no crime de estupro por exemplo, não se vale de violência ou grave ameaça, o sujeito ativo do crime utiliza-se da fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.
Para estar identificado o delito de violação sexual mediante fraude não é necessário que somente o agente induza a vítima ao erro, “A situação de erro pode ser provocada pela própria vítima do crime ou por terceiro”. (ESTEFAM, 2018, p.654).
A fraude, portanto, tem o objetivo de deturpar a vontade da vítima sem eliminá-la ao contrário do que ocorre no crime de Estupro de Vulnerável tipificado no art. 217-A do Código Penal onde mesmo havendo vontade e anuência da vítima para ato sexual ainda será imputado o fato criminoso ao agente causador do dano pois a mera vulnerabilidade do ofendido resulta na invalidade do seu consentimento para a realização de qualquer ato de natureza sexual.
O texto legal do artigo 217-A Caput do Código Penal aduz que: ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos tem a pena de 8 a 15 anos, e incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por outra causa, não pode oferecer resistência.
No mais, em consonância com o exposto Nucci (2014, p.124), argumenta do seguinte modo:
Quando houver resistência relativa ou perturbação relativa, logo, há alguma condição de haver inteligência sobre o ato sexual, embora não se possa considerar um juízo perfeito, poder-se-á cuidar da figura do art. 215. Entretanto, havendo resistência nula ou perturbação total, sem qualquer condição de entender o que se passa, dever-se-á tratar da figura do art. 217- A.
4. DOS MEIOS PROBATÓRIOS
4.1 Dos tipos de provas em crimes sexuais
Tendo o direito brasileiro tipificado as mais diferentes condutas que insultam a dignidade sexual, não haverá uniformidade quanto às suas particularidades e os meios de provas adequados para enunciar a ocorrência de fato típico. Desta forma, cabe ao direito brasileiro, por meio, principalmente, do legislador, definir os limites da atuação do Estado-persecutor. O Código de Processo Penal dispõe sobre os procedimentos mais comuns, sendo acompanhado pela jurisprudência pátria, que protege a jurisdição brasileira.
4.1.1 Do Exame do corpo de delito
O exame de corpo de delito é a análise dos vestígios materiais deixados pela prática dos crimes. Há crimes que podem deixar vestígios mais expressivos a serem analisados, como no caso do estupro, do roubo e do homicídio. Outros crimes, como o assédio, a injúria, ameaça por palavras, que raramente deixam vestígios, podem ser comprovados por outro meio. Nos casos em que houver vestígios, é imprescindível a realização do exame de corpo de delito, devendo ser respeitada a cadeia de custódia de provas. Sobre a necessidade desse exame, dispõe o Código de Processo Penal no artigo 158, ressaltando que este não pode ser substituído por confissão do acusado (CAPEZ, 2021).
4.1.2 Do Interrogatório
O interrogatório é a oportunidade que o acusado tem de se pronunciar diante de juiz de direito sobre a sua versão dos fatos. É o momento em que ele pode se defender, indicar meios de prova e exercer o contraditório e a ampla defesa. Apesar dessa natureza de meio de defesa, está inserido no capítulo referente às provas, o que ressalta a natureza mista desse instituto. O interrogatório pode ser usado como fundamento do juiz para decisão, caso o acusado opte por exercer a ampla defesa pela participação ativa no interrogatório (CAPEZ, 2021).
4.1.3 Da Confissão
A confissão é a conduta onde o acusado admite, perante o judiciário, que praticou determinado crime. Para que seja válida, a confissão deve acontecer de forma expressa, sem deixar dúvidas, voluntária e de forma pessoal, não sendo admitida confissão feita por terceiro em nome do réu. Trata-se de meio de prova formal, não sendo admitida fora dos requisitos. Cabe ao juiz ter cautela quanto à valoração dessa prova, comparando e constatando a conformidade com as demais provas do processo. A confissão não é mais vista como prova absoluta (NUCCI, 2021).
4.1.4 Das declarações do ofendido
O Código de Processo Penal no Capítulo V, do Título Da Prova dispõe sobre a relevância de inquirir o ofendido, que quando possível, deve ser ouvido para apresentar os detalhes do caso. Se o ofendido for intimado e não aparecer, o juiz pode ordenar a sua condução coercitiva. Além disso, ele será comunicado dos atos do processo que envolvam a saída do acusado da cadeia e o seu retorno, as datas de audiência, o conteúdo da sentença e de acórdãos que a reformem (BRASIL, 1941).
Conforme afirma Fernando Capez (2021), não se pode comparar o depoimento do ofendido com o das testemunhas. O ofendido não estará compromissado e terá valor probatório diferente a depender de cada caso concreto e das outras provas em juízo.
4.1.5 Da prova testemunhal
Trata-se de um meio de prova onde uma pessoa alheia e sem interesse no caso, conta o que percebeu pelos sentidos. Pressupõe uma capacidade para depor e contar o que sabe. É uma prova produzida em juízo de forma oral e objetiva, contando fatos pretéritos. A testemunha desconsidera a sua opinião e apenas expõe os fatos concretos. Quem a chama ao processo é o juiz ou as partes (CAPEZ, 2021
4.1.6 Do reconhecimento de pessoas e coisas
É o meio pelo qual o indivíduo busca reconhecer pessoa envolvida ou objeto do crime. Essa averiguação pode ser feita por meio de uma fotografia da pessoa ou do objeto. Segundo Guilherme de Souza Nucci, deve haver cuidado por causa da discrepância que tende a existir entre a realidade e uma fotografia. Dessa forma, o reconhecimento por meio de fotografia deve ser considerado mero indício, levando em conta o contexto em que ocorreu o reconhecimento e as informações prestadas pela vítima (2021).
4.1.7 Da Acareação
O conceito desse procedimento está disposto no Parágrafo Único do artigo 229 do Código de Processo Penal, que o define como o ato em que “os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação” (BRASIL, 1941, online). Então será permitida entre aqueles que prestaram declarações desconexas, sendo eles testemunhas, acusados ou ofendidos.
4.1.8 Dos Documentos
Pode se definir documento, os meios escritos, ilustrados, ou qualquer ferramenta que expresse ou comprove o fato criminoso de algum modo. A juntada desse documento ao processo pode acontecer por iniciativa das partes ou por determinação judicial, como exprime o artigo 234 do Código de Processo Penal (CAPEZ, 2021)
4.1.9 Da busca e apreensão
Considerados de natureza mista, são meios de obtenção de prova e também destinados a apreender o produto de um crime, assegurando o direito da vítima de ser ressarcida. Deve ocorrer em momento oportuno, em inquérito policial, durante a ação penal ou até mesmo em fase de execução. É um instituto regulado pelo Código de Processo Penal e eventualmente por leis específicas (NUCCI, 2021).
4.2 Da validade da palavra da vítima como prova
Um dos principais motivos que levam à impunidade do acusado é a falta de provas. Não apenas em relação aos crimes contra a dignidade sexual, mas principalmente nesses casos, não há medida a ser tomada quando não há indícios que tenham peso para comprovar o crime. Dessa maneira, não importa se o acusado é realmente culpado, já que a justiça é baseada na presunção da inocência e na aplicação da pena somente após o trânsito em julgado. A carência de provas pode abolir a chance que a vítima tem de obter justiça.
Com base nos levantamentos feitos no Brasil, os crimes contra a dignidade sexual estão num estágio descomunal de desigualdade entre a quantidade de crimes cometidos e quantidade de denúncias dessa modalidade que são oferecidas. É ainda mais grave imaginar que boa parte dos crimes notificados às autoridades não são elucidados por falta de provas. É nesse ponto que surge a importância da palavra da vítima que dentro de determinado contexto, é elementar para atividade de instrução e julgamento.
Como ilustra Soraia da Rosa Mendes (2020), essa ascendência da importância da vítima no processo aconteceu de forma adjunta com a conquista de direitos pelas mulheres. Observando que a maioria das vítimas é do sexo feminino, passando elas a serem vistas como pessoas de direitos e não como objetos, sua palavra ganhou maior valoração. Ainda segunda a doutrinadora:
Na perspectiva exterior às experiências da vítima, há um evidente reducionismo processual penal que minimiza a violência sofrida pelo seu modo de operar a partir de construções dogmáticas só na aparência ancoradas no respeito a garantias fundamentais. A consequência disso é uma mulher silenciada à qual cabe a difícil tarefa de demonstrar que não consentiu com o ato e que, embora de forma subliminar, mas principalmente, sua conduta do agressor (MENDES, 2020, p. 94)
Sendo a palavra da vítima considerada meio de prova, é certo que não será reconhecida do mesmo modo que a palavra das testemunhas. O ofendido tem envolvimento pessoal com o crime e vê a lesão ao seu bem jurídico. Esses sentimentos podem atrapalhar a sua narração dos fatos, estando o indivíduo dominado pela angústia ou sentimento de vingança. Além disso, por um fator psicológico, pessoas agredidas por entes queridos têm a tendência a suavizar a verdade dos fatos (NUCCI, 2021).
As possibilidades delimitadas pela lei como meios probatórios aptos a ensejar uma condenação, são amplas. Infelizmente na prática não podem ser aplicadas todas em conjunto, o que, se aceitável, garantiria maior eficácia à jurisdição. Em casos excepcionais, como no caso dos crimes sexuais, uma adaptação na valoração das provas é uma questão de formalidade processual, mas acima de tudo é uma questão de humanidade, característica que vem ganhando cada vez mais relevância.
5. CONCLUSÃO
Pretendeu-se com este trabalho expor alguns temas relacionadas ao crime de violação sexual mediante fraude, bem como a transformação ao longo do tempo, e as mudanças necessárias para se chegar a atual redação do artigo 215 do Código Penal, desde que a lei protegia a conduta que a sociedade considerava sexualmente imoral, e passou a tutelar a dignidade e a liberdade sexual, protegendo a honra e a integridade daqueles que precisam.
A presente pesquisa busca além da evolução histórica do código penal, apresentar as particularidades do crime de violação sexual mediante fraude, e suas principais diferenças em relação ao crime de estupro de vulnerável.
De forma contínua, pondera sobre o valor de cada prova, para fundamentar uma condenação nos crimes do Título VI do Código Penal. Além disso, considera os procedimentos estabelecidos pelo Código de Processo Penal, referentes à atividade probatória, dentre elas a palavra da vítima, visto que a impotência sentida por elas é um problema que vai além da própria honra, já que devem sentir confiança ao recorrerem à justiça.
Portanto, o que se almeja ao final da pesquisa, é esclarecer as particulares de um crime que não é muito exposto, bem como demonstrar a necessidade de cuidado com as provas, pois a justiça só pode ser alcançada quando houver provas do fato delitivo, e os meios para obtenção dessas provas devem ser legais para que não prejudiquem o inquérito ou o processo.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: parte especial. arts. 213 a 361 do código penal. 3º ed. Rio de Janeiro. Forense, 2019. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 2º ed. Rio de Janeiro. . Editora Forense Ltda. 2021.
Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Alice da Silva. Violação sexual mediante fraude Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2022, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60291/violao-sexual-mediante-fraude. Acesso em: 22 nov 2024.
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