RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar as transformações no cenário das tutelas dos direitos de natureza coletiva e interesses transindividuais no que diz respeito à celeridade da prestação jurisdicional, de acordo com a previsão do Código de Processo Civil. Verificam-se as divergências na antecipação dos efeitos da decisão, que em tese, só aconteceria ao final do processo, e que surge para minimizar a morosidade no sistema processual brasileiro e garantir uma distribuição mais célere às demandas, exigindo do magistrado um juízo de cognição para o seu deferimento, para que não se tenham resultados irreversíveis, caso não haja uma sintonia entre as decisões antecipadas e definitivas. Com uma abordagem qualitativa e de caráter descritivo, para o desenvolvimento do presente artigo foram realizadas pesquisas bibliográficas, legislativas e institucionais a partir dos mais variados campos da área do saber. Convém esclarecer que esta pesquisa exploratória visa proporcionar maior familiaridade com o assunto, porém, como se verá adiante tornou-se um assunto de relevância social e sua discussão é inesgotável quando consideramos as diversas discussões e opiniões sobre o assunto.
Palavras-Chaves: Tutela. Flexibilização. Prova Inequívoca.
1.INTRODUÇÃO
Os últimos anos foram marcados com grandes transformações no cenário das tutelas dos direitos de natureza coletiva e interesses transindividuais, desta forma, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, se fez necessário a introdução de mecanismos que atendessem a celeridade da prestação jurisdicional e disciplinassem o Código de Processo Civil de 1973, como também de instrumentos eficazes para as ações que tratavam das tutelas constitucionais acima elencadas.
A utilização da tutela antecipada tem importância jurídica profunda para a sociedade, pois, historicamente, os procedimentos foram utilizados para beneficiar determinada classe. Enquanto o processo comum do conhecimento vinha com sua morosidade tutelar, as classes inferiores, muitas vezes não conseguiam satisfazer seus direitos com efetividade. A partir de 1994, com a grande onda reformista, se institui a tutela antecipada para distribuir o tempo do processo e garantir efetividade na prestação jurisdicional.
Mesmo com a utilização de tal instituto, muitas divergências ainda são encontradas, pois a antecipação dos efeitos de uma decisão, que só aconteceria ao final do processo, ainda é vista no momento de sua aplicação com muita reticência pelos operadores de Direito e tribunais.
Uma vez que a técnica utilizada é a exegese do artigo 273 do Código de Processo Civil, seus requisitos são vistos com certo grau de dificuldade, não atribuindo assim a vontade do legislador na implantação do referido instituto processual.
Assim, a Tutela Antecipada veio para suprir a morosidade do sistema processual brasileiro e garantir uma distribuição mais célere nas demandas, mas também exige do magistrado um juízo de cognição para o seu deferimento, tanto na sua utilização adequada (fazendo surtir efeitos a implantação de tal instituto), como também, na atenção para não prejudicar a parte contrária, uma vez que, não se exige para o deferimento o contraditório.
2. DA FLEXIBILIZAÇÃO DO PROVIMENTO FRENTE À PROVA INEQUÍVOCA DA VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO
Para tratar deste tema é necessário entendermos que o processo padrão é estudado na cognição horizontal e vertical, sendo a primeira dividida em cognição plena e parcial, e a segunda no aprofundamento da cognição, podendo ser sumária ou exauriente. Conforme desenvolve a maior parte da doutrina e também pelos ensinamentos de Watanabe (2005, p. 129), no qual em aprofundado estudo discorre que os conflitos levados ao processo são realizados pela cognição plena ou parcial em sentido horizontal e a apreciação de sua profundidade através da cognição sumária e exauriente em sentido vertical:
Em linha de princípio, pode-se afirmar que a solução definitiva do conflito de interesses é buscada por provimento que se assente em cognição plena e exauriente, vale dizer, em procedimento plenário quanto à extensão do debate das partes e da cognição do juiz, e completo quanto à profundidade dessa cognição.
O mestre Watanabe (2005, p. 131) ainda cita sobre a cognição sumária, que é realizada quando o operador do direito se depara com tutelas de urgência que exigem rápida resposta do judiciário, sob pena de lesão a direitos:
[...] cognição sumária ou superficial: em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou para a antecipação do provimento final, nos casos permitidos em lei, ou ainda em virtude de particular disciplina da lei material, faz suficiente a cognição superficial para a concessão da tutela reclamada;
Alvim e Arruda Alvim (2003, p. 428-429), ao definirem sobre o grau de profundidade da cognição que o magistrado realiza para se chegar a sentença final, assim descrevem:
Por cognição exauriente, a doutrina tem entendido como aquela em que o juiz deve formar um convencimento não-provisório da matéria cognoscível, tendente à resolução final da lide, com a apreciação do máximo de provas que julgar necessário. Nessa forma de cognição, busca-se os juízos de certeza ou convicção, próprios do privilégio dado ao valor da segurança jurídica.
E na cognição sumária, ainda citam o juízo de verossimilhança da alegação e a probabilidade que deve assumir o interprete para a efetivação dos instrumentos processuais colocados no ordenamento processual civil:
Nesta, o juiz aprecia as provas e argumentações de maneira rápida e sem exigir demonstrações cabais, com o objetivo prático de formar um convencimento assumidamente provisório, mutável e incompleto, de verossimilhança e probabilidade. Tal forma de cognição é fruto de um processo civil orientado pelo risco, emergente de uma sociedade pós-moderna, afetada pela velocidade das transformações tecnológicas e pela queda epistemológica dos valores certeza e segurança.
Assim, nas ações judiciais por diversas vezes o magistrado se depara com hipóteses, que se faz necessário uma análise dos fatos e do pedido do autor para a concessão ou não da antecipação dos efeitos do mérito, e que havendo demora no procedimento, poderá esse direito sofrer lesão ou até mesmo não ser mais satisfeito ao final da demanda.
Autoriza-se deste modo, através da legislação processual civil, que o juiz diante da impossibilidade aguardar o contraditório e a instrução probatória, confira a parte requerente uma tutela jurisdicional urgente, baseada em juízos de verossimilhança para não ferir o princípio da efetividade do direito, tratando a doutrina como sendo um momento em que se realiza a técnica da cognição sumária, conforme explica Coelho (2007, p. 674):
No entanto, é equivocado trabalhar apenas com a cognição plena e exauriente. Realmente, devem existir também tutelas sumárias. De fato, de um lado coloca-se a segurança (tutelas ordinárias) e, de outro, a celeridade e a urgência (tutelas sumárias), que devem ser compatibilizadas, já que o processo deve servir, ao mesmo tempo, para tutelar o interesse do autor e réu.
Em suma, a doutrina é unânime em admitir que a técnica da cognição sumária tem elevado a grande importância na efetividade do processo, pois através dela os procedimentos devem ser mais ágeis e se ajustar ao ritmo acelerado das alterações que ocorrem na sociedade moderna, a de modo inesperado e sempre à frente do direito processual e material.
O legislador para atender os reclames do sistema processual civil, instituiu a antecipação dos efeitos da tutela, que diante das técnicas de urgência, trariam assim a celeridade na tutela jurisdicional.
As respostas legislativas nascem a partir das preocupações doutrinárias e das abstrações dogmáticas que fazem parte da ciência processual, na busca do instrumentalismo mais efetivo do processo. Diante de uma ótica mais abrangente na problemática sócio jurídica, as alterações ocorridas no âmbito da sociedade exigem do direito material e processual, garantias aos princípios constitucionais elencados em nossa Carta Magna.
Completa é a definição dada por Watanabe (2005, p. 22), quando defende a utilização dos institutos processuais voltados para a efetivação da tutela dos direitos:
O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais -, prestigiando ou adaptando, ou reformulando os institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos -, sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumentos à efetiva realização dos direitos.
A utilização da técnica de antecipação da tutela no cotidiano forense se confunde com a técnica cautelar, e exige do magistrado certa rigidez para a sua concessão, e assim, deixa de tutelar os novos direitos e as aspirações da sociedade que evoluem com certa rapidez diante do sistema procedimental.
Não trata este trabalho de analisar a antecipação dos efeitos da tutela diante do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, que para alguns doutrinadores servem como uma sanção imposta à parte ré, mas sim em face do eminente dano irreparável ou de difícil reparação do inciso I, do artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973.
A tutela antecipada está inserida em nosso sistema há quase 16 anos com o intuito de frear a morosidade na tramitação do processo de conhecimento. Mas ainda, para alguns doutrinadores o modo como foi prevista dificulta a possibilidade de sua aplicação, e assim se afasta a real intenção da sua inserção na busca da celeridade da efetivação da tutela jurisdicional.
Tratando-se esta, de uma tutela de urgência, o magistrado para o deferimento ou não, poderá estar diante de uma situação em que a impossibilidade de produção de provas e a natureza da lesão ao caso concreto, exigem-no, correr o risco para não provocar um dano maior, e neste momento é que se faz a cognição sumária, como melhor define Watanabe (2005, p. 145): “Cognição sumária é uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical.”
Fazendo uma interpretação gramatical do caput do artigo 273 do Código de Processo Civil, percebe-se facilmente que o legislador introduziu o juízo de verossimilhança, mas restringiu a possibilidade da concessão quando lançou no texto a exigência de prova inequívoca, contraditando-se ambos os requisitos, conforme preleciona Jaqueline Silva (2009, p. 334), ao tratar do tema:
Em razão de toda ideologia do processo estar amparada na busca de uma certeza – à qual nunca chegaremos! – o caminho mais simples encontrado pelo legislador foi o de restringir a possibilidade de concessão de medidas antecipatórias. Com a inserção de requisitos típicos de juízos de certeza, tal intuito foi alcançado, a começar pela exigência de prova inequívoca. Ora, a prova inequívoca, muitas vezes, inexiste em sede de juízo de verossimilhança, como temos na tutela antecipada! Trata-se de requisito absolutamente contraditório com o outro dos requisitos: a verossimilhança.
O rigorismo exigido pela prova inequívoca é tratado com certa cautela pela doutrina, pois diante de um juízo de cognição sumária não poderia assim ser concedido tal tutela.
Marinoni (2009, p. 23), explica que esta prova inequívoca não deve ser entendida como requisito que não aceita prova em contrário, ou que leve o magistrado a utilizar somente das provas que apontem em um único sentido, para assim antecipar os efeitos da tutela. Pois agindo nesta posição, estará o juiz deixando de trazer a mais importante finalidade de tal instituto, que é a autorização expressa no artigo 273, no qual o magistrado irá decidir com base em verossimilhança:
Tal espécie de tutela antecipatória apresenta-se como necessária quando a posição do autor está gravemente fragilizada, já que o seu direito está sendo ameaçado por dano iminente. Para tornar possível a sua proteção, outorgou-se expressamente ao juiz a possibilidade de decidir com base em verossimilhança, o que significa que ele está proibido de pensar em uma convicção de verdade, própria à regra do ônus da prova.
Nesse sentido Alvim (2000, v.3, p.422) discorrendo sobre o assunto, esclarece que o legislador quando da redação da Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, motivado pelos decorrentes temas de acesso à justiça em nossa civilização, resultado da globalização, e em situação contrária a morosidade com que o processo de conhecimento tratava as tutelas de urgência, se viu obrigado a implantar um instituto que oferecesse garantias a tutela do direito de quem recorre ao judiciário:
O art. 273, caput, utiliza-se de expressões, quais sejam, prova inequívoca conducente ao convencimento do juiz da verossimilhança, cujo entendimento poderá gerar perplexidade, antes que se estabeleça a verdadeira significação. Para isto se segue que é importante considerar-se a própria posição e a grandeza da tutela antecipatória, nos quadros do sistema com vista a interpretar corretamente as expressões utilizadas pelo legislador quando da criação deste instituto.
A discussão tratada pela doutrina acerca da rigidez na interpretação dos requisitos do artigo 273, do Código de Processo Civil, é comentada por Odilon Capucho Pontes de Souza, em texto produzido para o site jurídico Jus Navigandi (2004):
No que concerne ao plano semântico jurídico, a expressão "prova inequívoca" traz em seu cerne uma enorme impropriedade, pois o adjetivo "inequívoco" (com significação de evidente, inegável, que não deixa dúvida) não se adéqua, na perspectiva da lógica processual, com o substantivo "prova" que no texto da lei é usado no sentido de meio probatório, esse é o entendimento pacífico da doutrina. No mesmo diapasão, o entrave é que os meios de prova admitem classificações de caráter objetivo, não cabendo à lei classificá-la como equívoca ou inequívoca, que é critério subjetivo, porque o reconhecimento de tal qualidade depende, tão somente, da valoração que o magistrado decida atribuir à prova num determinado processo, pautado no princípio do livre convencimento. Portanto, se apresenta totalmente equivocada a expressão "prova inequívoca”.
Importante colocação é feita por Flach (2009, p. 117), quando relata sobre a verossimilhança no processo civil:
A expressão “prova inequívoca da verossimilhança” do art. 273 do CPC já foi objeto de inúmeras críticas denunciando contraposição inconciliável entre o adjetivo inequívoca atribuído à prova, e o termo verossimilhança. O que é inequívoco deve ser tido como verdadeiro, não verossímil. Aponta-se a existência de contradição interna que dificulta a compreensão do standard.
Pelos ensinamentos trazidos pela doutrina dominante, fica claro que a introdução da tutela antecipada no nosso ordenamento jurídico, foi para organizar a utilização das cautelares inominadas e garantir ao titular do direito um procedimento capaz de efetivar a tutela jurisdicional de forma rápida e eficaz. No entanto, apesar da intenção do legislador ser essa, deixou o intérprete do artigo 273, do Código de Processo Civil, em posição que pode se distanciar da real vontade da lei, como bem observou Montenegro Filho (2008, v.3, p.25):
Nenhuma prova é inequívoca, o que nos faz concluir que o legislador foi infeliz no emprego da expressão contida no caput do art. 273 da Lei de Ritos, Mesmo um teste de DNA, que aponta a paternidade num grau de probabilidade superior a 99% (noventa e nove por cento), poder ser visto como prova inequívoca. Entendemos que a interpretação da lei deve partir da premissa da exigência de uma prova robusta da existência do direito afirmado pelo autor, e não uma mera fumaça de bom direito.
Em interpretação contrária e seguindo o texto gramatical da prova inequívoca, José Carlos Barbosa Moreira, citado por Marinoni (2009, p. 172), atribui um significado autônomo a prova inequívoca, afirmando que referida prova só se admite em um único sentido:
A tese de Barbosa Moreira faz uma interpretação gramatical do significado de ‘prova inequívoca’, lembrando, inclusive, o significado que os dicionários atribuem a ‘equívoco’, mas não se preocupa com a finalidade da norma que encampa tal locução, e aí esquece o mais importante, isto é, que o art. 273 expressamente autoriza o juiz a decidir com base em convicção de verossimilhança.
Dinamarco (2008, p. 270) admite, ao observar que na técnica da instrumentalidade do processo, tanto o legislador quanto o intérprete, devem avaliar os riscos que poderão correr quando se utilizar do juízo de probabilidade em cognição sumária:
Ao estabelecer o desejado modelo de equilíbrio entre a celeridade e a ponderada cognição como virtudes internas do processo, legislador e intérprete hão de estar conscientes do risco que correm ao se afastarem dos critérios de certeza e passarem a confiar na probabilidade suficiente, como metro para as soluções processuais.
Com grande aprofundamento ao tema da prova inequívoca Machado (1999, p. 396), interpreta o requisito da prova inequívoca exigido para a concessão da tutela antecipada:
Inicialmente, cumpre assinalar que, sob o ponto de vista semântico-jurídico, a locução “prova inequívoca” traz em seu bojo uma enorme impropriedade, na medida em que o adjetivo “inequívoca” (com a significação de evidente, inegável, que não deixa dúvida) não se coaduna, na perspectiva da lógica processual, com substantivo “prova” que, no texto sob enfoque, é utilizado no sentido de meio probatório (o instrumento pessoal ou material que é trazido ao processo com o intuito de revelar ao juiz a veracidade de um fato).
Assim, assinala a doutrina que o requisito “prova inequívoca”, exigido para a concessão de tal instituto, deve ser interpretado de modo que não impeça a realização da cognição sumária na busca da efetividade do processo.
Além da “prova inequívoca”, para o deferimento da tutela antecipada, buscou o legislador, deixar outro requisito com o intuito de equilibrar os princípios constitucionais colocados em conflitos, e garantir assim maior efetivação da tutela garantida pelo Estado.
A “verossimilhança da alegação”, muito discutida por filósofos e juristas do direito, segue a mesma interpretação para a busca da tutela efetiva do direito, necessitando assim que o postulante demonstre os fundamentos para a convicção da pretensão, conforme destacado por Flach (2009, p. 130):
Descolada a noção de verossimilhança, para os fins a que se destina no art. 273 do CPC, de uma valoração jurídica da pretensão deduzida ela se resume a uma parte da questão. É evidente que reconhecer que a exposição dos fatos feita pelo autor é plausível e que há razões para nela crer é um elemento essencial do juízo; não é, todavia suficiente. Ao antecipar tutela por entender verossímil a alegação do autor, ou relevantes os fundamentos, o juiz analisa integralmente os fundamentos da pretensão, inclusive os aspectos eminentemente jurídicos, estabelecendo vinculações sistemáticas, ciente do campo de normatividade em que se insere a atividade.
Tratando do juízo de verossimilhança, segundo dicionário de Acquaviva (2006, p. 677), através do ponto de vista estritamente semântico, as expressões aparência, probabilidade se aproximam, ao ponto de se confundirem, senão vejamos:
Por este princípio de direito processual, leva-se em conta a probabilidade de um fato, ainda não provado, ser verdadeiro. Mediante sua invocação, o juiz baseado simplesmente na verossimilhança, recebe a petição inicial e concede liminares, decidindo, provisoriamente, sobre o mérito da causa, como ocorre nos interditos possessórios. O princípio da verossimilhança liga-se, umbilicalmente, à teoria da aparência, que se robustece em face de sua notória incidência prática [...]
Exige o artigo 273 do Código de Processo Civil, nos ensinamentos da doutrina, que ao juiz para a concessão da tutela antecipada, deve estar convencido no momento da cognição sumária, demonstrando assim que o seu intelecto reside nos níveis da certeza, probabilidade e da dúvida.
O legislador reconhecendo a necessidade de lançar no âmbito do processo civil soluções para a efetividade da tutela dos direitos, e simultaneamente garantir os princípios constitucionais, foi obrigado a instituir mecanismos simplificados observando o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade. Dentre eles foi à tutela antecipada que mais ênfase teve para saciar a morosidade processual no judiciário e deixar para trás as exigências formais que colocavam o valor da justiça em segundo plano.
No plano processual grande parcela da doutrina reconhece que o julgador por grande acúmulo de trabalho, deixa de submeter os atos processuais a um exame crítico, levando em conta os princípios da economia processual e a ausência de prejuízo, para tão somente seguir um formalismo excessivo e com isto afastar a real vontade da busca da efetividade jurisdicional.
Entretanto, é bem observado que não se deve revelar despreocupação com os princípios que regem a segurança processual do devido processo legal, mas imprescindível se faz que o operador do direito procure trabalhar no plano do direito material e processual de acordo com a luz dos princípios constitucionais.
Bedaque (2006, p. 108), tratando do tema efetividade da jurisdição e os formalismos lançados na tramitação processo, discorre:
Em primeiro lugar, é preciso abandonar a ideia de que os atos processuais devem atender rigorosamente a determinada forma previamente estabelecida, não tendo o juiz poderes para flexibilizar os rigores da lei. O formalismo exagerado é incompatível com a visão social do processo. Não podemos olvidar que o Estado está comprometido com a correta solução das controvérsias, não com a forma do processo.
Sendo a tutela antecipada um instituto processual realizado através da técnica de cognição sumária, concedendo ao juiz poderes para permitir ou não a parte experimentar os efeitos que a sentença produziria ao final caso não seja revogada no decorrer do processo, autorizou-se assim, que o magistrado corra certo risco diante do fato concreto, conforme melhor explica Marinoni (2009, p. 23):
É preciso, portanto, que os operadores do Direito compreendam a importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há razão para timidez no uso da técnica antecipatória, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado. É necessário que o magistrado compreenda que não pode haver efetividade, em muitas hipóteses, sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão.
A questão que se trata neste tema é da flexibilização do requisito da “prova inequívoca” e “verossimilhança da alegação”, pois utilizando de uma interpretação gramatical do artigo 273 do Código de Processo Civil, seria quase que impossível ao magistrado deferir os efeitos da tutela antecipada requerido na inicial de uma lide, exigindo assim a relativização de tais requisitos com o fim de se chegar a real intenção do legislador, quando da introdução de tal instituto em nosso ordenamento processual, conforme tratado por Aragão (1996, p. 201):
Aparentemente, “prova inequívoca”, e “verossimilhança” são conceitos incompatíveis. Se se aceita mera verossimilhança não é possível pretender prova inequívoca. Para compreender o enigma tem-se de admitir que constitui especial recomendação aos magistrados de avaliarem com rigor a verossimilhança.
Procura a doutrina demonstrar que os formalismos em excesso afastam o direito material daqueles que postulam em juízo, e esse mecanismo de separação muitas vezes é o próprio direito processual, que em interpretação gramatical do texto legal nas práticas forenses, desvirtuam a efetividade instrumental das técnicas de urgência. Assim afirma Lamy (2009, p.106), ao tratar da flexibilização:
Não há dúvida de que é cada vez mais necessário pensar o processo e o direito material conjuntamente, integradamente. Trata-se, portanto, de uma concepção que vem sendo assimilada pela doutrina, mas que ainda precisa de maior propagação e difusão perante os operadores do direito, para que se obtenham maiores resultados, especificadamente na prática forense cotidiana.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Zavascki (2008, p. 137) destaca a aplicação da tutela antecipada em todo o sistema processual, devendo ser repensados os conceitos voltados à luz dos novos valores jurídicos:
[...] é aquele que representa uma nova concepção de processo civil, uma alteração nos seus rumos ideológicos, marcada pelo acentuado privilégio da efetividade jurisdicional. Ora, a especial salvaguarda desse princípio, feita pelo legislador, tem reflexos não apenas tópicos, ou seja, não apenas num ou outro dispositivo codificado, mas passa a permear todo o sistema, que, assim, deve ser reinterpretado à luz dos valores jurídicos agora privilegiados.
Ainda reforçando o tema deste trabalho, Marinoni (2000, p. 124-125) destaca que o legislador quando da inserção da tutela antecipada no ordenamento processual, estava ciente dos riscos que o magistrado poderia correr quando da utilização de tal instrumento, mas mesmo assim não poderia se apegar ao formalismo exagerado trazido pela doutrina tradicional:
[...] exige que o juiz deixe de lado o comodismo do procedimento ordinário – no qual alguns imaginam que ele não erra – para assumir as responsabilidades de um novo juiz, de um juiz que trata dos “novos direitos” e que também tem que entender – para cumprir a sua função sem deixar de lado a sua responsabilidade social – que as novas situações carentes de tutela, não podem, em casos não raros, suportar o mesmo tempo que era gasto para a realização dos direitos a 60 anos atrás, época em que foi publicada a célebre obra de Calamandrei, sistematizando as providências cautelares.
Desta forma entende-se por grande parte dos doutrinadores da atualidade, que o interprete quando da aplicação da tutela antecipada no fato concreto deve estar consciente de que a verdade real no processo é algo impossível de ser descoberto, e através da cognição sumária flexibilizar o requisito da prova inequívoca da verossimilhança da alegação, não atento somente ao formalismo rigoroso que faz do processo civil uma barreira para obtenção da tutela jurisdicional de urgência, conforme bem destaque Bedaque (2006, p. 88):
Tais alternativas, todavia, atingem número não muito expressivo de demandas. É necessário pensar na maioria das hipóteses, em que não estão presentes os requisitos da tutela antecipada e do julgamento antecipado. Para tais situações a simplificação e a flexibilização da forma representam a opção mais adequada.
A reforma processual ocorrida com a introdução da tutela antecipada dá ao magistrado poderes para com base na verossimilhança da alegação e diante do fato concreto, repensar os excessos de formalismos criados nos procedimentos e realizar uma técnica processual voltada à luz dos princípios constitucionais que protegem a efetivação da tutela jurisdicional, garantido a sociedade segurança jurídica.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso ordenamento processual civil, após a reforma de 1994, pela Lei 8.952 de 1994, muito se enriqueceu, rompendo concepções ultrapassadas e prestigiando uma visão de função social do processo sob a luz da Constituição Federal de 1988.
Dentre estes mecanismos está a Tutela Antecipada. Resposta dada pelo legislador para fazer frente a uma reforma no Código de Processo Civil, quando se trata de tutela de urgência, visando solucionar a lentidão da justiça e aproximar o direito processual do direito material.
Entretanto, esbarra a doutrina em um ponto fundamental quando da instituição da tutela antecipada e seus requisitos, os quais quando levados a uma interpretação gramatical pelo magistrado, dão ao processo um apego exagerado ao formalismo e com isto não satisfazem as reivindicações que levaram a introdução deste instituto no meio processual.
Desta forma a doutrina moderna e dominante se manifesta no sentido de que o processo muitas vezes não se traduz em um meio de realização do direito material, pois a rigorosa forma processual cria obstáculos aos mecanismos que ao longo da história do direito foram sendo reformados com a intenção de amenizar a morosidade no judiciário, e de demonstrar para a sociedade que a tutela jurisdicional é prestada de forma eficaz de acordo com o direito almejado.
Assim, para o deferimento da tutela antecipatória, deverão ser demonstrados em sede de cognição sumária os requisitos ensejadores de tal medida, dos quais o interprete deverá relacionar os valores tutelados pelo direito, conferindo segurança ao processo com as garantias da tempestividade e efetividade da jurisdição, bem como flexibilizando os formalismos que foram criados ao longo da história do direito.
Observou-se também, que grande parte da doutrina reconhece que o magistrado, quando da apreciação do pedido de tutela antecipada, está autorizado a flexibilizar os requisitos de tal instituto, pois como visto, o ser humano tem certa limitação para se chegar ao conceito da verdade, devendo o juiz atender a verossimilhança da alegação em consonância com os fatos trazidos aos autos, e a dificuldade muitas vezes enfrentada pela parte para demonstrar as provas que tal requisito exige quando da interpretação gramatical do artigo 273 do Código de Processo Civil, que é a prova inequívoca da alegação demonstrada.
A preocupação foi uma aproximação entre o direito instrumental e o direito material, pois entre estes está a efetividade da jurisdição, cujo aperfeiçoamento passa pela via processual. Devendo o operador do direito quando da aplicação do instituto da tutela antecipada, interpretar o artigo 273, caput, do Código de Processo Civil, de acordo com as reais necessidades de uma sociedade em massa, as quais levaram o legislador de 1994, frente aos princípios constitucionais, a introduzir tal reforma em nosso ordenamento.
Merece assim, certa flexibilização as técnicas de urgência, especialmente na prova inequívoca da verossimilhança da alegação, requisito da tutela antecipada, para que a real vontade não só do legislador, mas de todos os doutrinadores que ao longo de anos percebendo a evolução da sociedade em desigualdade com a evolução do direito material e processual, lutaram para que as reformas processuais sempre fossem voltadas para a efetividade de uma justiça rápida e segura.
REFERÊNCIAS
ACQUAVIVA, M. C. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 13. ed. atual., rev. e ampl. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2006.
ARAGÃO, E. M. de. Alterações no Código de Processo Civil: Tutela antecipada e perícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul-set. 1996, ano 21, n 83.
ARRUDA ALVIM, E. Inovações sobre o Direito Processual Civil: Tutelas de Urgência. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
ALVIM, A. Manual de direito processual civil: Processo de Conhecimento. 7. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, v.2.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, artigo 273. Publicado em 17/01/1973.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil, DF: Senado Federal, 1988.
BEDAQUE, J. R. dos S. Efetividade do processo e técnica processual. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
COELHO, F. A. Teoria geral do processo. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007.
DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
FLACH, D. A verossimilhança no processo civil e sua aplicação prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, v. 15.
LAMY, E. de A. Flexibilização da tutela de urgência. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009.
MACHADO, A. C. da C. Tutela Antecipada. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
MARINONI, L. G. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MARINONI, L. G; ARENHART, S. C. Prova. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
MONTENEGRO FILHO, M. Curso de direito processual civil: Medidas de urgência, tutela antecipada e ação cautelar, procedimentos especiais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008, v. 3.
SILVA, J. M. Tutela de urgência: De Piero Calamandrei a Ovídio Araújo Baptista da Silva. 1. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009.
SOUZA, O. C. P. Tutela antecipada e fumus boni iuris. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 367, 9 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.aSP?id=5430>.
ZAVASCKI, T. A. Antecipação da Tutela. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
WATANABE, K. Da cognição no processo civil. 3. ed. São Paulo: Perfil, 2005. rev. atual.
Advogada, Docente em Direito no Centro Universitário Escritor Osman da Costa Lins –UNIFACOL; Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho; Pós Graduada em Gestão Pública
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, THAIS KARINE DE LIMA XAVIER. Reflexão sobre a tutela antecipada: da flexibilização do provimento frente à prova inequívoca da verossimilhança da alegação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2023, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61112/reflexo-sobre-a-tutela-antecipada-da-flexibilizao-do-provimento-frente-prova-inequvoca-da-verossimilhana-da-alegao. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
Precisa estar logado para fazer comentários.