RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar a correlação entre o direito penal, os crimes sexuais e a vitimologia. Serão explanados os conceitos ligados ao tema de forma individual e posteriormente de forma a correlacioná-los. Imperioso destacar que os crimes sexuais são práticas antigas da humanidade, desde os tempos mais remotos a sua prática já ocorria. Estando presente nas mais variadas culturas, e, muitas vezes, nem mesmo são considerados como crime. Entretanto, nos tempos atuais, esses crimes têm tido um papel relevante diante da sociedade, uma vez que a mesma se mobiliza diariamente para que esses delitos sejam erradicados, dada a repulsa que o mesmo causa. No que se refere aos crimes sexuais, percebe-se que no cerne de toda problemática encontra-se a vítima e que para esta é imperioso que se tenha um olhar mais solicito. Posto isso, temos a seguinte questão de partida: Diante do pensamento criminológico a mulher vítima de crime sexual pode ser considerada culpada? O presente estudo foi desenvolvido através de uma revisão de literatura e por meio de análises jurisprudenciais e de legislações. O método de abordagem do tema é o dedutivo e o procedimento é o de artigo científico.
Palavras-chaves: Vítima; Crimes Sexuais; Vitimologia; Direito Penal.
ABSTRACT: This study aims to analyze the correlation between criminal law, sexual crimes and victimology. The concepts related to the theme will be explained individually and later in order to correlate them. It is imperative to highlight that sexual crimes are ancient practices of humanity, since the most remote times their practice already occurred. Being present in the most varied cultures, and, many times, they are not even considered as a crime. However, in current times, these crimes have played a relevant role in society, since it mobilizes daily so that these crimes are eradicated, given the repulsion that it causes. With regard to sexual crimes, it is clear that at the heart of every problem is the victim and that it is imperative for them to have a more solicitous look. That said, we have the following starting question: In the face of criminological thinking, can a woman victim of a sexual crime be considered guilty?The present study was developed through a literature review and through analysis of jurisprudence and legislation. The method of approaching the theme is deductive and the procedure is that of a scientific article.
Keywords: Victim; Sexual Crimes; Victimology; Criminal Law.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo analisar a correlação entre o direito penal, os crimes sexuais e a vitimologia. Serão explanados os conceitos ligados ao tema de forma individual e posteriormente de forma a correlacioná-los. Analisando de que forma a ciência da vitimologia tem sido aplicada aos crimes sexuais no direito penal.
Imperioso destacar que os crimes sexuais são práticas antigas da humanidade, desde os tempos mais remotos a sua prática já ocorria. Estando presente nas mais variadas culturas, e, muitas vezes, nem mesmo são considerados como crime. Entretanto, nos tempos atuais, esses crimes têm tido um papel relevante diante da sociedade, uma vez que a mesma se mobiliza diariamente para que esses delitos sejam erradicados, dada a repulsa que o mesmo causa.
Os crimes sexuais estão presentes no Código Penal Brasileiro, previstos nos artigos 213 a 226, e possuem como objeto jurídico protegido a liberdade sexual e a dignidade sexual, uma vez que ninguém deve ser obrigado a ter ou manter relações sexuais ou de qualquer outro ato libidinoso de forma forçada ou mediante fraude. No ano de 2009, foi regulamentada a Lei nº 12.015 que alterou todo o título relacionado aos crimes sexuais, visto que, o Código Penal, tinha como objeto protegido o comportamento sexual perante a sociedade.
Para entender os crimes sexuais, o direito penal e a vitimologia, primeiramente deve-se analisar o comportamento da vítima, para compreender o que gerou um crime sexual. Por vezes algumas atitudes da pessoa agredida são interpretadas pelo criminoso como se fosse um meio de lhe provocar, como a utilização de roupas curtas, danças sensuais, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, entre outras.
Diante dessas justificativas muitas vezes dadas pelos agressores, vislumbra-se que a vítima poderia influenciar a conduta do autor. Nesse sentido há quem defenda que a vítima pode trazer consigo, voluntária ou involuntariamente, uma natureza provocadora.
Contudo, essa corrente de pensamento gerada por essa ciência deve ser combatida, sendo ao máximo reduzida ou até mesmo extinta, isso porque, ao analisar a situação por essa ótica, as vítimas de crimes sexuais, estes que são cada vez mais repudiados pela população, receberiam algum grau de culpabilidade. O Direito Penal tem buscado se aliar a outras ciências com o intuito de melhor desempenhar o seu papel. No que se refere aos crimes sexuais, percebe-se que no cerne de toda problemática encontra-se a vítima e que para esta é imperioso que se tenha um olhar mais solicito. O estudo possui como objetivo principal: analisar a correlação entre o direito penal os crimes sexuais e a vitimologia. E como objetivos específicos:
a) Analisar se o comportamento da vítima influencia ou não para a ocorrência de um crime sexual;
b) Compreender as fases de culpabilização da vítima descritas pela Criminologia;
c) Analisar as classificações das vítimas sob o viés criminológico.
A escolha da temática se justifica pela sua relevância por se tratar de um assunto polêmico e que envolve questões sensíveis, como a ocorrência de um crime de violência sexual, que por si só já causa grande fervor em toda a sociedade dada a repulsa que a sua ocorrência causa. O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar a correlação entre o direito penal, os crimes sexuais e a vitimologia. Assim como tem o objetivo de discutir sob a ótica da doutrina majoritária a aplicação desses três ramos do direito, e a sua repercussão diante da sociedade.
A sociedade tem o poder de desconstruir a vítima, ainda mais nos casos de crimes sexuais, isso porque os costumes a atos do agredido são postos em evidência. Muitas vezes a própria vítima passa por situações em que se questiona quanto ao merecimento e o induzimento ao ato, contudo, há que salientar que a vítima não possui culpa do ato letivo.
O peso em que o agressor é observado e julgado é contrário aos olhares lançados às vítimas, contudo a vitimologia no que tange aos crimes sexuais tenta compreender o porquê aquela pessoa é propícia a ser lesionada pelos criminosos. Posto isso, temos a seguinte questão de partida: Diante do pensamento criminológico a mulher vítima de crime sexual pode ser considerada culpada?
Em suma, os crimes sexuais só serão sanados quando a sociedade deixar de justificar tudo o que cerca a vítima e o agressor individualmente e observar o problema como um todo, onde a educação deve ser modificada, uma vez que os direitos dos homens e das mulheres são os mesmos, onde a igualdade deve ser exercida de maneira justa e eficaz. O presente artigo, busca discutir o tema, mas sem o intuito de tratar de todas as suas nuances, tendo em vista as inúmeras correntes de discussão e as possibilidades de se tratar do mesmo.
2. METODOLOGIA
No presente estudo, realizou-se uma revisão bibliográfica, realizada a partir de uma abordagem de pesquisa qualitativa. Em termos de tipo de fonte de pesquisa, trabalhou-se com artigo científico publicado em periódico. Essa modalidade de produção, além de ser comumente a mais valorizada no conjunto da produção bibliográfica, é a mais facilmente acessada.
Seguindo as orientações metodológicas de Severino (2002), o presente estudo será desenvolvido por meio de pesquisas bibliográficas. Segundo Lakatos e Marconi (2001) trata-se do levantamento de toda bibliografia já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas em imprensa escrita (documentos eletrônicos). A metodologia utilizada para o trabalho em questão foi a Revisão de Literatura, que segundo Lakatos e Marconi:
[...] trata-se do levantamento de toda bibliografia já publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas em imprensa escrita [documentos eletrônicos]. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista o reforço paralelo para na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações. (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 43-44).[1]
Foi realizada consulta a livros, dissertações e por artigos científicos selecionados através de busca nas seguintes bases de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Google Acadêmico, Periódicos Portal CAPES entre outros disponíveis online. Para realizá-la foram levados em consideração trabalhos e obras realizados entre 1993-2022, portanto os trabalhos publicados nos últimos 29 anos (exceto para livros clássicos), sendo os idiomas definidos português e inglês.
Para busca de informações sobre a temática foram utilizados os seguintes termos: “vítima” e “mulher” ou “prisão” ou “crimes sexuais”. associando a seus termos sinônimos e uma lista de termos sensíveis para a busca. Foram excluídos trabalhos encontrados em mais de uma base de dados, sem uma boa estrutura metodológica e que não se enquadrem nos objetivos do estudo.
Em síntese, basicamente, foram percorridos os seguintes passos de análise: (a) leitura exaustiva de cada artigo, doutrina, legislação e documentos jurídicos, visando a uma compreensão global e à descoberta da abordagem utilizada pelos seus autores; (b) identificação das ideias centrais de cada artigo, livro ou texto; (b) classificação das ideias em torno de núcleos de sentido; (c) comparação entre os diferentes núcleos de sentido presentes nos materiais estudados; (d) classificação dos núcleos de sentido em eixos mais abrangentes (temas) em torno dos quais giravam as discussões dos autores e (e) redação das sínteses interpretativas de cada tema.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 SURGIMENTO DA VITIMOLOGIA E O SEU CONCEITO
A vitimologia encontra precedentes bem remotos, ainda que a alcunha que foi conferida a esta ciência criminal seja recente, remontando ao século XX. Desde a antiguidade, ainda que de forma tímida, já era possível observar uma preocupação no que tange a reparação do dano injusto, que se constitui em um dos alicerces da vitimologia contemporânea, nesse sentido sustenta Piedade Júnior:
Os antigos, bem certo, ainda não trabalhavam, com clareza, com os conceitos de personalidade, de características biológicas, psicológicas, de tendências vitimizantes, de comportamento desviante, menos ainda de culpabilidade (conceito moderno) ou de conduta social, atitudes e motivações, estímulos e respostas, consciência ou inconsciência etc., mas tinham, com absoluta nitidez, a noção de justiça e consequente “reparação do dano” causado injustamente, fundamental preocupação moderna Vitimologia. (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 22)[2].
O surgimento das escolas penais no século XVIII, merece destaque, principalmente quanto a Escola Clássica e a Escola positivista que surgiu ao fim do século XIX. Estas escolas sistematizaram pensamentos filosóficos e políticos de matérias criminais. A Escola Clássica, em oposição ao sistema penal medieval, para Piedade Júnior:
Constata-se, destarte, a preocupação vitimológica dessa escola, de maneira ainda bastante embrionária, quando cuida da violência, da opressão e iniquidade a que chegara a justiça penal na Idade Média e séculos que se seguiram e que fizera, por fim, a consciência comum da época lutar por um regime de ordem, justiça e segurança, pretendendo-se por um basta ao cruel e arbitrário direito punitivo. (...) cumpriu o seu ciclo histórico, lutando pelo empenho da liberdade, através do exercício da justiça. E a plenitude da liberdade afasta qualquer processo de vitimização, de vez que só existe vitimização quando não há justiça e esta só se impõe, quando existe liberdade. (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 55).[3]
De acordo com Nucci:
A Escola Clássica fundamentalmente via o criminoso como a pessoa que, por livre-arbítrio, infringiu as regras impostas pelo Estado, merecendo o castigo denominado pena. Visualizava primordialmente o fato cometido, razão pela qual consagrou o princípio da proporcionalidade, evitando-se as penas de toda ordem (NUCCI, 2008, p. 69).[4]
Ao se tratar da Escoa Clássica é extremamente necessário ressaltar a importância de Cesare Bonesana (Marquês de Beccaria) e Francesco Carrara. Beccaria é o autor da obra “Dos delitos e das penas” (1764), o qual se destacou pelo estudo dos reflexos da pena e pelo combate às penas cruéis, e Carrara, por defender a tese de que o homem deve ser submetido às leis penais por sua natureza moral. O autor foi criador do Programa de Direito Criminal e defendia que a finalidade do direito criminal é a prevenção quanto aos abusos perpetrados pela autoridade que definiu o que o crime é uma entidade de direito.
Noutro giro a Escola Positivista (século XIX), embora tenha conferido destaque ao estudo da criminologia sobre o prisma do delinquente, evidenciou, ainda que de maneira rasa, a necessidade do estudo da vítima, bem como sua proteção. Dentre os estudiosos desta escola destacam-se: Cesare Lomboso, Enrico Ferri, Rafael Garafolo, Fraz Von Liszt e Gabriel Tarde.
Cesare Lombroso, foi um médico italiano e instituidor da escola positivista, atribuía aos fatores biológicos a origem da criminalidade, sustentando ainda a ideia de um criminoso nato. Sobre esse aspecto da criminologia e seus reflexos sobre a vitimologia, Piedade Júnior entende que:
A criminologia, fruto da escola positiva, procurando definir um conceito naturalístico de crime, conceituando-o como “comportamento desviante”, e vendo no seu ator uma realidade social e biológica, e sempre psicologicamente, dizia-se, um anormal, de forma temporária ou permanente, aproximou-se seus estudiosos e pesquisadores de uma visão voltada para o estudo da vítima. (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 62)[5].
Ainda nesse sentido, é imperioso destacar a contribuição do direito canônico para a vitimologia moderna. Este que representa um conjunto de leis e regulamentos de natureza eclesiástica que regem a Igreja Católica e a comunidade eclesial, em seu regramento há uma clara predileção pelo amparo à vítima e reparação do injusto lhe causado. Piedade Júnior (1993, p. 65), “quem quer que prejudique a outros por ato jurídico ilegítimo ou por qualquer ato culposo, é obrigado a reparar o dano causado”[6].
Essa reparação poderia ser advinda de uma ação penal ou civil. Entretanto, não se pode omitir que o foco do direito canônico era a recuperação dos criminosos, recuperação esta que se acreditava que seria possível por meio do arrependimento, sendo possível em sua concepção o uso de penas e métodos de punição mais severos.
Dessa forma, considerada como uma ciência relativamente nova, a vitimologia tem como marco a Segunda Guerra Mundial, e surge como resposta ao holocausto que vitimou milhares de judeus, deficientes, poloneses, ciganos, negros, homossexuais e muitas outras minorias que não eram aceitas à época. A doutrina majoritária aponta como sendo pai da vitimologia Benjamim Mendelson. O autor israelita teve a incumbência de realizar a sistematização das pesquisas acerca da participação da vítima na ação criminosa.
Embora etimologicamente possa se definir a Vitimologia como sendo o estudo da vítima, tal conceito se mostra simplório e limitado, uma vez que o estudo da vitimologia não se resume somente a quem sofre os efeitos diretos do delito. Nesse sentido, leciona Piedade Júnior:
A violência é um fenômeno enraizado na sociedade, que atinge a todos, independente de religião, sexo ou classe social. Trata-se de uma temática complexa e preocupante para a sociedade moderna, uma vez que corriqueiramente são registradas práticas criminosas, e os motivos dessas práticas são pouco debatidos e por vezes ignorados pelo Estado. (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 68).[7]
Para Piedade Júnior (1993), vitimologia é a “ciência sobre as vítimas e a vitimização”[8], ainda sobre o conceito, imperioso trazer à baila os ensinamentos de Mazzuti:
A vitimologia deve ter como meta a orientação para a maior proteção dos indivíduos. O seu propósito deveria contribuir, tanto quanto possível, para tornar a vida humana segura, principalmente a salvo de ataque violento por outro ser humano: 1 – Explorando meios para descobrir vítimas latentes ou em potencial e situações perigosas que levam à morte, lesões e danos à propriedade. 2 – Provendo direitos humanos para os que sofrem em resultado de ato ilegal ou de acidente. 3 – Incentivando as pessoas e as autoridades nos seus esforços para reduzir os perigos e estimulando novos programas para prover condições seguras de vida. 4 – Provendo meios para pesquisa na área de segurança humana, incluindo fatores criminológicos, psicológicos e outros, e desenvolvendo métodos e enfoques inovadores para tratar de segurança humana. 5 – Promovendo um programa efetivo não só para proteger a sociedade de atos ofensivos, através de condenação, castigo e correção, mas também proteger as vítimas reais e em potencial de tais atos. 6 – Facilitando a denúncia de atos vitimizadores, o que contribuirá para atingir o objetivo de prevenção de danos futuros (MAZZUTI, 2012, p. 58).[9]
Dessa forma, a Vitimologia possui grande importância no que tange à ampliação da rede de proteção de toda a sociedade, seja na identificação de vítimas em potenciais, seja promovendo a justa reparação, incentivando a criação de programas de prevenção, pesquisas e a ampliação de canais de denúncia e redes de apoio a vítimas.
3.2 A VITIMIZAÇÃO
A vitimização é entendida como sendo o processo ou ação de pessoas em se vitimarem ou vitimarem a outrem. Segundo Antônio Garcia-Pablos de Molina, “o processo pelo qual uma pessoa sofre as consequências negativas de um fato traumático, especialmente, de um delito”[10]. Ainda, de acordo com o que leciona Piedade Júnior:
(...) é o processo mediante o qual alguém (indivíduo ou grupo) vem a ser vítima de sua própria conduta ou da conduta de terceiro (indivíduo ou grupo), ou de fato da Natureza. No processo de vitimização, salvo no caso de autovitimização quando ocorre autolesão, necessariamente, encontra-se a clássica dupla vitimal, ou seja, de um lado o vitimizador (agente) e o outro a vítima (paciente). (PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 107).[11]
Com o resultado dos avanços dos estudos vitimológicos tem se lançado o olhar para a classificação das vítimas, sendo elas: primária, secundária e terciária. Desse modo são examinados o potencial para um indivíduo se tornar uma vítima, assim como os fatores diretos e indiretos desencadeados na vítima de um delito. Na concepção de Molina essas fases são descritas como:
A Vitimização Primária é o processo através do qual um indivíduo sofre direta ou indiretamente os efeitos nocivos ocasionados pelo delito, que variam de acordo com o bem jurídico lesionado e podem ser, em regra, materiais ou psíquicos.
A Vitimização Secundária é entendida como o sofrimento suportado pela vítima nas fases do inquérito e do processo, em que muitas vezes deverá reviver o fato criminoso por meio de interrogatórios, declarações e exames de corpo de delito, além de submeter-se a situações como presenciar a argumentação dos defensores do autor sugerindo que deu causa ao fato e o reencontro com o delinquente.
Entende-se por Vitimização Terciária a ausência de receptividade social em relação à vítima, que em diversos casos se vê compelida a alterar sua rotina, os ambientes de convívio e círculos sociais em razão da estigmatização causada pelo delito. São exemplos a segregação social sentida pelas vítimas de crimes sexuais e as consequências da divulgação não autorizada de fotos ou vídeos íntimos nas redes sociais. (MOLINA)[12]
Diante dos ensinamentos de Molina, tem-se que a primeira fase da vitimização seria a perigosidade vitimal, em outras palavras, o estímulo pela vítima do agente criminoso, comportamento que instiga ou provoca a ação de seu agressor. A vitimização primária se relaciona às causas diretas do crime resultantes dos danos sofridos pelo ofendido, seja de ordem material, físico ou psicológico. Esses danos podem resultar em mudanças comportamentais da vítima, como a depressão, isolamento social, entre outros.
A vitimização secundária ocorre em sede das instâncias formais de controle social, como exemplo tem-se a Polícia e o Poder Judiciário. Instituições que a vítima muitas vezes ao buscar apoio se depara com um ambiente hostil e profissionais sem preparo ou sem conhecimento específico para seu entendimento e, desse modo, de vítima, por vezes, passa à condição de suspeita.
Quanto a vitimização terciária, entende-se que esta decorre da falta de amparo dos órgãos públicos e da ausência de receptividade social em relação à vítima. Desse processo de vitimização, em especial do secundário e terciário, surgem as conhecidas cifras negras. Rogério Greco quanto à temática esclarece que:
A estatística criminal se confecciona a partir dos dados registrados pelos órgãos de controle social penal. Isso quer dizer que há um grande número de fatos puníveis que por não terem sido registrados não formam parte da estatística criminal. Estes fatos constituem a cifra negra da criminalidade. Com efeito, nem todo delito é denunciado. Nem todos os delitos denunciados são registrados pelo órgão que recebeu a denúncia são objeto de investigação e nem todos os investigados acabam sendo condenados. Deste modo, de acordo com o nível do órgão a partir do qual se elaborou a estatística, mais alta será a cifra negra. Dito em outras palavras, não é o mesmo elaborar estatísticas criminais a partir das sentenças condenatórias que dos fatos denunciados a polícia. Entre a comissão do delito e a sentença condenatória atuam uma série de filtros que não permitem contar com dados estatísticos confiáveis. (GRECO, 2015, p. 8).[13]
Em outras palavras, as cifras negras representam os casos de subnotificações de crimes por parte das vítimas, e, portanto, infrações penais que não foram objeto de persecução pelo Estado.
Quando se fala sobre a tipificação das vítimas, há várias classificações atribuídas por autores criminalistas, como: Benjamin Mendelsohn, Hans Von Henting, Guaracy Moreira Filho, Jimenez de Asúa, GuglielmoGulotta. E devido as diversas apresentações sobre as vítimas, existem, pelo menos, onze categorias, “divididas em classes gerais: jovens, mulheres, velhos, doentes mentais, imigrantes, e, os tipos psicológicos: deprimidos, ambiciosos, tarados, provocadores, solitários e os agressivos” Silva (2017, p.260)[14]. Quanto a classificação das vítimas, imperioso trazer à baila o que leciona Machado na perspectiva de Benjamin Mendelsohn:
1. Vítima completamente inocente ou vítima ideal. Trata-se da vítima completamente estranha à ação do criminoso, não provocando nem colaborando de alguma forma para a realização do delito. Exemplo: uma senhora que tem sua bolsa arrancada pelo bandido na rua.
2. Vítima de culpabilidade menor ou por ignorância. Ocorre quando há um impulso não voluntário ao delito, mas de certa forma existe um grau de culpa que leva essa pessoa à vitimização. Exemplo: um casal de namorados que mantém relação sexual na varanda do vizinho e lá são atacados por ele, por não aceitar esta falta de pudor.
3. Vítima voluntária ou tão culpada quanto o infrator. Ambos podem ser o criminoso ou a vítima. Exemplo: Roleta Russa (um só projétil no tambor do revólver e os contendores giram o tambor até um se matar).
4. Vítima mais culpada que o infrator. Enquadram-se nessa hipótese as vítimas provocadoras, que incitam o autor do crime; as vítimas por imprudência, que ocasionam o acidente por não se controlarem, ainda que haja uma parcela de culpa do autor.
5. Vítima unicamente culpada. Dentro dessa modalidade, as vítimas são classificadas em: a) Vítima infratora, ou seja, a pessoa comete um delito e no fim se torna vítima, como ocorre no caso do homicídio por legítima defesa;
b) Vítima Simuladora, que através de uma premeditação irresponsável induz um indivíduo a ser acusado de um delito, gerando, dessa forma, um erro judiciário; c) Vítima imaginária, que trata-se de uma pessoa portadora de um grave transtorno mental que, em decorrência de tal distúrbio leva o judiciário à erro, podendo se passar por vítima de um crime, acusando uma pessoa de ser o autor, sendo que tal delito nunca existiu, ou seja, esse fato não passa de uma imaginação da vítima. (MACHADO, 2015, P. 167)[15].
A vitimização de acordo com os estudos da Vitimologia está além das instâncias do cometimento do crime em si, havendo manifesta violação dos direitos que poderá causar os danos à vítima. Trata-se das consequências negativas de um fato traumático. O processo vitimizatório versa sobre as agressões que a vítima passa desde o momento em que é acometida pela infração penal até um período indeterminado, a depender do caso em análise.
Dentre as modalidades de vítimas apresentadas podemos constatar que o crime de estupro se enquadraria em muitos dos casos. Não se pode confundir os tipos de vítimas, com os paradigmas da sociedade em que pese ao comportamento da vítima mulher, uma vez que é julgada pela sua forma de vestir ou estilo de vida, jamais poderá utilizar tais argumentos como justificativa para concretização do crime tal argumento.
A mulher não deve ser hostilizada pela sociedade pela forma de se vestir, tão pouco ser vítima de crimes por conta disso. Em suma o estuprador não tem um perfil pré-definido de vítimas tornando todas as mulheres vulneráveis.
3.3 VIOLÊNCIA SEXUAL E A IDEIA DE CONTRIBUIÇÃO DA VÍTIMA
Em uma análise superficial, a Organização Mundial da Saúde (1996), define violência como sendo “o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, ou outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”[16].
Imperioso destacar o conceito de violência adotado por Chauí (1985). Para a autora, o fenômeno da violência é representado por uma relação de forças na qual um polo é representado pela dominação e o outro pela coisificação, tendo como escopo a ideia de liberdade baseada na capacidade de autodeterminação para pensar, agir, querer e sentir. De acordo com o pensamento de Chauí a violência se mostra como:
Em primeiro lugar, como conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, de exploração e opressão. Em segundo lugar, como a ação que trata o ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência. (CHAUÍ, 1985, p. 32).[17]
Em relação ao termo “vítima”, entende-se tratar de alguém que de alguma forma sofreu algum tipo de dano, é a pessoa que sofre as consequências de um ato de outrem. No presente trabalho está sendo abordado a vítima de estupro, sendo ela exclusivamente mulher. De acordo Oliveira e Ferreira (1999), pode-se conceituar vítima como sendo “aquela pessoa que sofre danos de ordem física, mental e econômica”.[18]
Dentro do conceito etimológico da palavra vítima, ou mesmo do sentido da palavra temos o conceito jurídico de vítima, que presenta o ofendido, a parte autora de uma ação, é por fatos ocorridos a ela que se mensuram todas as premissas da vítima. Ainda de acordo com Oliveira e Ferreira (1999), “em suma no campo jurídico, a expressão é mais ampla que as outras referidas e estas, portanto, ficam por ala abrangidas. Vítima é, portanto, o sujeito constante ou eventual, principal ou secundário”.[19]
Os crimes contra a dignidade sexual são considerados os mais ultrajantes pela população, bem como, pela comunidade jurídica por violarem o íntimo da vítima de maneira que não se permita qualquer reação. Entende-se por vítima qualquer indivíduo ofendido ou que tenha algum bem violado. E ainda, aquela pessoa que é lesionada em razão de um comportamento unível pelo Estado.
A violência sexual pode ser definida como toda ação na qual uma pessoa por meio da coerção física ou psicológica obriga outra a qualquer ato sexual contrário à sua vontade, assim sendo definida pela Lei Maria da Penha, em seu artigo 7º, inciso III:
A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; (BRASIL, 2006).[20]
Em suma a violência sexual constitui uma das formas de tentativa de controle social e cultural sobre os corpos das mulheres, levando em consideração que a influência patriarcalista ainda está muito presente na sociedade brasileira. Esse tipo de agressão é um fenômeno que causa danos invisíveis, afetando de forma profunda, boa parte das vezes, o psicológico das vítimas.
Sabe-se que as maiores vítimas da violência sexual são as mulheres e que a maior parte dos agressores são homens, o que coloca a violência sexual como uma violência de gênero, uma forma de menosprezar e diminuir a figura feminina, bem como uma tentativa de dominação de seus corpos.
Dentre as várias consequências podem-se destacar a constante sensação de insegurança, medo de estar em locais públicos, em especial no período noturno, o desenvolvimento de quadros depressivos e transtorno pós traumático, e até mesmo uma profunda mudança na forma como a vítima passa a se enxergar, fato que interfere diretamente na maneira de se relacionar socialmente, profissionalmente, no seio familiar, isso porque, a vítima pode passar a enxergar o mundo externo e as demais pessoas como uma ameaça constante à sua integridade e segurança.
Importante salientar que a dignidade é intrínseca a todo ser humano, uma questão que o faz ser merecedor de respeito e da tutela do Estado e dos demais indivíduos. A dignidade humana garante a todos uma proteção contra todo e qualquer ato degradante, desumano ou que fira a sua subjetividade e autoestima. Segundo Bitencourt (2012):
Conforme afirma Muñoz Conde, “a liberdade sexual tem efetivamente autonomia própria e, embora os ataques violentos ou intimidatórios à mesma sejam igualmente ataques à liberdade que também poderiam ser punidos como tais, sua referência ao exercício da sexualidade dá a sua proteção penal conotações próprias”. Assim, a violência física ou moral empregada nos crimes de estupro e estupro de vulnerável, por exemplo, constitui, em si mesma, violação da liberdade individual, mas sua incidência direta e específica na liberdade sexual lhe dá autonomia delitiva, distinguindo-a de outras infrações genéricas, tais como constrangimento ilegal, ameaça, lesão corporal, entre outras, que são afetadas pelo princípio da especialidade. Na verdade, o conteúdo essencial desses crimes não se limita à transgressão da liberdade alheia, mas se concentra na violência ou intimidação com que tais crimes sexuais são praticados contra a vontade da vítima, caracterizando verdadeiros crimes complexos. (BITENCOURT, 2012, p. 41).[21]
O uso do termo “dignidade sexual” na legislação penal, demonstra o surgimento de uma nova corrente de pensamento em relação aos bens jurídicos protegidos pelo Estado, na busca por resguardar a respeitabilidade do ser humano no âmbito de sua liberdade sexual. Dignidade passa a ideia de decência, de respeito, algo ligado a honra. Ao aliar os termos dignidade e sexualidade, compreende condutas relativas à satisfação de um desejo sexual, a volúpia ou até mesmo da sensualidade.
Em outros termos, busca-se proteger a liberdade de escolha e impedir qualquer forma de exploração da sexualidade alheia. Nesse sentido, Bitencourt (2012), destaca a importância da proteção especial da Lei Penal em relação à liberdade sexual:
Os tipos penais que têm como objetivo tutelar o bem jurídica liberdade estão insertos em capítulo específico do Título I da Parte Especial do Código Penal, que trata “Dos crimes contra a pessoa” (arts. 121 a 154). No entanto, dentro da liberdade geral, como destaca Muñoz Conde, “a liberdade sexual, entendida como aquela parte da liberdade referida ao exercício da própria sexualidade e, de certo modo, a disposição do próprio corpo, aparece como um bem jurídico merecedor de uma proteção penal específica, não sendo suficiente para abranger toda sua dimensão a proteção genérica concedida à liberdade geral. (BITENCOURT, 2012, p. 41).[22]
A Carta Magna assegura em seu artigo 5º, inciso X, o direito à intimidade, à vida privada e a honra, haja vista que a atividade sexual não é somente uma relação de prazer, mas também, uma necessidade fisiológica do ser humano, razão pela qual a dignidade sexual merece ser tutelada pelo Estado, mais precisamente por meio do direito penal. De acordo com Marcão:
Na Constituição brasileira, como já se disse, a dignidade do ser humano ocupa o terceiro lugar no enunciado de fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), que se proclama “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”. Quer dizer que o constituinte nacional a considera verdadeiro valor dos valores, em torno do qual todos estes deverão operar e, sendo assim, segundo já foi interpretado por JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, como valor-fonte de toda a ordem social. (MARCÃO, 2011, p.33).[23]
Como foi relatado acima é comum que as vítimas escutem que estavam em locais inapropriados para mulheres, que estavam usando roupas ou maquiagem indecentes, provocativas ou que seu comportamento incentivou a conduta do criminoso, comentários estão presentes até mesmo nas instituições que deveriam acolher e protegê-las.
Esses fatos somam e fortalecem a cultura de culpabilização da vítima, que tem as suas raízes no patriarcalismo muito presente na sociedade brasileira. Por meio dessa culpabilização, incentiva-se que as vítimas se calem e que a violência sexual continue a ser vista como um tabu pela sociedade, tornando o seu enfrentamento ainda mais difícil por parte das mulheres agredidas.
No ano de 2014 O Instituto IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada[24], realizou uma pesquisa no Brasil, onde 58,8% dos entrevistados que a vítima possui influência no comportamento de seu agressor e, caso as mulheres se comportassem de forma diferente, talvez houvesse menos estupros. Dentre os entrevistados, 26% acreditavam que as mulheres que usam roupas curtas mereciam ser atacadas. Os dados só reforçam a existência da cultura do estupro no Brasil. Diante disso, a palavra da vítima muitas vezes se mostra insuficiente para que esta veja o autor do crime punido. Nesse sentido Barros, explana que:
Além do quesito credibilidade/confiança cuja mulher deve atender, para que seja comprovado efetivamente que ela foi vítima de estupro, a vítima ainda é submetida a rigorosos “testes de resistência”, tais como longas audiências, confrontações com o agressor, longas esperas nos corredores de delegacia e fórum etc. Todos estes testes ou situações de persistência, muitas vezes criados inconscientemente, tem o intuito de verificar se a vítima poderá levar seu caso adiante, em caso positivo, isto talvez signifique que ela fala a verdade, porque “resistiu” (BARROS, 2009, p. 1195).[25]
A tendência em duvidar da palavra da vítima em crimes sexuais, por si só representa uma violência e uma das facetas da cultura do estupro. Pela lógica da cultura do estupro dentro do estereótipo de criminoso sexual não estaria inserido o homem modelo, aquele que é trabalhador, pai de família, religioso. Logo, ou a suposta vítima teria o provocado a tal ponto de propiciar o cometimento do crime ou estaria apenas por malícia imputando um falso crime, tudo isso como forma de amenizar o fato de que homens cometem estupro. Nesse sentido Andrade sustenta que:
O que ocorre, pois, é que no campo da moral sexual o sistema penal promove, talvez mais do que em qualquer outro, uma inversão de papéis e do ônus da prova. A vítima que acessa o sistema requerendo o julgamento de uma conduta definida como crime – a ação, regra geral é de iniciativa privada – acaba por ver-se ela própria “julgada” (pela visão masculina da lei, da polícia e da justiça) incumbindo-lhe provar que é uma vítima real e não simulada. (ANDRADE, 2006, p. 23).[26]
Evidente que a justiça deve ter o cuidado de não condenar um inocente, verificando todas as questões que envolvem o caso, as incoerências do testemunho da vítima, suas vacilações, a própria retratação, contudo, também, não pode incorrer em injustiça por meio de práticas jurídicas que corriqueiramente transformam a vítima em ré ou que naturalizam e banalizam o estupro.
CONCLUSÃO
O presente trabalho demonstrou que os resquícios de uma sociedade patriarcal dão margem para a violência contra as mulheres, na medida que inferiorizam e subjugam a mulher, de modo que o estupro se apresenta como produto de uma cultura machista que por sua vez é o reflexo da ideologia patriarcal. Tal pensamento ainda está tão presente na sociedade que por meio de pesquisa realizada pelo IPEA sobre a tolerância social acerca da violência contra a mulher restou provado que a maior parte da população culpa a mulher pela violência da qual foi vítima.
O trabalho se aprofundou no estudo da vitimologia e da cultura do estupro, abordando os conceitos de vitimologia, de vítima, de violência, bem como as classificações das vítimas sob a perspectiva da doutrina majoritária. O objetivo do estudo foi analisar e mostrar a importância de se buscar o entendimento acerca da temática da violência sexual contra a mulher, mostrando que na cultura brasileira, na maioria dos casos a mulher vítima de estupro é considerada como culpada, seja pela forma de se vestir ou pelas suas atitudes.
A palavra vítima muitas vezes se mostra como insuficiente para que a mulher que sofreu a agressão veja o autor do crime punido, sua palavra muitas vezes, ou quase sempre, é colocada em questão, um visível descrédito quando o comportamento da agredida não é aceito socialmente, principalmente quando o agressor é visto como um homem de família e trabalhador, embora, seja importante destacar que não existe no crime de estupro um perfil pré-definido do agressor em potencial.
A tendência em colocar a palavra da vítima de crimes sexuais em dúvida, por si só, representa uma das facetas da cultura do estupro que representa a normalização desse crime, justificando a sua ocorrência por conta do comportamento da vítima, da roupa que estava usando, o local em que se encontrava, além de disseminar a ideia de que tal violência se dá em consequência de uma suposta provocação da vítima.
Diante de todo o exposto, conclui-se que a mulher enquanto vítima do crime de estupro não pode ser entendida como uma vítima provocadora, ou mais culpada ou tão culpada quanto o seu algoz numa situação de violência sexual, nem as suas vestimentas e/ou o seu comportamento perante a sociedade podem ser utilizados como argumento para tal enquadramento, sendo o único culpado pelo ato o seu agressor, devendo apenas este ser punido e não a vítima.
A construção desse entendimento por parte da sociedade pressupõe a necessidade de se adotar uma prática pedagógica de enfrentamento da ideologia patriarcal do qual a violência contra a mulher é subespécie e da qual o estupro, é uma de suas muitas facetas, para assim romper com a cultura do estupro, é extremamente necessário que o legislador busque resguardar as mulheres, com medidas para coibir a concretização desses crimes, bem como oferecer as mulheres agredidas o devido auxílio. E mais, é necessário que desde a infância as crianças sejam ensinadas sobre o consentimento e a importância de se respeitar a liberdade e o corpo do próximo.
Finalizando, necessário se faz um modelo de Justiça Penal, para que se possam ser alcançados os anseios da sociedade moderna. A análise do fenômeno vitimal permite que a vítima receba tratamento adequado, enquanto parte fragilizada da relação, vítima-delinquente, de modo que busque punir adequadamente o agente, ao mesmo tempo que busque a prevenção de novos delitos. Em síntese, os estudos vitimológicos, associados aos preceitos penais, hão que focar-se na compreensão total do problema da vítima no sistema penal, como meio de obter-se a resposta adequada.
REFERÊNCIAS
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[1] LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da Metodologia Científica. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2001.
[2] PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia, evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993.
[3] PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia, evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 55.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral e Especial. São Paulo: RT, 2008. p. 69.
[5] PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia, evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 62.
[6] Ibdem. p. 65.
[7] PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia, evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 68.
[8] Ibdem.
[9] MAZZUTTI, Vanessa de Biassio. Vitimologia e Direitos Humanos: o processo penal sob a perspectiva da vítima. Curitiba: Juruá, 2012.
[10] MOLINA, Antonio García-Pablos. Criminologia. 8ª Ed. Ciências Criminais v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais.
[11] PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia, evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993. p. 107.
[12] MOLINA, Antonio García-Pablos. Criminologia. 8ª Ed. Ciências Criminais v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais.
[13] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2015. p. 8.
[14] SILVA, Monica Antonieta Magalhães da. A culpabilização das vítimas de crimes sexuais: uma questão cultural. Revista a Barriguda, Campina Grande. 2017. p. 260.
[15] MACHADO, Tadeu Lopes. Violência no cárcere: análise sobre os estupros no IAPEN/AP. PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP, Macapá, v.7 n. 2, 2014, p. 167.
[16] MAZZUTTI, Vanessa de Biassio. Vitimologia e Direitos Humanos: o processo penal sob a perspectiva da vítima. Curitiba: Juruá, 2012.
[17] Chauí, M. (1985). Participando do debate sobre mulher e violência. Em Perspectivas Antropológicas da Mulher (pp. 25-62). Rio de Janeiro: Zahar. p. 32.
[18] OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de; FERREIRA, IvetteSenise. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. 1999.Universidade de São Paulo, 1999.
[19] OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de; FERREIRA, IvetteSenise. A vítima e o direito penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. 1999.Universidade de São Paulo, 1999.
[20] Decreto - Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal (...). Diário Oficial [da] União, Brasília, 07 ago. 2006. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 25 de nov. 2022.
[21] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 4: Parte especial; dos crimes contra a dignidade sexual até dos crimes contra a fé pública. 6. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 41.
[22] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 4: Parte especial; dos crimes contra a dignidade sexual até dos crimes contra a fé pública. 6. Ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 41.
[23] MARCÃO, Renato. GENTIL, Plínio. Crimes contra a dignidade sexual: comentários ao Título VI do Código Penal. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 33.
[24] IPEA. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde, Nota Técnica nº 11, Brasília, 2014. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11. Acesso em: 22 de nov. 2022.
[25] BARROS, Lívya R. S. M. de; JORGE-BIROL, Aline P. Crime de Estupro e a Vítima: a discriminação da mulher na aplicação da pena. Revista do Ministério Público de Alagoas. Nº 21, p. 135-156. 2009. p. 1195.
[26] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15185/13811. Acesso em 22 de nov. 2022. p. 23.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Fernanda Gomes de. A criminologia e a mulher enquanto vítima do crime de estupro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60368/a-criminologia-e-a-mulher-enquanto-vtima-do-crime-de-estupro. Acesso em: 22 nov 2024.
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